 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Proc. nº 225/93
 
 1ª Secção
 Rel.: Cons. Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
                         Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
                         1. Em processo de acidente de trabalho, que correu os 
 seus termos no Tribunal do Trabalho de Barcelos, foi requerida, por 'Companhia 
 de Seguros A ..., ', ao abrigo do disposto no artigo 147º do Código do Processo 
 do Trabalho, a revisão da pensão anual e vitalícia, no montante de 443.968$00, 
 ali anteriormente acordada entre o sinistrado F ... e a referida seguradora.
 
                         Por despacho de 16 de Dezembro de 1991, e após exame 
 médico, foi fixada aquela pensão no novo montante de 340.320$00, e atribuído ao 
 respectivo incidente processual o valor de 8.611.458$00.
 
  
 
  
 
                         2. Desse despacho interpôs a 'Companhia de Seguros A 
 
 ....' recurso para o Tribunal da Relação do Porto, por não aceitar o cálculo do 
 novo valor da pensão e do valor do incidente.
 
                         Quanto a este segundo ponto, afirmou a seguradora, nas 
 respectivas alegações, que o juiz recorrido, ao fixar o valor da causa, nos 
 termos do artigo 123º do Código de Processo do Trabalho, fez uso de coeficiente 
 constante das tabelas anexas à Portaria nº 632/71, de 19 de Novembro, recusando 
 assim a aplicação das tabelas anexas à Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, 
 contra o que lhe impunha a alínea a) do nº 3 desta última Portaria, certamente 
 por decorrência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/91, de 13 de Março 
 de 1991 (Diário da República, I-A, de 1 de Abril de 1991), que declarou a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma da alínea b) do nº 
 
 3 da Portaria nº 760/85. Pretendia a seguradora que o valor da causa fosse 
 fixado nos termos do nº 3, alínea a), da Portaria nº 760/85, o que determinaria 
 um montante de 5.783.739$00.
 
                         O Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento 
 parcial ao recurso, revogando a decisão recorrida na parte relativa ao valor da 
 pensão, mas quanto à questão do valor da causa sustentou o seguinte:
 
  
 
  
 
 '(...) as tabelas aprovadas pela Portaria nº 760/85 não podem ser utilizadas 
 para efectivação  dos cálculos das provisões matemáticas devido à declaração de 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, proferida pelo Acórdão nº 
 
 61/91, de 13 de Março, do Tribunal Constitucional.
 
  
 
             Isto porque a aludida declaração de inconstitucionalidade 
 impossibilita ipso iure, a utilização das tabelas da Portaria nº 760/85, de 4 de 
 Outubro, para todos e quaisquer efeitos e, consequentemente, também para 
 efectivação dos cálculos das provisões matemáticas das pensões de acidentes de 
 trabalho (...)
 
  
 
 (...) as tabelas da Portaria nº 760/85 não podem ser observadas no cálculo do 
 capital da remição de pensões por acidentes de trabalho, nem no cálculo das 
 provisões matemáticas das pensões dos mesmos acidentes, igualmente não poderão 
 ser observadas para o cálculo do valor da causa.
 
  
 
             Na verdade, sendo o valor da causa nos processos de acidente de 
 trabalho ou de doenças profissionais igual ao valor das reservas matemáticas 
 
 (art. 123º do C.P.T.), o valor dessas reservas matemáticas não será, pois, o das 
 provisões matemáticas calculadas em conformidade com as Tabelas da Portaria nº 
 
 760/85, mas sim o valor das reservas matemáticas calculadas em conformidade com 
 a Portaria 632/71, de 19 de Novembro, por a dita declaração de 
 inconstitucionalidade determinar a repristinação das tabelas para o cálculo das 
 reservas matemáticas da última Portaria referida (art. 282º, nº 1, da 
 Constituição).
 
  
 
             A não ser assim, a correspondência legal entre o valor da causa e o 
 das reservas matemáticas desapareceria e os trabalhadores veriam diminuídas as 
 suas garantias no que respeita às cauções das pensões - reservas matemáticas.
 
  
 
             De resto, a violação do princípio da precedência de lei afecta a 
 Portaria na sua globalidade e não apenas em parte.
 
  
 
             Consequentemente, quanto ao valor da causa o Mmo. Juíz aplicou e bem 
 a Portaria nº 632/71.'
 
  
 
  
 
                         Não se atendeu, pois, à argumentação da seguradora e 
 alterou-se o valor da causa apenas em função do novo valor de pensão definido 
 nesse acórdão, vindo assim o valor do incidente a ser fixado em 8.425.624$70.
 
  
 
                         3. Deste acórdão interpôs a 'Companhia de Seguros A 
 
 ....' novo recurso, desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça,  restrito à 
 parte da decisão que fixou o valor do incidente.
 
                         Nas suas alegações de recurso, defendeu, designadamente, 
 que o citado 'Acórdão [do Tribunal Constitucional nº 61/91] declarou 
 inconstitucional a alínea b) do nº 3 da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, 
 pelo que a sua aplicação está restrita aos casos em que as respectivas pensões 
 permitam a remição de pensões nas modalidades legalmente consignadas nos nºs 1 e 
 
 2 do artigo 64º do Decreto‑Lei nº 360/71, de 21 de Agosto', concluindo que 'para 
 o cálculo do valor da presente causa é correcta e legal a aplicação da alínea a) 
 do nº 3 da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro'.
 
                         O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao 
 recurso, por ter entendido ser inconstitucional a referida alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85, pelo que concluiu ter a Relação do Porto fixado 
 correctamente o valor da causa ao aplicar as tabelas anexas à Portaria nº 
 
 632/71. Na fundamentação, argumentou-se do seguinte modo:
 
  
 
             'Nos processos de acidentes de trabalho, o valor da causa é igual ao 
 das reservas matemáticas (cfr. nº 1 do artº 123º do Cód. Proc. Trabalho). (...)
 
  
 
             As taxas com base nas quais são calculadas as reservas matemáticas 
 constam actualmente das tabelas anexas à mencionada Portaria nº 760/85, que veio 
 substituir a (...) Portaria nº 632/71.
 
  
 
             O acórdão recorrido fixou o valor da causa em função das tabelas 
 para o cálculo das reservas matemáticas das pensões de acidentes de trabalho 
 aprovadas por aquela Portaria nº 632/71, em virtude de considerar que a 
 declaração de inconstitucionalidade resultante do aludido acórdão do Tribunal 
 Constitucional [nº 61/91] impossibilita a utilização das tabelas constantes da 
 citada Portaria nº 760/85 (...)
 
  
 
             Na verdade, aquele acórdão declarou somente a inconstitucionalidade, 
 com força obrigatória geral, da norma constante da al. b), do nº 3, daquela 
 Portaria nº 760/85, não se abrangendo nessa decisão a precedente al. a). Mas daí 
 não se pode concluir, sem mais, que as tabelas anexas àquela Portaria sejam 
 aplicáveis ao cálculo das provisões correspondentes às pensões de acidentes de 
 trabalho. (...)
 
  
 
             No referido acórdão do Tribunal Constitucional, declarou-se a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante daquela 
 al. b), por violação do princípio da precedência da lei (primariedade da lei ou 
 reserva vertical da lei), consagrado nos nºs 6 e 7 do art. 115º da Constituição 
 da República. De acordo com este princípio, não existe exercício de poder 
 regulamentar sem fundamento numa lei anterior (...)
 
  
 
 (...) constando a al. a), do referido nº 3 de um diploma regulamentar e 
 estabelecendo disciplina inicial, por não existir norma legal anterior que 
 suportasse o seu conteúdo, tem de considerar‑se também constitucionalmente 
 ilegítima, o que equivale a afirmar que colhem inteiramente, neste domínio, as 
 razões determinantes da declaração de inconstitucionalidade da norma inserida na 
 al. b) daquele nº 3 (...).
 
  
 
             Além disso (...), parece indiscutível que os diplomas legais 
 respeitantes a acidentes de trabalho constituem legislação do trabalho, pelo que 
 seria constitucionalmente exigível a participação dos organismos representativos 
 dos trabalhadores na elaboração do normativo em causa.
 
  
 
             Aquela Portaria nº 760/85 não faz qualquer referência à participação 
 dos mencionados organismos na sua elaboração, devendo, pois, presumir-se que 
 essa participação não teve lugar.
 
  
 
             Daí que (também por este fundamento) haja de concluir‑se que a dita 
 norma se encontra ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos 
 arts. 55º, al. d) e 57º, nº 2, al. a), da Constituição da República (versão de 
 
 1982).'
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                         4. Desta decisão vem interposto pelo Ministério Público 
 o presente recurso (obrigatório) para o Tribunal Constitucional, nos termos dos 
 artigos 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, em 
 virtude de o tribunal a quo ter recusado a aplicação da alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85, com fundamento em inconstitucionalidade.
 
                         Neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público 
 apresentou alegações, de onde se destacam os seguintes argumentos:
 
  
 
 '(...) o preâmbulo da Portaria nº 760/85 invoca expressamente, como lei 
 habilitante, o parágrafo único do artigo 1º do Decreto-Lei nº 26.095, de 23 de 
 Novembro de 1935. (...)
 
  
 
  
 
  
 
             Assim, a norma desaplicada, enquanto se limita a alterar as tabelas 
 relativas ao cálculo das provisões matemáticas das pensões de acidentes de 
 trabalho, não viola os nºs 6 e 7 do artigo 115º da Constituição.
 
  
 
             Diversa, porém, é a solução quanto à violação dos preceitos 
 constitucionais relativos à participação das organizações representativas dos 
 trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho.
 
  
 
 (...) as reservas matemáticas não relevam apenas para a determinação do valor da 
 causa, aspecto em que, em rigor, não podiam ser consideradas como legislação do 
 trabalho.
 
  
 
             Elas, além de constituirem garantias das pensões a cargo das 
 seguradoras, têm também repercussão directa no caucionamento de pensões, a que 
 estão sujeitas as entidades patronais quando não haja ou seja insuficiente o 
 seguro (artigo 70º, nº 1, do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto). (...)
 
  
 
             Incidindo sobre um elemento substancial da matéria de protecção dos 
 trabalhadores no âmbito dos acidentes de trabalho, há que concluir que a norma 
 em causa se integra no conceito de legislação do trabalho, e que, tendo sido 
 emitida sem participação das organizações representativas dos trabalhadores, 
 viola os artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 2, da Constituição (versão de 1982).'
 
  
 
  
 
  
 
             E conclui:
 
  
 
  
 
             '1º. É inconstitucional, por violação dos artigos 55º, alínea d), e 
 
 57º, nº 2, da Constituição (versão de 1982), a norma constante da alínea a) do 
 nº 3 da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, por, incidindo, quer directamente 
 quer através da determinação do montante do caucionamento exigível às entidades 
 patronais, sobre a garantia das pensões por acidentes de trabalho, que integra o 
 conceito de 'legislação do trabalho', ter sido emitida sem se ter proporcionado 
 a participação, na sua elaboração, às organizações representativas dos 
 trabalhadores;
 
  
 
  
 
  
 
             2º. Termos em que deve ser confirmada a decisão recorrida, na parte 
 impugnada.'
 
  
 
  
 
  
 
                         Não foram apresentadas contra-alegações.
 
  
 
                         5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
 
  
 
  
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
                         6. O presente recurso tem por objecto a questão da 
 constitucionalidade da norma constante da alínea a) do nº 3 da Portaria nº 
 
 760/85, de 4 de Outubro. Essa norma foi desaplicada pelos tribunais 
 intervenientes nos autos, com fundamento em inconstitucionalidade, por terem 
 entendido que se verificavam, no caso, as razões que determinaram a declaração 
 de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 3º, 
 b), daquela Portaria, proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/91, 
 de 13 de Março de 1991.
 
                         A questão que se coloca é, deste modo, a de apurar se 
 valem para a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 760/85 as mesmas razões que 
 conduziram à aludida declaração de inconstitucionalidade da norma da alínea b) 
 do nº 3 dessa mesma portaria; ou, no caso de essas razões não procederem, 
 averiguar se outras razões existem para fundamentar um juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                         7. O problema é suscitado a propósito do cálculo do 
 valor das acções emergentes de acidentes de trabalho.
 
                         Dispõe o artigo 123º, nº 1, do Código de Processo do 
 Trabalho o seguinte:
 
  
 
             'Nos processos de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, 
 o valor da causa é igual ao das reservas matemáticas.'
 
  
 
  
 
                         Por sua vez, o cálculo das reservas matemáticas é feito 
 com base em taxas constantes de tabelas, que, à data da entrada em vigor do 
 mencionado Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei nº 
 
 272-A/81, de 30 de Setembro), se encontravam integradas na Portaria nº 632/71, 
 de 19 de Novembro, e que posteriormente foram substituídas pelas tabelas anexas 
 
 à Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro. Com efeito, a Portaria nº 760/85 
 substituiu a Portaria nº 632/71 por o legislador entender, como se menciona no 
 preâmbulo do diploma, que 'as tábuas de mortalidade e as taxas de juro técnicas 
 constantes das tabelas anexas à referida portaria [nº 632/71] se encontram 
 manifestamente desadequadas', pelo que se adoptaram novas tabelas.
 
                         No nº 1 da Portaria nº 760/85 lê-se que:
 
  
 
             'São aprovadas, pela presente portaria, as tabelas anexas relativas 
 ao cálculo das provisões matemáticas das pensões de acidentes de trabalho.'
 
  
 
  
 
                         E refere-se no nº 3 que 'as referidas tabelas são 
 aplicáveis':
 
  
 
             'a) Ao cálculo das provisões matemáticas corres-pondentes às pensões 
 fixadas, quer a partir da data da entrada em vigor da presente portaria, quer 
 anteriormente;
 
  
 
              b) Ao cálculo, nos termos legais em vigor, do valor do capital de 
 remições autorizadas a partir do primeiro dia do mês seguinte ao da data da 
 publicação da presente portaria.'
 
  
 
  
 
  
 
                         Por via da remissão constante do citado artigo 123º, nº 
 
 1, do Código de Processo do Trabalho, o cálculo do valor da causa em processo de 
 acidente de trabalho deverá hoje fazer-se, portanto, segundo as tabelas anexas à 
 Portaria nº 760/85, em conformidade com o disposto no nº 3, alínea a), conjugado 
 com o nº 1, dessa portaria.
 
                         Porém, e como é sabido, no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 61/91, de 13 de Março de 1991 (Diário da República, I-A, de 1 
 de Abril de 1991), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral:
 
  
 
             'a) da norma constante da alínea b) do nº 3 da Portaria nº 760/85, 
 de 4 de Outubro, por violação do princípio da precedência da lei - decorrente, 
 designadamente, dos nºs 6 e 7 do artigo 115º e do artigo 202º, alínea c), da 
 Constituição - e também por violação do artigo 201º, nº 1, alínea a);
 
  
 
              b) da norma constante do artigo 65º do Decreto nº 360/71, de 21 de 
 Agosto, na redacção do Decreto‑Lei nº 466/85, de 5 de Novembro, enquanto 
 conjugado com o nº 1 da referida portaria, por violação do preceituado nos 
 artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 2, alínea a), da Constituição da República 
 Portuguesa (versão de 1982).'
 
  
 
  
 
                         Para averiguar se, em relação à alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85, se pode igualmente sustentar a violação do princípio da 
 precedência da lei, tal como foi entendido para a alínea b) do nº 3 desse 
 diploma, é conveniente considerar a fundamentação, nessa parte, do mencionado 
 acórdão:
 
  
 
             'Com efeito, como vimos, desde 1979 que não existia qualquer norma 
 legal ou regulamentar a estabelecer, com carácter genérico, a correspondência 
 entre as provisões matemáticas das companhias seguradoras no ramo acidentes de 
 trabalho e o valor do capital das remições, pelo que a norma impugnada da 
 Portaria nº 760/85 - tal como, anteriormente, a norma correspondente da Portaria 
 nº 362/71 - assumia, verdadeiramente, um conteúdo normativo para todos os 
 efeitos equiparável ao de uma norma legal.
 
  
 
             Mas, assim sendo, logo se lobrigaria outro fundamento de 
 inconstitucionalidade para a norma em questão - o da violação do disposto nos 
 nºs 6 e 7 do artigo 115º, conjugados com a alínea a) do nº 1 do artigo 201º e 
 com a alínea c) do artigo 202º da lei fundamental.
 
  
 
             Na verdade, como se afirmou no Acórdão nº 184/89 (publicado no 
 Diário da República, 1ª série, de 9 de Março de 1989), 'por força do princípio 
 da precedência da lei (primariedade da lei ou reserva vertical da lei) - 
 consagrado nos nºs 6 e 7 do artigo 115º da nossa Constituição -, não existe 
 exercício de poder regulamentar sem fundamento numa lei anterior', já que ao 
 Governo, no exercício de funções administrativas, apenas compete fazer os 
 regulamentos necessários à boa execução das leis [artigo 202º, alínea c)], 
 cabendo-lhe, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-leis em 
 matérias não reservadas à Assembleia da República. Isto é, e consoante se 
 escreveu no mencionado aresto, são constitucionalmente ilegítimos os 
 regulamentos quando 'contêm disciplina inicial, que só pode constar de diploma 
 legislativo'.
 
  
 
             Ora, no caso em apreço, e como se assinalou, a alínea b) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85 veio estabelecer disciplina inicial, uma vez que já não 
 existia, à data da sua edição, norma legal que suportasse o seu conteúdo.'
 
  
 
  
 
  
 
                         Na verdade, a norma constante da alínea b) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85 é editada num momento em que regia ainda a versão do artigo 
 
 65º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto, introduzida pelo Decreto-Lei nº 
 
 459/79, de 23 de Novembro,  e anterior à redacção dada pelo Decreto-Lei nº 
 
 466/85, de 5 de Novembro - e dessa versão não constava a referência (existente 
 na versão originária) a que o valor da pensão, para efeitos de remição, era 
 calculado 'de harmonia com as bases oficialmente adoptadas para a determinação 
 das reservas matemáticas das sociedades de seguros'. E é essa circunstância, 
 como se viu, que permite sustentar a ocorrência de violação do princípio da 
 precedência da lei, quanto à alínea b) do nº 3 da Portaria nº 760/85.
 
  
 
  
 
  
 
                         Ora, no caso da alínea a) do nº 3 dessa portaria,  é 
 evidente que não se veio estabelecer disciplina inicial quanto ao cálculo do 
 valor da causa: a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 760/85 não regula 
 directamente essa matéria, mas apenas por remissão do artigo 123º, nº 1, do 
 Código de Processo do Trabalho, sendo esta norma legal anterior [aprovada por 
 decreto-lei e vigente à data da entrada em vigor da referida alínea a)] que 
 consagra a correspondência entre as reservas matemáticas e o valor da causa.
 
                         Note-se, aliás, que a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 
 
 760/85 não se aplica apenas à determinação do valor da causa. As reservas ou 
 provisões matemáticas a que se refere esta disposição, para além de constituirem 
 garantias das próprias pensões por acidentes de trabalho, relevam ainda no plano 
 do caucionamento de pensões a que estão obrigadas as entidades patronais quando 
 não haja ou seja insuficiente o seguro (cf. artigos 70º, nº 1, e 71º, nº 3, do 
 Decreto nº 360/71). E também nesta perspectiva a norma constante da alínea a) do 
 nº 3 da Portaria nº 760/85 não contém disciplina inicial, na medida em que são 
 aquelas disposições anteriores do Decreto nº 360/71 que estabelecem a correlação 
 entre as reservas matemáticas e o caucionamento.
 
                         Acresce que no preâmbulo da Portaria nº 760/85 se 
 cumpriu o dever de citação da lei habilitante (imposto pelo artigo 115º, nº 7, 
 da Constituição), ao invocar-se expressamente o parágrafo único do artigo 1º do 
 Decreto-Lei nº 26.095, de 23 de Novembro de 1935, disposição que prevê a revisão 
 periódica das tabelas relativas ao cálculo das reservas automáticas das pensões 
 de acidentes de trabalho.
 
                         O exposto permite concluir que a alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85, diferentemente do que sucedia com a alínea b) no momento da 
 sua edição, não contém disciplina inovatória, antes comporta efectiva 
 regulamentação de lei anterior - pelo que não há violação do princípio da 
 precedência da lei.
 
                         Não valem, pois, para a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 
 
 760/85 as razões determinantes da declaração de inconstitucionalidade da norma 
 da alínea b) desse nº 3.
 
  
 
                         8. Sendo assim, cabe então averiguar se a matéria em 
 causa naquela alínea a) constitui - como pretende o recorrente - legislação do 
 trabalho, para efeitos do disposto nos artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 2, 
 alínea a), da Constituição (na redacção da 1ª revisão constitucional, de 1982, 
 vigente à data da publicação da Portaria nº 760/85) [e a que correspondem 
 actualmente, e desde a 2ª revisão constitucional, de 1989, os artigos 54º, nº 5, 
 alínea d), e 56º, nº 2, alínea a)], nos quais se consagra o direito de 
 participação das organizações representativas dos trabalhadores na elaboração 
 dessa legislação.
 
  
 
  
 
  
 
                         A importância de tal averiguação deriva do facto de o 
 diploma em apreço (a Portaria nº 760/85) não fazer menção a uma eventual 
 intervenção daquelas organizações no respectivo processo de produção normativa, 
 pelo que se deve presumir que tal intervenção não ocorreu (cf., neste sentido, 
 os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 31/84, 451/87 e 15/88, in Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vols. 2º, p. 123, 10º, p. 161, e 11º, p. 153, 
 respectivamente).
 
  
 
                         9. Conforme dispõem os preceitos constitucionais acima 
 mencionados, constitui direito das comissões de trabalhadores e das associações 
 sindicais a participação na elaboração da legislação do trabalho.
 
                         Os diplomas legais respeitantes a acidentes de trabalho 
 e doenças profissionais, pela sua dimensão de protecção dos trabalhadores numa 
 situação de inferioridade pessoal e social, integram o conceito de legislação do 
 trabalho. Na verdade, eles referem-se a direitos fundamentais dos trabalhadores 
 reconhecidos na Constituição (integrando‑se no conceito de legislação do 
 trabalho, perfilhado pelo Tribunal  Constitucional  nos  Acórdãos  nºs 31/84, 
 
 451/87, 15/88 e 107/88, Diário da República, I, de 17 de Abril de 1984, 14 de 
 Dezembro de 1987, 3 de Fevereiro de 1988 e 21 de Junho de 1988, respectivamente) 
 e, igualmente referidos pela doutrina (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 1993, p. 296).
 
                         Aliás, esse direito de participação das organizações 
 representativas dos trabalhadores e o correlativo dever de audição por parte do 
 legislador vieram a ser regulados por lei ordinária (a Lei nº 16/79, de 26 de 
 Maio), que contém a enumeração exemplificativa das matérias que constituem 
 legislação do trabalho. Entre essas matérias,  foi incluída a de acidentes de 
 trabalho e doenças profissionais [cf. artigo 2º, nº 1, alínea h) da Lei nº 
 
 16/79].
 
                         Em conclusão, a norma desaplicada [alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85] constitui legislação do trabalho: integra-se em diploma 
 relativo à matéria de acidentes de trabalho e incide sobre aspectos substanciais 
 da protecção dos trabalhadores no âmbito do regime dos acidentes de trabalho. As 
 tabelas de reservas matemáticas para que remete  repercutem-se na consistência 
 da garantia das pensões por acidentes de trabalho e no caucionamento das pensões 
 na falta ou insuficiência do seguro.
 
  
 
                         10. Perguntar-se-á, então, se tal preceito, ao 
 repercutir-se na determinação do valor da causa nos processos de acidentes de 
 trabalho e doenças profissionais, implicará uma norma concreta eminentemente 
 processual, em que já não estará em causa a legislação do trabalho. A resposta a 
 esta pergunta é negativa. Ainda que indirectamente, também aqui está em causa a 
 protecção dos trabalhadores visto que a definição do valor da causa interfere na 
 possibilidade de recorrer e, reflexamente, no conteúdo - em concreto - do 
 direito à pensão.
 
  
 
                         11. Também a circunstância de a norma desaplicada se 
 integrar em mero acto regulamentar (portaria) não obsta à conclusão de que se 
 está perante legislação do trabalho. Este conceito não se restringe aos actos 
 legislativos, envolvendo, no seu sentido amplo, toda a produção normativa, 
 designadamente os diplomas regulamentares, desde que não sejam 'puramente 
 executivos, isto é, que ainda contenham uma decisão substantiva sobre algum 
 aspecto que interesse ao estatuto jurídico dos trabalhadores' (Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit.,  p. 296,  
 e Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 232/90 e 233/90, de 3 de Julho de 
 
 1990, Diário da República, II, de 22 de Janeiro de 1991).
 
                         A alínea a) do nº 3 da Portaria nº 760/85, não obstante 
 o seu carácter regulamentar (e não directamente inovatório), não constitui  
 norma 'puramente executiva', uma vez que são as próprias tabelas de reservas 
 matemáticas, constantes dessa Portaria e a que essa norma se reporta, que 
 permitem 'quantificar' os direitos dos trabalhadores, conferindo-lhes conteúdo e 
 expressão. Tal norma tem, assim, repercussão substantiva sobre a situação dos 
 trabalhadores.
 
                         Aliás, a demonstração feita na doutrina de uma alegada 
 
 'iniquidade' da Portaria nº 760/85 - cujas tabelas contêm, efectivamente, 
 coeficientes inferiores, em regra, aos constantes das tabelas anexas à Portaria 
 nº 632/71 (cf. Vitor Ribeiro, 'Acidentes de Trabalho - Disposições Legais Mais 
 Recentes', in Cadernos da Revista do Ministério Público, nº 1, pp. 86 ss.) -, só 
 vem evidenciar a relevância substancial dessas tabelas.
 
                         Justifica-se, deste modo, o entendimento de que o 
 direito de participação dos trabalhadores na produção normativa deveria ter sido 
 exercido no decurso do processo de formação da Portaria nº 760/85, 
 designadamente em relação à alínea a) do seu nº 3.
 
                         Idêntica posição foi perfilhada, para a alínea b) do nº 
 
 3 dessa Portaria, nos citados Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 232/90 e 
 
 233/90, podendo ler-se, no primeiro desses arestos, o seguinte:
 
  
 
 '(...) a norma que manda atender, para o cálculo do capital de remição, às 
 tabelas relativas às provisões matemáticas das empresas de seguros, em si mesma 
 considerada, nada adianta quanto à quantificação desse direito dos trabalhadores 
 que só veio a adquirir conteúdo e expressão através do coeficiente indicado nas 
 tabelas aprovadas pelo regulamento.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
             Deste modo, ondo o exercício daquele direito de participação mais se 
 justifica é no decurso do processo conducente à aprovação do acto regulamentar, 
 concretamente da Portaria nº 760/85, pois que aí se situou a opção fundamental 
 do legislador a propósito da definição dos montantes do capital de remição.'
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                         12. Conclui-se, assim, que a norma constante da alínea 
 a) do nº 3 da Portaria nº 760/85 reveste a natureza de legislação do trabalho e, 
 uma vez que foi editada sem a participação, na sua elaboração, das organizações 
 representativas dos trabalhadores, sofre de inconsti-tucionalidade formal.
 
  
 
  
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
                         13. Pelo exposto, decide-se:
 
                         a) Julgar inconstitucional a norma constante da alínea 
 a) do nº 3 da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, enquanto conjugada com o nº 1 
 dessa portaria, por violação do disposto nos artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 
 
 2, alínea a), da Constituição (na redacção da primeira revisão constitucional);
 
                         b) Negar, em consequência, provimento ao recurso, 
 confirmando-se a decisão recorrida.
 
                         Lisboa, 20 de Abril de 1995
 
                         Ass) Maria Fernanda Palma
 
                Alberto Tavares da Costa
 Vitor Nunes de Almeida
 
  Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto aposta ao 
 acórdão nº 232/90, DR, II Série, de 22.01.91)
 
                                    Armindo Ribeiro Mendes (vencido nos termos da 
 declaração de voto anexa)
 
                                    Luis Nunes de Almeida (vencido, por entender 
 que se não está perante 'legislação do trabalho', uma vez que a norma em causa 
 não regula directamente matéria atinente a direitos dos trabalhadores)
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                                    Votei vencido pelas razões que passo a 
 referir.
 
  
 
                                    A norma aplicada por remissão do artº 123º, 
 nº 1, do Código de Processo de Trabalho - constante da alínea a) do nº 3º da 
 Portaria nº 760/85, conjugada com o nº º1 da mesma Portaria - tem a ver com 
 matéria processual, pelo que não se considera que ela possa pôr directamente em 
 causa os direitos dos trabalhadores, tanto mais que o valor da causa é 
 invariável quer a entidade patronal haja transferido a sua responsabilidade pelo 
 pagamento da pensão a uma seguradora, quer não o tenha feito e haja caucionado o 
 pagamento dessa pensão (cfr.art. 70º do Decreto nº 360/71).
 
  
 
                                    Contra esta posição não pode argumentar-se 
 quer com  a redacção do artº 8º, nº 1, alínea x), do Código das Custas Judiciais 
 
 (nessa disposição faz-se uma ligação entre as reservas matemáticas e a 
 finalidade da sua constituição 'para garantia das respectivas pensões', ligação 
 que provinha da redacção do artº 118º do Código de Processo de Trabalho de 1963, 
 mas que se não afigura de relevância para o presente recurso), quer com a 
 necessidade de manter uma solução unitária em matéria do valor do processo e em 
 matéria de constituição de caução. Tão-pouco se pode argumentar, no que toca à 
 incidência em concreto do cálculo do valor da acção, com a sua relação com as 
 alçadas dos tribunais de trabalho. Tenho por seguro que o valor das alçadas 
 nunca pode afectar directamente os direitos dos trabalhadores, não tendo, por 
 isso, as suas organizações de ser ouvidas sobre legislação atinente a esta 
 matéria de natureza processual e organizatória.
 
  
 
                                    Alguma incongruência existe, no plano do 
 direito ordinário, mas não acarreta, em  minha opinião, qualquer juízo de 
 desvalor constitucional no que toca ao modo de fixação do valor das causas em 
 matéria de acidentes de trabalho, por não se ver qual a norma ou princípio 
 constitucional violados por tal norma de natureza processual.
 
                         As) Armindo Ribeiro Mendes