 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 548/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo 
 do disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), da decisão sumária do relator, de 4 de Julho de 2005, que decidira, no 
 uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito – dado tratar‑se de 
 
 “questão simples”, por já ter sido objecto de anteriores decisões do Tribunal –, 
 não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código 
 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 442‑A/88, de 30 de Novembro, e, consequentemente, negar 
 provimento ao recurso.
 
  
 
                         1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
 
  
 
 “1. A. e B. interpuseram, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão da Secção de 
 Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, de 31 de Março 
 de 2005, através de requerimento do seguinte teor:
 
  
 
 «1 – No decurso tramitacional do presente processo judicial os recorrentes têm 
 defendido que a alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS padece de 
 inconstitucionalidade. Na verdade, e apesar da prolação do Acórdão n.º 497/97 do 
 Tribunal Constitucional (TC) sobre a matéria,
 
 2 – Após a prolação de tal acórdão do TC ocorreram factos novos que este ainda 
 não apreciou, designadamente:
 a) A publicação do artigo 29.º, n.º 9, da Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro 
 
 [cujo teor é o seguinte: “As importâncias auferidas pelos profissionais de banca 
 dos casinos que lhes são atribuídas pelos jogadores em função dos prémios 
 ganhos são equiparadas a gratificações auferidas pela prestação ou em razão da 
 prestação de trabalho”], cujo conteúdo é objectivamente discriminatório para 
 com os profissionais de banca dos casinos, comparativamente com os profissionais 
 de inúmeras outras profissões – pois que apenas os profissionais de banca dos 
 casinos são destinatários exclusivos da norma tributadora em causa, apesar da 
 sua aparente generalidade e abstracção inicial – que, igualmente, auferem 
 gratificações da mesma natureza sem que esteja em causa a respectiva 
 tributação;
 b) O despacho de SE o SEAF Dr. C. sobre a matéria, junto aos autos de 
 impugnação, que, quando conjugado com aquela norma legal (artigo 29.°, n.º 9, 
 da Lei n.º 87‑B/98), reforça o carácter discriminatório que se visava atingir, 
 pois que até aí a alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS era 
 entendida por grande parte da jurisprudência como norma de carácter geral e 
 abstracto, considerando‑se então como “não estando demonstrado que, na 
 prática, apenas estes (profissionais das salas de jogos) sejam tributados com 
 base nesta norma” (cfr. parte IX do acórdão do STA, de 22 de Março de 2000, in 
 Internet, no endereço www.dgsi.pt).
 c) A prolação de novo acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias 
 
 (TJCE), no qual se voltou a considerar [pois o TJCE tinha já decidido em 
 idêntico sentido no acórdão proferido em 3 de Março de 1994, em processo de 
 recurso prejudicial com o n.º C‑16/93, opondo R. J. Tolsma contra Inspecteur der 
 Omzetbelasting] que “as gratificações livres, ou seja, as quantias que o cliente 
 espontânea e livremente entrega a este ou àquele empregado ... não têm de ser 
 incluídas na matéria colectável dado que podem ser equiparadas ao óbolo 
 distribuído por passantes a um músico que esteja a tocar realejo na via pública, 
 
 ... (pois trata‑se) de pagamentos meramente graciosos e aleatórios” (cfr. 
 acórdão «respeitante ao processo C‑404/99, datado de 23 de Novembro de 2000, in 
 Internet – portal do Ministério da Justiça; www.dgsi.pt – Jurisprudência da 
 União Europeia (acesso codificado), fls. 2 de 7 fls., publicado na Colectânea da 
 Jurisprudência, 2001, pág. I‑02 667).
 
 3 – A norma em causa (alínea h) do n.º 3 do artigo 2.° do Código do IRS) viola 
 os princípios constitucionais da igualdade (cfr. artigo 13.° da Constituição), 
 da justiça (cfr. artigo 106.° (ora 104.°) da Constituição), e sofre de 
 inconstitucionalidade orgânica (cfr. artigos 201.º, alínea b), 168.°, n.º 1, 
 alínea i), e 106.°, n.º 2 – ora artigos 198.°, n.º 1, alínea b), 165.°, n.º 1, 
 alínea i), e 103.°, n.º 2 – todos da Constituição), e inconstitucionalidade 
 material (cfr. artigo 106.º, n.º 1 (ora 104.º, n.º 1) da Constituição). Ademais
 
 4 – A norma em causa (alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS) sofre 
 ainda de vício de ilegalidade (cfr. artigos 6.°, n.º 1, e 7.°, n.º 3, da Lei 
 Geral Tributária), por atentar contra os princípios da capacidade contributiva 
 e da proibição da discriminação. Acresce que
 
 5 – A questão da inconstitucionalidade e da ilegalidade foram suscitadas na 
 petição inicial da impugnação judicial e igualmente nas alegações de recurso 
 para o TCAN.»
 
  
 A questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 3, 
 alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares 
 
 (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 442‑A/88, de 30 de Novembro), que dispõe: “3 – 
 Consideram‑se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...) h) As 
 gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, 
 quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal; (...)”, já foi objecto 
 de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, o que permite qualificá‑la 
 como questão simples, possibilitando a prolação de decisão sumária, ao abrigo do 
 n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
 2. A referida norma foi apreciada, primeiro, no Acórdão n.º 497/97 (Diário da 
 República, II Série, n.º 235, de 10 de Outubro de 1997, pág. 12 485; e Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 37.º volume, pág. 73), que concluiu pela sua não 
 inconstitucionalidade, quer orgânica, quer material, por não desrespeitar a 
 extensão e o sentido da autorização legislativa ao abrigo da qual foi emitida e 
 por não afrontar o princípio do Estado de direito democrático e o princípio 
 tributário da igualdade. Essa orientação foi reiterada no Acórdão n.º 
 
 237/2000.
 Mais recentemente, pelo Acórdão n.º 481/2004 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), foi apreciada a mesma questão perante «novos 
 argumentos» (insustentabilidade da solução anterior perante a evolução 
 legislativa superveniente e pretensa violação do «princípio da justiça do 
 sistema»), mantendo‑se, porém, o juízo de não inconstitucionalidade.
 Importará recordar os fundamentos da jurisprudência anterior para depois 
 apurar do existência e procedência de mais «novos argumentos».
 
  
 
 2.1. O Acórdão n.º 497/97 alicerçou a sua decisão de não declarar a 
 inconstitucionalidade da norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS na 
 seguinte argumentação:
 
  
 
 «2 – A norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
 
 2.1. – O Provedor de Justiça entende, como se consignou no ponto III, que esta 
 norma, respeitante à matéria colectável dos rendimentos da categoria A, ao 
 considerar rendimentos do trabalho dependente as gratificações auferidas pela 
 prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela 
 respectiva entidade patronal, terá:
 a) ultrapassado os limites da lei de autorização legislativa – a Lei n.º 106/88 
 
 –, desse modo violando o n.º 2 do artigo 168.º da CRP;
 b) ofendido, do mesmo passo, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13.º da CRP, na medida em que a tributação dos rendimentos de semelhantes 
 liberalidades «escapa a qualquer tipo de controle e de consequente incidência 
 fiscal», apenas atingindo, «na prática», as gorjetas recebidas pelos 
 empregados de banca dos casinos, tendo em conta o sistema vigente que as 
 disciplina e controla.
 Importa, por conseguinte, abordar cada um dos invocados fundamentos de per si.
 
 2.2. – A dimensão inconstitucional por alegada inobservância da autorização 
 legislativa concedida pela Lei n.º 106/88 no tocante à extensão – CRP, n.º 2 do 
 artigo 168.º.
 Entende‑se não ser de declarar a inconstitucionalidade da norma.
 
  
 
 2.2.1. – As leis de autorização legislativa são constitucionalmente 
 configuradas como actos-parâmetro, no sentido de que elas estabelecem os 
 limites a que está vinculado o órgão delegado no exercício dos poderes 
 legislativos concedidos por via da autorização. Como se ponderou no acórdão n.º 
 
 806/93, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Janeiro de 1994, 
 neste contexto, as referidas leis “compreendem quer uma vertente interna, no 
 sentido de que contêm regulação sobre o procedimento legislativo a que vai 
 proceder o Governo e à qual o Governo se encontra adstrito, quer uma vertente 
 externa, pois que por imperativo constitucional a lei de autorização deve, ela 
 própria, conter a extensão, sentido e alcance da legislação delegada. Nesta 
 
 última vertente, a lei de autorização contém, portanto, os elementos 
 essenciais das alterações do ordenamento jurídico a que o Governo virá a 
 proceder quando (e se) usar os poderes nele assim delegados”.
 
  
 
 2.2.2. – A Lei n.º 106/88, nos termos da alínea a) do n.º 2 do seu artigo 4.º, 
 autorizou o Governo a legislar, no âmbito da incidência objectiva do IRS, de 
 modo a serem consideradas como rendimentos de trabalho dependente “todas as 
 remunerações provenientes do trabalho por conta de outrem, prestado quer por 
 servidores do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, quer em 
 resultado de contrato de trabalho ou de outro a ele equiparado”.
 Sendo a norma em sindicância emitida à luz dessa credencial, entende o Provedor 
 de Justiça ter sido desrespeitada a extensão da autorização, por não ter sido 
 intuito do legislador tributar rendimentos que não decorrem directamente de 
 contrato de trabalho, ou outro a ele legalmente equiparado, sendo certo que as 
 liberalidades atribuídas por terceiros não têm directamente em vista o pagamento 
 de certo trabalho.
 Já para o Primeiro Ministro – e para além da questão de qualificação das 
 gorjetas como liberalidades – nada impede que o legislador fiscal as considere 
 como rendimentos de trabalho para efeitos de tributação, já que o conceito 
 fiscal de rendimento do trabalho não tem que coincidir com o da legislação 
 laboral, nem tal decorre do preceito que apenas admite subjazer à actividade 
 dependente um título jurídico contratual ou um vínculo funcional relevante.
 
  
 
 2.2.3. – A questão não é nova, uma vez que já no domínio do imposto profissional 
 fora equacionada, tornando‑se necessário fazer‑lhe referência, ainda que 
 brevemente.
 Com efeito, na vigência do CIP, a alínea e) do § 2.º do artigo 1.º desse diploma 
 foi aditada pelo Decreto-Lei n.º 138/78, de 12 de Junho, na sequência da 
 autorização dada pela Lei n.º 20/78, de 26 de Abril [artigo 9.º, alíneas h) e 
 k)].
 Na altura, a Comissão Constitucional emitiu parecer no sentido da 
 inconstitucionalidade da norma, “na parte em que, com violação do disposto nos 
 n.ºs 2 e 3 do artigo 106.º e alínea o) do artigo 167.º da Constituição, 
 considera como rendimentos de trabalho, sujeitos a imposto profissional, as 
 importâncias recebidas, a título de gratificação, ou gorjeta, pelos empregados 
 por conta de outrem no exercício da sua actividade, quando atribuídos por 
 entidade diversa da patronal”: cf. o Parecer n.º 3/79, de 1 de Dezembro de 1979 
 
 (publicado in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 7.º, págs. 203 e 
 seguintes), na origem da declaração de inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, contida na Resolução n.º 62/79 do Conselho da Revolução, 
 datada de 3 de Março (loc. cit., pág. 232).
 Perante uma nova alínea e), próxima da anterior, aditada pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 297/79, de 17 de Agosto, a Comissão Constitucional voltou a pronunciar‑se 
 desfavoravelmente, mas agora por fundamentação diversa: não chegando a 
 pronunciar‑se sobre a questão de fundo, entendeu que o diploma de 1979 não tinha 
 sido devidamente referendado, implicando a declaração de 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as suas normas, o 
 que mereceu acolhimento pelo Conselho da Revolução (cf. Parecer n.º 5/80, de 26 
 de Fevereiro, e Resolução n.º 116/80, de 25 de Março, in Pareceres cits., vol. 
 
 11.º, págs. 129 e seguintes).
 Logo depois, no entanto, o Decreto‑Lei n.º 183-D/80, de 9 de Junho, repôs em 
 vigor a anterior alínea e), tendo em conta o disposto na alínea j) do artigo 
 
 17.º da Lei n.º 8‑A/80, de 26 de Maio.
 Agora, a Comissão Constitucional viria a tomar conhecimento da questão de fundo 
 e a concluir, por unanimidade, pela conformidade constitucional da norma (cf. 
 Parecer n.º 5/81, de 19 de Março, sancionado pela Resolução do aludido 
 Conselho n.º 72/81, de 25 de Março, publicado nos Pareceres cits., vol. 14.º, 
 págs. 309 e seguintes).
 Partindo da análise dessa alínea j), que, relativamente ao imposto 
 profissional, autorizou o Governo a “rever as regras de incidência do imposto 
 por forma a abranger todos os rendimentos do trabalho ou com ele relacionados” e 
 considerando que, ao aditar a alínea e) ao § 2.º do artigo 1.º do CIP, o 
 Governo não excedeu a autorização legislativa que lhe foi concedida, a 
 Comissão considerou estarem as gorjetas ou gratificações em causa sujeitas ao 
 imposto profissional, sendo consideradas como rendimentos do trabalho por 
 conta de outrem. Não obstante, reconheceu a inoperância da tributação do imposto 
 sobre essas importâncias, seja por se entender que não se situam nos 
 parâmetros conceituais do trabalho por conta de outrem, seja, porventura, 
 pela impossibilidade prática de exequibilidade da sua tributação.
 No entanto – mais se entendeu – não se mostram violados os n.ºs 2 e 3 do artigo 
 
 106.º e alínea o) do artigo 167.º da CRP (na versão à época vigente).
 E ponderou-se a este propósito, na parte que interessa:
 
  
 
 “Só assim não seria [ou seja, haveria então inconstitucionalidade] se se 
 defendesse que as gorjetas em causa não podem ser consideradas rendimentos do 
 trabalho ou com este relacionados.
 Mas julgamos que uma tal posição não corresponde à verdade, sobretudo se 
 tivermos em conta que o conceito de rendimentos do trabalho, para efeitos 
 fiscais, é mais amplo que para quaisquer outros.
 E parece que nada obsta a que as gorjetas sejam consideradas como rendimentos 
 dessa natureza.
 Quem as dá, dá‑as por sua livre vontade, podendo os motivos para isso serem os 
 mais variados possível. No caso concreto do jogo nos casinos, por exemplo, 
 podemos admitir que as esportule aquele que foi feliz e em regozijo por isso; 
 mas também as pode dar, ao invés, aquele que, perseguido pela pouca sorte, 
 promete ali mesmo desistir e não voltar ao jogo.
 Mas o que parece inegável é que há, aqui, sempre um carácter de contrapartida a 
 qualquer coisa que veio da parte daquele que foi contemplado com a gorjeta, 
 muito embora os serviços que a originam, e no que se refere àquele que as dá, 
 não constituam para ele fonte de quaisquer obrigações.”
 
  
 
 2.2.4. – A lógica então desenvolvida partia de um quadro legal de tributação 
 cedularmente concebido – enfatiza‑se o que já se deixou aludido – em que cada 
 categoria de rendimentos, ou cédula, se determina em função da sua origem ou 
 natureza e é submetida a imposto próprio, com específicas regras de determinação 
 da matéria colectável, orientando‑se a respectiva técnica tributária, no 
 imposto profissional, no sentido de sujeitar a imposto todos os ganhos ou 
 proveitos dos contribuintes, mesmo os excepcionais ou que representem vantagens 
 em espécie, incluindo os rendimentos acessórios (cf. Carlos Pamplona 
 Corte-Real, “Curso de Direito Fiscal”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 
 
 268/270, págs. 198 e seguintes e 204 e seguintes, e “Imposto Único. Tipo de 
 Imposto a Adoptar”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 126, págs. 10 e 
 seguintes; José Carlos Gomes dos Santos, “Alguns Efeitos Económicos da 
 Tributação e da Inflação sobre os Rendimentos de Trabalho”, in Cadernos 
 cits., n.º 135, págs. 74 e seguintes e 91 e seguintes).
 Ora, manteve‑se com o IRS esta mesma orientação, no propósito de uma inclusão 
 esgotante, na incidência do imposto, de todos os rendimentos de alguma forma 
 advindos do trabalho.
 Este enquadramento desvaloriza o interesse em discutir se a gorjeta reveste ou 
 não a natureza de doação, mormente remuneratória (de resto, o Código Civil 
 diz‑nos claramente, no n.º 2 do seu artigo 940.º, não haver doação nos donativos 
 conformes aos usos sociais, como é o caso das gorjetas em questão). Na verdade, 
 o sistema legal permitia, e continua a permitir, a determinação dos rendimentos 
 auferidos e harmoniza‑se com a teleologia do sistema fiscal, onde, a par da 
 satisfação das necessidades financeiras do Estado, se contribui, do mesmo passo, 
 para uma repartição igualitária dos rendimentos e da riqueza, prosseguida 
 constitucionalmente, nos termos do n.º 1 do artigo 106.º da CRP.
 Não subsiste, assim, a argumentação deduzida pelo Provedor de Justiça que, não 
 obstante reconhecer no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares um 
 
 «imposto geral sobre o rendimento», sustenta não serem as gorjetas subsumíveis 
 aos rendimentos tipificados no artigo 1.º do respectivo Código.
 Ou seja, não se considera que a tributação desses rendimentos seja susceptível 
 de afectar os limites da extensão da autorização legislativa.
 Os contornos da delimitação e condicionamento do âmbito das leis de autorização 
 têm sido objecto da jurisprudência deste Tribunal, que os vem definindo numa 
 linha discursiva segundo a qual o objecto da autorização constitui o elemento 
 enunciador da matéria sobre que a autorização versa, a extensão especifica a 
 amplitude das leis autorizadas e pelo sentido se fixam os princípios bases que 
 hão‑de orientar o Governo na elaboração destas últimas (cf., v. g., os 
 Acórdãos n.ºs 70/92, 358/92 e 213/95).
 Cabendo, assim, à extensão da autorização especificar os aspectos da disciplina 
 jurídica da matéria objecto do exercício dos poderes delegados, não se tem 
 esta por desrespeitada pela iniciativa do Governo, nomeadamente por exorbitar o 
 programa e o conjunto de directrizes proposto pela autorização legislativa.
 
  
 
 2.3. – A alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, 
 consagrado no artigo 13.º da CRP.
 Entende‑se não ser de declarar a inconstitucionalidade da norma.
 
  
 
 2.3.1. – Para o Provedor da Justiça, como oportunamente se consignou, a 
 tributação das gorjetas gera uma situação discriminatória susceptível de 
 ofender o princípio da igualdade.
 A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido o sentido 
 constitucional da igualdade a partir da exigência de que se trate como igual o 
 que for essencialmente igual e como diferente o que for essencialmente 
 diferente. Ou seja, a diferenciação de tratamento, por si, não implica 
 necessariamente violação do princípio, pois a igualdade relevante não é a 
 meramente formal, mas também a material, impedindo‑se, assim, a discriminação 
 arbitrária e irrazoável, sem justificação e fundamento material bastante.
 Na esteira de vasta e impressiva linha jurisprudencial, ponderou‑se 
 recentemente, no Acórdão n.º 1007/96 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 12 de Dezembro de 1996), que, para haver violação do princípio 
 constitucional da igualdade, torna‑se necessário verificar, preliminarmente, 
 se existe uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou 
 discriminação. A esta luz, proíbem‑se diferenciações de tratamento fundadas 
 em razões meramente subjectivas – como são as indicadas, exemplificativamente, 
 no n.º 2 do artigo 13.º da CRP – ou as que criem um tratamento desigual 
 materialmente infundamentado ou sem justificação objectiva e racional.
 Na sua projecção fiscal – constitucionalmente consubstanciada no artigo 106.º, 
 n.º 1, da CRP –, as coordenadas do princípio não são diferentes. Como se 
 observou no Acórdão n.º 57/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 12 
 de Abril de 1995), o princípio da igualdade fiscal apresenta uma tríplice 
 dimensão, surgindo as duas primeiras dimensões como uma emanação do princípio 
 geral da igualdade, previsto no n.º 1 do artigo 13.º da CRP:
 
  
 
 “Em primeiro lugar [escreveu-se então], aquele princípio significa que todos os 
 cidadãos são iguais perante a lei fiscal, de tal modo que todos os contribuintes 
 que se encontrem na mesma situação definida pela lei fiscal devem estar 
 sujeitos a um mesmo regime fiscal (cf. Louis Trotabas/Jean-Marie Cottoret, Droit 
 Fiscal, 6.ª ed., Paris, Dalloz, 1990, p. 108, e Guy Gest/Gilbert Tixier, Manuel 
 de Droit Fiscal, 4.ª ed., Paris, L.G.D.J., 1986, p. 36).  É este um sentido 
 meramente formal do princípio da igualdade fiscal, o qual se traduz numa 
 genérica e imparcial aplicação da lei fiscal, de que resulta apenas uma 
 igualdade ante a lei. Em segundo lugar, o princípio da igualdade fiscal tem 
 também um sentido material ou substancial, cujo significado é o de que a lei 
 deve garantir que todos os cidadãos com igual nível de rendimentos devem 
 suportar idêntica carga tributária, contribuindo, assim, em igual medida, para 
 as despesas ou encargos públicos. Com este sentido, a igualdade é, como 
 realça A. Castanheira Neves, «uma intenção normativa que a própria lei será 
 chamada a cumprir, uma igualdade imposta como exigência axiológica à própria 
 lei, no seu conteúdo e na sua realização jurídico‑normativa, uma igualdade da 
 lei já em si», isto é, uma «igualdade na lei, ou afinal, [...] uma igualdade 
 perante o direito» (cf. O Instituto dos «Assentos» e a Função Jurídica dos 
 Supremos Tribunais, Coimbra, Coimbra Editora, 1983, p. 120). O princípio da 
 igualdade fiscal em sentido material não apenas veda ao legislador a adopção 
 de desigualdades de tratamento, no âmbito fiscal, que não sejam autorizadas 
 pela Constituição ou que sejam materialmente infundadas, desprovidas de 
 fundamento razoável ou arbitrárias, como impõe que a lei garanta que todos os 
 cidadãos com igual capacidade contributiva estejam sujeitos à mesma carga 
 tributária, contribuindo, assim, em igual medida, para as despesas ou encargos 
 públicos [cf., sobre este ponto, J. Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões 
 Acerca da sua Admissibilidade), Coimbra, Coimbra Editora, 1994, pp. 265-269].
 Para além do princípio da igualdade fiscal, no sentido de igualdade dos 
 cidadãos perante a lei fiscal e de igualdade da própria lei fiscal, consagra a 
 Constituição, em terceiro lugar, aquilo que se poderá designar por princípio da 
 igualdade através do sistema fiscal, determinando que este visa, a par da 
 satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, 
 
 «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (artigo 106.º, n.º 1), e, 
 bem assim, que o imposto sobre o rendimento pessoal tem como objectivo «a 
 diminuição das desigualdades» entre os cidadãos (artigo 107.º, n.º 1).”
 
  
 
 2.3.2. – Assim, o conteúdo material do Estado de direito democrático implica a 
 consagração do princípio tributário da igualdade, desdobrável, no dizer do 
 
 último autor citado, no aspecto da generalidade dos impostos e no aspecto da 
 uniformidade dos impostos, o primeiro significando a adstrição de todos os 
 cidadãos ao pagamento de impostos – o que caracteriza a sua universalidade –, o 
 segundo implicando uma identidade de critérios para a sua repartição pelos 
 cidadãos (cf. Casalta Nabais, ob. cit., págs. 268/269). Critério que, quase 
 unanimemente, se entende significar «que os contribuintes com a mesma 
 capacidade contributiva devem pagar o mesmo imposto (igualdade horizontal) e 
 os contribuintes com diferente capacidade contributiva devem pagar diferentes 
 
 (qualitativa e/ou quantitativamente) impostos (igualdade vertical)» (ibidem).
 Ora, se é incontroverso existirem, no comum dos casos, dificuldades práticas no 
 controlo de quem recebe gorjetas e dos respectivos montantes, ao invés do que é 
 suposto acontecer com os trabalhadores ora em causa, nem por isso se justifica 
 não tributar uma situação em que é possível, mercê do mecanismo legal 
 existente, controlar os rendimentos auferidos por esta via, com projecção na 
 capacidade contributiva dos respectivos destinatários. Dir‑se‑á, nesta 
 perspectiva, que na medida em que é possível tributar essas fontes de 
 rendimento, estar‑se‑á a reduzir a margem de desigualdade que a ausência de 
 tributação implicaria em relação ao universo de todos os contribuintes.
 A esta luz, a obrigatoriedade que impende sobre o contribuinte de declarar os 
 seus rendimentos sujeitos a imposto não tem a virtualidade de impedir, de modo 
 absoluto, a ocultação, deliberada ou negligente, desses rendimentos (mais 
 notoriamente ainda ultrapassado que está o sistema das cédulas). Não pode 
 falar‑se de uma desigualdade constitucionalmente censurável se uns contribuintes 
 se encontram circunstancialmente mais apertadamente controlados do que outros.
 Assim, não se interpreta o princípio da igualdade em termos que se projectam na 
 não tributação de alguém porque outrem, em situação de igual incidência, não é 
 tributado por dificuldades técnicas de aplicação da lei.»
 
  
 A orientação assim traçada pelo Acórdão n.º 497/97, votado em Plenário, foi 
 posteriormente seguida pelo Acórdão n.º 237/2000, desta 2.ª Secção.
 
  
 
 2.2. O Acórdão n.º 481/2004, depois de recordar a fundamentação do Acórdão n.º 
 
 497/97, apreciou as críticas dirigidas pelo então recorrente à decisão sumária 
 
 (da autoria do ora relator) objecto de reclamação decidida por esse Acórdão, 
 críticas essas que assentavam em dois argumentos: (i) o de que as anteriores 
 decisões do Tribunal Constitucional tinham‑se estribado numa interpretação da 
 lei ordinária que então era consentida, mas que entretanto se tornou 
 insustentável (concretamente face ao artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral 
 Tributária, que dispõe: «Sempre que, nas normas fiscais, se empregarem termos 
 próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo 
 sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei»); e 
 
 (ii) o de que tais decisões não haviam apreciado um argumento agora 
 inovatoriamente esgrimido: a violação do «princípio da justiça do sistema ou 
 justiça sistemática da legislação, consagrado no artigo 2.º da Constituição da 
 República Portuguesa».
 A propósito dessas críticas, afirmou-se no Acórdão n.º 481/2004:
 
  
 
 «O primeiro argumento é claramente improcedente: a questão da 
 inconstitucionalidade de norma contida em decreto‑lei autorizado por 
 extravasamento da extensão definida na correspondente autorização legislativa 
 há‑de ser apreciada e decidida atendendo às opções e concepções jurídicas, 
 constitucionais e legais, dominantes à data da emissão do decreto‑lei 
 autorizado. Se então se entendia – entendimento que o próprio recorrente 
 reconhece ser “consentido” no contexto jurídico da época – que “o conceito de 
 rendimentos do trabalho, para efeitos fiscais, é mais amplo que para quaisquer 
 outros”, nada obstando que “as gorjetas sejam consideradas como rendimentos 
 desta natureza”, como se explicitou no Acórdão n.º 497/97 – e que, portanto, a 
 norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do CIRS, ao considerar “rendimento do 
 trabalho dependente”, integrante dos rendimentos da categoria A sujeitos a IRS, 
 
 “as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do 
 trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal”, não 
 desbordou a extensão da autorização legislativa, que credenciara o Governo para 
 o regular o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, incidindo, 
 designadamente, sobre “rendimentos do trabalho dependente”, como tal se 
 considerando “todas as remunerações provenientes do trabalho por conta de 
 outrem, prestado quer por servidores do Estado e das demais pessoas colectivas 
 de direito público, quer em resultado de contrato de trabalho ou de outro a ele 
 legalmente equiparado” –, não se pode sustentar a ocorrência de uma 
 inconstitucionalidade orgânica superveniente com base em ulterior alteração do 
 direito ordinário (a saber: a publicação da Lei Geral Tributária, aprovada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, cujo artigo 11.º, n.º 2, veio dispor 
 que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros 
 ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele 
 que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”), de que derivaria, 
 na tese do recorrente, ter deixado de ser possível atribuir, para efeitos 
 fiscais, um sentido ao conceito de “rendimentos do trabalho dependente” diverso 
 do que é adoptado em direito laboral.
 Também o segundo argumento invocado pelo recorrente surge como improcedente. 
 Mesmo que se pudesse extrair do artigo 2.º da CRP o “princípio da justiça do 
 sistema ou justiça sistemática da legislação” e conferir‑lhe a extensão que o 
 recorrente lhe assinala, sempre seria discutível saber se o modo de 
 restabelecer a “justiça do sistema” passa necessariamente pela desconsideração 
 das gorjetas como rendimento de trabalho para efeitos fiscais, ou antes pela 
 imposição da relevância desses abonos para os efeitos indemnizatórios e 
 previdenciais referidos pelo recorrente. De qualquer forma – e decisivamente 
 
 –, a noção de remuneração de trabalho é consabidamente de estrutura complexa, 
 nela se incluindo prestações de variada natureza: pecuniárias e em espécie, 
 retribuição‑base (ordenado ou salário), diuturnidades, diversas gratificações e 
 prémios (subsídios de férias e de Natal, prémio ou gratificação de 
 assiduidade), aditivos (subsídios por trabalho extraordinário, complementar, 
 nocturno, por turnos, em dias de descanso ou em feriados, por isenção de 
 horário de trabalho, subsídios de risco e de isolamento), comissões, abonos 
 para falhas, subsídios de refeição, direitos a uso de cartões de crédito e de 
 automóveis, créditos de combustíveis, etc.. Ora, nenhuma violação ao invocado 
 princípio da justiça do sistema resulta de nem todos estes elementos terem a 
 mesma relevância jurídica para todos os efeitos. Por exemplo, para o cálculo 
 das indemnizações devidas por despedimento ilícito ou por rescisão com justa 
 causa pelo trabalhador apenas relevam a retribuição base e diuturnidades 
 
 (artigos 439.º, n.º 1, e 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho), para a 
 determinação das indemnizações por acidentes de trabalho só relevam as 
 prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não 
 se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (artigo 300.º, n.º 
 
 1, do Código do Trabalho), etc.. Assim, nada impede, na perspectiva da 
 constitucionalidade material, que se considere justificada a opção do 
 legislador de, ao delimitar os rendimentos das pessoas singulares sujeitos a 
 imposto, neles inserir as gorjetas – que são obviamente rendimentos – e que as 
 considere conexionadas com a prestação de trabalho, embora não se trate de 
 prestações obrigatórias directamente a cargo da entidade empregadora, sem que 
 daí derive a imposição de o legislador, por força do invocado princípio da 
 justiça do sistema, ter de tratar sempre, para todos e quaisquer efeitos, 
 tais prestações como remuneração de trabalho subordinado.
 Assim sendo, e não se mostrando abalados os fundamentos da anterior 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta questão, improcede a 
 pretensão do recorrente.»
 
  
 
 2.3.  A orientação seguida pelo Tribunal Constitucional sobre esta questão é de 
 manter, pois em nada é abalada pelos “novos argumentos” aduzidos pelos 
 recorrentes.
 Desde logo, há que recordar que o juízo de (in)constitucionalidade a emitir em 
 sede de fiscalização concreta, assume como um “dado” a interpretação normativa 
 acolhida na decisão judicial recorrida, em sede de direito ordinário, pois não 
 compete ao Tribunal Constitucional substituir‑se aos outros tribunais, 
 corrigindo as interpretações do direito ordinário por eles feitas, mas tão‑só 
 apurar se tais interpretações violam, ou não, normas ou princípios 
 constitucionais. São, assim, irrelevantes eventuais interpretações autênticas 
 ou administrativas da norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do CIRS, 
 extraíveis do artigo 29.º, n.º 9, da Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro, ou do 
 Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, como a eventual 
 inconstitucionalidade desse artigo 29.º, n.º 9, por discriminação dos 
 profissionais de banca dos casinos é insusceptível de se repercutir sobre a 
 norma ora questionada, que foi interpretada como não restringindo a tributação 
 das gorjetas às percebidas por esses profissionais.
 Ainda irrelevante é, em sede de apreciação do acatamento dos princípios e 
 normas constitucionais portugueses, a interpretação e aplicação que tenha sido 
 feito pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de disposições de 
 direito comunitário (anote‑se, aliás, que a decisão citada pelos recorrentes 
 respeita, não ao imposto sobre o rendimento, mas sobre a questão da sujeição ao 
 IVA de «taxas de serviço» e da inclusão, ou não, nesta categoria das aí 
 apelidadas «supergorjetas»).
 Por fim, refira‑se que, sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nele não cabe a apreciação de qualquer 
 questão de ilegalidade, sendo certo, além disso, não terem os recorrentes 
 suscitado, durante o processo, qualquer questão de «ilegalidade agravada» 
 
 (cfr. alíneas c), d), e) e f) do n.º 1 do citado artigo 70.º), cujo conhecimento 
 compita ao Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação apresentada pelos recorrentes contra a 
 decisão sumária do relator desenvolve a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “A decisão sumária em apreciação assenta nas seguintes considerações essenciais:
 a) «A orientação seguida pelo Tribunal Constitucional ... em nada é abalada 
 pelos novos argumentos aduzidos pelos recorrentes» (cfr. pág. 17 da decisão 
 sumária, n.° 2.3), na linha, aliás, da sua também recente decisão sobre a 
 matéria prolatada no Acórdão n.º 481/2004 (cfr. fls. 4 da decisão sumária, 2.° 
 parágrafo);
 b) O juízo de fiscalização concreta a emitir pelo Tribunal Constitucional deve 
 assentar na «interpretação normativa acolhida na decisão judicial recorrida» e 
 não noutro tipo de interpretações que, no caso em apreciação, irrelevarão 
 
 (ibidem).
 Com o devido respeito, discordamos da tese defendida no primeiro tipo de 
 considerações, pelas razões que seguidamente se aduzirão.
 
 1 – Assim, compulsando o supra citado Acórdão n.° 481/2004 desse Tribunal 
 Constitucional, constatamos que a essência do problema posto gira essencialmente 
 em torno de dois grandes princípios constitucionais: o da igualdade (cfr. 
 artigo 13.º da Constituição), e o da justiça do sistema (cfr. artigo 2.° da 
 Constituição).
 Quanto ao princípio da igualdade, na perspectiva desse Alto Tribunal plasmada no 
 citado Acórdão n.º 481/2004, «entende‑se não ser de declarar a 
 inconstitucionalidade da norma» (cfr. n.° 2.3 do acórdão) porque: 1 – «todos os 
 contribuintes que se encontrem na mesma situação definida pela lei fiscal devem 
 estar sujeitos a um mesmo regime fiscal» (ibidem – n.° 2.3.1); porque: 2 – «os 
 cidadãos com igual nível de rendimentos devem suportar idêntica carga 
 tributária»; e porque: 3 – «uma repartição justa dos rendimentos ... tem como 
 objectivo a diminuição das desigualdades entre os cidadãos» (ibidem).
 Então, a questão que se coloca é a de saber, primeiramente, quem são «.... os 
 contribuintes que se encontrem na mesma situação definida pela lei fiscal (que) 
 devem estar sujeitos a um mesmo regime fiscal». Ora, a questão em apreciação é a 
 das gratificações/gorjetas atribuídas por terceiros a título de liberalidade e, 
 por isso, a nosso ver, os contribuintes que deverão ser vistos como elemento de 
 comparação serão aqueles que estiverem na mesma situação dos visados 
 profissionais de banca dos casinos. Isto é, teremos que buscar outros 
 profissionais que aufiram gratificações/gorjetas atribuídas por terceiros com a 
 natureza de donativos conformes com os usos sociais, para os comparar com os 
 profissionais de banca dos casinos. Assim, encontrar‑se‑ão em tal situação, 
 designadamente: – empregados da hotelaria em contacto directo com os clientes; 
 
 – taxistas; – engraxadores; – prostitutas; – arrumadores de viaturas; – 
 arrumadores de cinema; – cabeleireiros; – pedintes; – tocadores de rua; – 
 párocos (a propósito dos donativos atribuídos pelos crentes, ou colocados nas 
 
 «caixas das esmolas»); – outros artistas de rua; – pizeiros; – entregadores de 
 móveis e electrodomésticos ao domicilio, etc..
 Pergunta-se: Qual ou quais destes profissionais – que igualmente auferem 
 donativos conformes com os usos sociais – viram já, ou estão em vias de ver, as 
 suas gratificações/gorjetas tributadas em sede de IRS?
 Porquê os tribunais administrativos e fiscais de 1.ª e 2.ª instância não 
 solicitaram, como requerido, a prova junto da Administração Tributária acerca de 
 qual ou quais destes profissionais supra descritos vêem tributadas as suas 
 gratificações/gorjetas atribuídas por terceiros?
 Que outras demonstrações serão necessárias para evidenciar a discriminação dos 
 profissionais de banca dos casinos, para além da realidade concreta que 
 demonstra serem os únicos a ser tributados, discriminação agora também 
 expressamente plasmada na legislação vigente?
 O artigo 2.°, n.º 3, alínea h), do Código do IRS é, de facto, uma norma‑medida 
 destinada exclusivamente aos profissionais de banca dos casinos, e ao 
 invocarmos o novo argumento inserto no artigo 29.º, n.º 9, da Lei n.º 87‑B/98, 
 de 31 de Dezembro, agora visando taxativa e exclusivamente estes profissionais, 
 criado posteriormente à prolação do Acórdão n.º 497/97 desse Alto Tribunal, foi 
 porque nos pareceu que a aparente generalidade e abstracção do referido artigo 
 
 2.°, n.º 3, alínea h), do Código de IRS cessou nesse momento, e esse Alto 
 Tribunal não tinha ainda apreciado esta nova situação jurídica. A partir desse 
 momento, afigura‑se‑nos, passou a ficar claro a quem se destinava e destina a 
 norma em causa, situação que nos parece constitucionalmente inaceitável.
 A propósito do carácter discriminatório da norma, salientem‑se as sábias 
 palavras do Dr. Vítor Faveiro («que foi sem favor o melhor director‑geral de 
 Impostos do século XX» – cfr. artigo sob o título «Mais seis reformas reais...» 
 
 , do Professor Sousa Franco, inserto no jornal Diário de Notícias, de 11 de 
 Janeiro de 2000, pág. 28), com as quais estamos de acordo, reflectem bem o nosso 
 entendimento.
 Diz aquele autor que «se o legislador fiscal se limitar a criar um tipo de 
 incidência real, sabendo de antemão, designadamente, que o seu objecto não é 
 susceptível de conhecimento e valoração em todos os casos e circunstâncias em 
 que ocorra, obviamente que viola o princípio da igualdade, pré‑constitucional 
 por natureza e incorporado na Constituição; ... viola a ordem jurídica positiva 
 constitucional e designadamente os artigos 1.° e 2.° da Constituição, enquanto 
 não respeita o princípio da igualdade, da justiça e da legalidade substantiva e, 
 com eles, o da dignidade da pessoa humana e a democracia ...; viola a natureza 
 formal das leis enquanto estas só aparentemente se apresentam como gerais e 
 abstractas quando na realidade não abrangem todas as situações que, em termos 
 concretos, sejam iguais; e viola o direito constitucional positivo expresso no 
 artigo 13.° da lei fundamental, enquanto permite que, na sua aplicação, as 
 pessoas a quem respeita o objecto do tipo de incidência, sendo iguais perante a 
 realidade, sejam desiguais perante a lei» (cfr. Vítor Faveiro, O Estatuto do 
 Contribuinte, Coimbra Editora, 2002, pág. 265).
 E remata ainda o mesmo autor: «criando impostos ... o Estado tem de se assegurar 
 de meios ou instrumentos que o habilitem a conhecer e valorar todas as 
 situações a atingir, que ofereçam caracteres de igualdade real e social; e de 
 assegurar aos cidadãos atingidos ... que (o imposto) ... se aplica a todos os 
 que estejam em iguais circunstâncias, e não apenas àqueles que ofereçam ou 
 sofram melhores condições de revelação ou controlo. Não se pode basear a injusta 
 distribuição da carga tributária no reconhecimento da incapacidade do Estado de 
 controlar todas as situações da vida económica e pessoal iguais. Se o legislador 
 reconhecer a impossibilidade de controlar todas ou parte das situações reais 
 que ofereçam caracteres de revelação de capacidade contributiva em termos de 
 garantia da igualdade de tributação de todos os titulares da base ou 
 destinatários de certo imposto ... só pode tomar uma atitude: abster-se de criar 
 tal imposto» (ibidem, pág. 266; no mesmo sentido, cfr. votos de vencido no já 
 citado Acórdão n.º 497/97 do Tribunal Constitucional, dos Conselheiros A. 
 Ribeiro Mendes (n.° 10), e Guilherme da Fonseca (n.° 2)).
 Quanto à segunda e terceira razões invocadas nesta parte do acórdão pelo 
 Tribunal, segundo as quais «os cidadãos com igual nível de rendimentos devem 
 suportar idêntica carga tributária» e «uma repartição justa dos rendimentos ... 
 tem como objectivo a diminuição das desigualdades entre os cidadãos», é nossa 
 convicção que esse Alto Tribunal parte do pressuposto de que, sem mais, tais 
 gratificações/gorjetas constituem rendimentos de trabalho e, portanto, se um 
 qualquer trabalhador aufere 100 como contrapartida da relação de trabalho, e um 
 profissional de banca dos casinos aufere 70 como contrapartida da relação de 
 trabalho mais 30 de gratificações/gorjetas atribuídas pelos clientes, então 
 estamos perante dois trabalhadores com o mesmo nível de rendimentos, sendo 
 justo suportarem ambos idêntica carga tributária.
 Mas o pressuposto de que ambos os trabalhadores se encontram com igual 
 capacidade contributiva é falso e, por isso, a conclusão também não será a 
 adequada.
 E, nesta medida, entendemos que é violado o princípio da justiça do sistema.
 De facto, a nosso ver, para se poder equiparar a similar capacidade contributiva 
 de ambos os trabalhadores no exemplo acima referido é necessário atender a que 
 aquele princípio tributário tem, igualmente, de ter «em conta as necessidades 
 
 ... do agregado familiar» do contribuinte (cfr. artigo 107.°, n.º 1 – ora 104.°, 
 n.º 1 – da CRP –, e artigo 6.°, n.º 1, alínea a), da LGT), o que não sucede no 
 caso em apreço.
 O princípio da capacidade contributiva, na dimensão em apreço, tem de ter em 
 conta os encargos específicos para a obtenção dos referidos rendimentos, 
 designadamente com a utilização diária de transporte próprio como condição de 
 deslocação para quem trabalha essencialmente em horário nocturno  – tenha‑se 
 presente que se exerce funções num casino –, como é o caso, bem como com gastos 
 significativos em medicamentos, dado o desgaste físico e psíquico provocado pelo 
 desenvolvimento do trabalho permanentemente durante a noite (cfr. artigo 6.°, 
 n.º 1, alínea b), da LGT), o que também não sucede.
 E ainda, o princípio da capacidade contributiva tem de ter em conta a doença, a 
 velhice e outros casos de redução da capacidade contributiva do sujeito passivo 
 
 (cfr. artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da LGT), mas tal também não sucede, visto 
 que não se prevê legalmente a dedução de contribuições para a Segurança Social 
 das referidas gratificações. Por isso, quando em situações de doença, os 
 profissionais visados não recebem qualquer montante de subsídio que inclua 
 também a parte das gratificações enquanto rendimento de trabalho, recebendo 
 apenas um subsídio que tem por base a retribuição que auferem da entidade 
 patronal.
 Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, quando em situações de desemprego 
 involuntário, os profissionais visados não recebem qualquer subsídio que inclua 
 também a parte das referidas gratificações, mas tão‑só um subsídio que tem por 
 base apenas a retribuição auferida da entidade patronal.
 A este propósito deverá ter‑se em conta que os referidos profissionais de banca 
 dos casinos têm de descontar mensalmente 12% das gratificações/gorjetas sub 
 judice para um Fundo Especial de Segurança Social (cfr. n.° 17 da parte I das 
 Regras de distribuição das gratificações, aprovadas pela Portaria n.º 159/90, 
 de 27 de Novembro), sem que esteja prevista legalmente qualquer dedução 
 específica em sede de declaração de IRS do montante descontado para esse Fundo 
 Especial de Segurança Social, e sem que seja feita qualquer contribuição 
 patronal para a Segurança Social e para o Desemprego sobre estes montantes, 
 global e parcialmente considerados, discriminando de novo estes 
 profissionais‑alvo, pois que para estes efeitos as gratificações/gorjetas já 
 não são considerados como rendimentos de trabalho dependente.
 E, assim sendo, ao ignorar‑se ostensivamente «as necessidades ... do agregado 
 familiar» do contribuinte (cfr. artigo 107.°, n.º 1 – ora 104.°, n.º 1 – da CRP, 
 e artigo 6.º, n.º 1, alínea a), da LGT), a pretensão de tributação das 
 gratificações atribuídas pelos clientes dos casinos aos profissionais de banca 
 em sede de IRS esbarra com regras essenciais da nossa lei fundamental, situação 
 juridicamente inadmissível e profundamente injusta.
 Esse alto Tribunal considera ainda que a «noção de remuneração de trabalho é 
 consabidamente de estrutura complexa, nela se incluindo prestações de variada 
 natureza: pecuniárias e em espécie, retribuição‑base ... diuturnidades, 
 diversas gratificações e prémios (...), aditivos (...), comissões, abonos para 
 falhas, subsídios de refeição, direitos a uso de cartão de crédito e de 
 automóveis, créditos de combustíveis, etc.» (cfr. decisão sumária, pág. 16, 2.° 
 parágrafo), ... nada impedindo o legislador de inserir nesta noção de 
 remuneração as gratificações/gorjeias «e que as considere conexionadas com a 
 prestação de trabalho» (ibidem, pág. 17, 1.° parágrafo).
 Poderá ser assim? Não haverá então limites para a definição do conceito de 
 remuneração?
 Pensamos que não poderá ser assim, havendo limites que a lei impõe ao conceito 
 de remuneração.
 Quais sejam? Os de que a noção de remuneração está limitada à contrapartida 
 advinda da entidade patronal por força da relação contratual laboral. Pode, de 
 facto, variar a respectiva noção, mas sempre com um limite: é o de que todas as 
 suas prestações provêem da entidade patronal. Isso mesmo, de resto, está 
 evidenciado no conjunto das «prestações de variada natureza» supra elencadas 
 pelo Tribunal Constitucional: todas emanam da entidade patronal, ao contrário 
 das gratificações/gorjetas, cuja natureza é absolutamente diversa (donativos 
 conformes aos usos sociais – cfr. artigo 940.º, n.º 2, do Código Civil) e, 
 desse modo, não nos parece deverem considerar‑se estas incluídas na noção de 
 remuneração de trabalho.
 A nosso ver, é também esta a noção que emana da lei de autorização legislativa 
 concedida ao Governo para criar a norma em causa. Assim, reza o artigo 4.° da 
 referida Lei de autorização legislativa:
 
  
 
 «Artigo 4.º
 IRS – Incidência objectiva
 
 1 – O IRS incidirá sobre o valor global anual dos rendimentos das categorias 
 seguintes, depois de feitas as correspondentes deduções a abatimentos:
 Categoria A – rendimentos do trabalho dependente;
 
 2 – Consideram-se:
 a) Rendimentos do trabalho dependente: todas as remunerações provenientes do 
 trabalho por conta de outrem, prestado quer por servidores do Estado e das 
 demais pessoas colectivas de direito público, quer em resultado de contrato de 
 trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;»
 Face ao texto enunciado, importará então reflectir sobre o que seja o conceito 
 de «remuneração proveniente do trabalho por conta de outrem ... em resultado de 
 contrato de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado».
 Ora, para nós, tal significa que o legislador, no âmbito desta autorização 
 legislativa, só poderia tributar as remunerações:
 
 1.° – Que resultassem de contrato de trabalho (cfr. artigo 1.° da LCT, aprovada 
 pelo Decreto‑Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, então em vigor);
 
 2.° – Ou que resultassem de outro contrato a ele legalmente equiparado, de que 
 são exemplo o contrato que tenha por objecto o trabalho prestado no domicílio, 
 ou o trabalho prestado em estabelecimento do trabalhador (cfr. artigo 2.° da 
 LCT), sendo comum a ambos a dependência económica do trabalhador relativamente 
 
 à pessoa ou entidade que determina a realização do trabalho;
 
 3.° – E que fossem auferidas pelo trabalhador, «como contrapartida do seu 
 trabalho» (cfr. artigo 82.°, n.º 1, da LCT).
 A nosso ver, as gratificações/gorjetas em causa não só não resultam do contrato 
 de trabalho, nem de outro a ele legalmente equiparado, como não são auferidas a 
 título de contrapartida do trabalho realizado.
 A nosso ver, ainda, – como supra se referiu – a natureza jurídica de tais 
 gratificações/gorjetas é a de «donativos conformes aos usos sociais», na medida 
 em que são de uso corrente, atribuídas pelos clientes dos casinos aos 
 trabalhadores, e não contrapartida remuneratória no âmbito do contrato de 
 trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado.
 Tais donativos constituem meras liberalidades do gratificador, que os atribui se 
 quer, quando quer, quanto quer, e a quem quer, sem que para tal esteja 
 vinculado a qualquer relação contratual (cfr. artigo 940.°, nota 10, do Código 
 Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, vol. II, 3.ª edição revista e 
 actualizada, Coimbra Editora; Parecer do Dr. Vitor Faveiro, fls. 26, junto aos 
 autos); e voto de vencido do Senhor Conselheiro A. Ribeiro Mendes, no Acórdão 
 n.° 497/97 do Tribunal Constitucional), não sendo, deste modo, susceptíveis de 
 tributação.
 
 2 – Quanto ao segundo tipo de considerações proferidas por esse Alto Tribunal na 
 decisão sumária de que ora se reclama segundo o qual o juízo de fiscalização 
 concreta a emitir pelo Tribunal Constitucional deve assentar na «interpretação 
 normativa acolhida na decisão judicial recorrida», visto que a decisão recorrida 
 se limita a aderir às decisões jurisprudenciais já prolatadas sobre a matéria, 
 os argumentos que supra se expõem afiguram‑se‑nos suficientes para tornar clara 
 a nossa posição de discórdia sobre a essência de tais decisões jurisprudenciais.
 Finalmente, quanto às decisões já prolatadas pelo TJCE sobre a matéria em causa 
 e invocadas pelos reclamantes como argumentos novos a ter em conta por esse Alto 
 Tribunal, atendendo ao que dispõe o artigo 8.° da Constituição sobre a matéria, 
 parece‑nos, pois, que a questão deverá – com o devido respeito – suscitar 
 também uma mais aturada reflexão.
 Pelo exposto,
 Deverá ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido o 
 recurso.”
 
  
 
                         1.3. Notificada da apresentação desta reclamação, a 
 recorrida não respondeu.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Apreciando os “novos argumentos” que alegadamente 
 constariam da reclamação dos recorrentes, constata‑se que ou não são novos ou 
 são irrelevantes para o caso.
 
                         O argumento respeitante à pretensa desigualdade que 
 resultaria de, em termos práticos, serem os profissionais de banca dos casinos 
 os únicos beneficiários de gorjetas a verem tributado esse rendimento já foi 
 ponderado no ponto 2.3.2 do Acórdão n.º 497/97, acima transcrito (cf. fls. 15 a 
 
 16 deste acórdão), onde se concluiu que do princípio da igualdade não resulta o 
 direito à não tributação de um sujeito tributário pela circunstância de outrem, 
 em situação de igual incidência, não ser tributado por dificuldades técnicas de 
 aplicação da lei.
 
                         Aos argumentos extraídos do “princípio da justiça do 
 sistema” já foi dada resposta no Acórdão n.º 481/2004. Aí se salientou nada 
 obstar a que o legislador adopte conceitos de rendimentos de trabalho de 
 diversa extensão consoante as finalidades tidas em vista e que, por outro lado, 
 a eventual desconsideração dos abonos ora em causa para certos efeitos, caso 
 pudesse ser considerada como violadora da “justiça do sistema”, não implicaria 
 necessariamente a imposição da sua não tributação, podendo antes reclamar a 
 exigência da sua relevância para efeitos indemnizatórios, previdenciais ou 
 outros.
 
                         De seguida, voltam os recorrentes a sustentar não ser a 
 melhor interpretação do direito ordinário a que considera as gorjetas 
 subsumíveis na previsão do artigo 4.º, n.º 2, alínea a), da lei de autorização 
 legislativa do CIRS. Mas – repete‑se – não cumpre ao Tribunal Constitucional 
 apreciar a correcção da interpretação e aplicação do direito ordinário feita 
 pelo tribunal recorrido, mas antes, e apenas, acolhendo essa interpretação como 
 um dado, aferir da sua conformidade constitucional.
 
                         Finalmente, as decisões do Tribunal de Justiça citadas 
 pelos recorrentes como “argumentos novos”, que mereceriam “uma mais aturada 
 reflexão”, revelam-se de todo irrelevantes para o caso da tributação, a título 
 de rendimentos de trabalho, das gorjetas. Na verdade, as duas decisões citadas 
 referem‑se a questões relativas ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA). No 
 Acórdão de 3 de Março de 1994, proc. C‑16/93 (R. J. Tolsma contra Inspecteur 
 der Omzetbelasting de Leeuwarden), perante questão prejudicial suscitada pelo 
 Gerechtshof de Leewarden, perante quem pendia impugnação de liquidação de IVA 
 tendo por base as contribuições dadas pelos passantes a um tocador de realejo na 
 via pública, o Tribunal de Justiça decidiu que “O artigo 2.º, ponto 1, da Sexta 
 Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à 
 harmonização das legislações dos Estados‑membros respeitantes aos impostos 
 sobre o volume dos negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor 
 acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de 
 que o conceito de prestação de serviços efectuada a título oneroso, utilizada 
 por esta disposição, não abrange a actividade que consiste em tocar música na 
 via pública, relativamente à qual não se encontra estipulada qualquer 
 remuneração, mesmo se o interessado solicita uma contribuição em dinheiro e 
 recebe certas quantias cujo montante não é, todavia, nem determinado nem 
 determinável”. E na segunda decisão – Acórdão de 29 de Março de 2001 [a data de 
 
 23 de Novembro de 2000, indicada pelos recorrentes, não é a data do acórdão, mas 
 sim a data da apresentação das conclusões do advogado‑geral], proc. C‑404/99 
 
 (Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa), o Tribunal de 
 Justiça decidiu que “Ao autorizar, sob certas condições, a exclusão da matéria 
 colectável do imposto sobre o valor acrescentado dos acréscimos obrigatórios de 
 preço reclamados por determinados sujeitos passivos a título de remuneração do 
 serviço («taxas de serviço»), a República Francesa não cumpriu as obrigações que 
 lhe incumbem por força dos artigos 2.º, n.º 1, e 11.º‑A, n.º 1, alínea a), da 
 Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à 
 harmonização das legislações dos Estados‑membros respeitantes aos impostos sobre 
 o volume dos negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: 
 matéria colectável uniforme”. Trata‑se, como é patente, de decisões relativas a 
 matéria estranha à tributação dos rendimentos de trabalho.
 
                         Sendo improcedentes os “argumentos novos” invocados 
 pelos reclamantes, resta confirmar o juízo de não inconstitucionalidade 
 formulado na decisão sumária reclamada, aliás na esteira dos Acórdãos n.ºs 
 
 497/97, 237/2000 e 481/2004.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, 
 n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas 
 Singulares, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 442‑A/88, de 30 de Novembro; e, 
 consequentemente,
 
                         b) Indeferir a presente reclamação.
 
                         Custas pelos recorrentes, fixando‑se a taxa de justiça 
 em 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 4 de Outubro de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos