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Processo n.º 571/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres           
 
 (Conselheira Maria Fernanda Palma)
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         I – Relatório
 
                         1. Ao arguido A. foi aplicada a medida de coacção de 
 prisão preventiva, por despacho do Juiz de Instrução Criminal do Funchal, de 12 
 de Outubro de 2004 (cf. fls. 42 a 44 dos presentes autos), do seguinte teor:
 
  
 
 “Apesar de o arguido «mostrar» ignorar os factos fortemente indiciados terem 
 sido praticados por si e que lhe foram exaustivamente comunicados, o que é certo 
 
 é que os elementos de prova até este momento colhidos indiciam fortemente que o 
 mesmo, conjuntamente com outros dois arguidos já ouvidos em sede de primeiro 
 interrogatório judicial, pelo menos por duas vezes procuraram que promotores de 
 projectos devidamente identificados nos autos entregassem quantias elevadas em 
 dinheiro «vivo» em «troca» de uma futura aprovação de projectos mesmo contra o 
 Plano Director Municipal da Câmara Municipal de X..
 Indiciado está fortemente e igualmente que o dinheiro a receber seria para ser 
 entregue ao ora arguido, que depois o repartiria com pelo menos o co‑arguido B., 
 funcionário da referida Câmara.
 Igualmente está fortemente indiciado que, usando da sua qualidade de Presidente 
 da Câmara, terá «forçado» um dos aludidos promotores de projectos a entregar a 
 elaboração do mesmo à co‑arguida C., a quem teria que pagar o preço da sua 
 execução para que se «facilitasse» a aprovação do projecto em causa.
 Dos autos resulta, por parte do mesmo, a prática já fortemente indiciada de 
 vários ilícitos cometidos no âmbito da alínea i) do artigo 3.° da Lei n.º 34/87, 
 de 16 de Julho, a saber:
 
 – Dois crimes de prevaricação, previstos e punidos nos termos do artigo 11.° do 
 Decreto‑Lei supra citado, e punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
 
 – Dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, previstos e punidos nos 
 termos do artigo 16.°, n.° 1, do citado diploma com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 
 anos;
 
 – Dois crimes de corrupção activa, previstos e punidos nos termos do n.° 3 do 
 artigo 18.° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 
 anos.
 A prova já carreada aos autos, quer documental, quer testemunhal, entre outras, 
 conseguida em tão pouco tempo de investigação e com bases já tão sólidas, é 
 fortemente elucidativa da actividade ilícita do arguido na sua qualidade de 
 Presidente da Câmara de X..
 Face às funções que o mesmo arguido exerce à frente da Câmara Municipal de X. e 
 tendo em atenção que está compreendido no âmbito das suas funções proferir 
 despachos sobre projectos de licenciamento de obras, bem como tem o mesmo acesso 
 a todos os documentos existentes em tal Câmara, bem como a influência que 
 exercerá sobre alguns dos seus colaboradores mais próximos, leva a concluir pela 
 existência de perigo de continuação da actividade criminosa e de perigo de 
 perturbação do decurso do inquérito, bem como grande perigo para a aquisição, 
 conservação ou veracidade da prova.
 Perigo esse de perturbação do inquérito e aquisição, conservação ou veracidade 
 da prova que maior é ainda sabendo‑se que o mesmo reside na área da Câmara de 
 que é Presidente, podendo «destruir» ou «calar» a prova.
 
 É, pois, por demais evidente que existe perigo de continuação da actividade 
 criminosa.
 Perigo igualmente existe e grande quer, por um lado, face ao extracto 
 socio‑económico em que o arguido está inserido, de o mesmo se ausentar da RAM.
 Por outro lado, a natureza dos ilícitos que já se encontram fortemente 
 indiciados e imputáveis ao arguido, de extrema gravidade dada a confiança que 
 lhe foi depositada ao ser eleito para um cargo de Presidência de Câmara pelos 
 seus conterrâneos, são veementemente repudiados e fortemente condenados pela 
 opinião pública, a que acresce, no caso concreto, a já referida posição do 
 arguido no seio da autarquia de X..
 Ilícitos esses a condenar ainda mais sabendo‑se que para se obterem ganhos 
 ilícitos através da prática de actos ilícitos contrariando a mais elementar das 
 regras: não violação do PDM.
 Assim sem sombra de dúvidas estão reunidas todas as condições para se aplicar 
 qualquer das medidas de coacção previstas na lei processual penal para além da 
 medida de coacção termo de identidade e residência.
 
 É certo que a medida de coacção prisão preventiva apenas é de aplicar, face aos 
 princípios da adequação e proporcionalidade, em último caso, quando se revelarem 
 inadequadas ou insuficientes qualquer outra das medidas de coacção.
 Do que até agora se disse resulta ser a única medida capaz e adequada às 
 exigências cautelares que este caso requer, bem como é proporcional à gravidade 
 do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
 Assim, e tendo em atenção essencialmente a natureza dos ilícitos, a 
 personalidade e funções do arguido, a existência de perigo de continuação da 
 actividade criminosa, o perigo de fuga e a necessidade de assegurar a 
 tranquilidade e a paz pública, determino que, e ao abrigo do disposto nos 
 artigos 191.º, 192.º, 193.º, 195.°, 202.°, n.° 1, alínea a), e 204.°, nas suas 
 diversas alíneas (a), b) e c)), todos do Código de Processo Penal, que o arguido 
 aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de 
 coacção:
 a) termo de identidade e residência, já prestado a fls. 275; e
 b) prisão preventiva.”
 
  
 
                         2. O arguido interpôs recurso deste despacho para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, terminando a respectiva motivação (cf. fls. 45 a 
 
 63 destes autos) com a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
 “1.ª – De harmonia com o disposto no artigo 193.º, n.º 2, do CPP, a prisão 
 preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou 
 insuficientes as outras medidas de coacção;
 
 2.ª – E o artigo 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa dispõe que 
 a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida 
 sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na 
 lei;
 
 3.ª – Ao aplicar a medida de prisão preventiva, no caso vertente, o Senhor Juiz 
 não equacionou nem ponderou a suficiência de adequação da imposição ao arguido 
 da obrigação de permanência na sua casa de habitação, cumulativamente com a 
 proibição de entrar no edifício onde estão instalados os serviços da Câmara 
 Municipal de X., de não contactar com os funcionários e membros dos órgãos 
 autárquicos daquela autarquia nem com quaisquer promotores imobiliários com 
 interesses imobiliários na área do concelho de X. e ainda cumulativamente com a 
 suspensão do exercício das funções de Presidente da dita Câmara – previstas nos 
 artigos 201.º, 200.° e 199.º do CPP;
 
 4.ª – Medidas estas que seriam inquestionavelmente suficientes para evitar a 
 fuga ou perigo de fuga, o perigo de perturbação do decurso do inquérito e o 
 perigo da perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da 
 actividade criminosa;
 
 5.ª – Não foi, assim, respeitado o princípio da subsidiariedade da prisão 
 preventiva, pois a aplicação desta terá de ser considerada excessiva, atendendo 
 ao seu carácter provisório e subsidiário;
 
 6.ª – Ao decidir pela aplicação da medida máxima de coacção foram violados os 
 artigos 28.º, n.º 2, da Constituição e os artigos 193.°, 202.° e 204.° do CPP.
 Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, 
 consequentemente, decretar‑se a revogação da prisão preventiva aplicada ao ora 
 recorrente e, em sua substituição, ser‑lhe aplicada a medida de obrigação de 
 permanência na habitação, prevista no artigo 201.º do CPP, cumulativamente ou 
 não com a proibição de entrar no edifício onde estão instalados os serviços da 
 Câmara Municipal de X., de não contactar com os funcionários e membros dos 
 
 órgãos autárquicos daquela autarquia nem com quaisquer promotores imobiliários 
 com interesses na área do concelho de X. e ainda cumulativamente com a suspensão 
 do exercício das funções de presidente da Câmara Municipal de X., medidas estas 
 previstas nos artigos 201.º, 200.º e 199.º do citado Código.”
 
  
 
                         Ao recurso foi negado provimento pelo acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Dezembro de 2004 (cf. fls. 68 a 80 dos 
 presentes autos).
 
                         Nesse acórdão, após se transcrever o despacho recorrido, 
 consignou‑se:
 
  
 
 “(...) da análise dos elementos probatórios já carreados para os autos, 
 designadamente os depoimentos dos também arguidos C. e B., reproduzidos a fls. 
 
 132 a 146, e que prestam, igualmente, serviço na Câmara Municipal de X. [a 
 primeira como arquitecta e o segundo como fiscal de obras], resulta claramente 
 indiciada a prática, pelo recorrente, dos imputados crimes.
 Aqueles são peremptórios na imputação factual que fazem ao recorrente, 
 imputação essa que se reforça com o depoimento prestado pelo denunciante D., e 
 com a apreensão dos 15 000 euros feita pelo mesmo à referida C., logo após os 
 ter recebido daquele, como forma de ver aprovado um projecto de construção, há 
 muito apresentado na Câmara de X., mas que também não respeitava as imposições 
 do PDM e do RGEU.
 Assim sendo, e na suficiência dos indícios nesta fase processual, as imputações 
 criminosas feitas ao recorrente mostram‑se claramente sustentadas, sendo também 
 as respectivas molduras penais aquelas que foram indicadas no despacho 
 recorrido.”
 
  
 
                         De seguida, o Tribunal da Relação de Lisboa passou a 
 apreciar a necessidade e adequação da medida de coacção aplicada, concluindo 
 que, no caso, a obrigação de permanência na habitação não seria suficiente 
 para, designadamente, assegurar o objectivo de evitar perturbação na aquisição e 
 conservação da prova, pelo que negou provimento ao recurso.
 
  
 
                         3. Por despacho do Juiz de Instrução Criminal do 
 Funchal, de 10 de Janeiro de 2005 (cf. fls. 111 a 115 destes autos), na 
 sequência do reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, foi 
 mantida a aplicação desta medida. Lê‑se nesse despacho:
 
  
 
 «Dado que ao arguido A. lhe foi aplicada a medida de coacção prisão preventiva 
 em primeiro interrogatório judicial de fls. 280 e seguintes, iniciado em 11 de 
 Outubro de 2004 e terminado com a notificação do despacho proferido, pelas 
 
 24,15 horas de 12 de Outubro de 2004, há que proceder oficiosamente ao reexame 
 de subsistência dos pressupostos daquela medida, decidindo se é de manter ou se 
 deve ser substituída ou revogada, nos termos do n.º 1 do artigo 213.° do Código 
 de Processo Penal.
 O Ministério Público, a fls. 1120 a 1121 (cujos termos dou aqui por 
 integralmente reproduzidos), promove se mantenha tal medida de coacção.
 O arguido A. veio a fls. 1077 requerer a sua audição por entender que a decisão 
 ora a proferir pessoalmente o afecta, foi notificado para se pronunciar por 
 escrito quanto à subsistência dos pressupostos de tal medida de coacção.
 Pronuncia‑se nos termos constantes de fls. 1108 a 1119 – original a fls. 1176 a 
 
 1185 (cujo teor dou por integralmente reproduzido), onde requer a final a 
 substituição da medida de coacção prisão preventiva pela medida de coacção 
 obrigação de permanência na habitação (frisa‑se que o arguido conhece o teor de 
 alegado acórdão que terá sido proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que 
 terá mantido o despacho a aplicar a medida de coacção em causa – cfr. ponto XVI 
 do requerimento – acórdão esse ainda não conhecido por este tribunal).
 E a fls. 1218 a 1227 vem, notificado do despacho a conceder‑lhe a faculdade de 
 se pronunciar por escrito, a «dizer que, no seu entendimento, não subsiste 
 nenhum dos pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi 
 aplicada (...)» e requer a final se conclua pela insubsistência actual dos 
 pressupostos e se revogue a medida aplicada ou se substitua a mesma por outra 
 menos gravosa, mais adequada e proporcional, sugerindo a substituição pela 
 medida de obrigação de permanência na habitação.
 Requerimento esse que tenho aqui por integralmente reproduzido.
 Decidindo:
 O artigo 204.° do Código de Processo Penal enuncia os requisitos que têm de se 
 mostrar, em concreto, verificados para que possa ser aplicada qualquer medida 
 da coacção, à excepção da prevista no artigo 196.° do mesmo diploma legal:
 a) Fuga ou perigo de fuga;
 b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, 
 nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
 c) Perigo, em razão da natureza ou das circunstâncias do crime ou da 
 personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou 
 de continuação da actividade criminosa.
 Dos autos resultam inalterados os pressupostos de facto e de direito que 
 determinaram a sujeição do arguido à medida de coacção prisão preventiva.
 Na verdade, a gravidade dos factos imputados ao arguido, a ressonância social da 
 sua comissão, o modo de execução dos mesmos, inculcam, ipso facto, a convicção 
 da existência de perigo de fuga, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade 
 públicas e perigo de continuação da actividade criminosa e grande perigo para a 
 perturbação do decurso do inquérito, principalmente para a aquisição, 
 conservação ou veracidade da prova.
 Na verdade, basta reler os fundamentos e normas invocadas no despacho proferido 
 em primeiro interrogatório:
 
 [segue a transcrição integral do despacho de 12 de Outubro de 2004, já 
 reproduzido supra, 1.]
 Todos os fundamentos mantém actualidade e, neste momento, se encontram ainda 
 mais fortalecidos com a prova entretanto carreada aos autos.
 Sopesado o acervo factual carreado para os presentes autos, e, agora, ainda mais 
 fortalecido apenas e tão‑só a privação da liberdade do arguido satisfaz as 
 exigências cautelares pressupostas in casu.
 Assim sendo, mostram‑se preenchidos os requisitos previstos nos artigos 202.°, 
 n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal e 204.°, alíneas a) a c), do mesmo 
 diploma legal, atentos os critérios de necessidade, adequação e 
 proporcionalidade, conservando‑se inalterados os pressupostos que determinaram 
 a sujeição do arguido a prisão preventiva.
 Por outro lado, ainda não decorreu o prazo de duração da medida nos termos do 
 artigo 215.° do Código de Processo Penal.
 Assim sendo, mantenho a medida de coacção prisão preventiva imposta ao arguido 
 A. por subsistirem os pressupostos da mesma, nos termos do n.º 1 do artigo 213.° 
 do Código de Processo Penal.”
 
  
 
                         O arguido interpôs recurso deste despacho para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 11 de Maio de 2005, lhe negou 
 provimento.
 
                         Deste acórdão interpôs o arguido recurso para o Tribunal 
 Constitucional, que, porém, pelo Acórdão n.º 420/2005 (que indeferiu reclamação 
 de Decisão Sumária do Relator), não tomou conhecimento do recurso, por falta de 
 coincidência entre as cinco dimensões normativas arguidas de inconstitucionais 
 pelo recorrente (as mesmas que voltaria a suscitar no presente recurso) e as 
 correspondentes dimensões normativas efectivamente aplicadas, como rationes 
 decidendi, pelo acórdão então recorrido.
 
  
 
                         4. Por despacho do Juiz de Instrução Criminal do 
 Funchal, de 8 de Abril de 2005 (cf. fls. 153 a 157 destes autos), na sequência 
 de segundo reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, foi 
 mantida a aplicação desta medida, constando desse despacho:
 
  
 
 “Dado que ao arguido A. lhe foi aplicada a medida de coacção prisão preventiva 
 em primeiro interrogatório judicial de fls. 280 e seguintes, iniciado em 11 de 
 Outubro de 2004 e terminado com a notificação do despacho proferido, pelas 
 
 24,15 horas de 12 de Outubro de 2004, e foi mantida tal medida de coacção em 
 reexame oficioso conforme despacho proferido a 10 de Janeiro do presente ano 
 
 (cfr. fls. 1228 a 1232), há novamente que reexaminar oficiosamente a 
 subsistência ou não dos pressupostos subjacentes à sujeição do arguido àquela 
 medida de coacção, decidindo se é de manter, ser substituída ou ser revogada, 
 nos termos do n.º 1 do artigo 213.º do Código de Processo Penal.
 O Ministério Público, a fls. 1689 a 1690 (cujos termos dou aqui por 
 integralmente reproduzidos), promove se mantenha tal medida de coacção.
 Decidindo:
 O artigo 204.º do Código de Processo Penal enuncia os requisitos que têm de se 
 mostrar, em concreto, verificados para que possa ser aplicada qualquer medida 
 de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º do mesmo diploma legal:
 a) Fuga ou perigo de fuga
 b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, 
 nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
 c) Perigo, em razão da natureza ou das circunstâncias do crime ou da 
 personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou 
 de continuação da actividade criminosa.
 Dos autos resultam inalterados os pressupostos de facto e de direito que 
 determinaram a sujeição do arguido à medida de coacção prisão preventiva.
 Na verdade, a gravidade dos factos imputados ao arguido, a ressonância social da 
 sua comissão, o modo de execução dos mesmos, inculcam, ipso facto, a convicção 
 da existência de perigo de fuga, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade 
 públicas e perigo de continuação da actividade criminosa e grande perigo para a 
 perturbação do decurso do inquérito, principalmente para a aquisição, 
 conservação ou veracidade da prova.
 Na verdade, basta reler os fundamentos e normas invocadas no despacho proferido 
 em primeiro interrogatório:
 
 «Apesar de o arguido “mostrar” ignorar os factos fortemente indiciados terem 
 sido praticados por si e que lhe foram exaustivamente comunicados, o que é certo 
 
 é que os elementos de prova até este momento colhidos indiciam fortemente que o 
 mesmo, conjuntamente com outros dois arguidos já ouvidos em sede de 1.º 
 interrogatório judicial, pelo menos por duas vezes procuraram que promotores de 
 projectos devidamente identificados nos autos entregassem quantias elevadas em 
 dinheiro “vivo” em “troca” de uma futura aprovação de projectos mesmo contra o 
 Plano Director Municipal da Câmara Municipal de X..
 Indiciado está fortemente e igualmente que o dinheiro a receber seria para ser 
 entregue ao ora arguido, que depois o repartiria com pelo menos o co‑arguido B., 
 funcionário da referida Câmara.
 Igualmente está fortemente indiciado que, usando da sua qualidade de Presidente 
 da Câmara, terá “forçado” um dos aludidos promotores de projectos a entregar a 
 elaboração do mesmo à co‑arguida C., a quem teria que pagar o preço da sua 
 execução para que se “facilitasse” a aprovação do projecto em causa.
 Dos autos resulta, por parte do mesmo, a prática já fortemente indiciada de 
 vários ilícitos cometidos no âmbito da alínea i) do artigo 3.º da Lei n.º 34/87, 
 de 16 de Julho, a saber:
 
 – Dois crimes de prevaricação, previstos e punidos nos termos do artigo 11.º do 
 Decreto‑Lei supra citado, e punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
 
 – Dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, previstos e punidos nos 
 termos do artigo 16.º, n.º 1, do citado diploma com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 
 anos;
 
 – Dois crimes de corrupção activa, previstos e punidos nos termos do n.º 3 do 
 artigo 18.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 
 anos.
 A prova já carreada aos autos, quer documental, quer testemunhal, entre outras, 
 conseguida em tão pouco tempo de investigação e com bases já tão sólidas é 
 fortemente elucidativa da actividade ilícita do arguido na sua qualidade de 
 Presidente da Câmara de X..
 Face às funções que o mesmo arguido exerce à frente da Câmara Municipal de X. e 
 tendo em atenção que está compreendido no âmbito das suas funções proferir 
 despachos sobre projectos de licenciamento de obras, bem como tem o mesmo acesso 
 a todos os documentos existentes em tal Câmara, bem como a influência que 
 exercerá sobre alguns dos seus colaboradores mais próximos, leva a concluir 
 pela existência de perigo de continuação da actividade criminosa e de perigo de 
 perturbação do decurso do inquérito, bem como grande perigo para a aquisição, 
 conservação ou veracidade da prova.
 Perigo esse de perturbação do inquérito e aquisição, conservação ou veracidade 
 da prova que maior é ainda sabendo‑se que o mesmo reside na área da Câmara de 
 que é Presidente, podendo “destruir” ou “calar” a prova.
 
 É, pois, por demais evidente que existe perigo de continuação da actividade 
 criminosa.
 Perigo igualmente existe e grande, quer, por um lado, face ao extracto 
 sócio‑económico em que o arguido está inserido, de o mesmo se ausentar da RAM.
 Por outro lado, a natureza dos ilícitos que já se encontram fortemente 
 indiciados e imputáveis ao arguido, de extrema gravidade, dada a confiança que 
 lhe foi depositada ao ser eleito para um cargo de Presidência de Câmara pelos 
 seus conterrâneos, são veementemente repudiados e fortemente condenados pela 
 opinião pública, a que acresce, no caso concreto, a já referida posição do 
 arguido no seio da autarquia de X..
 Ilícitos esses a condenar ainda mais sabendo‑se que para se obterem ganhos 
 ilícitos através da prática de actos ilícitos contrariando a mais elementar das 
 regras: não violação do PDM.
 Assim, sem sombra de dúvidas, estão reunidos todas as condições para se aplicar 
 qualquer das medidas de coacção previstas na lei processual penal para além da 
 medida de coacção termo de identidade e residência.
 
 É certo que a medida de coacção prisão preventiva apenas é de aplicar face aos 
 princípios da adequação e proporcionalidade, em último caso, quando se revelarem 
 inadequadas ou insuficientes qualquer outra das medidas de coacção.
 Do que até agora se disse resulta ser a única medida capaz e adequada às 
 exigências cautelares que este caso requer, bem como é proporcional à gravidade 
 do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
 Assim, e tendo em atenção essencialmente a natureza dos ilícitos, a 
 personalidade e funções do arguido, a existência de perigo de continuação da 
 actividade criminosa, o perigo de fuga e a necessidade de assegurar a 
 tranquilidade e a paz públicas determino que, e ao abrigo do disposto nos 
 artigos 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 202.º, n.º 1, alínea a), e 204.º, nas suas 
 diversas alíneas (a), b) e c)), todos do Código de Processo Penal, que o 
 arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito ás seguintes medidas de 
 coacção:
 a) termo de identidade e residência, já prestado a fls. 275; e
 b) prisão preventiva.»
 Todos os fundamentos mantém actualidade e, neste momento, se encontram ainda 
 mais fortalecidos com a prova testemunhal, documental e pericial entretanto 
 carreada aos autos.
 Sopesado o acervo factual carreado para os presentes autos, e, agora, ainda mais 
 fortalecido apenas e tão‑só a privação da liberdade do arguido satisfaz as 
 exigências cautelares pressupostas in casu.
 Assim sendo, mostram‑se preenchidos os requisitos previstos no artigo 202.º, n.º 
 
 1, alínea a), e 204.º, alíneas a) a c), ambos do Código de Processo Penal, 
 atentos os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, 
 conservando‑se inalterados os pressupostos que determinaram a sujeição do 
 arguido a prisão preventiva.
 Por outro lado, ainda não decorreu o prazo de duração da medida, nos termos do 
 artigo 215.º do Código de Processo Penal.
 Assim sendo, mantenho a medida de coacção prisão preventiva imposta ao arguido 
 A. por subsistirem os pressupostos da mesma, nos termos do n.º 1 do artigo 213.º 
 do Código de Processo Penal.”
 
  
 
                         5. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação 
 de Lisboa deste despacho de manutenção da prisão preventiva, concluindo a 
 respectiva motivação (fls. 1 a 40 destes autos) com a apresentação das seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 “1. Vem o presente recurso interposto do despacho que, reexaminando, ao abrigo 
 do n.º 1 do artigo 213.° do CPP, a subsistência dos pressupostos da prisão 
 preventiva aplicada ao arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, 
 decidiu manter aquela medida.
 
 2. Contudo, tanto o despacho que aplicou ao arguido a medida de coacção de 
 prisão preventiva como o despacho que agora a manteve ocultam claramente ao 
 recorrente a enunciação dos motivos de facto das duas decisões tomadas.
 
 3. Assim, a questão crucial é esta: o recorrente, Presidente da Câmara Municipal 
 da X. na Região Autónoma da Madeira, está recluído no Estabelecimento Prisional 
 Regional do Funchal vai para quatro meses, em execução da medida de coacção de 
 prisão preventiva, imposta e mantida sem que até hoje saiba os motivos concretos 
 por que está preso.
 
 4. É certo que o Ministério Público e o Juiz de Instrução imputaram ao 
 recorrente a prática de múltiplos ilícitos criminais, alegadamente cometidos no 
 
 âmbito da alínea i) do artigo 3.° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, e, 
 designadamente, dois crimes de prevaricação, dois crimes de corrupção passiva 
 para actos ilícitos e dois crimes de corrupção activa.
 
 5. Mas a verdade é que o Juiz de Instrução nunca enunciou, nem no despacho que 
 impôs a prisão preventiva nem no despacho que a manteve, os factos concretos, 
 com suas circunstâncias de tempo, modo e lugar, porventura imputáveis ao arguido 
 e que justificassem ou permitissem, de perto ou de longe, indiciar a prática 
 daqueles crimes.
 
 6. O caso é tanto mais estranho quanto é certo que o Juiz de Instrução, muito 
 embora tenha comunicado ao arguido a medida de coacção que lhe tinha sido 
 aplicada, nunca notificou do despacho, com entrega da necessária cópia, nem o 
 arguido, nem o defensor, nem nenhum familiar do preso preventivo.
 
 7. Ao arguido foi sempre vedada a oportunidade de uma defesa eficaz.
 
 8. Acontece que o despacho aqui sob recurso, emitido ao abrigo do n.º 1 do 
 artigo 213.° do CPP, carece em absoluto de fundamentação.
 
 9. Com efeito, o Juiz de Instrução limitou‑se, por um lado, a reproduzir no 
 corpo do despacho agora sindicado o texto integral do despacho pelo qual, em 
 sede de primeiro interrogatório judicial, aplicou ao aqui recorrente a medida 
 de prisão preventiva e, por outro lado, a considerar que todos os fundamentos 
 do despacho transcrito manteriam actualidade e se encontrariam ainda mais 
 fortalecidos com a prova entretanto carreada para os autos, mas sem enunciar uma 
 
 única dessas pretensas novas provas.
 
 10. Por outro lado, só a exposição dos factos que justifiquem a manutenção da 
 medida de prisão preventiva é susceptível de dar ao arguido a oportunidade de 
 defesa a que se reporta o artigo 28.°, n.º 1, da CRP.
 
 11. Assim, o despacho impugnado viola as disposições conjugadas dos artigos 
 
 28.°, n.º 1, 32.°, n.º 1, e 205.°, n.º 1, da CRP e 97.°, n.ºs 1 e 4, e 213.°, 
 n.º 1, estes últimos do CPP.
 
 12. E se for para interpretar a norma do n.º 1 do artigo 213.° do Código de 
 Processo Penal no sentido em que a interpreta e com que a aplica o despacho 
 recorrido, ou seja, no sentido de que, para o reexame da subsistência dos 
 pressupostos da prisão preventiva e para decidir da sua manutenção, bastaria a 
 transcrição do despacho que determinou a aplicação da medida e uma indicação 
 genérica ao arguido de que «todos os fundamentos mantêm actualidade e, neste 
 momento, se encontram ainda mais fortalecida a prova entretanto carreada aos 
 autos», e de que «dos autos resultam inalterados os pressupostos de facto e de 
 direito que determinaram a sujeição do arguido à medida de coacção prisão 
 preventiva», sem enunciar em concreto quais os novos meios de prova entretanto 
 carreados para os autos nem os motivos por que resultariam inalterados os 
 pressupostos, então tal interpretação é materialmente inconstitucional, por 
 violação do disposto nos artigos 28.°, n.ºs 1 e 2, e 32.°, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se 
 deixa arguida para todos os devidos e legais efeitos, incluindo os de recorrer 
 para o Tribunal Constitucional.
 
 13. Acontece que o despacho que aplicou ao arguido a medida de prisão 
 preventiva, proferido ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 141.° e nos n.ºs 
 
 1 e 3 do artigo 194.°, ambos do CPP, foi integralmente vertido, como sua 
 fundamentação substancial, senão mesmo exclusiva, no despacho que, ao abrigo do 
 n.º 1 do artigo 213.° do mesmo Código, decidiu manter aquela medida.
 
 14. A impugnação do segundo despacho obriga‑nos a impugnar aqui o conteúdo do 
 primeiro, de outro modo estaria encontrado o processo fraudulento de impedir o 
 recurso de todos os despachos proferidos ao abrigo do n.º 1 do artigo 213.° do 
 CPP, bastando para tal que o juiz do caso se limitasse a transcrever no 
 segundo despacho o conteúdo do primeiro despacho.
 
 15. Ora, na parte em apreço, o despacho recorrido não enuncia factos, com as 
 correlativas circunstâncias de tempo, modo e lugar, que justifiquem a aplicação 
 ao arguido de qualquer medida de coacção, e, muito menos, a medida de prisão 
 preventiva.
 
 16. Assim, e na parte em que transcreve o primeiro despacho, a decisão agora sob 
 recurso viola o disposto no n.º 1 do artigo 205.° da CRP e nos n.ºs 1 e 4 do 
 artigo 94.°, no n.º 4 do artigo 141.°, no n.º 3 do artigo 194.°, no n.º 2 do 
 artigo 374.° e no n.º 1, alínea a), do artigo 379.°, estes todos do CPP.
 
 17. De qualquer modo, se for para interpretar a norma do n.º 3 do artigo 194.° 
 do Código de Processo Penal no sentido segundo o qual a enunciação dos motivos 
 de facto da decisão de aplicação da medida de prisão preventiva pode consistir 
 em formulações gerais e abstractas, sem concretização das circunstâncias de 
 tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que integram a prática dos crimes 
 imputados, como a interpreta o despacho recorrido, então tal norma é 
 materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 28.°, n.ºs 
 
 1 e 2, e 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 
 inconstitucionalidade que desde já fica arguida, para todos os devidos e legais 
 efeitos, incluindo os de recorrer para o Tribunal Constitucional.
 
 18. Sucede ainda que a falta absoluta de fundamentação do despacho recorrido se 
 revela também na ausência total da enumeração de factos ou indícios de factos 
 concretos que preencham os requisitos gerais e especiais, exigidos por lei, 
 para a aplicação da medida de prisão preventiva e para a decisão sobre a sua 
 manutenção.
 
 19. Ora, nenhum reexame contém o despacho sob recurso quanto à adequação da 
 manutenção da prisão preventiva às exigências cautelares, naturalmente com base 
 em critérios rigorosos e ponderando factos concretos e não hipóteses teóricas.
 
 20. Nesta parte, o despacho em apreço viola as disposições conjugadas dos n.ºs 1 
 e 2 do artigo 193.° e do n.º 1 do artigo 213.°, ambos do CPP.
 
 21. E se for para interpretar e aplicar as normas extraídas da conjugação dos 
 artigos 193.°, n.ºs 1 e 2, e 213.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, no 
 sentido com que as interpretou e aplicou o despacho impugnado, ou seja, 
 interpretadas e aplicadas no sentido de que, ao reexaminar a subsistência dos 
 pressupostos da prisão preventiva, não terá o juiz de analisar em concreto a 
 adequação e proporcionalidade dessa medida coactiva às exigências cautelares 
 que o caso em concreto requer e que nem terá também, em sede de reexame, de 
 averiguar se todas as medidas, com excepção da prisão preventiva, se revelam 
 concretamente inadequadas ou insuficientes, então tais normas serão 
 materialmente inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 28.°, 
 n.ºs 1 e 2, e 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 
 inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os devidos e legais 
 efeitos, incluindo os de recorrer para o Tribunal Constitucional.
 
 22. A manutenção da medida de coacção de prisão preventiva, tal como a sua 
 aplicação, exige, além do mais, que existam fortes indícios, e não apenas 
 indícios, da prática de crime doloso especialmente grave.
 
 23. Porém, no despacho aqui em apreço, é mantida a prisão preventiva sem se 
 reexaminar da subsistência ou não desses fortes indícios.
 
 24. Violou pois o despacho sindicado as disposições conjugadas dos artigos 
 
 194.°, n.º 3, 202.°, n.º 1, alínea a), e 213.°, n.º 1, todos do CPP.
 
 25. E também aqui, se for para interpretar a norma extraída da conjugação dos 
 artigos 202.°, n.º 1, alínea a), e 213.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 no sentido de que, no despacho que decide manter a prisão preventiva, não têm 
 que ser reexaminados em concreto os factos que porventura indiciem fortemente a 
 prática de crime doloso punível com pena da prisão de máximo superior a três 
 anos, como a interpreta o despacho recorrido, então tal norma é materialmente 
 inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 28.°, n.ºs 1 e 2, e 32.º, 
 n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade que fica desde já arguida para todos os 
 devidos e legais efeitos, incluindo os de recorrer para o Tribunal 
 Constitucional.
 
 26. É, finalmente, absoluta, total a falta de fundamentação do despacho 
 recorrido quanto à necessária enunciação dos factos ou indícios de factos que 
 preencham os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, previstos no 
 artigo 204.° do CPP.
 
 27. O despacho viola, assim, o disposto no artigo 204.° do CPP, conjugado com o 
 disposto nos artigos 205.°, n.º 1, da CRP e 97.°, n.ºs 1 e 4, e 213.°, n.º 1, 
 estes daquele Código.
 
 28. Aliás, o despacho em exame insiste na subsistência de dois pressupostos que 
 o Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão tirado nos autos do recurso 
 interposto do despacho que decidiu aplicar a prisão preventiva (Recurso n.º 
 
 9715/04‑9), considerou não se verificarem ou não merecerem relevância, violando 
 assim, e nessa parte, aquele aresto.
 
 29. Em todo o caso, se for para interpretar a norma extraída das disposições 
 conjugadas dos artigos 204.° e 213.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, no 
 sentido em que a interpreta e com que a aplica o despacho recorrido, ou seja, no 
 sentido segundo o qual o reexame da subsistência dos pressupostos gerais de 
 perigo, que permite decidir da manutenção da prisão preventiva, se bastaria com 
 a mera transcrição dos requisitos legais tal como constam do artigo 204.° do 
 CPP, sem curar de enunciar os factos ou indícios de facto que preencheriam esses 
 pressupostos, então tal norma é materialmente inconstitucional, por violação 
 das disposições conjugadas dos artigo 28.°, n.ºs 1 e 2, 32.°, n.º 1, e 205.°, 
 n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade que fica desde já arguida para todos os 
 devidos e legais efeitos, incluindo os de recorrer para o Tribunal 
 Constitucional.”
 
  
 
                         6. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de 
 Junho de 2005 (fls. 198 a 204 destes autos), negou provimento ao recurso, 
 expendendo o seguinte:
 
  
 
 “2. Ao contrário do que alega o recorrente, indiciam fortemente os autos que o 
 mesmo, conjuntamente com outros dois arguidos, já ouvidos em sede de 1.° 
 interrogatório judicial, pelo menos por duas vezes, procuraram que promotores 
 de projectos devidamente identificados nos autos entregassem quantias elevadas 
 em dinheiro «vivo» em «troca» de uma futura aprovação de projectos mesmo contra 
 o Plano Director Municipal da Câmara Municipal de X..
 Indiciado está fortemente e igualmente que o dinheiro a receber seria para ser 
 entregue ao ora arguido, que depois o repartiria com pelo menos o co‑arguido B., 
 funcionário da referida Câmara.
 Igualmente está fortemente indiciado que, usando da sua qualidade de Presidente 
 da Câmara, terá «forçado» um dos aludidos promotores de projectos a entregar a 
 elaboração do mesmo à co‑arguida C., a quem teria de pagar o preço da sua 
 execução para que se «facilitasse» a aprovação do projecto em causa.
 Indicia‑se, pois, a prática de vários ilícitos cometidos no âmbito da alínea i) 
 do artigo 3.° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, a saber:
 
 – Dois crimes de prevaricação, previstos e punidos nos termos do artigo 11.° do 
 Decreto‑Lei supra citado, e punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
 
 – Dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, previstos e punidos nos 
 termos do artigo 16.°, n.° 1, do citado diploma, com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 
 anos;
 
 – Dois crimes de corrupção activa, previstos e punidos nos termos do n.° 3 do 
 artigo 18.° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, punido com pena de prisão de 2 a 8 
 anos.
 Improcede, pois, desde já e manifestamente, a argumentação do recorrente quando 
 defende que o juiz de Instrução nunca enunciou, nem no despacho que impôs a 
 prisão preventiva nem no despacho que a manteve, os factos concretos imputáveis 
 ao arguido e que justificassem indiciar a prática de tais crimes.
 Por outro lado, e como bem salienta o despacho recorrido, «Face às funções que o 
 mesmo arguido exerce à frente da Câmara Municipal de X. e tendo em atenção que 
 está compreendido no âmbito das suas funções proferir despachos sobre projectos 
 de licenciamento de obras, bem como tem o mesmo acesso a todos os documentos 
 existentes em tal Câmara, bem como a influência que exercerá sobre alguns dos 
 seus colaboradores mais próximos leva a concluir pela existência de perigo de 
 continuação da actividade criminosa e de perigo de perturbação do decurso do 
 inquérito bem como grande perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da 
 prova. Perigo esse de perturbação do inquérito e aquisição, conservação ou 
 veracidade da prova que maior é ainda sabendo‑se que o mesmo reside na área da 
 Comarca de que é Presidente, podendo ‘destruir’ ou ‘calar’ a prova»..
 Por outro lado, «... a natureza dos ilícitos que já se encontram fortemente 
 indiciados e imputáveis ao arguido, de extrema gravidade, dada a confiança que 
 lhe foi depositada ao ser eleito para um cargo de Presidente de Câmara pelos 
 seus conterrâneos, são veementemente repudiados e fortemente condenados pela 
 opinião pública, a que acresce, no caso concreto, a já referida posição do 
 arguido no seio da autarquia de X.. Ilícitos esses a condenar ainda mais 
 sabendo‑se que para se obterem ganhos ilícitos através da prática de actos 
 ilícitos contrariando a mais elementar das regras: não violação do PDM».
 Estão pois verificadas as circunstâncias previstas nas alíneas a), b) e c) do 
 artigo 204.º do Código de Processo Penal.
 Os artigos 213.°, 193.°, 202.°, n.° 1, alínea a), e 204.°, todos do CPP, no 
 sentido que interpretou e aplicou o despacho recorrido, não enfermam de 
 qualquer inconstitucionalidade porque o seu conteúdo encontra‑se correcta e 
 devidamente fundamentado.
 O despacho recorrido não violou os artigos 28.°, n.ºs 1 e 2, 32.°, n.° 1, e 
 
 205.°, n.° 1, estes da Constituição da República Portuguesa, nem os artigos 
 
 97.°, n.ºs 1 e 4, 141.°, n.° 4, 193.°, n.ºs 1 e 2, 194.°, n.° 3, 202.°, n.° 1, 
 alínea a), 213.°, n.° 1, 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1, alínea a), estes do 
 Código de Processo Penal.
 Por outro lado, o arguido, ao recorrer da decisão que determinou a manutenção 
 da sua prisão preventiva, sem invocar qualquer facto de carácter excepcional 
 que determine a alteração da medida imposta, nem apresentando fundamentos que 
 relevem para a diminuição das exigências cautelares que justificaram a 
 aplicação da prisão preventiva, não pode pretender demonstrar que esta medida de 
 coacção não se mostra adequada e proporcional às circunstâncias do caso, tanto 
 mais que a esta conclusão se continuou a chegar no decurso da investigação.
 
 É certo que o pedido de apreciação da legalidade da manutenção da prisão do 
 recorrente pode ocorrer a todo o tempo e nenhuma decisão anteriormente 
 proferida faz caso julgado sobre a matéria.
 Com efeito, a revogação e a substituição podem ter lugar oficiosamente ou a 
 requerimento do Ministério Público ou do arguido (artigo 212.°, n.º 4, do CPP), 
 devendo o Juiz, durante a execução da prisão preventiva, proceder, de três em 
 três meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos daquela, decidindo‑se 
 se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada (artigo 213.°, n.º 1, do 
 CPP).
 Porém, «enquanto não ocorrerem alterações fundamentais ou significativas da 
 situação existente à data em que foi decidido aplicar a prisão preventiva (...), 
 não pode o tribunal reformar essa decisão, sob pena de, fazendo‑o, provocar a 
 instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios, com inevitáveis 
 reflexos negativos no prestígio dos tribunais e nos valores de certeza ou 
 segurança jurídica que constituem os verdadeiros fundamentos do caso julgado.
 Podendo a decisão não ser definitiva, porém ela é intocável e imodificável 
 enquanto não sobrevierem motivos que justifiquem legalmente nova tomada de 
 posição, isto é, enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram». – Acórdão 
 da Relação do Porto, de 3 de Fevereiro de 1993, Colectânea de Jurisprudência, 
 ano XVIII, 1993, tomo I, pág. 248.
 Com efeito, o arguido não invoca qualquer facto de carácter excepcional que 
 determine a alteração da medida imposta, nem apresenta fundamentos que relevem 
 para a diminuição das exigências cautelares que justificaram a aplicação da 
 prisão preventiva.
 Temos, assim, que os argumentos invocados pelo arguido se coadunam mal com a 
 possibilidade de ter havido uma significativa alteração das circunstâncias que 
 aconselhasse a revisão da medida e a verdade é que não foram trazidos novos 
 elementos que fundadamente levem a concluir terem deixado de subsistir as 
 circunstâncias que justificaram a imposição da medida de prisão preventiva.”
 
  
 
                         7. Notificado deste acórdão, o recorrente dele interpôs 
 recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Dezembro – LTC), referindo no respectivo requerimento 
 de interposição (fls. 207 a 210) que:
 
  
 
 “As normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada são:
 
 1. – a norma do n.º 1 do artigo 213.° do Código de Processo Penal, interpretada 
 como o foi no despacho judicial e no acórdão recorridos, ou seja, no sentido de 
 que, para o reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva e 
 para decidir da sua manutenção, bastará a transcrição do despacho que determinou 
 a aplicação da medida coactiva e uma indicação genérica ao arguido de que «todos 
 os fundamentos mantêm actualidade e, neste momento, se encontra ainda mais 
 fortalecida a prova entretanto carreada aos autos», e de que «dos autos resultam 
 inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a sujeição do 
 arguido à medida de coacção de prisão preventiva», sem enunciar em concreto 
 quais os novos meios de prova entretanto carreados para os autos nem os motivos 
 por que resultariam inalterados os pressupostos;
 
 2. – a norma do n.º 3 do artigo 194.° do Código de Processo Penal, interpretada 
 como o foi no despacho judicial e no acórdão recorridos, ou seja, no sentido 
 segundo o qual a enunciação dos motivos de facto da decisão de aplicação da 
 medida de prisão preventiva pode consistir apenas em formulações gerais e 
 abstractas, sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que 
 ocorreram os factos que integram a prática dos crimes imputados;
 
 3. – a norma extraída da conjugação dos artigos 193.°, n.ºs 1 e 2, e 213.°, n.º 
 
 1, do Código de Processo Penal, interpretada e aplicada como o foi no despacho 
 judicial e no acórdão recorridos, no sentido de que, ao reexaminar a 
 subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, não terá o juiz de analisar 
 em concreto a adequação e proporcionalidade dessa medida coactiva às exigências 
 cautelares que o caso em concreto requer e que nem terá também, em sede de 
 reexame, de averiguar se todas as medidas, com excepção da prisão preventiva, se 
 revelam concretamente inadequadas ou insuficientes;
 
 4. – a norma extraída da conjugação dos artigos 202.°, n.º 1, alínea a), e 
 
 213.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada como o foi no despacho 
 judicial e no acórdão recorridos, no sentido de que, no despacho que decide 
 manter a prisão preventiva, não têm que ser reexaminados em concreto os factos 
 que porventura indiciam fortemente a prática de crime doloso punível com pena de 
 prisão máxima superior a três anos, com suas circunstâncias de tempo, modo e 
 lugar;
 
 5. – a norma extraída das disposições conjugadas dos artigos 204.° e 213.°, n.º 
 
 1, do Código de Processo Penal, interpretada como o foi no despacho judicial e 
 no acórdão recorridos, no sentido segundo o qual o reexame da subsistência dos 
 pressupostos gerais de perigo, que permite decidir da manutenção da prisão 
 preventiva, se bastaria com a mera transcrição dos requisitos legais tal como 
 constam do artigo 204.° do CPP, sem curar de enunciar os factos ou indícios que 
 preencheriam esses pressupostos.
 E os preceitos e princípios constitucionais que se entende terem sido, e 
 gravemente, violados são, relativamente a cada uma das inconstitucionalidades 
 arguidas, o disposto nos artigos 28.°, n.ºs 1 e 2, e 32.° da Constituição da 
 República Portuguesa.
 A peça processual onde foram arguidas aquelas inconstitucionalidades foi a da 
 motivação e conclusões do recurso ordinário para o Venerando Tribunal da 
 Relação de Lisboa – recurso em epígrafe –, interposto pelo arguido e recorrente 
 do despacho do juiz de instrução no Círculo Judicial do Funchal, proferido nos 
 termos e para os efeitos do dispostos no n.º 1 do artigo 213.° do CPP.”
 
  
 
                         8. No Tribunal Constitucional, a primitiva Relatora 
 proferiu, em 13 de Julho de 2005, o despacho de fls. 215 a 219, no qual, após 
 transcrever o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, 
 consignou o seguinte:
 
  
 
 “2. O recorrente identifica a primeira questão que pretende ver apreciada pelo 
 Tribunal Constitucional do seguinte modo: «a norma do n.º 1 do artigo 213.° do 
 Código de Processo Penal, interpretada como o foi no despacho judicial e no 
 acórdão recorridos, ou seja, no sentido de que, para o reexame da subsistência 
 dos pressupostos da prisão preventiva e para decidir da sua manutenção, bastará 
 a transcrição do despacho que determinou a aplicação da medida coactiva e uma 
 indicação genérica ao arguido de que “todos os fundamentos mantêm actualidade e, 
 neste momento, se encontra ainda mais fortalecida a prova entretanto carreada 
 aos autos”, e de que “dos autos resultam inalterados os pressupostos de facto e 
 de direito que determinaram a sujeição do arguido à medida de coacção de prisão 
 preventiva”, sem enunciar em concreto quais os novos meios de prova entretanto 
 carreados para os autos nem os motivos por que resultariam inalterados os 
 pressupostos».
 O recorrente impugna uma dada dimensão normativa, segundo a qual bastará, para 
 manter a prisão preventiva, a transcrição do despacho que a aplicou e a 
 formulação de afirmações genéricas de que se mantêm os pressupostos da medida de 
 coacção.
 No entanto, o Tribunal da Relação de Lisboa, quando confirmou o despacho então 
 recorrido, confirmando assim a manutenção da prisão preventiva, invocou ainda a 
 circunstância de o arguido não ter invocado «qualquer facto de carácter 
 excepcional que determine a alteração da medida imposta, nem apresentado 
 fundamentos que relevem para a diminuição das exigências cautelares que 
 justificaram a aplicação da prisão preventiva».
 Assim, verifica‑se que os fundamentos da decisão de manter a prisão preventiva 
 abrangem decisivamente a não invocação pelo arguido de novos factos que pudessem 
 justificar a revogação da prisão preventiva, na situação em que o tribunal 
 corrobore os fundamentos da decisão que aplicou a medida de coacção (o que não 
 se confunde, logicamente, com a transcrição).
 Deste modo, a questão identificada pelo recorrente não se reporta à globalidade 
 do fundamento normativo da decisão impugnada, pelo que qualquer juízo que o 
 Tribunal Constitucional formulasse não teria a virtualidade de alterar a 
 decisão recorrida.
 Não tem, portanto, utilidade o conhecimento de tal questão.
 
  
 
 3. A terceira questão identificada pelo recorrente tem o seguinte conteúdo: «a 
 norma extraída da conjugação dos artigos 193.°, n.ºs 1 e 2, e 213.°, n.º 1, do 
 Código de Processo Penal, interpretada e aplicada como o foi no despacho 
 judicial e no acórdão recorridos, no sentido de que, ao reexaminar a 
 subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, não terá o juiz de analisar 
 em concreto a adequação e proporcionalidade dessa medida coactiva às exigências 
 cautelares que o caso em concreto requer e que nem terá também, em sede de 
 reexame, de averiguar se todas as medidas, com excepção da prisão preventiva, se 
 revelam concretamente inadequadas ou insuficientes».
 Ora, o tribunal a quo, no acórdão recorrido, apreciou, segundo o seu critério, 
 as exigências cautelares do caso concreto, bem como a adequação ao caso da 
 medida escolhida. Disso é particularmente elucidativo a passagem do acórdão 
 recorrido de fls. 202 que, ao confirmar e acolher os fundamentos do despacho 
 então recorrido, aceita os fundamentos constantes de fls. 171 e ss., onde se 
 procede a uma apreciação das exigências do caso, bem como da adequação e da 
 necessidade da medida escolhida. Neste sentido não se poderia encontrar 
 coincidência entre a questão suscitada e a ratio decidendi que justificasse a 
 tomada de conhecimento de uma eventual questão de constitucionalidade.
 Por outro lado, não questionando o recorrente os próprios critérios normativos 
 segundo os quais o tribunal realizou o seu juízo de necessidade e de adequação 
 da medida de coacção aplicada, subsistiria apenas uma divergência relativamente 
 
 à decisão, o que, decisivamente, implica a não tomada de conhecimento da 
 questão agora considerada.
 
  
 
 4. A quarta questão que o recorrente pretende ver apreciada é identificada do 
 seguinte modo: «a norma extraída da conjugação dos artigos 202.°, n.º 1, alínea 
 a), e 213.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada como o foi no 
 despacho judicial e no acórdão recorridos, no sentido de que, no despacho que 
 decide manter a prisão preventiva, não têm que ser reexaminados em concreto os 
 factos que porventura indiciam fortemente a prática de crime doloso punível com 
 pena de prisão máxima superior a três anos, com suas circunstâncias de tempo, 
 modo e lugar».
 Ora, é manifesto que o tribunal a quo ponderou a suficiência dos indícios da 
 prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos 
 
 (cf. fls. 200 e ss., transcritas supra). A divergência do arguido relativamente 
 ao resultado de tal ponderação tal como é formulada situa‑se, assim, apenas ao 
 nível da impugnação da própria decisão, o que não pode constituir objecto do 
 recurso de constitucionalidade.
 A questão identificada pelo recorrente não se reporta, pois, ao fundamento 
 normativo da decisão recorrida, pelo que o respectivo conhecimento também não 
 tem utilidade.
 
  
 
 5. Por último, a quinta e última questão identificada pelo recorrente é a 
 seguinte: «a norma extraída das disposições conjugadas dos artigos 204.° e 
 
 213.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada como o foi no despacho 
 judicial e no acórdão recorridos, no sentido segundo o qual o reexame da 
 subsistência dos pressupostos gerais de perigo, que permite decidir da 
 manutenção da prisão preventiva, se bastaria com a mera transcrição dos 
 requisitos legais tal como constam do artigo 204.° do CPP, sem curar de enunciar 
 os factos ou indícios que preencheriam esses pressupostos».
 Mais uma vez, o tribunal a quo, no acórdão recorrido, não se limitou a 
 transcrever os requisitos legais do artigo 204.º do Código de Processo Penal. Na 
 verdade, a decisão recorrida contém a identificação das circunstâncias 
 concretas relacionadas com a posição institucional do arguido e as suas 
 relações pessoais, que, na perspectiva do tribunal, preenchem os pressupostos da 
 medida de coacção (cf. fls. 201 e ss. transcritas supra).
 A questão identificada no n.º 5 do requerimento de interposição do recurso não 
 se reporta também ao fundamento da decisão recorrida. O seu conhecimento não 
 tem, igualmente, utilidade.
 
  
 
 6. Notifique‑se o recorrente para produzir alegações quanto à questão 
 identificada no n.º 2 do requerimento de interposição do recurso para o 
 Tribunal Constitucional, reportada à norma do n.º 3 do artigo 194.° do Código 
 de Processo Penal, interpretada no sentido segundo o qual a enunciação dos 
 motivos de facto da decisão de aplicação da medida de prisão preventiva pode 
 consistir apenas em formulações gerais e abstractas, sem concretização das 
 circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que integram a 
 prática dos crimes imputados, fixando‑se para o efeito o prazo de 15 (quinze) 
 dias, suscitando‑se desde já as presentes questões prévias, nos termos do artigo 
 
 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável em conformidade com o artigo 
 
 69.º da Lei do Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                         9. O recorrente, na peça de fls. 222 a 246, respondeu às 
 questões prévias suscitadas, propugnando a sua improcedência, e apresentou 
 alegações, que limitou à defesa da tese da inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 194.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação impugnada, 
 nada alegando quanto às restantes quatro questões e não formulando conclusões.
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional contra‑alegou (fls. 251 a 255), concluindo do seguinte modo:
 
  
 
 “1 – O dever de fundamentação da decisão impositiva da medida de prisão 
 preventiva, pronunciando‑se pela sua manutenção, no decurso da fase do 
 inquérito, não implica que deva necessariamente especificar, de modo 
 exaustivo, o tempo, modo e lugar em que teria sido cometidos os factos ilícitos 
 imputados ao arguido, em termos idênticos aos que deverão constar 
 necessariamente da decisão condenatória ou da acusação, bastando que se revele 
 ao arguido os factos essenciais que consubstanciam os tipos penais preenchidos 
 pelos seus comportamentos ilícitos.
 
 2 – A decisão recorrida, ao fazer apelo e descrever tais factos essenciais, não 
 aplicou, como critério normativo da decisão, o de que a enunciação das questões 
 de facto da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva pode consistir 
 apenas numa formulação geral e abstracta, sem especificação do núcleo essencial 
 dos ilícitos cometidos e das provas fundamentais que o revelaram no processo.
 
 3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
                         A primitiva Relatora proferiu então o seguinte despacho 
 
 (fls. 257):
 
  
 
 “Nas contra‑alegações do Ministério Público, sustentou‑se a não correspondência 
 entre o objecto da segunda questão suscitada pelo recorrente (única questão em 
 relação à qual foi determinada a produção de alegações) e o fundamento normativo 
 da decisão recorrida. Verifica‑se, desse modo, que, na perspectiva do Ministério 
 Público, a dimensão normativa impugnada pelo recorrente não foi aplicada pelo 
 acórdão recorrido como critério normativo da decisão (cf. 2.ª conclusão das 
 contra‑alegações do Ministério Público).
 Está assim suscitada perante o Tribunal Constitucional uma questão que poderia 
 conduzir ao não conhecimento do objecto do recurso nos termos do artigo 70.º, 
 n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Tal formulação das 
 contra‑alegações do Ministério Público justifica que o recorrente tenha a 
 oportunidade processual de se pronunciar quanto a tal questão suscitada na 
 perspectiva do não conhecimento.
 Notifique‑se, nessa medida, o recorrente para se pronunciar sobre a questão 
 prévia suscitada.”
 
  
 
                         Notificado, o recorrente não apresentou qualquer 
 resposta.
 
                         Após discussão do projecto de acórdão apresentado pela 
 primitiva Relatora, que não logrou integral vencimento, ocorreu mudança de 
 relator.
 
                         Tudo visto, cabe apreciar e decidir, começando pela 
 análise das questões prévias de não conhecimento das primeira, terceira, quarta 
 e quinta questões de inconstitucionalidade, suscitadas pela primitiva Relatora, 
 consignando‑se que quanto a elas (infra, 10. a 13.) se acolhe, sem alterações, 
 a formulação que constava do projecto de acórdão inicialmente apresentado, para, 
 por último, se apurar do não conhecimento, propugnado pelo Ministério Público, 
 da segunda questão de inconstitucionalidade apresentada pelo recorrente (infra, 
 
 14.).
 
  
 
                         II – Fundamentação
 
                         10. No despacho de fls. 215 e seguintes (transcrito 
 supra [8.]) demonstrou‑se que a dimensão normativa que o recorrente identifica 
 em primeiro lugar no requerimento de interposição do recurso (também transcrito 
 supra [7.]) não constitui a ratio decidendi da decisão recorrida, já que o 
 fundamento dessa decisão assenta na não invocação pelo arguido de novos factos 
 que podem justificar a revogação da prisão preventiva, na situação em que o 
 tribunal corrobore a decisão que aplicou a medida de coacção.
 
                         Afirma, porém, o recorrente que só ao juiz de instrução 
 cabe fundamentar os despachos. Ora, o que se referiu quanto à primeira questão 
 não infirma tal ideia. 
 O que se disse foi o seguinte: o recorrente não impugnou a totalidade do 
 fundamento normativo do despacho que manteve a prisão preventiva.
 
                         Sublinhe‑se que o Tribunal Constitucional não critica o 
 arguido recorrente “por não ter previamente invocado perante o juiz da instância 
 
 ‘qualquer facto de carácter excepcional’ que determinasse a alteração da medida 
 imposta …”. O que se verifica é a não impugnação da globalidade do fundamento 
 da decisão recorrida.
 
                         O recorrente afirma igualmente não conhecer nenhuma 
 norma legal que lhe imponha o ónus de invocar factos de carácter excepcional ou 
 fundamentos que relevem para a diminuição das exigências cautelares. Afirma 
 também que o juiz, mesmo quando ouve o arguido, não fica dispensado de 
 fundamentar o despacho que mantém a medida de coacção. E conclui que não tem 
 validade o argumento expendido no acórdão recorrido e “acolhido pela Ex.ma 
 Conselheira Relatora”.
 
                         No entanto, a Relatora não acolheu os argumentos ou 
 fundamentos do acórdão recorrido; entendeu, sim, que os argumentos (fundamento 
 normativo) do acórdão recorrido não foram impugnados na sua globalidade. Tal 
 constatação não se confunde com o acolhimento dos argumentos não impugnados.
 
                         Afirma, ainda, o recorrente que basta, para inviabilizar 
 o recurso de constitucionalidade, a invocação de “uma outra dimensão oculta”, 
 confundindo o recorrente a circunstância de não ter sido impugnado o 
 entendimento do tribunal a quo com a dificuldade de invocação de factos 
 
 “contrários aos factos que o juiz tinha em mente antes de proferir o despacho”. 
 Ora, é manifesto que uma coisa é impugnar o fundamento da decisão recorrida, 
 outra é invocar factos. O fundamento da decisão recorrida é explícito, não é 
 oculto. Se o recorrente não tinha a possibilidade de invocar factos, teria, 
 porventura, nessa circunstância, um fundamento para impugnar a ratio decidendi 
 da decisão que lhe exige tal invocação. O que não se pode considerar procedente 
 
 é confundir o fundamento da decisão com o não conhecimento do objecto do recurso 
 de constitucionalidade por aquele fundamento não ter sido impugnado.
 
                         Assim, improcedem as considerações do recorrente sobre a 
 impossibilidade de invocação de factos novos. Na verdade, tudo o que o 
 recorrente deixa dito justifica a impugnação da decisão recorrida, não dos 
 argumentos do despacho da primitiva Relatora.
 
                         Não tomará o Tribunal Constitucional, portanto, 
 conhecimento da primeira questão suscitada pelo recorrente.
 
  
 
                         11. O recorrente, quanto à terceira questão por si 
 suscitada, entende que, efectivamente, o juiz não apreciou, em concreto, a 
 adequação e a proporcionalidade da medida às exigências cautelares do caso. O 
 recorrente insurge‑se, ainda, contra a vigência de um princípio rebus sic 
 stantibus, segundo o qual, nada de novo existindo, mantém‑se a prisão 
 preventiva.
 
                         No entanto, como se referiu no despacho da primitiva 
 Relatora e como resulta dos autos, o tribunal a quo analisou a adequação e a 
 proporcionalidade da prisão preventiva às exigências do caso (não cabe agora 
 apreciar se o fez bem ou mal).
 
                         Nessa medida, improcedem as considerações do recorrente, 
 pelo que também não se tomará conhecimento da terceira questão suscitada pelo 
 recorrente.
 
  
 
                         12. Em relação à questão que o recorrente identifica em 
 quarto lugar no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, 
 entende o mesmo que não foi ponderada a suficiência dos indícios da prática de 
 crime doloso punível com pena superior a três anos de prisão.
 
                         Ora, como se afirma no despacho de fls. 215 e seguintes 
 e como resulta da decisão recorrida, o tribunal a quo ponderou tais indícios.
 
                         O recorrente invoca que da decisão recorrida não constam 
 as circunstâncias de tempo, modo e lugar dos crimes imputados ao arguido.
 
                         No entanto, a questão assim definida confunde‑se com a 
 questão enunciada pelo recorrente em segundo lugar no requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade (questão que será apreciada 
 adiante).
 
                         Desse modo, e tal como se referiu no despacho de fls. 
 
 215 e seguintes, verifica‑se que o tribunal recorrido procedeu à ponderação dos 
 indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a três 
 anos, já que analisou a gravidade dos factos alegadamente praticados referindo 
 a existência de fortes indícios probatórios. A [alegada] não explicitação das 
 circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos indiciados consubstancia 
 questão diversa que será analisada adiante.
 
                         Não se tomará, portanto, conhecimento da questão 
 enunciada em quarto lugar no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 
                         13. Quanto à quinta questão que o recorrente pretende 
 submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, considerou‑se, no despacho de 
 fls. 215 e seguintes, que o tribunal a quo não se limitou a proceder à 
 transcrição dos requisitos do artigo 204.º do Código de Processo Penal.
 
                         O recorrente reitera que o tribunal a quo não fez mais 
 do que transcrever tais requisitos, não especificando factos concretos.
 
                         Ora, como resulta de fls. 201 e seguintes, e como foi 
 referido no despacho de fls. 215 e seguintes, a decisão recorrida contém a 
 indicação das circunstâncias concretas relacionadas com a posição institucional 
 do arguido e as suas relações pessoais que, na perspectiva do tribunal, 
 preenchem os pressupostos da medida de coacção.
 
                         Não assiste, portanto, razão ao recorrente quanto a esta 
 questão, pelo que dela também não se tomará conhecimento.
 
  
 
                         14. Resta, assim, a segunda questão de 
 inconstitucionalidade identificada pelo recorrente no seu requerimento de 
 interposição de recurso.
 
  
 
                         14.1. Relativamente a esta questão, o Ministério 
 Público, nas contra‑alegações apresentadas, afirmou que:
 
  
 
 “Como é evidente, não cabe no âmbito do presente recurso de fiscalização 
 concreta sindicar da correcção e adequação da fundamentação fáctica e 
 jurídico‑penal que suporta a decisão recorrida: com efeito, não cabe ao 
 Tribunal Constitucional verificar se tal decisão está devidamente fundamentada, 
 mas tão‑somente aferir se foi feito apelo a critério normativo violador de 
 princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais.
 Note‑se liminarmente que não é exacto afirmar que o acórdão recorrido considerou 
 que a imposição de uma decisão, impositiva da medida de prisão preventiva, pode 
 
 «consistir apenas em formulações gerais e abstractas»: na verdade, o acórdão 
 recorrido mostra‑se alicerçado na invocação de factos, situações e imputações 
 minimamente concretizadas, concretizando o núcleo essencial da ilicitude 
 praticada e fazendo apelo (cf. fls. 200/202) a circunstâncias concretas, aliás 
 do pleno conhecimento do arguido, face ao auto de interrogatório a que foi 
 submetido e a que, aliás, se refere na sua alegação.”
 
  
 
                         E conclui:
 
  
 
 “2 – A decisão recorrida, ao fazer apelo e descrever tais factos essenciais, 
 não aplicou, como critério normativo da decisão, o de que a enunciação das 
 questões de facto de aplicação da medida de coacção prisão preventiva pode 
 consistir apenas numa formulação geral e abstracta, sem especificação do núcleo 
 essencial dos ilícitos cometidos e das provas fundamentais que o revelaram no 
 processo.”
 
  
 
                         Tendo‑se entendido que estas considerações, implicando a 
 acusação de ausência de identidade entre a dimensão normativa apodada de 
 inconstitucional pelo recorrente e o critério normativo efectivamente aplicado 
 na decisão recorrida, poderiam conduzir ao não conhecimento desta parte do 
 recurso, foi determinada a notificação do recorrente para se pronunciar sobre 
 tal questão prévia, mas o mesmo não apresentou qualquer resposta.
 
  
 
                         14.2. Quanto a esta questão, o acórdão recorrido não 
 procedeu a uma enunciação expressa do critério normativo que adoptou em sede de 
 suficiência da fundamentação da decisão de decretação de prisão preventiva no 
 que concerne à enunciação dos factos imputados ao arguido, pelo que a 
 identificação desse critério – para efeitos de apuramento da sua coincidência 
 com o critério normativo apodado de inconstitucional pelo recorrente, como 
 pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade – terá de ser 
 extraída da análise do contexto processual em que foi produzido.
 
                         O despacho de 12 de Outubro de 2004, que decretou a 
 prisão preventiva do recorrente (transcrito supra, 1.), prolatado no termo do 
 interrogatório judicial dos arguidos, começa por referir terem sido 
 
 “exaustivamente comunicados” ao arguido, no decurso desse interrogatório, os 
 factos que considera “fortemente indiciados”, apesar de o arguido “«mostrar» 
 ignorar” esses factos, e, de seguida, explicita que:
 
  
 
 “(...) os elementos de prova até este momento colhidos indiciam fortemente que 
 o mesmo, conjuntamente com outros dois arguidos já ouvidos em sede de primeiro 
 interrogatório judicial, pelo menos por duas vezes procuraram que promotores de 
 projectos devidamente identificados nos autos entregassem quantias elevadas em 
 dinheiro «vivo» em «troca» de uma futura aprovação de projectos mesmo contra o 
 Plano Director Municipal da Câmara Municipal de X..
 Indiciado está fortemente e igualmente que o dinheiro a receber seria para ser 
 entregue ao ora arguido, que depois o repartiria com pelo menos o co‑arguido B., 
 funcionário da referida Câmara.
 Igualmente está fortemente indiciado que, usando da sua qualidade de Presidente 
 da Câmara, terá «forçado» um dos aludidos promotores de projectos a entregar a 
 elaboração do mesmo à co‑arguida C., a quem teria que pagar o preço da sua 
 execução para que se «facilitasse» a aprovação do projecto em causa.”
 
  
 
                         No recurso que interpôs deste despacho para o Tribunal 
 da Relação de Lisboa (cujas conclusões foram transcritas supra, 2.), o arguido 
 questionou apenas a necessidade de aplicação da mais gravosa das medidas de 
 coacção, sem expressar qualquer reparo quer quanto à regularidade do 
 interrogatório judicial a que foi sujeito (designadamente quanto à suficiência 
 da comunicação dos factos que lhe eram imputados), quer quanto à correcção da 
 fundamentação de facto de tal despacho (designadamente em sede de concretização 
 dos factos que lhe eram imputados).
 
                         Não deixou, porém, o acórdão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, de 16 de Dezembro de 2004, que negou provimento a esse recurso, de 
 consignar (conforme já transcrito supra, 2.):
 
                         
 
 “(...) da análise dos elementos probatórios já carreados para os autos, 
 designadamente os depoimentos dos também arguidos C. e B., reproduzidos a fls. 
 
 132 a 146, e que prestam, igualmente, serviço na Câmara Municipal de X. [a 
 primeira como arquitecta e o segundo como fiscal de obras], resulta claramente 
 indiciada a prática, pelo recorrente, dos imputados crimes.
 Aqueles são peremptórios na imputação factual que fazem ao recorrente, 
 imputação essa que se reforça com o depoimento prestado pelo denunciante D., e 
 com a apreensão dos 15 000 euros feita pelo mesmo à referida C., logo após os 
 ter recebido daquele, como forma de ver aprovado um projecto de construção, há 
 muito apresentado na Câmara de X., mas que também não respeitava as imposições 
 do PDM e do RGEU.
 Assim sendo, e na suficiência dos indícios nesta fase processual, as imputações 
 criminosas feitas ao recorrente mostram‑se claramente sustentadas, sendo também 
 as respectivas molduras penais aquelas que foram indicadas no despacho 
 recorrido.”
 
  
 
                         Antes de proferido o despacho que procedeu ao primeiro 
 reexame dos pressupostos da prisão preventiva, o arguido apresentou os 
 requerimentos fotocopiados a fls. 83‑92 e 100‑109 destes autos, em que reitera a 
 pretensão de substituição da prisão preventiva pela obrigação de permanência na 
 habitação, e nos quais evidencia conhecimento da essencialidade dos factos que 
 lhe são imputados, questionando a credibilidade dos depoimentos da arquitecta e 
 do fiscal de obras, funcionários da Câmara Municipal de X., que, na sua versão, 
 teriam caído numa armadilha montada pela Polícia Judiciária, servindo-se como 
 agente provocador (corruptor) de um promotor imobiliário, que identifica pelo 
 nome de D., e que pretenderiam endossar as suas responsabilidades para o 
 Presidente da Câmara, ora recorrente.
 
                         No despacho de 10 de Janeiro de 2005, que manteve a 
 prisão preventiva do arguido, assumiu‑se a fundamentação do primeiro despacho.
 
                         No recurso interposto desse despacho para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, o arguido arguiu, além do mais, a sua nulidade por falta de 
 fundamentação, com o que, no seu entender, teriam sido violadas as normas 
 constantes dos artigos 97.º, n.ºs 1 e 4, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a), 
 e 213.º do CPP e 28.º, n.ºs 1 e 2, 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da CRP.
 
                         No acórdão de 11 de Maio de 2005, o Tribunal da Relação 
 de Lisboa decidiu, quanto a esta arguição, que a mesma já havia sido decidida 
 nos autos, mormente nos acórdãos de 16 de Novembro de 2004 e de 3 de Fevereiro 
 de 2005, pelo que dela não conheceu.
 
                         No recurso interposto desse acórdão de 11 de Maio de 
 
 2005 para o Tribunal Constitucional, o recorrente suscitou a questão da 
 constitucionalidade da “norma do n.º 3 do artigo 194.° do Código de Processo 
 Penal, interpretada como o foi no despacho judicial e no acórdão recorridos, ou 
 seja, no sentido segundo o qual a enunciação dos motivos de facto da decisão de 
 aplicação da medida de prisão preventiva pode consistir apenas em formulações 
 gerais e abstractas, sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e 
 lugar em que ocorreram os factos que integram a prática dos crimes imputados”.
 
                         Na Decisão Sumária do Relator desse recurso, 
 considerou‑se inadmissível o conhecimento dessa questão, com base nas seguintes 
 considerações:
 
  
 
 “Sucede que o acórdão recorrido não fez aplicação, expressa ou implícita, deste 
 preceito legal, como seria necessário para que o recurso de constitucionalidade 
 pudesse incidir sobre a norma enunciada pelo recorrente.
 Efectivamente, no que se refere à fundamentação do despacho impugnado, o 
 acórdão recorrido apenas analisou a questão à luz da norma do n.º 4 do artigo 
 
 97.º do Código de Processo Penal, sem qualquer referência ao n.º 3 do artigo 
 
 194.º. A invocação deste preceito e da respectiva inconstitucionalidade 
 fizera‑a o recorrente por referência ao despacho de 12 de Outubro de 2004, 
 argumentando que, na parte em que reproduz esse despacho (que impôs a prisão 
 preventiva) o despacho recorrido (que a reapreciou) é nulo. Só por essa via se 
 compreende a invocação do n.º 3 artigo 194.º nas alegações de recurso. Ora, o 
 acórdão recorrido, além de não fazer referência ao n.º 3 do artigo 194.º, 
 afastou expressamente, por considerá‑las resolvidas pelo anterior acórdão de 16 
 de Dezembro de 2004, as questões de nulidade que se prendam com o teor do 
 despacho de 12 de Outubro de 2004. Portanto, nem implicitamente pode 
 considerar‑se que fez aplicação da norma do n.º 3 do artigo 194.º do Código de 
 Processo Penal.”
 
  
 
                         No Acórdão n.º 420/2005, que desatendeu reclamação do 
 recorrente contra a referida Decisão Sumária de não conhecimento do recurso, o 
 Tribunal Constitucional, quanto à questão ora em causa, ponderou:
 
  
 
 “Por outro lado, como se afirmou na decisão sumária e o reclamante acaba por 
 reconhecer, o acórdão recorrido entendeu que o que lhe cabia apreciar era a 
 fundamentação do despacho que reexaminou os pressupostos da medida de coacção 
 e, para tanto, considerou a norma do n.º 4 do artigo 97.º do Código de Processo 
 Penal, que não é objecto do recurso. Não apreciou a questão da fundamentação do 
 
 (primeiro) despacho de aplicação da prisão preventiva, por considerá‑la 
 resolvida pelo acórdão de 16 de Dezembro de 2004, proferido em recurso dele 
 interposto. Não cumpre ao Tribunal Constitucional sindicar a congruência desta 
 decisão ou o acerto desse entendimento, que seguramente se não socorre da norma 
 do n.º 3 do artigo 194.º do Código de Processo Penal.”
 
  
 
                         O despacho de 8 de Abril de 2005 (transcrito supra, 4.), 
 que manteve, após segundo reexame, a prisão preventiva do arguido, por 
 considerar “inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram 
 a sujeição do arguido à medida de coacção prisão preventiva”, reproduziu a 
 fundamentação do despacho de 11 de Outubro de 2004, acrescentando: “Todos os 
 fundamentos mantêm actualidade e, neste momento, se encontram ainda mais 
 fortalecidos com a prova testemunhal, documental e pericial entretanto carreada 
 aos autos”.
 
                         O Tribunal da Relação de Lisboa, no recurso para ela 
 interposto deste último despacho, em que o recorrente acusava quer o despacho 
 que decretou a prisão preventiva quer o despacho recorrido de lhe ocultarem a 
 enunciação dos motivos de facto das duas decisões tomadas e em que suscitava a 
 questão de inconstitucionalidade agora em causa, decidiu:
 
  
 
 “2. Ao contrário do que alega o recorrente, indiciam fortemente os autos que o 
 mesmo, conjuntamente com outros dois arguidos, já ouvidos em sede de 1.° 
 interrogatório judicial, pelo menos por duas vezes, procuraram que promotores 
 de projectos devidamente identificados nos autos entregassem quantias elevadas 
 em dinheiro «vivo» em «troca» de uma futura aprovação de projectos mesmo contra 
 o Plano Director Municipal da Câmara Municipal de X..
 Indiciado está fortemente e igualmente que o dinheiro a receber seria para ser 
 entregue ao ora arguido, que depois o repartiria com pelo menos o co‑arguido B., 
 funcionário da referida Câmara.
 Igualmente está fortemente indiciado que, usando da sua qualidade de Presidente 
 da Câmara, terá «forçado» um dos aludidos promotores de projectos a entregar a 
 elaboração do mesmo à co‑arguida C., a quem teria de pagar o preço da sua 
 execução para que se «facilitasse» a aprovação do projecto em causa.
 
 (...)
 Improcede, pois, desde já e manifestamente, a argumentação do recorrente quando 
 defende que o juiz de instrução nunca enunciou, nem no despacho que impôs a 
 prisão preventiva nem no despacho que a manteve, os factos concretos imputáveis 
 ao arguido e que justificassem indiciar a prática de tais crimes.”
 
  
 
                         Afigura‑se manifesto que, subjacente a esta decisão não 
 se encontra a adopção de um critério normativo derivado de uma interpretação da 
 norma do n.º 3 do artigo 194.° do CPP “no sentido segundo o qual a enunciação 
 dos motivos de facto da decisão de aplicação da medida de prisão preventiva 
 pode consistir apenas em formulações gerais e abstractas, sem concretização das 
 circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que integram a 
 prática dos crimes imputados”. É patente que o acórdão ora recorrido não 
 considerou suficientes “formulações gerais e abstractas”, antes entendeu que as 
 menções constantes do despacho de 12 de Outubro de 2004 – despacho esse que, 
 recorde‑se, foi proferido no termo do interrogatório judicial do arguido, no 
 decurso do qual, como no mesmo despacho se afirma, “lhe foram exaustivamente 
 comunicados” os “factos fortemente indiciados terem sido praticados por si” 
 
 (afirmação esta que o arguido não contestou no recurso interposto desse 
 despacho)  –, reiterado no despacho de 8 de Abril de 2005, com referências 
 concretas aos comportamentos adoptados pelos diversos intervenientes, todos 
 eles identificados e que o recorrente, em diversas intervenções processuais, 
 demonstrou bem conhecer (a arquitecta e o fiscal de obras da Câmara Municipal 
 de que era Presidente e o promotor imobiliário D.) eram suficientes em termos 
 de fundamentação de facto das decisões de decretação e de manutenção da prisão 
 preventiva. Pode naturalmente discutir‑se o acerto desta decisão em termos de 
 valoração concreta da suficiência dos fundamentos de facto. O que, salvo o 
 devido respeito por opinião adversa, não se sufraga é o entendimento de que o 
 acórdão recorrido terá aplicado, como ratio decidendi, uma interpretação da 
 norma do n.º 3 do artigo 194.° do CPP “no sentido segundo o qual a enunciação 
 dos motivos de facto da decisão de aplicação da medida de prisão preventiva 
 pode consistir apenas em formulações gerais e abstractas, sem concretização 
 das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que 
 integram a prática dos crimes imputados”.
 
                         Inexistindo, também quanto a esta segunda questão, tal 
 como quanto às restantes quatro, coincidência entre as dimensões normativas 
 arguidas de inconstitucionais pelo recorrente e as dimensões normativas 
 efectivamente aplicadas no acórdão recorrido, impõe‑se a conclusão de que não se 
 pode conhecer do objecto do presente recurso, na sua totalidade.
 
  
 
                         III – Decisão
 
                         15. Em face do exposto, acordam em não tomar 
 conhecimento do objecto do presente recurso.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 12 (doze) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 4 de Outubro de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma (Vencida nos termos da declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei vencida quanto ao conhecimento da questão suscitada reportada à norma do 
 artigo 194º, nº 3, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido segundo 
 o qual a enunciação dos motivos de facto da decisão de aplicação da medida de 
 prisão preventiva pode consistir apenas em formulações gerais e abstractas, sem 
 concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os 
 factos que integram a prática dos crimes imputados. Entendo que esta dimensão 
 normativa (naquilo em que ela aponta para a ausência de circunstancialismo) 
 suscitada pelo recorrente se espelha na fundamentação do despacho questionado, 
 pela falta de uma específica concreticidade dos factos imputados.
 Tal como o Tribunal Constitucional já referiu no Acórdão nº 607/2003, há uma 
 directa implicação funcional entre a fundamentação dos factos no inquérito e no 
 despacho que fundamenta a prisão preventiva (assim, diz aquele aresto: “Estando 
 o interrogatório do arguido orientado para a prolacção de tal despacho, de 
 acordo até com uma funcionalidade constitucionalmente prevista, como já se 
 acentuou, não pode a comunicação dos factos durante o interrogatório ter um grau 
 de concretização diferente daquele que há‑de servir de base factual a tal 
 despacho”). Tanto num caso como no outro trata‑se de dar oportunidade ao arguido 
 de exercer cabalmente o seu direito de defesa, impedindo a aplicação da própria 
 prisão preventiva através da possibilidade de impugnar a existência do seu 
 pressuposto consistente nos indícios suficientes.
 Ora, no caso presente, o facto de o despacho recorrido, destinado à manutenção 
 da prisão preventiva, apenas se reportar a duas razões: a afirmação de que no 
 despacho proferido no termo do interrogatório judicial do arguido terem sido 
 exaustivamente comunicados os factos fortemente indiciados praticados pelo 
 arguido (que não se identificam) e a que decorre das vagas referências aos 
 comportamentos adoptados pelos diversos intervenientes, aponta para a adopção de 
 um critério normativo do qual estão ausentes as circunstâncias concretas de 
 tempo, lugar e modo que o recorrente impugna.
 
 É certo que o recorrente ao identificar a dimensão normativa já o faz com uma 
 implícita crítica à mesma, não distinguindo claramente (o que aliás deveria ter 
 feito) a identificação dessa dimensão do critério de avaliação da sua validade. 
 Só aceitando essa confusão de momentos se poderá dizer que nenhum tribunal 
 decretaria a prisão preventiva apenas na base de formulações gerais e 
 abstractas. Na verdade, nunca se poderia considerar assumido um tal critério 
 pelo tribunal recorrido. Porém, a fixação da dimensão normativa aplicável não se 
 basta com a colocação do problema numa base de desentendimento linguístico sobre 
 o que efectivamente se fez. Reclama, antes, a interpretação jurídica do critério 
 de decisão que resulta dos autos analisados com todos os elementos disponíveis.
 E, nessa medida, na ausência de uma formulação identificável nos autos de 
 concreticidade dos factos que constituíram o fundamento do juízo acerca dos 
 indícios suficientes, poder‑se‑á concluir que, pelo menos, na fundamentação do 
 despacho não se aplicou um critério que exigisse essa identificação.
 A esta luz, teria tomado conhecimento da questão suscitada.
 
  
 Maria Fernanda Palma