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Processo n.º 362/11
 
 1ª Secção
 
 
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 
 
 
  
 
 
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
 
 
  
 
 
 
 1. A fls. 117 destes autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 296/2011 com o seguinte teor:
 
 
 
  
 
 
 
 «Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se: 
 
 1.  Notificada do acórdão proferido na Relação do Porto em 5 de Janeiro de 2011, a arguida apresentou, depois de um pedido de 'correcção' que lhe foi indeferido, o seguinte requerimento:
 
 
 
  
 
 
 A. LDA, arguida nos autos em epígrafe e neles devidamente identificado, notificado da Acórdão de fls.. 66 e ss. que rejeitou o recurso interposto do despacho que a declarou contumaz proferido pelo Sr. Juiz do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, por alegada falta de interesse em agir e não se conformando com o mesmo, vem dele interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do art. 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, pretendendo a declaração de inconstitucionalidade da interpretação operada pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de fls. 66 e ss, do n.º 2 do art. 402º do Código de Processo Penal, segundo a qual quando uma sociedade comercial é declarada contumaz e recorre de tal despacho para o Tribunal da Relação, o recurso deve ser rejeitado por inexistência de interesse em agir, na medida em a contumácia decretada é fortemente penalizadora para a recorrente, com todos os seus efeitos legalmente tabelados. 
 A dita interpretação viola o art. 32º, nº 1 da CRP, que garante a existência de um duplo grau de jurisdição que estatui que em processo crime existe sempre recurso das decisões proferidas e que constitui, de resto, uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. 
 A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade no requerimento de correcção do Acórdão nos termos do art. 669º do CPC e 380º do CPP de fls. 104 e ss. E não antes por se tratar de uma verdadeira inconstitucionalidade surpresa, uma vez que nenhum dos intervenientes processuais tinha levantado a questão da alegada falta de interesse em agir.
 
  
 
 
 
 2. Tem legitimidade para interpor o recurso a «parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.» – artigo 72º n.º 2 da LTC. Acontece que, ao contrário do que afirma, a recorrente teve plena oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade no tribunal recorrido, mas nunca o fez. Deve, pois, concluir-se que não pode interpor o recurso, por falta de adequada suscitação.
 
 3. Decide-se, por isso, não conhecer do objecto do recurso. Custas pela recorrente, [...]»
 
  
 
 
 
 2. Notificada, a sociedade A. Lda reclama contra esta Decisão Sumária, para a conferencia, nos seguintes termos:
 
 
 
  
 
 
 
 – Por requerimento de fls..., o ora reclamante interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional (al. b) do art. 70.º da Lei 28/82 de 15 de Novembro), com referência ao Acordão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação do Porto. 
 
 
 
 –  arguida pretendeu obter a declaração de inconstitucionalidade da interpretação operada pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de fls.. 66 e ss, do nº 2 do artº 402º do Código de Processo, que quando uma sociedade comercial é declarada contumaz e recorre de tal despacho para o Tribunal da Relação, o recurso deve ser rejeitado por inexistência de interesse em agir na medida em a contumácia decretada é fortemente penalizadora para a recorrente, com todos os seus efeitos legalmente tabelados. 
 
 
 
 – O recurso foi aceite por despacho do Exmo Sr. Desembargador Relator da Relação do Porto e o processo subiu ao Tribunal Constitucional, sendo distribuído à 1.ª Secção. 
 
 
 
 - O Exmo Sr. Conselheiro Relator do TC, fazendo uso do disposto no n.º 1 do artº 78-A da Lei 28/82, de 15/11, na redacção que lhe foi dada pela Lei 134/98, de 26/2, por Decisão Sumária, negou provimento ao recurso. 
 
 
 
 - Ora, o requerente não se conforma com tal Decisão Sumária pretendendo, a final, nos termos do n.º 5 do artº 78º-A da LTC, o prosseguimento do processo e a sua notificação para apresentar alegações. 
 
 
 
 - Na Decisão Sumária, é abordada a questão da requerente não ter suscitado a questão da inconstitucionalidade quando, alegadamente, teve plena oportunidade para o fazer. 
 
 
 
 - Termina concluindo que não pode a requerente interpor recurso, por falta da adequada suscitação. 
 
 
 
 - A arguida pretende a obtenção de declaração de inconstitucionalidade obter a declaração de inconstitucionalidade da interpretação operada pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de fls. 66 e ss, do nº 2 do artº 402º do Código de Processo, que quando uma sociedade comercial é declarada contumaz e recorre de tal despacho para o Tribunal da Relação, o recurso deve ser rejeitado por inexistência de interesse em agir, na medida em a contumácia decretada é fortemente penalizadora para a recorrente, com todos os seus efeitos legalmente tabelados. 
 
 
 
 - A dita interpretação viola o artº 32º, n.º 1 da CRI’, que garante a existência de um duplo grau de jurisdição que estatui que em processa crime existe sempre recurso das decisões proferidas e que constitui, de resto, uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. 
 
 
 Tratando-se de uma inconstitucionalidade surpresa, não referendada por nenhum dos intervenientes processuais antes do Acórdão da RL, invocou-a logo que pode e no requerimento de correcção do Acórdão, nos termos do Acórdão nos termos do art. 669.º do CPC e 380º do CPP de fls. 104 e ss, 
 
 
 
 - e não antes por se tratar de uma verdadeira inconstitucionalidade surpresa, uma vez que nenhum dos intervenientes processuais levantado a questão da alegada falta de interesse em agir. 
 
 
 
 - Contudo, arguida não foi dada a hipótese de explanar a sua tese, em sede de alegações, não sendo cumprido o Princípio do Contraditório. 
 
 
 
 - Não é referenciada qualquer decisão desse Tribunal que tenha decidido em tal inesperado sentido. 
 
 
 
 - Assim, pretende o arguido o prosseguimento do processo e a sua notificação para alegar o recurso interposto e já aceite, tudo nos termos do n.º 5 do artº 78º-A da lei 28/82, de 15/11, na redacção da Lei 13-A198, de 26 de Fevereiro. 
 
 
 Nestes termos deverá ser ordenada pela Conferência o prosseguimento dos autos e a notificação do arguido para apresentar as suas alegações. 
 
 
 
  
 
 
 
  3. Ouvido, o representante do Ministério Público, diz o seguinte:
 
 
 
  
 
 
 
 1º Pela douta Decisão Sumária n.º 296/2011, não se conheceu do objecto do recurso porque a recorrente, durante o processo, não suscitara a questão de inconstitucionalidade que, com o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, pretendia ver apreciada.
 
 
 
 2º A questão de constitucionalidade, em síntese, consiste em considerar que a arguida – pessoa colectiva -, não tem interesse  em agir e, como tal, não pode recorrer da decisão que a declara contumaz.
 
 
 
 3.º Com esse fundamento, foi proferida a Decisão Sumária que, na Relação do Porto, rejeitou o recurso interposto da decisão da 1.ª instância.
 
 
 
 4º Daquela Decisão Sumária, a recorrente reclamou para a conferência que manteve a decisão, precisamente com os mesmos fundamentos.
 
 
 
 5º Ora na reclamação para a conferência – o momento processual próprio – a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade, podendo e devendo tê-lo feito.
 
 
 
 6º Parece-nos também evidente que, como resulta do que atrás dissemos, a conferência, na Relação, não faz qualquer interpretação inesperada ou surpreendente, que dispensasse a recorrente do ónus de suscitação prévia.
 
 
 
 7º Diremos ainda que, quando os recorrentes invocam surpresa quanto a interpretações acolhidas nas decisões recorridas, sobre eles recai o ónus de explicitar com clareza e demonstrar porque têm esse entendimento, não bastando uma mera afirmação, como faz, agora, a recorrente.
 
 
 
 8.º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
 
 
 
  
 
 
 
 4. Cumpre decidir. Entendeu-se, na Decisão Sumária em reclamação, que a recorrente ora reclamante não suscitara, conforme devia, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver conhecida neste Tribunal. Na verdade, sendo o recurso interposto disciplinado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, só terá legitimidade para interpor o recurso a «parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», conforme impõe o artigo 72º n.º 2 da mesma LTC. 
 
 
 Sustenta, no entanto, a reclamante que não teve oportunidade para suscitar a questão. 
 
 
 Todavia, bem ao contrário do que afirma, a recorrente teve plena oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade no tribunal recorrido, designadamente quando, na Relação do Porto, reclamou da decisão sumária proferida que lhe não recebera o recurso. O acórdão então emitido em razão da reclamação aplicou a norma impugnada exactamente como acontecera na decisão anterior, pelo que manifestamente não pode considerar-se, para este feito, uma decisão surpresa.
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 
 5. Decide-se, por isso, confirmar a decisão reclamada e indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
 
 
  
 
 
 Lisboa, 7 de Junho de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.