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Processo n.º 660/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 
 art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da 
 decisão do relator de não conhecimento do recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional do acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Julho de 2005, que 
 negou provimento ao recurso interposto do despacho proferido pelo Juiz de 
 Instrução do Tribunal Judicial de Águeda, nos autos de Inquérito n.º 
 
 345/05.3GBAGD da Secção de Processos do Ministério Público, que lhe aplicou a 
 medida de coacção de prisão preventiva.
 
  
 
             2 – Fundamentando a sua reclamação, o reclamante aduz o seguinte 
 discurso argumentativo:
 
  
 
 «[…]  não se conformando com a douta decisão de não conhecimento do objecto do 
 seu recurso, contra ela vem reclamar, nos seguintes termos:
 
  
 
 1º
 O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º, da Lei do 
 Tribunal Constitucional e do art. 280º, n.º 1, al. b) da Constituição da 
 República Portuguesa, e a questão das inconstitucionalidades foi suscitada nos 
 autos de recurso para a Relação de Coimbra, em especial, nas alegações 21ª a 24ª 
 e respectivas conclusões X e XI, sobre elas tendo recaído o douto acórdão 
 recorrido.
 
  
 
 2º
 Continua-se a pretender que seja declarada ilegal e inconstitucional, por violar 
 o princípio da presunção de inocência previsto pelo art. 32º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa:
 
  
 a interpretação e/ou aplicação da alínea c) do art. 204º do Código de Processo 
 Penal, por referência ao princípio da adequação previsto pelo art. 193º, n.º 1, 
 
 1ª parte, do C.P.P. - como fez a douta decisão recorrida - para satisfação de 
 exigências gerais de alarme social, no sentido de não ser necessária a 
 existência e invocação de factos, relativos a existência concreta de exigências 
 cautelares intra-processuais de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade 
 públicas na comunidade do arguido. É abusiva essa prisão preventiva, pois não se 
 pode interpretar a referência à paz jurídica, à luz da alínea c) do art. 204º do 
 C.P.P., no sentido de uma ideia de prevenção geral, sendo a prisão preventiva 
 ilegítima para prosseguir finalidades de direito penal. 
 
  
 
 3º
 A dimensão normativa do preceito constitucionalmente impugnada foi efectivamente 
 ratio decidendi da decisão recorrida.
 
  
 
 4º
 O que se questiona é a necessidade constitucional de invocação de factos 
 concretos relativos ao perigo de perturbação na comunidade do arguido, e não 
 
 (apenas) de factos relativos ao crime imputado ou à personalidade do arguido. 
 Factos concretos relativos ao perigo de perturbação na comunidade do arguido.
 
  
 
 5º
 O douto despacho de aplicação da prisão preventiva não se dignou sequer a 
 invocar qualquer facto com vista a fundamentar tal requisito, e veja-se a 
 fundamentação da prisão preventiva do douto acórdão recorrido:
 
  
 
 «É que o recorrente parece querer esquecer que a violência doméstica é um 
 problema preocupante no mundo actual.
 Será que está de tal modo alheio à magnitude do fenómeno que tem levado à 
 proliferação de inúmeras associações que lutam contra a violência doméstica 
 deste género a nível de todo mundo ocidental?
 Será que as campanhas feitas a nível da comunicação social não chegam aos 
 ouvidos e aos olhos do recorrente?
 O combate a um tal tipo de violência é uma das grandes preocupações actuais da 
 nossa sociedade, e o tribunal não o ignorou.
 Por essa razão ninguém entenderia que depois de ter morto a companheira, como 
 ele próprio reconhece ‘com a porrada que lhe deu’, o mesmo fosse colocado a 
 aguardar julgamento mediante outra medida coactiva. É pois por demais evidente à 
 luz do cidadão médio que a sua libertação geraria forte alarme social.»
 
  
 
 6º
 Bem pode a Constituição bastar-se com estas doutas considerações, mas não se 
 diga que essas considerações constituem: «(...) a existência e invocação de 
 factos, relativos a existência concreta de exigências cautelares 
 intra-processuais de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na 
 comunidade do arguido.»
 
  
 
 7º
 
 É certo que a decisão recorrida conclui existirem esses factos concretos, mas a 
 dimensão constitucionalmente impugnada não tem a ver com a sua referência a uma 
 conclusão judicial, tem a ver com a necessidade de sua fundamentação.
 
  
 
 8º
 Trata-se de um problema de interpretação, sendo que, caso se entenda que essas 
 considerações não constituem: «(...) a existência e invocação de factos, 
 relativos a existência concreta de exigências cautelares intra-processuais de 
 perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na comunidade do 
 arguido.», então a dimensão normativa do preceito constitucionalmente impugnada 
 foi efectivamente ratio decidendi da decisão recorrida.
 
  
 
 9º
 Pretende-se ainda que seja declarada ilegal e inconstitucional, por ofensa aos 
 princípios da subsidiariedade da prisão preventiva e da fundamentação de actos 
 decisórios, previstos pelos arts. 28º, n.º 2, e 205º, n.º 1, ambos da 
 Constituição da República Portuguesa:
 
  
 a interpretação e/ou aplicação dos arts. 202º, n.º 1, 193º, nº 2, e 97º, nº 4, 
 todos do C.P.P., fundamentando o cumprimento daquele primeiro princípio - como 
 fez a douta decisão recorrida - referindo a subsidiariedade à gravidade dos 
 crimes imputados, e não à capacidade de medida de coacção menos gravosa cumprir 
 em os interesses cautelares invocados, e no sentido de não exigirem aquelas 
 normas que se especifiquem as razões da inadequação ou insuficiência das outras 
 medidas.
 
  
 
 10º
 Quanto a esta parte do recurso é gritante a sua admissibilidade: não foram 
 cumpridos os requisitos de fundamentação expressa dos preceitos invocados, 
 quanto à inadequação das restantes medidas de coacção.
 
  
 
 11º
 Fundamentou-se a adequação da prisão preventiva, ou seja, a sua capacidade para 
 cumprir as exigências de prevenção (seria de espantar que o não pudesse), mas 
 não os fundamentos da inadequação das restantes medidas, planos perfeitamente 
 diversos - cf., neste sentido, Maria João Antunes, «Liber Discipulorum para 
 Jorge de Figueiredo Dias», pg.1255.
 
  
 
 12º
 Essa fundamentação é constitucionalmente exigida nos termos invocados, não tendo 
 sido cumprida, e o entendimento contrário pode não ter sido ratio concluendi, 
 mas foi certamente ratio decidendi. Até porque a aplicação da norma, ou de uma 
 sua interpretação, pode ser implícita (Acs. do T.C. nºs 88/86, 47/90, 235/93).
 
  
 Nestes termos
 e nos melhores de direito, requer V.s Excia.s se dignem, conhecer do recurso».
 
  
 
             3 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu 
 dizendo que “pelas razões que constam da decisão sumária proferida no processo – 
 que não foram postas em crise pela reclamação – é manifesto não ser possível 
 conhecer do objecto do recurso”.
 
  
 
             4 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
     «1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão (LTC), do acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Julho de 2005, 
 que negou provimento ao recurso interposto do despacho proferido pelo Juiz de 
 Instrução do Tribunal Judicial de Águeda, nos autos de Inquérito n.º 
 
 345/05.3GBAGD da Secção de Processos do Ministério Público, que lhe aplicou a 
 medida de coacção de prisão preventiva.
 
  
 
     2 – Pretende o recorrente que seja declarada ilegal e inconstitucional:
 
  
 
     - “[…] por violar o princípio de presunção de inocência previsto pelo art. 
 
 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa:
 
  
 a interpretação e/ou aplicação da alínea c) do art. 204º do Código de Processo 
 Penal, por referência ao princípio da adequação previsto pelo art. 193º, n.º 1, 
 
 1ª parte, do C.P.P. – como fez a douta decisão recorrida - para satisfação de 
 exigências gerais de alarme social, no sentido de não ser necessária a 
 existência e invocação de factos, relativos a existência concreta de exigências 
 cautelares intra-processuais de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade 
 públicas na comunidade do arguido. É abusiva essa prisão preventiva, pois não se 
 pode interpretar a referência à paz jurídica, à luz da alínea c) do art. 204º do 
 C.P.P., no sentido de uma ideia de prevenção geral, sendo a prisão preventiva 
 ilegítima para finalidades de direito penal”.
 
     
 
     e 
 
     “[…] por ofensa aos princípios da subsidiariedade da prisão preventiva e da 
 fundamentação de actos decisórios, previstos pelos arts. 28º, n.º 2, e 205º, n.º 
 
 1, ambos da Constituição da República Portuguesa:
 
  
 a interpretação e/ou aplicação dos arts. 202º, nº 1, 193º, nº 2, e 97º, n.º 4, 
 todos do C.P.P., fundamentando o cumprimento daquele primeiro princípio - como 
 fez o douta decisão recorrida - referindo a subsidiariedade à gravidade dos 
 crimes Imputados, e não, capacidade de medida de coacção menos gravosa cumprir 
 os interesses cautelares invocados, e no sentido de não exigirem aquelas normas 
 que se especifiquem as razões da inadequação ou insuficiência das outras 
 medidas”.
 
  
 
     3 – Porque a situação recortada pelo recorrente não satisfaz os requisitos 
 específicos do recurso de constitucionalidade tal como o mesmo está configurado 
 no nosso sistema constitucional – recurso de inconstitucionalidade normativa, 
 que não de recurso de amparo – passa a decidir-se imediatamente.
 
  
 
             4.1 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da 
 Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que 
 se limita a reproduzir o comando constitucional, consubstancia-se numa questão 
 de (in)constitucionalidade da norma(s) de que a decisão recorrida haja feito 
 efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí 
 decidido. 
 
             Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade que é exigido pela natureza instrumental (e incidental) do 
 recurso de constitucionalidade tal como o mesmo se encontra desenhado no nosso 
 sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas 
 jurídicas pelos vários tribunais, bem como pela natureza da própria função 
 jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional 
 em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues 
 Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e, 
 entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, 
 de 10 de Janeiro de 1995, e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 
 
 155/95, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995, e, 
 aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, 
 publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).
 
             Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização 
 concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou 
 reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou 
 ou devesse ter apreciado. 
 
             Na verdade, o conhecimento da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento. 
 
             Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal 
 Constitucional aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, 
 ou seja, o fundamento normativo da decisão recorrida. 
 
  
 
             4.2 – Por outro lado, cumpre acentuar que, sendo o objecto do 
 recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas 
 jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode 
 sindicar-se no recurso de constitucionalidade a decisão judicial em sim mesma, 
 mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios 
 constitucionais, ou o modo como a mesma determinou o direito infraconstitucional 
 e o aplicou às circunstâncias concretas do caso.
 
             Como já se afirmou, é sempre forçoso que no âmbito dos recursos 
 interpostos para o Tribunal Constitucional se questione a 
 
 (in)constitucionalidade de normas, não sendo, deste modo, admissíveis os 
 recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo 
 espanhol, sindiquem sub species constitutionis a concreta aplicação do direito 
 efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de 
 
 “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. 
 
             Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o 
 mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo – a intervenção 
 do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto 
 julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas 
 pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos 
 interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o 
 problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 
 
 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para 
 jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos n.ºs 178/95 - publicado no 
 Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, 
 inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República, II Série, de 
 
 18 de Junho de 1994)].
 
  
 
             5 – O recorrente pretende a apreciação de inconstitucionalidade da 
 
 “alínea c) do art.º 204º do Código de Processo Penal, por referência ao 
 princípio da adequação previsto pelo art.º 193º, n.º 1, 1ª parte, do CPP”, 
 quando interpretada no sentido de [para satisfação de exigências gerais de 
 alarme social] não ser necessária a existência e invocação de factos, relativos 
 
 à existência concreta de exigências cautelares intra-processuais de perigo de 
 perturbação da ordem e tranquilidade públicas na comunidade do arguido. É 
 abusiva essa prisão preventiva, pois, não se pode interpretar a referência à paz 
 jurídica, à luz da alínea c) do art.º 204º do CPP, no sentido de uma ideia de 
 prevenção geral, sendo a prisão preventiva ilegítima para prosseguir finalidades 
 de direito penal”.
 
             Antes de mais importa notar que o recorrente se apresenta a 
 controverter, conforme resulta do modo como enuncia o problema de 
 constitucionalidade, o resultado da interpretação da norma constante da aliena 
 c) do art.º 204º do CPP a que o tribunal a quo chegou, segundo o seu ponto de 
 vista, contestando a sua correcção, quer em face do princípio da adequação das 
 medidas de coacção que se acha consagrado no art.º 193º, n.º 1, do mesmo 
 compêndio processual penal, quer em face da falta de correspondência entre a paz 
 jurídica, que subjaz à conformação do regime constante daquela alínea c), e a 
 ideia de prevenção geral prosseguida pelo direito penal.
 
             Porém, como já se disse, não cabe nos poderes do Tribunal 
 Constitucional apreciar se a decisão recorrida almejou alcançar o melhor direito 
 que, de acordo com as regras de hermenêutica, seria possível ao aplicador do 
 direito determinar, mas tão-só se o direito, tal como foi fixado, é não direito 
 sub specie constitutionis.
 
             Por outro lado, não lhe compete ainda sindicar se, uma vez 
 determinado o direito, a decisão recorrida se afasta, no juízo de subsunção da 
 realidade juridicamente relevante, do quadro normativo pré-definido. 
 
             Se o tribunal a quo definiu porventura correctamente o critério 
 normativo definido pelo legislador mas veio depois a errar no apuramento da 
 relevância ou dos efeitos jurídicos que, no confronto com esse critério, os 
 factos apurados devem consequenciar, não pode o Tribunal Constitucional refazer 
 esse juízo subsuntivo-normativo e reconduzi-lo ao racionalmente correcto.
 
             Nesta perspectiva não tem o Tribunal Constitucional de ajuizar se 
 
 “não se pode interpretar a referência à paz jurídica, à luz da alínea c) do art. 
 
 204º do CPP, no sentido de uma ideia de prevenção geral, sendo a prisão 
 preventiva ilegítima para prosseguir finalidades de direito penal” ou se “por 
 referência ao princípio da adequação previsto pelo art. 193º, nº 1, 1ª parte, do 
 CPP, para satisfação de exigências gerais de alarme social, não ser [é] 
 necessária a existência e invocação de factos, relativos a existência concreta 
 de exigências cautelares intra-processuais de perigo de perturbação da ordem e 
 tranquilidade públicas na comunidade do arguido”.
 
  
 
             Mas ao contrário do que o recorrente pretexta no seu requerimento de 
 interposição de recurso, constata-se que a decisão recorrida não interpretou o 
 preceito da alínea c) do art. 204º do CPP no sentido de “para satisfação de 
 exigências gerais de alarme social […] não ser necessária a existência e 
 invocação de factos relativos a existência concreta de diligências cautelares 
 intra-processuais de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na 
 comunidade do arguido”. 
 
             O seu discurso, por adesão ao ensinamento que transcreve de Germano 
 Marques da Silva (Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 278), é, aliás, bem 
 claro no sentido de não dever ser aplicada a medida da prisão preventiva “desde 
 que qualquer das outras medidas seja adequada para acautelar os fins processuais 
 que se pretendem alcançar com a imposição de uma medida de coacção” e que “deve 
 ser sempre aplicada a menos gravosa”, sendo que a “prisão preventiva é a mais 
 gravosa de todas”. E a decisão recorrida continua, repetindo essa posição: “É 
 que não pode nunca olvidar-se que o princípio da presunção de inocência é uma 
 garantia fundamental e, por isso, a imposição de limitações à liberdade só pode 
 ser de admitir na medida da sua estrita necessidade para a realização dos fins 
 do processo”.
 
             É sobre este prisma que a decisão recorrida interpreta o art. 204º 
 do CPP e, especificamente, a sua alínea c). 
 
             Não pode, pois, o recorrente sustentar que o acórdão recorrido se 
 abonou no entendimento de “não ser necessária a existência e invocação de factos 
 relativos a existência concreta de diligências cautelares intra-processuais de 
 perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas na comunidade do 
 arguido”. 
 
             Não foi, pois, esse o sentido do preceito que foi expressamente 
 afirmado, como, igualmente, não foi por ele que foi determinada a medida de 
 coacção aplicada ao arguido.
 
             A decisão recorrida sopesou não só os factos concretos imputados ao 
 arguido, indiciariamente provados nos autos – agressões e maus tratos à sua 
 mulher – como a frequência dos mesmos (“quase todos os dias”) e as 
 circunstâncias em que os mesmos ocorreram (“na presença dos filhos do casal” – 
 susceptíveis de integrar a prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 
 
 152º, nº 5, alínea b), do Cód. Penal (ou até eventualmente um crime de homicídio 
 qualificado, p. e p. pelo art. 132º, nºs 1 e 2, alínea d), do mesmo código), 
 como, ainda, “existir, em concreto, perigo, em razão da natureza e das 
 circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e 
 da tranquilidade pública”, no futuro.
 
             O acórdão recorrido constrói o seu juízo sobre a medida de coacção 
 cuja aplicação se afigura adequada para prosseguir os fins do processo – não 
 sendo a correcção dessa avaliação sindicável por este Tribunal – sobre uma 
 ponderação valorativa diversificada em que o perigo de perturbação da 
 tranquilidade pública (o acórdão fala de “alarme e revolta social”) é, como se 
 vê, apenas um dos elementos de facto tomados em conta. E se é verdade que o 
 aresto em causa se detém numa análise mais alargada deste perigo, tal só se deve 
 ao seu propósito de concretizar a base fáctica de que infere a sua conclusão.
 
             É por demais evidente que o acórdão recorrido apenas releva o perigo 
 futuro de perturbação da tranquilidade pública na medida e enquanto o mesmo se 
 mostra associado directamente aos factos concretos tidos indiciariamente como 
 praticados pelo arguido, à sua personalidade, à gravidade do crime e à sanção 
 que previsivelmente lhe pode ser aplicada ou seja segundo uma visão cautelar da 
 aplicação da medida de coacção para a prossecução do fim do processo e não por 
 tal corresponder a qualquer fim ou ideia de prevenção geral ou especial que a 
 conformação do tipo legal procura também realizar.
 
             Temos, portanto, de concluir que, independentemente de o recorrente 
 controverter a correcção da interpretação levada a cabo pelo tribunal a quo 
 relativa ao art.º 204º, alínea c), do CPP, a dimensão normativa deste preceito 
 que vem constitucionalmente impugnada não constituiu ratio decidendi da decisão 
 recorrida.
 
             6 – E o mesmo se diga mutatis mutandis relativamente à dimensão 
 normativa enunciada em segundo lugar pelo recorrente e referida aos art. 202º, 
 n.º 1, 193º, n.º 2, e 97º, n.º 4, todos do CPP.
 
             Na verdade, a decisão recorrida, em ponto algum do seu discurso 
 fundamentador, afirma o entendimento de que o princípio da subsidiariedade das 
 medidas de coacção deva ser perspectivado (apenas) em função da gravidade dos 
 crimes e não da capacidade da medida de coacção menos gravosa poder cumprir os 
 interesses cautelares evidenciados no concreto processo e muito menos, ainda, 
 que os referidos preceitos não exijam que se especifiquem as razões da 
 inadequação ou insuficiência das outras medidas.
 
             O recorrente pretende a apreciação de constitucionalidade de uma 
 norma, cuja determinação por via interpretativa dos referidos preceitos imputa 
 ao acórdão recorrido, diferente daquela que constituiu o fundamento normativo da 
 decisão nele proferida. O acórdão recorrido é bem explícito na afirmação do 
 princípio da subsidiariedade entre as diversas medidas de coacção.
 
             A este propósito basta atentar no que se afirma no seguinte excerto 
 da sua fundamentação:
 
  
 
 «A prisão preventiva é uma medida de coacção prevista no art. 202º do CPP.
 Diz este artigo, no seu n.º 1, que:
 
 'Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos 
 artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
 a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão 
 de máximo superior a três anos; ou
 b)...'
 O carácter excepcional da prisão preventiva resulta expressamente da própria 
 Constituição que, no seu art. 28º, n.º 2, estabelece:
 
 'A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida 
 sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na 
 lei'.
 E resulta, igualmente, do art. 193º do CPP (que estabelece o princípio da 
 adequação e proporcionalidade das medidas de coacção), em cujo n.º 2 se estatui:
 
 'A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida 
 sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na 
 lei'.
 E resulta, igualmente, do art. 193º do CPP (que estabelece o princípio da 
 adequação e proporcionalidade das medidas de coacção), em cujo n.º 2 se estatui:
 
 'A prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou 
 insuficientes as outras medidas de coacção'.
 Como refere, a dado passo, Germano Marques da Silva(1)' O não dever a prisão 
 preventiva ser decretada sempre que possa ser aplicada outra medida de coacção, 
 significa que desde que qualquer das outras medidas seja adequada para acautelar 
 os fins processuais que se pretendem alcançar com a imposição de uma medida de 
 coacção, deve ser sempre aplicada a menos gravosa e a prisão preventiva é a mais 
 gravosa de todas.
 
 É que não pode nunca olvidar-se que o princípio da presunção de inocência é uma 
 garantia fundamental e, por isso, a imposição de limitações à liberdade só pode 
 ser de admitir na medida da sua estrita necessidade para a realização dos fins 
 do processo'.
 Além da existência de 'fortes indícios da prática de crime doloso punível com 
 pena de prisão de máximo superior a três anos”, a aplicação da prisão preventiva 
 
 - como aliás, de qualquer outra medida de coacção, à excepção do termo de 
 identidade e residência, pressupõe a ocorrência, em concreto, de alguma das 
 circunstâncias ('pericula libertatis') referidas nas várias alíneas do art. 204º 
 do CPP.».
 
  
 
             Se o acórdão recorrido, ponderando as circunstâncias de facto que 
 evidenciou e a existência de diversas medidas de coacção aplicáveis em 
 abstracto, concluiu no sentido de, na situação concreta dos autos, ser a medida 
 de prisão preventiva a única medida de coacção adequada para cumprir os 
 interesses cautelares do processo, isso significa que formulou, explicitamente, 
 um juízo de inadequação para satisfazer esses interesses cautelares 
 intra-processuais de todas as restantes medidas de coacção menos gravosas para a 
 liberdade do arguido.
 
             Tal leitura da decisão recorrida é a única que se compagina com o 
 critério normativo que antes expressamente deixou afirmado, representando a 
 subsunção normativa do caso.
 
             Deste modo, o que o recorrente controverte acaba por ser o modo como 
 a decisão recorrida efectuou a aplicação em concreto do critério normativo antes 
 enunciado. Mas esta dimensão do juízo judicial escapa à apreciação do Tribunal 
 Constitucional por respeitar à correcção, em concreto, da aplicação aos factos 
 juridicamente relevantes do critério normativo pelo qual o caso deve ser 
 decidido.
 
             Temos, portanto, de concluir que o recorrente não sindica 
 constitucionalmente a norma que constituiu o fundamento normativo da decisão 
 recorrida, mas uma outra diferente, bem como a correcção em concreto da decisão 
 judicial.
 
             Deste modo, não se verificam os referidos pressupostos específicos 
 do recurso de constitucionalidade, pelo que não pode tomar-se conhecimento do 
 mesmo.
 
  
 
             7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 
             Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 8 UCs.».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – Como decorre do confronto entre o discurso fundamentador da 
 reclamação e a decisão sumária, constata-se que, nele, o reclamante não 
 controverte, em ponto algum, as razões em que se abonou a decisão do relator 
 para vir a concluir, como veio a concluir, pelo não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade. 
 
             O reclamante não afronta, em qualquer ponto, a correcção do juízo 
 feito pelo relator quanto à não verificação dos analisados pressupostos do 
 recurso de constitucionalidade, limitando-se a repetir a definição, já antes 
 feita, quer das normas que constituíram, segundo a sua anterior afirmação, o 
 fundamento normativo da decisão recorrida, quer das questões de 
 inconstitucionalidade cuja apreciação pretende ver apreciadas, relativas às 
 dimensões normativas tidas por aplicadas.
 
             Ora, não se vêem razões para não acolher a fundamentação expendida 
 na decisão sumária para não conhecer do recurso de constitucionalidade, pelo 
 que, atenta a sua bondade, aqui se renova, dispensando-se a sua reprodução.
 
  
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
  
 
             6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
             Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
 
             
 Lisboa, 28 de Setembro de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma (vencida quanto à questão do conhecimento nos termos da 
 declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei vencida quanto à questão do conhecimento por entender que o recorrente 
 impugna efectivamente uma dimensão normativa aplicada pela decisão – a de que é 
 dispensável a necessidade de invocar factos concretos relativos ao perigo de 
 perturbação na comunidade do arguido. Em conformidade com tal critério, a 
 decisão teria reduzindo o critério normativo justificativo do alarme social aos 
 factos relativos ao crime imputado ou à personalidade do arguido.
 
 É para mim claro que a perspectiva do tribunal recorrido foi a de dispensar 
 considerações factuais relativas à relação do arguido com a comunidade em que se 
 inseria e ao alarme suscitado pelo facto criminoso de que era suspeito. E de que 
 essa perspectiva, naquilo de que prescinde, é efectivamente um critério 
 normativo apreciável pelo Tribunal Constitucional. Penso, assim, que o Tribunal 
 deveria ter conhecido da dimensão normativa impugnada efectivamente aplicada na 
 decisão recorrida. Não se pode sustentar (com rigor lógico) que o problema que o 
 recorrente invoca tem a ver com a decisão, com a subsunção, e não comporta uma 
 dimensão normativa.
 Penso, consequentemente, que o Tribunal deveria ter revogado a Decisão Sumária.
 
  
 
                                    Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 (1) Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 278