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Proc. nº 133/93      
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Ribeiro Mendes
 
  
 
  
 
  
 
                            Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
                            1. Em 11 de Janeiro de 1990, foi instaurado na 
 comarca de Silves processo de expropriação  litigiosa por utilidade pública 
 urgente, em que figurava como expropriante o Estado, através da Direcção-Geral 
 dos Edifícios e Monumentos Nacionais, e como expropriado M..., residente em 
 Portela de Messines, São Bartolomeu de Messines. A parcela a expropriar deveria 
 ser destacada de um prédio rústico identificado nos autos, tendo a área total de 
 
 4612 metros quadrados, achando-se aí plantadas 115 amendoeiras. O valor da 
 indemnização fixado na arbitragem foi de 1.614.880$00. A parcela destinava-se a 
 integrar o prédio onde o Estado projectava construir um estabelecimento 
 prisional.
 
  
 
  
 
                            A propriedade da parcela foi adjudicada ao 
 expropriante por sentença proferida em 19 de Janeiro de 1990.
 
  
 
  
 
                            O expropriado interpôs recurso da arbitragem, aí 
 tendo suscitado a questão da inconstitucionalidade do título IV do Código das 
 Expropriações de 1976, por violação do art. 62º da Constituição. Propôs que o 
 valor da indemnização fosse fixado em 74.597.000$00, pedindo a expropriação 
 também da parte sobrante do prédio rústico. Requereu prova por inspecção 
 judicial e arrolou três testemunhas.
 
  
 
  
 
                            Na fase de recurso, os peritos nomeados pelo tribunal 
 consideraram que o valor da indemnização devia ser fixado em 1.972.600$00, o 
 perito do expropriado avaliou a parcela a expropriar em 5.303.320$00 e o perito 
 do expropriante considerou correcto o valor fixado anteriormente pelos árbitros.
 
  
 
  
 
                            Notificado do relatório de avaliação e das respostas 
 aos quesitos formuladas pelos peritos, veio o expropriado arguir a nulidade da 
 avaliação e dessas respostas.
 
  
 
                            A arguição de nulidade foi indeferida por despacho de 
 fls. 143-144, tendo sido apenas ordenado que os peritos maioritários fornecessem 
 ao tribunal certos elementos de facto que lhes haviam servido de base para a 
 elaboração da resposta a um quesito.
 
  
 
  
 
                            Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso 
 o expropriado. Nas alegações do agravo suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade dos arts. 30º, nº 2, 33º nº 1, e 33º, nº 3, do Código das 
 Expropriações de 1976.
 
  
 
  
 
                            Por sentença de 12 de Novembro de 1992, foi concedido 
 parcial provimento ao recurso, fixando-se a indemnização em 1.972.600$00. Na 
 mesma sentença indeferiu-se o pedido de produção de prova testemunhal (fls. 186 
 a 188 vº).
 
  
 
  
 
                            Desta sentença interpôs recurso o expropriado.
 
  
 
  
 
                            Subiram os autos ao Tribunal da Relação de Évora, 
 tendo alegado as partes.
 
  
 
  
 
                            Entretanto faleceu o expropriado, tendo sido 
 habilitada como sucessora a viúva, E... (despacho de fls. 35 vº do apenso).
 
                            Por acórdão de fls. 238 a 248 vº, proferido em 25 de 
 Junho de 1992, a Relação de Évora negou provimento ao agravo e à apelação 
 interpostos pelo expropriado.
 
  
 
  
 
                            Inconformada com este acórdão, veio E... dele 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Admitindo, porém, que a parte 
 do acórdão que conheceu do recurso de agravo pudesse ser impugnada por agravo em 
 
 2ª instância, interpôs tal recurso, deixando a questão em aberto, esperando o 
 entendimento do Tribunal da Relação.
 
  
 
  
 
                            Por despacho do Desembargador  relator foi admitido 
 esse recurso como revista, por se considerar que o novo Código de Expropriações 
 de 1991 seria já aplicável ao caso sub judicio.
 
  
 
  
 
                            Distribuído o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, 
 o mesmo não foi admitido por despacho do relator. Aí se considerou que a melhor 
 interpretação do art. 37º do novo Código das Expropriações deveria ser a de que 
 não admitia essa disposição recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena 
 de haver quatro graus sucessivos de jurisdição.
 
  
 
  
 
                            Este despacho transitou em julgado.
 
  
 
                            Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Évora, 
 foi aí admitido o recurso para o Tribunal Constitucional (despacho de fls. 261).
 
  
 
  
 
                            2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                            Apresentaram alegações a recorrente E...  e o 
 recorrido Ministério Público.
 
  
 
  
 
                            Nas alegações de recorrente, sustentou-se que devia 
 ser concedido provimento ao recurso, formulando-se as seguintes conclusões:
 
  
 
  
 
 'Primeira
 
  
 
                A recorrente mantém e dá aqui por reproduzidas todas as 
 conclusões apresentadas nos recursos de agravo e de apelação.
 
  
 
  
 Segunda
 
  
 
                O Título  IV, bem como o art. 73º face ao art. 82º/1 do DL 845/76 
 de 11 de Dezembro, o mesmo dizendo dos arts. 523º, 524º e 580º/3 do Código Proc. 
 Civ., dos arts. 8º/1/s, 126º/2 do Cód. Custas Judiciais e todo o DL 387/B/87, de 
 
 29 de Dezembro, quando aplicados ao processo expropriativo, são 
 inconstitucionais, porquanto tais disposições restritivas impedem que seja paga 
 justa indemnização pelo bem expropriado.
 
  
 
  
 Terceira
 
  
 
                As decisões impugnadas violaram os arts. 12º/1, 13º/1/2, 
 
 18º/1/2/3, 20º/1, 62º/2/, 205º/2/ e 207º da Lei Fundamental.
 
  
 
  
 
  
 Quarta
 
  
 
                A expropriada reafirma a sua tese irrefutável, legal e 
 tecnicamente, de que todo o terreno a expropriar é pura e simplesmente de estufa 
 na sua totalidade, com uma muito próxima e efectiva potencialidade edificativa.
 
  
 
  
 
  
 Quinta
 
  
 
                Por isso, as decisões recorridas julgaram em oposição com os 
 OUTROS ACÓRDÃOS do TC nº 341/86, nº 131/88 e nº 52/90.
 
  
 
  
 
  
 Sexta
 
  
 
                As decisões recorridas primaram pela discriminação, diferenciação 
 e desigualdade entre o ESTADO  e a expropriada dado o cálculo expropriativo 
 estar baseado nos laudos periciais de PERITOS FUNCIONÁRIOS DO ESTADO, que 
 receberam antecipadamente ordens expressas da DGEMN para atribuírem apenas o 
 valor de 250$00/m2.
 
  
 
  
 
  
 Sétima
 
  
 
                O ESTADO não pode no mesmo processo expropriativo ser «comprador» 
 do terreno e «vendedor de custas» esvaziadoras ou diminuidoras indevidas do 
 valor indemnizatório justo.
 
  
 
  
 
  
 Oitava
 
  
 
                Tal privilégio ou superioridade processual ESTADUAL é 
 inadmissível em matéria expropriativa, e é inconstitucional.
 
  
 
  
 
  
 Nona
 
  
 
                O DL 307/B/87 de 29 de Dezembro quando aplicado aos expropriados 
 constitui uma caridade inconstitucional, dado que o produto da indemnização deve 
 ser limpo, líquido sem quaisquer deduções.
 
  
 
  
 
  
 Décima
 
  
 
                As referidas questões de inconstitucionalidade das citadas normas 
 foram suscitadas durante o processo e as decisões aplicaram directamente tais 
 normas inconstitucionais.
 
  
 
  
 
  
 Décima primeira
 
  
 
                Donde, no caso vertente, foram aplicados o princípio da verdade 
 formal e normas inconstitucionais que violaram os arts. 12º/1, 13º/1/2/, 
 
 18º/1/2/3/, 20º/1, 62º/2/, 205º/2/ e 207º da Lei Fundamental, resultando num 
 valor indemnizatório CONFISCATÓRIO'. (fls. 300 a 303 dos autos)
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                            O Ministério Público, por seu turno, formulou as 
 seguintes conclusões:
 
  
 
 '
 
 1º
 
  
 
                O recorrente não suscitou atempadamente, antes de proferida a 
 decisão e esgotado o poder jurisdicional do juiz, a questão da concreta 
 inconstitucionalidade dos artigos 523º, 524º, 580º, nº 3, do Código de Processo 
 Civil, do Decreto-Lei nº 387/B/87, de 29 de Dezembro, bem como dos artigos 8º, 
 nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, pelo que se não 
 mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade, decorrentes do 
 preceituado no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
 2º
 
  
 
                Não foram aplicadas, na decisão recorrida, quaisquer normas 
 inconstitucionais, constantes do Título IV do Código das Expropriações, aprovado 
 pelo Decreto-Lei nº 845/76, já que o único preceito aí inserido 
 sistematicamente, e aplicável ao caso dos autos, que efectivamente é 
 inconstitucional - o artigo 30º - não serviu de suporte à decisão recorrida, não 
 sendo, pois, por ela aplicado.
 
  
 
  
 
 3º
 
  
 
                A limitação decorrente do estatuído no artigo 73º, nº 2, do 
 Código das Expropriações, aprovado pelo referido Decreto-Lei nº 845/76, não é 
 inconstitucional, já que não viola o artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, nem 
 qualquer outro princípio ou preceito da Constituição.
 
  
 
  
 
 4º
 
  
 
                Ao imputar extemporaneamente e sem qualquer fundamento sério aos 
 peritos designados pelo tribunal comportamento processual censurável, o 
 recorrente altera intencionalmente a verdade dos factos, incorrendo em 
 litigância de má-fé, nos termos conjugados das disposições dos artigos 84º, nº 5 
 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional e 456º do Código de Processo Civil.' (a 
 fls. 340-342 dos autos)
 
  
 
  
 
                            3. Suscitadas pelo Ministério Público questões 
 prévias de não conhecimento de recurso quanto a várias questões de 
 inconstitucionalidade invocadas nas alegações da recorrente e pedida a 
 condenação desta como litigante de má fé, foi ordenada a notificação da mesma 
 para responder, querendo. A recorrente apresentou a resposta de fls. 354 a 359, 
 sustentando a improcedência das questões prévias e negando que tivesse litigado 
 de má fé. Arrolou duas testemunhas quanto ao pedido de condenação como litigante 
 de má fé.
 
  
 
  
 
                            4. Foram corridos os vistos legais.
 
  
 
                            Cumpre apreciar as questões prévias suscitadas pelo 
 recorrido.
 
  
 
  
 II
 
  
 
                            5. As questões de constitucionalidade suscitadas pela 
 recorrente nas suas alegações referem-se aos seguintes preceitos legais:
 
 - todos os artigos do Título IV do Código das Expropriações de 1976;
 
  
 
  
 
 - o art. 73º, nº 2, do mesmo Código das Expropriações;
 
  
 
  
 
 - os arts. 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil;
 
  
 
  
 
 - os arts. 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais;
 
  
 
  
 
 - todo o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Setembro.
 
  
 
  
 
                            A entidade recorrida considera nas suas alegações que 
 o objecto do recurso se deve restringir ao art. 73º, nº 2, do Código das 
 Expropriações de 1976 e, eventualmente, às normas dos arts. 29º e 35º do mesmo 
 diploma, estas últimas por serem as únicas normas do Título IV daquele Código 
 que, ao menos de forma implícita, poderiam ter sido aplicadas na decisão 
 recorrida (a fls. 327 dos autos).
 
  
 
  
 
                            Sem curar de outras questões de constitucionalidade 
 referidas no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, mas que 
 não foram contempladas nas mesmas alegações (é o caso dos arts. 61º do Código 
 das Expropriações e 706º do Código de Processo Civil) - devendo admitir-se que o 
 próprio recorrente haja restringido nesta última peça o objecto do recurso (cfr. 
 art. 684º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição 
 constitucional por força do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional) - 
 importa delimitar com rigor as questões de constitucionalidade objecto do 
 presente recurso, o que implica analisar se são procedentes as questões prévias 
 suscitadas pelo Ministério Público.
 
  
 
  
 
                            É o que passa a fazer-se.
 
  
 
  
 
                            6. Em primeiro lugar, analisar-se-ão as normas de 
 carácter adjectivo:
 
  
 
                            a) O art. 73º, nº 2 do Código das Expropriações de 
 
 1976
 
  
 
                            Este preceito veda a admissibilidade de prova 
 testemunhal no processo especial de expropriação litigiosa, 'sem prejuízo de o 
 juiz poder requisitar qualquer pessoa para depor, sempre que o repute 
 indispensável.'
 
  
 
  
 
                            Na pendência do recurso da decisão arbitral, através 
 do requerimento de fls. 181 e 182 dos autos, o primitivo recorrente pretendeu 
 que o tribunal obtivesse os 'competentes depoimentos das testemunhas arroladas 
 pelo expropriado ao recorrer da inconstitucional e ilegal decisão arbitral' 
 
 (neste requerimento de interposição de recurso foram indicadas quatro 
 testemunhas  'para os efeitos do Art. 73/2 - 2º parte do C. Expropriações' - 
 fls. 39).
 
  
 
                            Este requerimento foi indeferido pela sentença de 
 fls. 186.
 
  
 
                            Nas alegações para o Tribunal da Relação, o 
 recorrente suscitou expressamente a inconstitucionalidade da limitação constante 
 do art. 73º, nº 2, do indicado Código (a fls. 202).
 
  
 
  
 
                            A Relação de Évora não considerou tal norma 
 inconstitucional. É, assim, manifesto que a questão da inconstitucionalidade 
 desta norma foi suscitada durante o processo, com observância do que consta da 
 Constituição e da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                            Há, assim, que considerar que tal questão integra o 
 objecto do recurso, como, aliás, é reconhecido pela entidade recorrida.
 
  
 
  
 
                            b) Os arts. 523º e 524º do Código de Processo Civil
 
  
 
                            Os arts. 523º e 524º deste Código regulam o momento 
 de apresentação dos documentos na prova por documentos. O primeiro artigo 
 estabelece como regra que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos 
 da acção ou da defesa 'devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem 
 os factos correspondentes', admitindo que, se não se fizer tal apresentação no 
 momento processual indicado, 'os documentos podem ser apresentados até ao 
 encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, 
 excepto se provar que os não pode oferecer com o articulado'. O segundo artigo 
 estabelece que, depois do encerramento da discussão, 'só são admitidos, no caso 
 de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele 
 momento' (o nº 2 deste artigo admite que possam ser oferecidos em qualquer 
 estado do processo os 'documentos destinados a provar factos posteriores aos 
 articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de 
 ocorrência posterior').
 
  
 
  
 
                            Percorridas as várias peças processuais apresentadas 
 pelo recorrente a partir da interposição do recurso da decisão arbitral e na 
 fase de recurso de apelação da decisão que apreciou aquele anterior recurso, não 
 se encontra em qualquer delas qualquer referência à inconstitucionalidade 
 daquelas normas adjectivas.
 
  
 
  
 
                            Tal significa que a primeira vez que a actual 
 recorrente suscitou a inconstitucionalidade daquelas normas ocorreu no momento 
 de interposição do recurso de constitucionalidade (aí se afirma que os arts. 
 
 523º, 524º, 706º, e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil são disposições 
 restritivas, 'no âmbito das expropriações, [que] impedem inequivocamente que 
 seja paga a justa indemnização').
 
  
 
  
 
                            Na resposta às questões prévias, a ora recorrente 
 limita-se a afirmar que tais normas contêm 'uma limitação temporal que, neste 
 caso, face aos valores de aquisição do terreno praticados na zona e constantes 
 das escrituras notariais impediram o cotejo dos preços', não havendo no processo 
 expropriativo 'lugar a audiência de discussão e julgamento sobre o montante da 
 indemnização' (a fls. 355).
 
  
 
  
 
                            É manifesto que nada alega a recorrente sobre as 
 razões por que não suscitou durante o processo, isto é, antes da decisão do 
 recurso de apelação a questão da inconstitucionalidade de tais normas. Não 
 invoca que haja sido surpreendida por uma aplicação dessas normas, com que não 
 pudesse razoavelmente contar. E se, de facto, se quis referir aos documentos 
 juntos com as alegações de apelação, deveria ter suscitado nesta peça a 
 inconstitucionalidade das invocadas normas restritivas.
 
  
 
  
 
                            Assim sendo, e por ter suscitado a questão em momento 
 processualmente inidóneo - como constitui jurisprudência uniforme e unânime 
 deste Tribunal (cfr. por todos, em caso semelhante, o acórdão nº 253/93, ainda 
 inédito) - não pode dela conhecer o Tribunal Constitucional, sendo procedente a 
 questão prévia correspondente, suscitada pelo Ministério Público.
 
  
 
  
 
                            c) O art. 580º, nº 3, do Código de Processo Civil
 
  
 
                            Esta norma estabelece que cessa o impedimento de 
 servir como perito, relativamente ao funcionário público, 'quando se trate de 
 causas em que uma das partes seja o Estado', desde que o funcionário seja 
 nomeado perito pelo Estado ou pelo tribunal (só vale, no presente caso, a 
 remissão para a alínea g) do nº 1 do mesmo artigo).
 
  
 
  
 
                            De novo, se trata de questão de inconstitucionalidade 
 que não foi suscitada durante o processo, entendida esta expressão de modo 
 funcional, isto é, em momento processual idóneo para que o tribunal recorrido 
 pudesse dela conhecer.
 
  
 
                            A inconstitucionalidade desta norma só foi arguida 
 pela ora recorrente no requerimento de interposição do recurso. Na resposta às 
 questões prévias, limitou-se a afirmar que o Estado, no caso concreto, 'não se 
 comportou com isenção e imparcialidade, porque os próprios peritos declararam 
 perante testemunhas que a DGEMN lhes tinha imposto a obrigação de atribuir o 
 valor de 250$00 por metro quadrado'. Depois de se afirmar pronto a arrolar 
 testemunhas presenciais, afirma que a questão de inconstitucionalidade 
 
 'levantou-se a partir do momento em que se teve conhecimento dessa situação' (a 
 fls. 356).
 
  
 
  
 
                            É manifesta a procedência da questão prévia deduzida 
 pelo Ministério Público.
 
  
 
  
 
                            O recurso de constitucionalidade é, no nosso direito, 
 um recurso que tem por objecto normas jurídicas e não actos administrativos ou 
 judiciais, nem comportamentos de intervenientes processuais, como sejam 
 testemunhas ou peritos.
 
  
 
  
 
                            Havendo peritos nomeados pelo tribunal ou pelo 
 próprio Estado expropriante que fossem funcionários públicos, deveria o 
 primitivo recorrente ter suscitado a questão da inconstitucionalidade, logo que 
 tivesse conhecimento da qualidade de funcionários públicos dos mesmos. Ora, a 
 verdade é que, como demonstra nas contra-alegações a entidade recorrida, o 
 ataque às respostas dos peritos pelo primitivo recorrente foi feito em quadro 
 legal completamente diverso. Jamais, foi invocado processualmente, por forma 
 idónea, tal impedimento, suscitando a questão perante o tribunal de comarca.
 
  
 
  
 
                            Não sucedeu tal no caso sub judicio, como se viu, 
 limitando-se a ora recorrente a suscitar a questão de inconstitucionalidade só 
 no momento de interposição do recurso, invocando agora que só terá sabido mais 
 tarde de uma certa imposição ilegal feita pelo Estado a certos peritos, 
 relativamente à fixação do montante máximo de indemnização que deviam propor, 
 enquanto avaliadores. É manifestamente irrelevante tal invocação, precisamente 
 porque o recurso de constitucionalidade tem por objecto normas, abstraindo dos 
 comportamentos dos diferentes sujeitos processuais.
 
  
 
  
 
                            Não integra, assim, o objecto do recurso a questão de 
 inconstitucionalidade do nº 3 do art. 580º do Código de Processo Civil.
 
  
 
  
 
                            7. Suscita, igualmente, a ora recorrente a questão da 
 inconstitucionalidade dos arts. 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das 
 Custas Judiciais.
 
  
 
  
 
                            À primeira destas disposições limita-se a quantificar 
 o modo de determinação ou de fixação do valor tributário dos processos de 
 expropriação por utilidade pública. A segunda estabelece a regra de que as 
 custas que devam ser suportadas pelo expropriado devem sair do produto da 
 expropriação, depositado à ordem do tribunal.
 
  
 
  
 
                            Não podia o expropriado ignorar - por estar 
 representado por ilustres Patronos - que existem custas nos processos de 
 expropriação litigiosa, visto que  o expropriado, no caso sub judicio, não 
 chegou a acordo com o expropriante na fase administrativa, não se tendo 
 conformado  com o valor da arbitragem, dele interpondo recurso para os tribunais 
 judiciais.
 
  
 
  
 
                            Durante o processo, jamais o expropriado suscitou a 
 questão da inconstitucionalidade destas normas ou da norma que impõe que haja 
 custas neste processo (art. 1º do Código das Custas Judiciais, como justamente 
 refere a entidade recorrida nas suas alegações). Nas alegações da apelação, 
 limitou-se a sustentar que o cálculo de custas com base na diferença entre o  
 valor de indemnização por si propugnado e o valor da indemnização atribuída pelo 
 tribunal (72.597.600$00) implicaria um enriquecimento sem causa do Estado.
 
  
 
  
 
                            Na sua resposta às questões prévias, a ora recorrente 
 afirma que o Estado 'não pode estar colocado numa situação de superioridade 
 perante o expropriado quando o Estado é expropriante' ( a fls. 356 e 357).
 
  
 
  
 
                            Sendo esse o seu entendimento - e independentemente 
 da bondade do mesmo - deveria ter suscitado a questão da inconstitucionalidade 
 destas normas durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do Tribunal da Relação de Évora.
 
  
 
                            Tendo suscitado a questão só no momento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade, fê-lo intempestivamente, pelo 
 que procede a questão prévia suscitada.
 
  
 
  
 
                            8. A ora recorrente suscita também a questão da 
 inconstitucionalidade de todo o diploma legal que regula actualmente o apoio 
 judiciário: O Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Setembro.
 
  
 
                            Da leitura dos autos, resulta que o primitivo 
 recorrente M...não requereu, nem na sua primeira intervenção processual (a fls. 
 
 34 e segs.), nem posteriormente, o benefício de apoio judiciário, em qualquer 
 das suas modalidades, tendo nomeado patrono a fls. 40 dos autos.
 
  
 
  
 
                            Apenas a fls. 225 dos autos - e antes de ter sido 
 julgada habilitada como sucessora do primitivo recorrente - veio a ora 
 recorrente, nos autos principais e na pendência do recurso de apelação, pedir a 
 concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de 
 pagamento de preparos e custas e ainda do pagamento das despesas e honorários 
 aos advogados constituídos.
 
  
 
  
 
                            A instância veio a ser suspensa, dado o falecimento 
 do recorrente M..., tendo o Sr. Desembargador Relator determinado no mesmo 
 despacho de fls. 232 vº, que, logo que decidido o incidente de habilitação, 
 seria dado 'andamento ao requerido a fls. 225 pela viúva do expropriado'.
 
  
 
  
 
                            Ora, desde esse momento, não mais foi proferido 
 despacho a conceder ou denegar o benefício solicitado, sem que a E... tenha 
 reagido contra tal omissão, a qual se ficou, seguramente, a dever a um lapso não 
 detectado em devido tempo.
 
  
 
  
 
                            Apenas no recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional se indica que todo o Decreto-Lei nº 387-B/87 é inconstitucional, 
 sem se aludir às razões fundamentadoras de tal afirmação genérica, sendo certo 
 que nenhuma disposição desse diploma chegou a ser aplicada pelo tribunal 
 recorrido, nem foi oportunamente suscitada a nulidade em que se traduziu a 
 omissão de apreciação do pedido de apoio judiciário.
 
  
 
  
 
                            Afirmar que todo o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de 
 Dezembro, quando aplicado ao processo de expropriação litigiosa, é 
 inconstitucional, porque as suas disposições restritivas impedem que seja paga a 
 justa indemnização pelo bem expropriado, revela-se dificilmente intelegível. 
 Tão-pouco se compreende o que a recorrente escreve a fls. 278 dos autos, nas 
 suas alegações, quando o certo é que não foi denegado (nem concedido) o apoio 
 judiciário solicitado. Ao afirmar que uma solução constitucional implicaria que 
 o Estado se limitasse a promover que fosse 'alcançada a justa indemnização, sem 
 qualquer desconto ou diminuição, mesmo a título de pagamento de custas', isto é, 
 que o produto da indemnização tivesse 'de ser limpo, líquido, sem quaisquer 
 deduções' (a fls. 279), a crítica parece fazer-se não ao diploma sobre apoio 
 judiciário - que não chegou a ser aplicado - mas às normas dos arts. 1º, 8º, nº 
 
 1, alínea s), e  126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, já atrás referidas. 
 Seja como for, não se compreende a afirmação feita, na resposta a fls. 356, de 
 que 'qualquer pedido de apoio judiciário é despropositado', quando a própria 
 recorrente admite a hipótese de o montante da indemnização não chegar para pagar 
 todas as despesas, honorários e custas.
 
  
 
  
 
                            Seja como for, essa questão não foi suscitada em 
 devido tempo, pelo menos perante o Tribunal da Relação de Évora, pelo que dela 
 não pode conhecer o Tribunal Constitucional, visto não ter sido deduzida durante 
 o processo, entendida esta expressão no sentido já atrás exposto. Como adiante 
 se dirá, tão-pouco se poderá admitir que haja sido idoneamente suscitada a 
 questão de inconstitucionalidade de todo o diploma legal, sem um mínimo de 
 especificação das normas impugnadas.
 
  
 
  
 
                            Procede, assim, a questão previa suscitada pelo 
 Ministério Público.
 
  
 
  
 
                            9. Resta, por último, a indicação pela recorrente, 
 como objecto do recurso, da questão de inconstitucionalidade de todas as normas 
 do Título IV do Código das Expropriações de 1976, diploma que, apesar de 
 revogado pelo Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 
 
 438/91, de 9 de Novembro) foi aplicado no caso sub judicio, por força das regras 
 de direito intertemporal.
 
  
 
                            Este Título IV regula a matéria da indemnização e 
 abrange os arts. 27º a 38º do referido diploma. Destes artigos, já não vigora o 
 art. 30º, por terem sido declarados inconstitucionais, com força obrigatória 
 geral, os seus números 1 e 2, pelos acórdãos nºs 131/88 e 52/90 do Tribunal 
 Constitucional (publicados no Diário da República, I Série, nºs 148 e 75, de 29 
 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente).
 
  
 
                            Ora, tem de considerar-se inidónea a forma de 
 suscitar a questão de constitucionalidade através de uma referência a todas as 
 normas de um diploma legal ou a todas as normas de um título ou capítulo de um 
 Código, sem se fazer uma especificação mínima.
 
  
 
                            Este Tribunal teve ocasião já de se pronunciar nesse 
 sentido:
 
  
 
 'Sublinha-se, desde logo, que a suscitação da questão de constitucionalidade 
 durante o processo envolve a identificação clara de norma ou normas a ser 
 apreciadas pela instância de controlo. Outro não é, de resto, o sentido da norma 
 do artigo 75-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional [...].
 
  
 
  
 
                Como se afirmou no acórdão nº 199/88 deste Tribunal: «(...) ao 
 suscitar-se uma questão de constitucionalidade, [deve deixar-se] claro qual o 
 preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se 
 questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão 
 normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental» (DR, II Série, 
 de 28 de Março de 1989; e, no mesmo sentido, o acórdão nº 123/89, DR, II Série, 
 de 29 de Abril de 1989).
 
  
 
  
 
                Na mesma linha de entendimento do pressuposto a que se refere o 
 artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, vai o acórdão nº 170/92: «(...) o 
 objecto de fiscalização de constitucionalidade são as normas e não os diplomas 
 legais. O Tribunal Constitucional tem entendido, pelo menos nos processos de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade, que a menção de todo um diploma 
 legal não vale como identificação da norma (ou normas), requerida no artigo 
 
 75º-A, nº 1, da Lei nº 28/82» (Dr, II Série, de 18-9-1992; cfr., igualmente, os 
 acórdãos nºs 393/91, inédito, e os acórdãos nºs 442/91 e 21/92, DR, II Série, de 
 respectivamente, 2-4-1992 e 11-6-1992)'. (acórdão nº 253/93, ainda inédito, 
 proferido pela 1ª Secção deste Tribunal)
 
  
 
  
 
                            10. Mas ainda que se considerasse possível atender a 
 normas específicas deste Título IV que hajam sido impugnadas, quanto à sua 
 constitucionalidade, durante o processo, nem mesmo assim se ampliaria o objecto 
 do presente recurso.
 
                            De facto, o primitivo recorrente suscitou, expressis 
 verbis e durante o processo, a inconstitucionalidade dos arts. 30º e 33º, nºs 1 
 e 3, do Código das Expropriações de 1976, num dos recursos por si interpostos 
 nos autos (veja-se o que se escreve a fls. 149º vº dos autos).
 
  
 
  
 
                            É, porém, manifesto que nenhuma destas disposições 
 foi aplicada pelo acórdão da Relação de Évora  sob recurso.
 
  
 
  
 
                            Nesta decisão, entendeu a mesma Relação que os 
 peritos, na avaliação judicial, não haviam seguido os critérios indemnizatórios 
 constantes dos dois números desse artigo 30º, normas que estes últimos sabiam 
 ter sido declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral. Daí que o 
 mesmo Tribunal concluísse, com segurança, que os 'peritos do tribunal já jogaram 
 com o critério do valor de mercado para exprimirem em conclusão o valor  que 
 atribuem à parcela expropriada, considerando ainda a distância (proximidade) com 
 a Estrada Nacional, a «natureza argilo-calcária com boas aptidões agrícolas, 
 especialmente para a cultura hortícola e plantação de árvores de frutas», 
 valorizando, porém, o valor do terreno em 250$00 por metro quadrado, isto para 
 além de se ter tomado em conta a desvalorização da parcela sobrante da 
 propriedade (cfr. pág. 122)' (acórdão, a fls. 241 vº).
 
  
 
                            É, pois, evidente que a Relação de Évora não aplicou, 
 explícita ou implicitamente, as restrições indemnizatórias constantes dos nºs. 1 
 e 2 do art. 30º, considerando antes que a lei impunha a aplicação do critério 
 legal do valor de mercado, não tendo encontrado razões, por isso, para censurar 
 o entendimento do laudo dos peritos que veio a ser acolhido na sentença do 
 Tribunal Judicial de Silves, o qual postulou mesmo 'a vocação urbanística da 
 parcela expropriada', referindo-se os peritos, no seu esclarecimento, que, ao 
 estabelecerem o valor atribuído por m2, consideraram 'a hipótese do valor do 
 terreno como agrícola e o valor real do terreno dando-lhe possibilidade de nele 
 se poder construir, depois de deduzidas todas as despesas das urbanizações' (a 
 fls. 179 dos autos).
 
  
 
  
 
                            Relativamente aos nºs 1 e 3 do art. 33º do Código das 
 Expropriações, não existe qualquer referência aos mesmos na sentença do Tribunal 
 de Silves ou no acórdão da Relação de Évora, pela simples razão de que tais 
 normas contemplam, na sua previsão, a situação de 'terrenos situados em 
 aglomerado urbano', sendo certo que a parcela expropriada nestes autos faz parte 
 de um prédio rústico situado fora de um aglomerado urbano (nas alegações, a fls. 
 
 292-293, a recorrente considera inconstitucionais os três números do art. 33º, 
 insurgindo-se contra os 'critérios auxiliares ou secundários para atribuição de 
 justa indemnização aos expropriados', abordando a questão com grande 
 generalidade e sem curar de demonstrar que tais preceitos foram aplicados no 
 caso sub judicio).
 
  
 
  
 
                            Assim sendo, não pode este Tribunal incluir no 
 objecto deste recurso as normas do Título IV do Código das Expropriações de 
 
 1976, em virtude de a recorrente não ter especificado, como lhe competia, quais 
 as normas dos arts. 27º a 38º deste diploma que estavam, em sua opinião, 
 afectadas de inconstitucionalidade e foram aplicadas nos autos. De facto e 
 conforme a jurisprudência atrás referida, não pode o Tribunal procurar - como 
 acabou por fazer, com generosidade, a entidade recorrida, nas suas 
 contra-alegações - quais as normas desse título que foram aplicadas nos autos, 
 para averiguar se as mesmas estão afectadas de inconstitucionalidade (nas 
 indicadas contra-alegações, apontam-se como tendo sido aplicadas pelo acórdão 
 recorrido as normas dos arts. 29º e 35º daquele diploma, sustentando-se que as 
 mesmas não se acham afectadas de inconstitucionalidade - cfr. fls. 324 e 328 e 
 seguintes).
 
  
 
  
 
                            11. Constitui, pois, objecto do recurso apenas a 
 questão da invocada inconstitucionalidade do art. 73º, nº 2, do Código das 
 Expropriações de 1976 (Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro).
 
  
 
  
 III
 
  
 
                            12. Este artigo 73º do Código das Expropriações de 
 
 1976 é a primeira das disposições consagradas ao recurso da decisão arbitral, 
 proferida na fase administrativa do processo expropriativo. No seu nº 1, 
 estabelece-se que, no 'requerimento de interposição de recurso, o recorrente 
 exporá logo as razões da discordância com a decisão arbitral, oferecendo todos 
 os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito' (este 
 preceito é reputado igualmente de inconstitucional, nas alegações da recorrente, 
 mas a questão de inconstitucionalidade só aparece incidentalmente abordada nas 
 alegações, a fls. 294!!!).
 
  
 
  
 
                            E o preceito impugnado acrescenta:
 
  
 
  
 
 'Não é admissível a prova testemunhal, sem prejuízo de o juiz poder requisitar 
 qualquer pessoa para depor, sempre que o repute indispensável'.
 
  
 
  
 
  
 
                            A recorrente sustenta que tal inadmissibilidade 
 constitui 'uma restrição ou proibição inconstitucional, na medida em que se opõe 
 aos Arts. 62º/2 e 13º da Lei Fundamental e ao art. 82º/1 do DL 845/76 que se 
 refere a diligências de prova, no plural e não no singular' (a fls. 294 dos 
 autos).
 
  
 
  
 
                            Cabe perguntar se lhe assiste razão nesta arguição.
 
  
 
  
 
                            13. A norma transcrita não veda em absoluto a 
 produção de prova testemunhal, admitindo-a apenas quando tal for considerado 
 indispensável pelo juiz de primeira instância, enquanto tribunal de recurso da 
 arbitragem. Confere ao juiz o poder discricionário de ouvir certos depoimentos, 
 não atribuindo nem ao recorrente nem ao recorrido o direito de produzir prova 
 testemunhal (cfr. sobre a qualificação de tal poder como discricionário, a 
 propósito do art. 645º do Código de Processo Civil, o relato sobre o debate 
 doutrinário e jurisprudencial referido por Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao 
 Código de Processo Civil, vol. III, Lisboa, 1972, págs. 201-202). No acórdão 
 recorrido, pode ler-se o seguinte passo:
 
  
 
  
 
 'A razão de ser de tal proibição [a constante do art. 73º, nº 2, do Código das 
 Expropriações de 1976] reside no facto de a avaliação ser o tipo de prova mais 
 indicado para determinação do valor do bem a expropriar uma vez que a 
 expropriação «implica e exige a posse e a capacidade de manejo de conhecimentos 
 especiais que, em regra, se não encontram ao alcance comum das pessoas» («Guia 
 das Expropriações», Goucha Soares e Sá Pereira, ed. 1976, pág. 75).
 
  
 
  
 
                Tais conhecimentos especiais são próprios dos peritos os quais, 
 por isso, devem examinar e investigar para informar o juiz sobre a matéria do 
 laudo (cfr. «Manual de Proc. Civil», de Varela, Bezerra e Nora, 2ª ed., pág. 579 
 a 581).
 
  
 
  
 
                E a «ratio legis» da 2ª parte daquele artigo reside, por sua vez, 
 na circunstância de permitir ao juiz, em recurso, usar da prova testemunhal 
 quando se presuma a insuficiência dos restantes meios de prova ou quando essa 
 insuficiência tenha ficado demonstrada nas respostas dos peritos.
 
  
 
  
 
                É, portanto, um caso excepcional que raramente sucederá.
 
  
 
  
 
                No caso dos autos não se justificava o recurso a tal tipo de 
 prova porque não se demonstrou que tivesse falhado ou se antevisse que ia falhar 
 a prova pericial.
 
  
 
  
 
  
 
                Na verdade, como já atrás se referiu, no exame do recurso de 
 agravo, a potencialidade edificativa da parcela foi valorada pelos peritos e a 
 opinião dos peritos do tribunal não deve ser posta em causa porquanto ofereceu 
 maior garantia de imparcialidade e de independência (cfr. Rel. Évora in «Col. 
 Jurisp.», ano II, 1, pág. 126).
 
  
 
  
 
  
 
                Por outro lado o apelante não aponta qualquer preceito legal da 
 Constituição da República que, no seu entender, se mostre infringido pelo 
 alegado art. 73º, nº 2 desse diploma limitando-se a afirmar que este artigo 
 impede a arbitragem de justa indemnização.
 
  
 
  
 
  
 
                O que se pode dizer é precisamente o contrário: do uso da prova 
 testemunhal que a lei proíbe, como regra, é que poderia resultar uma 
 consequência deficiente, uma indemnização injusta como atrás de demonstrou'. 
 
 (fls. 242 e vº dos autos; o acórdão analisa ainda as consequências de uma 
 eventual nulidade de pronúncia do juiz de primeira instância, questão que carece 
 de relevância prara a decisão do presente recurso).
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                            14. Não merece reservas o entendimento do Tribunal da 
 Relação de Évora, expresso no texto acima transcrito.
 
  
 
  
 
                            Na verdade, não se vê que o art. 62º, nº 2, da 
 Constituição, ou os arts. 13º e 20º, nº 1, desta, tornem inconstitucional o nº 2 
 do art. 73º do referido Código das Expropriações. No processo de expropriação 
 litigiosa, o legislador pretende que seja determinada com rigor a justa 
 indemnização devida ao expropriado. O meio de prova por excelência para alcançar 
 tal desiderato há-de ser a prova pericial, na fase do recurso interposto da 
 decisão arbitral, proferida antes da remessa dos autos ao tribunal judicial. 
 Como se exprime o art. 388º, 1ª parte, do Código Civil, '[a] prova pericial tem 
 por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam 
 necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem [...]'.
 
  
 
  
 
                            A este propósito, escreve o Exmo Procurador-Geral 
 Adjunto nas suas alegações:
 
  
 
  
 
 '(...) Por outras palavras, a justa composição do litígio entre expropriante e 
 expropriado pode perfeitamente ser alcançada através dos restantes meios de 
 prova, de eficácia e fiabilidade bem superiores à simples inquirição de 
 testemunhas, a começar pela avaliação que obrigatoriamente se realizará, nos 
 termos previstos pelo artigo 77º.
 
  
 
  
 
  
 
                Diga-se, aliás, que um dos erros essenciais em que incorre o 
 recorrente é precisamente o de supor que a «justa indemnização» há-de 
 necessariamente corresponder ao valor de mercado dos bens objecto de 
 expropriação, incorporando mesmo a ponderação de eventuais factores de índole 
 especulativa. Tal ideia transparece claramente a fls. 219, ao afirmar-se que o 
 valor a tomar em consideração seria «o valor de mercado, o qual é conhecido 
 ouvindo testemunhas da região, incluindo os representantes das a agências de 
 venda e compra de terrenos naquela zona»...
 
  
 
  
 
  
 
                Ou seja, a inquirição das testemunhas arroladas seria 
 precisamente o instrumento para introduzir no processo a ponderação dos factores 
 especulativos que terão conduzido o expropriado a atribuir à parcela, objecto da 
 expropriação, o valor de 74.597.000$00 - quando o seu próprio perito a avaliou 
 em 5.303.320$00...'. ( a fls. 334-335 dos autos)
 
  
 
  
 
                            15. Importa acentuar que o direito de acesso à 
 justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova (cfr. M. 
 Teixeira de Sousa, As Partes, o  Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 
 
 1995, págs. 228 e segs.). Tal não significa, porém, que o direito subjectivo à 
 prova  implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em 
 qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que 
 não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de 
 prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por 
 cada parte).
 
  
 
  
 
                            Bastará percorrer as normas de direito probatório 
 constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há 
 diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja  
 constitucionalidade nunca foi posta em causa. Assim, quanto à prova confessória, 
 há casos em que a lei a considera insuficiente para provar certos factos (por 
 exemplo, um negócio jurídico solene em que sejam exigidas formalidades ad 
 substantiam) ou inadmissível (por exemplo, por recair sobre facto cujo 
 reconhecimento ou investigação a lei proíba ou sobre factos respeitantes a 
 direitos indisponíveis - art. 354º do Código Civil). Também quanto à prova  
 testemunhal, a mesma é considerada inadmissível quando a declaração negocial 
 tiver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, ou 
 ainda quando o facto probando estiver 'plenamente provado por documento ou outro 
 meio com força probatória plena' (art. 393º, nº 2, do Código Civil; vejam-se, 
 porém, os arts. 393º, nº 3, e 394º do mesmo diploma). Especialmente impressivo é 
 o caso da prova do acordo simulatório e do negócio simulado: a prova testemunhal 
 só é admissível se for um terceiro a arguir a simulação, mas já não é admissível 
 quando esse acordo ou o negócio simulado forem invocados pelos próprios 
 simuladores (art. 39º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
 
  
 
  
 
                            Em muitos destes casos, a inadmissibilidade, 
 estabelecida pela lei, de prova testemunhal tem como fundamento o juízo do 
 legislador sobre as graves consequências de um testemunho inverídico, dada a 
 especial falibilidade desse meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade 
 têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação racional.
 
  
 
  
 
                            Ora, no processo expropriativo, o legislador entende 
 que, havendo uma decisão arbitral que fixa o valor indemnização, no recurso dela 
 interposto a impugnação do quantum indemnizatório implicará uma prova pericial 
 exigente. Estando em causa a fixação do valor do bem ou direito expropriados - 
 fixação que começou por ser feita na fase arbitral - o juiz há-de valorar em 
 especial a prova pericial, visto que os peritos são encarregados pelo tribunal 
 de transmitir a este informações que devem colher, nomeadamente utilizando 
 certos conhecimentos de natureza técnica (art. 388º do Código Civil). Sabendo-se 
 que as testemunhas transmitem conhecimentos casualmente adquiridos, bem se 
 compreende a enorme falibilidade do respectivo testemunho, nomeadamente quando 
 está em causa a transmissão ao tribunal de informações sobre valores do mercado 
 imobiliário, devendo a prova desses valores assentar, por regra, em documentos 
 autênticos (como as alienações dos bens imóveis estão sujeitas a escritura 
 pública, os valores dos preços constam desses documentos; só quanto aos 
 contratos preliminares falta, em regra, a publicidade registral, podendo 
 admitir-se a vantagem de produção de prova testemunhal, anda que muito falível, 
 dado o carácter reservado, ou mesmo confidencial, da celebração de muitos 
 contratos-promessa).
 
  
 
  
 
                            A opção do legislador constante da norma impugnada 
 não se afigura arbitrária ou irrazoável. Como a fixação do valor de avaliação do 
 bem expropriado, necessária para a atribuição do quantum indemnizatório,na fase 
 de recurso há-de ser feita pelo juiz, que assim vai apreciar criticamente o 
 outro valor a que se chegou no juízo arbitral, entendeu o legislador que os 
 meios probatórios especialmente atendíveis deveriam ser a perícia, os documentos 
 e a própria inspecção judicial. No que toca à prova pericial, o legislador 
 entendeu que, em vez da opinião do 'homem comum' ou a do 'bom pai de família' - 
 opiniões expressas em depoimentos de testemunhas - importava privilegiar a 
 intervenção de peritos, por estes disporem de conhecimentos especiais que os 
 julgadores não possuem por regra. Mas deixou, sempre, ao critério do juiz a 
 audição de prova testemunhal.
 
  
 
  
 
                            Acrescente-se que a prova testemunhal sobre o valor 
 de mercado de um bem não será susceptível, no comum dos casos, de esclarecer 
 cabalmente o julgador, atentos os outros meios probatórios a que pode recorrer 
 
 (prova documental, prova pericial e inspecção judicial). Seja como for, a lei 
 não veda em absoluto a prova testemunhal no processo expropriativo. Na verdade, 
 a lei confere um poder discricionário para ouvir o depoimento de pessoas que não 
 sejam peritos, sempre que o repute indispensável, podendo valorar livremente 
 esses depoimentos, tal como os laudos periciais (art. 389º do Código Civil).
 
  
 
  
 
                            Globalmente considerada a regulamentação dos meios 
 probatórios no processo de expropriação, afigura-se que não é desproporcionada 
 ou arbitrária a solução limitativa constante do nº 2 do art. 73º do Código das 
 Expropriações de 1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do 
 litígio em causa e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação.
 
  
 
  
 
                            Não se mostram, assim, violados os arts. 13º, 20º, nº 
 
 1, e 62º, nº 2, da Constituição.
 
  
 
  
 
                            16. Nas suas contra-alegações, o Exmo. 
 Procurador-Geral Adjunto considera que a conduta processual da recorrente 'terá, 
 de algum modo, ultrapassado o limiar da litigância de má fé, ao vir alegar, 
 perante este Tribunal, que os peritos designados judicialmente receberam «ordens 
 expressas», «terminantes» e «antecipadas» do Estado (DGEMN) para só pagarem o 
 terreno a 250$00/m2, limitando-se a fazer aquilo que a respectiva Direcção-Geral 
 lhes disse para fazer, de forma a atribuírem um valor irrisório e ridículo aos 
 terrenos - cfr. fls. 12, 13 e 19 da sua alegação'  (a fls. 339-340 dos autos). 
 Tal imputação seria totalmente infundada, feita apenas na alegação apresentada 
 no Tribunal Constitucional, e traduziria, no dizer da entidade recorrida, uma 
 alteração consciente da verdade dos factos, sancionada nos termos da lei de 
 processo civil (art. 84º, nº 5, da Lei deste Tribunal). Revestir-se-ia de 
 especial gravidade a imputação assim feita, visto que os peritos, nomeados por 
 decisão judicial, haviam prestado juramento de desempenhar conscientemente a sua 
 tarefa de colaboração com a Justiça, sendo certo que o comportamente assim 
 imputado, a ter-se verificado, constituiria censurável violação dos deveres 
 deontológicos e profissionais dos peritos em causa.
 
  
 
  
 
                            Ouvida a recorrente sobre esta questão, limitou-se a 
 reafirmar que os peritos (não se esclarece se são os nomeados pelo Tribunal de 
 Silves) tinham declarado perante testemunhas que o Estado lhes havia imposto o 
 preço de 250$00 por metro quadrado, o que seria de todo inadmissível e 
 intolerável. Arrolou duas testemunhas para prova das imputações feitas.
 
  
 
  
 
                            Esta afirmação é, porém, precedida do seguinte passo, 
 que é revelador do estado de espírito da recorrente, viúva do expropriado e que 
 só foi habilitada após a apresentação das alegações na Relação de Évora:
 
  
 
  
 
 'O digno Magistrado do MP defende que o terreno edificável dos autos deve ser 
 pago a 250$00/m2, que o expropriado não recebendo qualquer indemnização ainda é 
 devedor de custas ao Estado na ordem de centenas de contos; e que o Estado pode 
 ditar aos Peritos o preço irrisório que muito bem entender; e que o recorrente 
 deve ser esmagado como litigante de má fé (...)'.
 
  
 
  
 
  
 
                            Não pode ignorar-se a gravidade objectiva  das 
 afirmações feitas e nem deixar de estranhar-se o momento tardio em que a questão 
 foi suscitada no processo.
 
  
 
  
 
                            Todavia, não é possível neste recurso de 
 constitucionalidade apurar a veracidade das imputações feitas pela recorrente, 
 as quais poderão, eventualmente, vir a ser averiguadas em processo idóneo para o 
 efeito.
 
  
 
  
 
                            Não existem, assim, elementos de facto que permitam 
 afirmar a má fé da recorrente e conduzir ao sancionamento do seu comportamento 
 processual (art. 456º do Código de Processo Civil).
 
  
 
  
 IV
 
  
 
                            16. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o 
 Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso.
 
  
 
  
 
                            Lisboa,20 de Abril de 1995
 
                            Ass) Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Alberto Tavares da Costa
 Maria da Assunção Esteves
 Vitor Nunes de Almeida
 Luis Nunes de Almeida