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Processo n.º 641/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 19 de 
 Setembro de 2005, que decidiu não tomar conhecimento dos recursos de legalidade 
 e de constitucionalidade por ela interpostos quanto às normas dos artigos 61.º, 
 n.º 1, alínea b), 86.º, n.º 5, 97.º, n.º 4, 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 3, e 204.º, 
 alínea c), todos do Código de Processo Penal, e julgar não inconstitucional a 
 norma dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, na sua 
 dimensão enunciativa, e, ainda, condená-la em custas, com sete unidades de conta 
 de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
 
 «1. Nos autos de Inquérito n.º 377/04.9JAPTM, que correm seus termos no 2.º 
 Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves, e nos quais figura como 
 arguida, entre outros, A., suspeita da prática de factos susceptíveis de 
 constituírem crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 
 
 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi proferido pelo Juiz 
 de Instrução, após realização de primeiro interrogatório judicial de arguido 
 detido, em 14 de Fevereiro de 2005, despacho a decretar a aplicação àquela da 
 medida de coacção de prisão preventiva.
 Desse despacho recorreu a arguida, mas, por acórdão tirado em conferência em 24 
 de Maio de 2005, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, e, 
 consequentemente, manteve o despacho recorrido. Pode ler-se nesse aresto:
 
 «(...)
 
 2. O artigo 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que 
 o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
 Como escreve MAIA GONÇALVES, ibidem, p. 195 e 196, “Alguns dos direitos 
 incluídos no estatuto do arguido têm dignidade constitucional, assim sucedendo 
 com o direito a garantias de defesa, com a presunção de inocência até ao 
 trânsito em julgado da sentença condenatória e com o direito à escolha de 
 defensor que lhe assista em todos os actos do processo (art.º 32.°, n.ºs 1, 2 e 
 
 3, da CRP).
 O direito a garantias de defesa tem conteúdo vago, tratando-se de uma norma da 
 CRP destinada a eivar todo o processo penal de modo a dotar os arguidos de todos 
 os instrumentos processuais necessários para poderem contrariar a posição do MP, 
 entidade em relação à qual existe normalmente à partida uma grande desigualdade 
 de meios, já que o MP se encontra apoiado pelo poder institucionalizado do 
 Estado”.
 O artigo 61.° do CPP, que versa sobre os direitos e deveres processuais do 
 arguido, alude a que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo, 
 e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
 a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
 b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam 
 tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; (...)
 Mas como se respiga do Acórdão do Tribunal Constitucional de 4 de Novembro de 
 
 1987, in BMJ, 371, 160, o conteúdo essencial do princípio do contraditório está 
 em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência nem nenhuma decisão, mesmo 
 interlocutória, deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada 
 ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de 
 a discutir, de a contestar e de a valorar. Ao princípio do contraditório estão 
 subordinados a audiência de julgamento e bem assim os actos instrutórios que a 
 lei determinar (n.º 5 do art.º 32.° da CRP); daqui não decorre, porém, que tenha 
 que haver sempre uma instrução ou sequer que seja obrigatória a existência de 
 uma fase de instrução. Na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar 
 subordinados ao princípio do contraditório, goza o legislador de grande 
 liberdade; ele só tem que ter sempre presente que o processo criminal há-de ser 
 a due process of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva 
 possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o MP.
 Nesta ordem de ideias, estabelece o artigo 141.º do CPP, que não foi declarado 
 inconstitucional, referente ao primeiro interrogatório judicial de arguido 
 detido, que “o juiz informa o arguido dos direitos referidos no artigo 61.º, n.º 
 
 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos da detenção, 
 comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados”.
 Esta comunicação e exposição dos factos imputados é legalmente obrigatória, e 
 necessária, sem o que o arguido [não] pode exercer o seu direito de defesa.
 Na verdade, prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos 
 ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude 
 ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a 
 determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção.
 O conteúdo do contraditório no primeiro interrogatório judicial de arguido 
 detido deve pois referir-se aos motivos da detenção, que devem ser comunicados 
 ao arguido, e à exposição dos factos que lhe são imputados.
 Com efeito, já o artigo 27.°, n.º 4, da Constituição da República determina que 
 
 “toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma 
 compreensível da sua prisão ou detenção e dos seus direitos”, devendo o juiz, 
 nos termos do artigo 28.°, n.º 1, da CRP, “conhecer das causas que a 
 determinaram e comunicá-la ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de 
 defesa”.
 Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 416/03, de 24 de 
 Setembro de [2003] “(...) o critério orientador nesta matéria deve ser o 
 seguinte: a comunicação dos factos deve ser feita com a concretização necessária 
 a que um inocente possa ficar ciente dos comportamentos materiais que lhe são 
 imputados e da sua relevância jurídico-criminal, por forma a que lhe seja dada 
 
 ‘oportunidade de defesa’ (artigo 28.°, n.º 1, da CRP)”.
 As circunstâncias pormenorizadas do modo, tempo e lugar da ocorrência dos factos 
 imputados, relativamente ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, 
 situado em fase investigatória do processo, não são absolutamente necessárias, 
 desde que a comunicação e exposição dos factos sejam bastantes para a 
 oportunidade da defesa, com vista à apreciação judicial para restituição à 
 liberdade ou imposição de medida de coacção adequada.
 Tanto assim é que o artigo 283.°, n.º 1, do CPP, ao referir-se aos requisitos da 
 acusação – peça nobre por excelência da imputação jurídico-criminal e que define 
 a temática do objecto do processo – apenas impõe, sob pena de nulidade a “(...) 
 narração, ainda que sintética, dos factos... incluindo, se possível, o lugar, o 
 tempo e motivação da sua prática”.
 A natureza acusatória do processo criminal implica que esteja subordinada ao 
 princípio do contraditório a audiência de julgamento mas, quanto aos actos 
 instrutórios, apenas os que a lei determinar – v. art.º 32.°, n.º 5, da CRP.
 Como assinala o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 413/2004, de 7 de Junho de 
 
 2004, in DR, II série, de 23 de Julho de 2004: «(...) no Acórdão n.º 512/98 
 
 (Diário da República, 2.ª série, de 11 de Dezembro de 1998) deste Tribunal se 
 escreveu que “o primeiro interrogatório judicial do arguido detido” destina-se 
 
 “essencialmente” [...] ao controlo da verificação dos requisitos justificativos 
 da detenção e da subsequente eventual aplicação de alguma das medidas de coacção 
 legalmente previstas [...]”.
 Por outro lado, como afirma o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 121/97, de 
 
 19 de Fevereiro de 1997, in DR, n.° 100, II série, de 30 de Abril de 1997, “Deve 
 notar-se que, durante a fase de inquérito, em especial à medida que este vai 
 decorrendo, se vão inevitavelmente consolidando ou enfraquecendo os indícios que 
 motivaram a aplicação de uma medida de coacção ao arguido, por força das 
 actividades de investigação que se vão desenrolando. (...)
 Neste quadro legal não é possível sustentar que os princípios do contraditório e 
 da igualdade de armas imponham ao legislador que consagre, em todos os casos, um 
 acesso irrestrito e ilimitado aos autos na fase de inquérito pelo arguido, seja 
 para recorrer do despacho que impôs a prisão preventiva, seja para requerer a 
 sua revogação ou substituição e, porventura, recorrer do despacho que sobre tal 
 requerimento vier a ser proferido. De facto, as circunstâncias podem variar de 
 caso para caso no que toca ao tipo de crime investigado e ao próprio grau de 
 desenvolvimento das actividades de recolha da prova...”
 
 3. Consta do auto de interrogatório judicial que:
 
 “Comunicando-lhe os motivos das suas detenções, expôs-lhe os factos que lhes são 
 imputados, concretamente a circunstância de os arguidos fazerem parte de uma 
 organização que se dedica ao tráfico de droga, cada um com funções definidas. O 
 arguido B. terá feito o transporte de droga que veio a ser apreendida de Lisboa 
 para o Algarve. C. armazenava a droga (cocaína), dinheiro e objectos 
 relacionados com a actividade de tráfico. A arguida A. procederia à venda de 
 produto estupefaciente a terceiros entregue pela D.. Esta, companheira do ‘E.’, 
 a pessoa que coordenaria as operações desenvolvidas reportando-se a investigação 
 de 2004 para cá.
 Os arguidos disseram querer responder à matéria dos autos, excepto a arguida A. 
 que preferiu, entretanto, conferenciar com o advogado.
 
 (...)”
 Contudo, mais tarde, no mesmo acto, a mesma arguida prestou declarações sobre os 
 factos.
 
 4. Refere o despacho recorrido:
 
 “1. Foi cumprido o prazo a que alude o artigo 141.º do CPP.
 Os arguidos foram confrontados com a factualidade sob investigação desde Outubro 
 de 2004, sendo certo que a actividade de tráfico é caracterizada pela 
 complexidade. Daí as referências que foram feitas na presença de todos e na 
 sequência de que os arguidos prestaram declarações dizendo o que pretendiam e 
 que consideraram ser mais conveniente à sua defesa. De resto foi-lhes perguntado 
 se compreendiam a situação que aqui os trazia e se queriam falar sobre a mesma. 
 Todos responderam que sim e nessa sequência acabaram por ser confrontados com os 
 diversos elementos constantes dos autos, os mais relevantes, tomando posição 
 relativamente a cada um deles.
 Também foi dito aos arguidos no início deste acto que caso não pretendessem 
 prestar declarações, então as referências pormenorizadas relativamente à 
 factualidade que lhes era imputada seria feita de uma só vez e mesmo aí, 
 querendo, poderiam alterar a sua posição, isto é, prestar declarações. Como 
 todos pretenderam o fazer, como ficou já dito, o confronto com os elementos mais 
 relevantes nos autos foi sempre feito ao longo de cada um dos interrogatórios. 
 Concretamente todos tomaram a posição em relação ao resultado das apreensões e, 
 além do mais, em relação ao produto estupefaciente que foi apreendido nas 
 circunstâncias comunicadas.
 
 (...) Quanto à arguida A., conhecida por ‘A.’, detinha além do mais 44,4 gramas 
 de cocaína em sua casa, não tendo dado uma explicação plausível para tal 
 situação, isto descurando as quantidades inferiores (3,7 gramas do mesmo produto 
 e ainda de heroína, 1,3 gramas).
 
 (...) revelam muito menor importância o teor das conversações telefónicas, sendo 
 certo que a maior parte das que foram autorizadas ainda não se encontram 
 transcritas e por essa razão não serão por ora consideradas. Diga-se apenas que 
 os arguidos não deixaram de ser confrontados com os factos que algumas dessas 
 conversações revelam mas que resultam sobretudo dos relatos de vigilância 
 policial conjugados com o resultado das apreensões realizadas. Por exemplo a 
 arguida A. confirmou conhecer o F. e uma tal G., negando porém que lhes tivesse 
 vendido droga. Negou por sua vez que conhecesse alguém com o nome de H. ou I..
 
 (...) Quanto à arguida A.: reconheceu apenas ser consumidora, negando que 
 soubesse que tinha em sua casa os mais de quarenta gramas de cocaína e negou 
 também que tivesse qualquer actividade que envolvesse a venda de droga (...)”.
 
 5. Consta ainda do auto de interrogatório judicial:
 
 «Antes que os arguidos fossem chamados à presença da M.ª Juiz de Direito para 
 serem notificados pela mesma das medidas de coacção ora determinadas, foi pelo 
 mandatário da arguida A. pedido o uso da palavra, ao que no uso da mesma disse:
 
 “Considerando o exposto no douto despacho que antecede relativamente à parte em 
 que enuncia as diversas formalidades observadas no presente acto, vir referido 
 que os arguidos confrontados com diversos elementos mais relevantes que constam 
 dos autos, e, uma vez que a arguida A. apenas foi confrontada de facto com o 
 teor do auto de apreensão efectuado na sua residência, parece que pelo menos o 
 plural da palavra elementos não estará em consonância com o singular da palavra 
 auto de apreensão. Nesta conformidade requer-se a V.ª Ex., M.ª Juiz que aclare a 
 aludida parte do despacho no sentido de não restarem dúvidas se se quis ou não 
 apenas se referir com a expressão ‘diversos elementos que constam dos autos’ 
 apenas e tão-só ao auto de busca e apreensão realizado na residência. Pois foi 
 apenas esse o elemento dos autos que o defensor se apercebeu ter sido 
 confrontada a arguida.”
 De seguida pela M.ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
 DESPACHO
 
 “Entendo que o despacho que antecede se encontra devidamente fundamentado, em 
 face das dúvidas suscitadas pelo ilustre defensor, sempre se farão os seguintes 
 esclarecimentos.
 As referências iniciais do despacho em causa, foram motivadas pelas posições 
 expressas pelos ilustres defensores, sendo certo que não se procede a gravação 
 do interrogatório aos diversos arguidos. Daí a necessidade de, logo no início, 
 fazer um ponto de situação do que havia ocorrido, ainda que as próprias 
 declarações dos arguidos revelam que os mesmos tiveram conhecimento dos 
 elementos relevantes constantes dos autos. Como ficou substancialmente referido, 
 no que se refere em concreto à arguida A., foram vários os elementos factuais 
 com os quais a mesma foi confrontada, quer no que se refere aos bens 
 apreendidos, quer no que se refere aos contactos que, instada, negou.
 Assim, nada mais há a esclarecer, remetendo o demais [para] o despacho 
 antecedente que nos se afigura claro”.»
 
 6. Do auto do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, cuja falsidade 
 não foi suscitada, nem alegado que o seu conteúdo não corresponda à verdade, 
 resulta que, como se depreende do mesmo, à arguida foram feitas referências da 
 factualidade sob investigação, e, como esclarece o segundo despacho, “foram 
 vários os elementos factuais com os quais a mesma foi confrontada, quer no que 
 se refere aos bens apreendidos, quer que no se refere aos contactos que, 
 instada, negou”.
 Como refere o Ministério Público nesta Relação, em seu douto parecer, “(...) a 
 Recorrente foi informada da razão de ser da sua privação da liberdade e que lhe 
 foram dados a conhecer os factos que lhe permitem contestar o bem fundado das 
 suspeitas, com a concretização necessária e que a tornou ciente dos 
 comportamentos materiais que lhe são imputados e sua relevância 
 jurídico-criminal.
 Ou seja, que se lhe não retiraram, nem lhe foram arbitrariamente restringidas, 
 quaisquer garantias de defesa, nem o seu núcleo fundamental foi postergado, não 
 tendo sido surpreendida por uma consequência processual, na esfera do seu 
 estatuto pessoal, com que não pudesse ou devesse contar.”
 Acresce, como assinala o mesmo douto Magistrado, que “no caso concreto estamos 
 perante fortes indícios da existência de uma rede de tráfico de estupefacientes 
 de que a Recorrente fará parte, com tarefas distribuídas entre os vários 
 intervenientes e com uma investigação ainda em fase incipiente.
 A comunicação dos meios de prova já existentes (ou o acesso irrestrito da 
 Recorrente aos Autos) poria obviamente em risco a continuação da investigação, 
 tendente à descoberta de outros integrantes da rede e às circunstâncias 
 concretas em que a sua actividade se desenvolveu, com manifesto perigo para a 
 viabilização de recolha de prova suplementar.”
 Quanto o demais ventilado no recurso:
 
 7. No sistema processual penal português, as medidas de coacção, em que se 
 inclui a prisão preventiva, guiam-se pelos princípios da legalidade, adequação e 
 proporcionalidade, como decorre dos artigos 191.º e 193.° do C.P.P., devendo ser 
 adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à 
 gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, sem 
 prejuízo da dogmática do n.º 2 do art.º 193.° do C.P.P., ao dispor que: “a 
 prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou 
 insuficientes as outras medidas de coacção”.
 A prisão preventiva é, assim, uma medida de coacção de carácter subsidiário, 
 excepcional, como já resulta do art.º 28.°, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, aplicável quando forem inadequadas ou insuficientes as outras 
 medidas de coacção, sendo que todas as medidas de coacção, com excepção da que 
 se contém no art.º 196.° do C.P.P., não podem ser aplicadas se em concreto se 
 não verificarem as condições previstas no art.º 204.° do C.P.P. (fuga ou perigo 
 de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do 
 processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da 
 prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da 
 personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou 
 de continuação da actividade criminosa).
 
 É suficiente, porém, que se preencha facticamente o conteúdo de qualquer das 
 alíneas do artigo 204.° do Código de Processo Penal para que fiquem activadas as 
 condições de aplicação da prisão preventiva.
 Como escreve Maia Gonçalves (in Código de Processo Penal anotado, 12.ª edição, 
 
 2001, p. 453, nota 2), a propósito do art.º 204.° do C.P.P.: “Tais requisitos ou 
 condições gerais, taxativamente enumerados nas alíneas a), b) e c), são 
 alternativos: consequentemente, basta que exista algum deles para que, 
 conjuntamente com os especiais previstos no capítulo anterior, a medida possa 
 ser aplicada”.
 
 8. Por outro lado, as medidas de coacção são imediatamente revogadas, por 
 despacho do juiz, sempre que se verificar terem sido aplicadas fora das 
 hipóteses ou das condições previstas na lei, ou terem deixado de subsistir as 
 circunstâncias que justificaram a sua aplicação, sem prejuízo de as medidas 
 revogadas poderem de novo ser aplicadas, com respeito da unidade dos prazos que 
 a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua 
 aplicação, como preceitua o art.º 212.°, n.ºs 1 e 2, do C.P.P. e, acrescentando 
 ainda o n.º 3 do preceito que quando se verificar uma atenuação das exigências 
 cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz 
 substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua 
 execução.
 Aliás, para o caso específico da prisão preventiva, o art.º 213.° do C.P.P., 
 impõe ao juiz o reexame oficioso trimestral da subsistência dos pressupostos 
 daquela, “decidindo se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada.”
 Assim é que o Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 24-1-1996, (in D.R., I-A Série, de 14‑3‑96), veio determinar que a 
 prisão preventiva deve ser revogada ou substituída por outra medida de coacção 
 logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, nos termos do art.º 
 
 212.° do Código de Processo Penal, independentemente do reexame trimestral dos 
 seus pressupostos, imposto pelo art.º 213.° do mesmo diploma.
 
 9. Examinando a documentação que instruiu o recurso verifica-se, 
 indiciariamente, que a mesma se dedicava com regularidade a tráfico de 
 estupefacientes, concertada com outros arguidos.
 Como sintetizou a Exma Procuradora-Adjunta na sua promoção que antecedeu o 
 despacho recorrido “mostram-se, como referido, suficientemente indiciadas as 
 respectivas actividades no seio da rede de tráfico de estupefacientes. Com 
 efeito, o arguido E., ou ‘E’., como o principal fornecedor de cocaína e 
 responsável pela gestão do dinheiro, do corte da droga e da sua distribuição; a 
 arguida C., como a pessoa que procedia à guarda da droga, do dinheiro e outro 
 material essencial à actividade da rede; a arguida D., como a pessoa responsável 
 pelo transporte e pela distribuição da droga pelos traficantes da chamada 2.ª 
 linha, e, finalmente, a arguida A., como vendedora de droga por conta dos outros 
 arguidos”.
 Por isso, como consta do despacho recorrido:
 
 “(...) os elementos resultantes dos autos de apreensão em conjunto com as 
 declarações dos próprios arguidos, entendidas de uma forma conjugada, são por si 
 só suficientes para imputar a cada um a prática em co-autoria de um crime de 
 tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, 
 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma, não 
 descurando ainda alguma quantidade da heroína apreendida.
 
 (...) Quanto à arguida A., conhecida por ‘A.’, detinha além do mais 44,4 gramas 
 de cocaína em sua casa, não tendo dado uma explicação plausível para tal 
 situação, isto descurando as quantidades inferiores (3,7 gramas do mesmo produto 
 e ainda de heroína, 1,3 gramas).
 
 (...) Os factos acima referidos revelam extrema gravidade e como se disse são 
 susceptíveis de integrar o crime a que alude o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 
 
 15/93 sendo que relativamente às arguidas será ainda de ponderar o disposto na 
 al. j) do artigo 24.° do mesmo diploma (...)”
 
 10. Não vem provado que o produto estupefaciente apreendido fosse para exclusivo 
 consumo pessoal.
 Os indícios dos autos apontam no sentido de que a arguida, actuando em conjunto 
 e concertada com outros, dedicava-se a actividade ilícita de tráfico de droga.
 A matéria fáctica indiciada não aponta para que a arguida traficasse para 
 exclusivo consumo e que fosse diminuta a quantidade de droga adquirida.
 A mera detenção ilícita de produto estupefaciente, que não seja para exclusivo 
 consumo pessoal integra o crime de tráfico, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do 
 D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punido com prisão de 4 a 12 anos.
 Na verdade, o crime p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de 
 Janeiro, engloba autonomamente diversas actividades ilícitas com referência aos 
 estupefacientes proibidos por lei, quais sejam as de “cultivar, produzir, 
 fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, 
 comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, 
 transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver”.
 Outra mais favorável tipificação da ilicitude só poderá resultar de elementos 
 probatórios que possam infirmar os elementos actualmente constantes dos autos.
 
 11. O crime indiciado nos autos é o do art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de 
 Janeiro, e, é doloso, punido com pena de prisão de máximo superior a três anos, 
 o que, por força do art.º 27.°, n.º 3, b), da Constituição da República 
 Portuguesa, legitima a prisão preventiva, não sendo por isso inconstitucional a 
 aplicação de tal medida, mas, claro está, sem prejuízo do seu carácter 
 subsidiário como já se referiu.
 Considerou a decisão recorrida:
 
 “(...) Ponderados os indícios e o grau dos mesmos cumpre apreciar os 
 pressupostos a que alude o artigo 204.° do CPP.
 
 (...) Quanto à arguida A.: reconheceu apenas ser consumidora, negando que 
 soubesse que tinha em sua casa os mais de quarenta gramas de cocaína e negou 
 também que tivesse qualquer actividade que envolvesse a venda de droga e 
 designadamente com intervenção dos co-arguidos D. e ‘E.’. Foi já condenada por 
 crime de idêntica natureza sendo que segundo suas declarações sujeita ao dever 
 da verdade, ter-lhe-á sido fixado uma pena de prisão suspensa na execução, 
 decorrendo no momento esse período. Esse facto não a impediu de praticar o crime 
 agora indiciado.
 De resto é consumidora de cocaína e tendo em conta a sua situação familiar, 
 apenas com o lucro obtido com o tráfico, poderá fazer face às suas diversas 
 necessidades, mesmo admitido que trabalhe em boites e que aufira com essa 
 actividade algum rendimento. É pois evidente o perigo de continuação da 
 actividade criminosa.
 
 (...) Em face do exposto, atendendo ao grau dos indícios recolhidos e ainda aos 
 perigos a que acima se fez referência, determino que alguns dos arguidos fiquem 
 
 [sujeitos] à medida de coacção mais gravosa, referindo-se apenas para finalizar 
 que a mesma, além [de] proporcional, adequada e suficiente para acautelar os 
 perigos do artigo 204.° do CPP, não se revela desproporcionada em face da medida 
 legal da pena e à pena em concreto que previsivelmente lhes será aplicada.”
 A arguida A. ao ser interrogada declarou nomeadamente que “consome dois/três 
 gramas por dia, sob a forma fumada. Cada grama custa‑lhe trinta euros.
 Em relação à droga entregue voluntariamente pela depoente aos polícias da 
 judiciária, explica que os 3,7 gramas de cocaína destinava ao seu consumo. 
 Quanto ao restante produto estupefaciente (44,4 gramas de cocaína e 1,3 gramas 
 de heroína), não se recorda de ter essa droga em casa encontrada pela PJ e 
 pesada à sua frente. Nunca teve essa quantidade de droga em casa. Refere que 
 vive com mais pessoas, vive com uma rapariga, de nome J., que não tinha onde 
 dormir e as filhas. Não sabe de quem é este estupefaciente. Instada refere que a 
 casa onde vive é frequentada por visitas das relações da rapariga de nome J. e 
 das filhas assim como da depoente e que tem liberdade de movimentos dentro da 
 casa. Contudo não atribui a propriedade do produto encontrado a alguém em 
 concreto.
 
 (...)”
 Não houve violação dos princípios da adequação, precaridade, proporcionalidade e 
 subsidiariedade, referentes à graduação da medida de coacção a aplicar in casu, 
 nem foi deixada ao acaso, a apreciação da efectiva existência dos factos 
 justificativos.
 O despacho recorrido não ofendeu a lei constitucional, nem a lei ordinária, e 
 não revela falta de fundamentação, pois que aponta os factos e a subsunção 
 jurídica pressupostos da decisão.
 Por isso, não poderá considerar-se nula a decisão recorrida.
 A prisão preventiva apresenta-se como a única medida de coacção adequada às 
 exigências cautelares das circunstâncias do caso e proporcional à gravidade do 
 ilícito indiciado e à pena que previsivelmente venha a ser aplicada, e a única 
 apta a impedir os perigos concretos supra referidos, conforme art.ºs 193.° e 
 
 204.° do C. Processo Penal, sem prejuízo da sua revogação, ou substituição por 
 outra medida de coacção se, e quando, deixarem de subsistir as circunstâncias 
 que justificaram a sua aplicação ou, quando se verificar uma atenuação das 
 exigências cautelares que determinaram a sua aplicação.
 O recurso não merece, pois, provimento.»
 
 2. A recorrente interpôs então o presente recurso de constitucionalidade dizendo 
 apenas que 
 
 “vem mui respeitosamente, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, requerer interposição de recurso para 
 o Tribunal Constitucional, com os efeitos e regime de subida que Vossas 
 Excelências certa e Doutamente fixarão.”
 Após ter sido notificada para dar cumprimento ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do 
 artigo 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), apresentou a seguinte peça 
 processual: 
 
 «1. O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro; 
 
 2 – As normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o 
 Tribunal Constitucional aprecie, são:
 a)        Art.º 61.º, n.º 1, al. b);
 b)        Art.º 86.º, n.º 5;
 c)        Art.º 97.º, n.º 4;
 d)        Art.º 141.º, n.ºs 1, 4, e 5;
 e)        Art.º 193.º;
 f)         Art.º 194.º, n.ºs 1 e 3; e,
 g)        Art.º 204.º, al. c),
 Todos do CPP.
 
 3 – Normas ou princípios constitucionais ou legais que se consideram violados:
 a)        Art.º 18.º, n.º 1, da CRP;
 b)        Art.º 27.º, n.º 4, da CRP;
 c)        Art.º 32.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, da CRP;
 d)        Art.º 28.º, n.º 1, da CRP;
 e)        Art.º 205.º, n.º 1, da CRP;
 f)         Violação do princípio da efectividade dos direitos, liberdades e 
 garantias constitucionais dos cidadãos, da presunção da inocência, da lide leal 
 e da equidade entre defesa e acusação, da proporcionalidade das medidas de 
 coacção, etc., etc., etc....
 
 4 – A recorrente suscitou as questões da inconstitucionalidade ou ilegalidade 
 desde o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, passando pelo 
 recurso interposto da decisão que aplicou a prisão preventiva, pelo articulado 
 remetido aos autos via correio electrónico em 13.4.2005, pela resposta à Vista 
 proferida pelo Ministério Público junto dessa Veneranda Relação. Em suma, foram 
 questões suscitadas em todos os articulados e incidentes até ao momento, 
 apresentados nos presentes autos.
 Assim, no nosso humilde entendimento, e não obstante o disposto no n.º 7 do 
 art.º 75.°-A da LTC que refere “convite efectuado pelo relator no Tribunal 
 Constitucional”, pelo superior dever de respeito por esse Alto Tribunal, que é 
 muito, consideramos desde já cumprido o disposto nos n.ºs 1 e 2 do aludido 
 normativo. Razão pela qual deverá mesmo ser admitido e mandado subir o recurso 
 oportunamente interposto para o Egrégio Tribunal Constitucional.» 
 Cumpre decidir.
 
 3. Como se referiu, só após o despacho proferido ao abrigo do disposto no n.º 5 
 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional é que a anterior manifestação 
 da intenção de recorrer para o Tribunal Constitucional verdadeiramente foi 
 precisada como referida a um certo conjunto de normas a sindicar, perante 
 determinados parâmetros constitucionais.
 Mesmo que a lei o consentisse, não seria adequado reiterar, agora no Tribunal 
 Constitucional, o despacho de aperfeiçoamento, tendo, aliás, a recorrente 
 beneficiado já de um prazo superior ao normalmente previsto para dar cumprimento 
 aos requisitos formais de interposição de recurso – já que em vez de um prazo de 
 
 10 dias, beneficiou, mercê do despacho de aperfeiçoamento proferido, de mais um 
 mês para o fazer (enquanto o requerimento inicial deu entrada em 9 de Junho, o 
 requerimento corrigido deu entrada a 12 de Julho). O n.º 6 do artigo 75.º-A da 
 Lei do Tribunal Constitucional dispõe, expressamente, que o despacho de 
 aperfeiçoamento a proferir pelo relator no Tribunal Constitucional só tem lugar 
 
 “quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de constitucionalidade não 
 tiver feito o convite referido no n.º 5”.
 Vale isto por dizer que os termos do recurso “de constitucionalidade ou 
 ilegalidade” terão de ser, estritamente, os que resultam do requerimento, sem 
 possibilidade de voltarem a ser corrigidos.
 
 4. Perante o requerimento de recurso e a resposta ao convite para o seu 
 aperfeiçoamento, conclui-se, desde logo, que, muito embora se faça referência a 
 supostas inconstitucionalidades ou ilegalidades, o recurso há-de 
 circunscrever-se às questões de constitucionalidade. Não tanto porque a 
 ilegalidade de que este Tribunal pode conhecer esteja circunscrita às hipóteses 
 referidas nas alíneas c) a g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, e nenhuma dessas situações seja recondutível ao caso dos autos, 
 mas porque, desde logo, o tipo de recurso interposto – ao abrigo da alínea b) do 
 mesmo artigo – foi apenas um recurso de constitucionalidade.
 Por outro lado, é também forçoso concluir que as normas impugnadas só poderão 
 ser apreciadas no seu sentido ou interpretação literal ou enunciativa, já que 
 nenhum outro foi definido pela recorrente, no requerimento de recurso ou na 
 resposta ao respectivo despacho de aperfeiçoamento.
 Na verdade, como se disse no Acórdão n.º 199/88 (DR, II Série, de 28 de Março de 
 
 1989):
 
  “[...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe 
 cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de 
 
 ‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de 
 inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade 
 constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de 
 uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem 
 por violador da lei fundamental.” (ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 
 
 178/95 – publicado no DR, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96, 
 inéditos).”
 Neste mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 269/94 (DR, II série, de 18 de 
 Junho de 1994):
 
 “[...] 
 Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que 
 o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de 
 constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – 
 como já se disse – tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a 
 norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender 
 de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se 
 aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao 
 menos, a norma ou princípio constitucional infringido.
 Ora, sendo assim – e não se vê que possa ser de outro modo, pois não é exigível 
 que os tribunais decidam questões (designadamente questões de 
 constitucionalidade) sem que as partes lhes indiquem as razões por que entendem 
 que elas devem ser decididas num determinado sentido, e não noutro.”
 Assim, se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional “em si 
 mesmo”, mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou 
 interpretação normativa, a exigência de suscitação da questão de 
 constitucionalidade de forma clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao 
 suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através 
 da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo 
 reputados inconstitucionais – o que é evidentemente diverso de sustentar apenas 
 que um determinado artigo de certa lei é inconstitucional. Como se escreveu no 
 Acórdão n.º 367/94 (DR, II Série, de 7 de Setembro de 1994): 
 
  “Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um 
 preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se 
 faça.
 
 [...] esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de 
 forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa 
 apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em 
 geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o 
 sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, 
 violar a Constituição.”
 E, no Acórdão n.º 178/95 (DR, II Série, de 21 de Junho de 1995), além de se 
 remeter para os fundamentos dos referidos Acórdãos n.ºs 269/94 e 367/94, 
 conclui-se: 
 
 “[...] impunha-se que os reclamantes tivessem indicado – o que não fizeram – o 
 segmento  de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou 
 interpretação, em suma – que eles têm por violador da Constituição.
 De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara 
 e perceptível (cf., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República, 
 
 2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma 
 certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa 
 interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme 
 com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o 
 tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários 
 daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em 
 causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.”
 Tal necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou 
 interpretação normativos que a recorrente reputa inconstitucional torna-se, 
 aliás, particularmente evidente – notar-se-á ainda – quando o preceito ao qual 
 se imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários 
 segmentos normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos 
 interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade 
 diversas, eventualmente passíveis, também, de respostas distintas (no mesmo 
 sentido, cf., também, o acórdão n.º 116/2002, in DR, II, Série, n.º 106, de 8 de 
 Maio de 2002).
 
 5. Confrontando a decisão recorrida, pode, também, por outro lado, extrair‑se 
 logo a conclusão de que o Tribunal da Relação de Évora não emitiu juízo sobre 
 nenhuma das questões de constitucionalidade/ilegalidade normativas que a 
 recorrente trouxe agora à apreciação deste Tribunal. Limitou-se a expor anterior 
 jurisprudência e doutrina sobre algumas das normas invocadas ou impugnadas pelo 
 arguido, constatando, designadamente, que “o artigo 141.º do CPP (…) não foi 
 declarado inconstitucional” – o que não constitui um juízo valorativo mas sim 
 uma constatação de facto. O que importa preliminarmente apurar é em relação a 
 qual ou quais dessas questões de constitucionalidade/legalidade estava o 
 Tribunal da Relação de Évora obrigado a pronunciar-se, por perante si ter(em) 
 sido suscitada(s), se é que o estava.
 Ora, da transcrição das prolíficas conclusões do recurso que lhe foi dirigido, 
 também logo resulta que só no ponto D.7 se suscitou, perante o tribunal 
 recorrido, uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, dirigida aos 
 n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 141.º do Código de Processo Penal:
 
 “D.7 – Conclui-se que a interpretação do artigo 141.°, n.ºs 1, 4 e 5, do CPP 
 efectuada no caso concreto, no sentido de que o cumprimento deste normativo se 
 basta com a formulação de perguntas genéricas e abstractas – sobre se conhece 
 algum dos co-arguidos e que relações mantém com os mesmos – não as concretizando 
 com as exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar que determinaram a 
 imputação à arguida do crime de que vem indiciada, é manifestamente 
 inconstitucional, por violação do estatuído nos artigos 27.°, n.º 4, 28.°, n.º 
 
 1, e 32.° da CRP, que impõem ao juiz que conheça das causas que determinaram a 
 detenção e as comunique ao arguido, imediatamente e de forma compreensível das 
 razões da sua detenção ou prisão, interrogando-o e dando-lhe oportunidade de 
 defesa.” 
 No mais, mesmo admitindo que o objecto do recurso não é delimitado pelas suas 
 conclusões, limitou-se a arguida a imputar desconformidades constitucionais e 
 legais ao despacho recorrido e a transcrever, como argumento, trechos de 
 decisões do Tribunal Constitucional, sem invocar no caso concreto qualquer 
 interpretação de outras normas julgadas inconstitucionais, que não as dos n.ºs 
 
 1, 4 e 5 do artigo 141.º do Código de Processo Penal.
 Há, pois, um único vício que foi invocado (inconstitucionalidade) e as normas 
 que unicamente podem ser apreciadas são as dos referidos números do artigo 141.º 
 do Código de Processo Penal. Tudo o mais, invocando embora violação de preceitos 
 ou princípios constitucionais, vai dirigido, não à inconstitucionalidade de uma 
 ou mais normas, mas antes à “notificação”/ “omissão” (D.8 a D.15), “erros de 
 perspectiva”/ “não compreensão” (D.16 a D.22), obrigações de leitura e 
 compreensão integrada com outros artigos do Código de Processo Penal e da 
 Constituição (D.23), ao “despacho” que decretou a prisão preventiva (D.12, D.27, 
 D.32, D.35, D.38), às “razões” da juiz (D.25, D.26, D.29, D.30), a “erros de 
 direito” (D.28), ao “espírito do juiz” (D.31), ao “despacho proferido em 
 resposta ao requerimento do recorrente” (D.33 e D.36), a uma não consideração da 
 Senhora Juiz (D.34), a um seu entendimento (D.37) e a um conjunto de 
 interrogações (D.39).
 Não obstante as conclusões D.16 a D.35 serem, praticamente, a reprodução das que 
 foram apresentadas para o Tribunal da Relação de Lisboa pelo advogado do arguido 
 no Processo n.º 590/03 deste Tribunal (que deu origem ao já citado acórdão n.º 
 
 607/2003), de nenhuma dessas questões, que se referem a actos concretos e não a 
 normas, cuida este Tribunal. E de nada que o tribunal recorrido tenha escrito na 
 sua decisão resulta, aliás, um explícito juízo seu sobre a conformidade 
 constitucional de norma alguma.
 
 6. Havendo apenas uma disposição legal em condições de ser apreciada (a do dito 
 artigo 141.º, embora em três dos seus números), é possível aferi-la por todos os 
 princípios e normas constitucionais invocados. Mas, tendo em conta que a 
 recorrente, nem mesmo depois de convidada a indicar as normas que pretendia ver 
 apreciadas, enunciou ou indicou, com um mínimo de precisão, a dimensão ou 
 interpretação normativa que impugnava, é claro que o sentido a que se refere o 
 requerimento de recurso, e que cumpre apreciar, só pode ser o literal, 
 resultante de uma interpretação declarativa ou enunciativa das disposições em 
 causa.
 Tal identificação do sentido normativo impugnado era ónus da recorrente, e um 
 
 ónus cujo cumprimento era essencial para se poder apreciar a constitucionalidade 
 de uma qualquer particular interpretação das disposições em causa, só esse 
 cumprimento permitindo, por exemplo, averiguar se o sentido normativo impugnado 
 foi ou não efectivamente aplicado pela decisão recorrida, e sendo certo que às 
 disposições às quais foi imputada a inconstitucionalidade, logo pela sua 
 redacção, se podem revestir de várias dimensões ou sentidos interpretativos, 
 susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente 
 passíveis, também, de respostas distintas.
 Ora, é manifesto que não se verifica qualquer desconformidade constitucional de 
 normas com o seguinte teor: 
 
 “Artigo 141.º
 
 (Primeiro interrogatório judicial de arguido detido)
 
 1. O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz 
 de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que 
 lhe for presente com a indicação dos motivos da detenção e das provas que a 
 fundamentam.
 
 (…).
 
 4. Seguidamente, o juiz informa o arguido dos direitos referidos no artigo 61.º, 
 n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos da 
 detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados.
 
 5. Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua 
 participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a 
 culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação 
 da sua responsabilidade ou da medida da sanção.
 
 (…).”
 Nesta parte, o recurso é, pois, manifestamente improcedente.
 Conclui-se, pois, pelo não conhecimento do objecto do recurso, na sua maior 
 parte, e pela sua manifesta improcedência, na parte em que dele se pode 
 conhecer, face à inexistência da indicação de um qualquer sentido desconforme 
 com o seu teor literal e à conformidade constitucional deste face a todas as 
 normas e princípios constitucionais invocados, sendo, pois, caso de proferir, 
 nesse sentido, decisão nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei 
 do Tribunal Constitucional.»
 
 2.Na reclamação apresentada conclui-se assim:
 
 «Resumindo e concluindo:
 I – Nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição 
 de recurso para o TC, é de 10 dias contados da notificação do Acórdão de que se 
 recorre. Prazo esse que foi observado pela ora Reclamante;
 II – Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 75.º-A da LTC e art.º 687.º, 
 n.º 1, do CPC (por via do art.º 69.º da LTC), o recurso para o TC interpõe-se 
 por meio de requerimento apresentado no Tribunal a quo. Nesse requerimento,
 III – Quem recorre, no requerimento de interposição de recurso, tem 
 exclusivamente o ónus de indicar a norma ou princípio constitucional ou legal 
 que se considera violado, bem como a peça processual em que tenha previamente 
 suscitado a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade – cfr. art.º 75.º-A, 
 n.º 2, da LTC (e não se vislumbra que tenha também o ónus de fundamentar ou 
 apresentar desde logo qualquer alegação ou conclusão). O que também foi 
 amplamente cumprido pela ora Reclamante;
 IV – O ónus que o Exm.º Sr. Juiz-Conselheiro Relator refere que a Recorrente não 
 cumpriu, para que proferisse decisão sumária de não tomar conhecimento do 
 recurso interposto, não vem imposto em nenhuma norma legal. Pois que, o ónus de 
 
 “indicar fundamentadamente” não é o mesmo que simplesmente “indicar”;
 V – O ónus de formular alegações e conclusões apenas se verifica no Tribunal ad 
 quem e nunca no Tribunal a quo – cfr. art.º 78.º-A, n.º 5, in fine, da LTC. 
 Logo,
 VI – Para que esse Alto Tribunal se possa pronunciar sobre o objecto dos 
 presentes autos, obviamente que é necessário a apresentação de alegações e 
 conclusões, que devem observar o formalismo do art.º 690.º, n.ºs 1 e 2, do CPC 
 
 (por via do disposto no art.º 69.º da LTC), após notificação pelo Tribunal ad 
 quem para o efeito. O que, manifestamente, não aconteceu.
 VII – Ainda que se considere que foram formuladas algumas alegações sobre as 
 quais esse Alto Tribunal se pudesse pronunciar, não estando as mesmas 
 apresentadas com as respectivas conclusões de modo a habilitá-lo a proferir 
 decisão sobre todas as questões de (in)constitucionalidade normativa suscitadas, 
 haveria que cumprir com o disposto no art.º 690.º, n.º 4, do CPC, aplicável por 
 via do art.º 69.º da LTC. Ou seja, ou notificar para apresentar alegações e 
 conclusões, ou notificar para, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, e 
 aí sim, sob pena de não se conhecer do recurso. Como se decidiu na decisão 
 sumária, com todo o respeito que é muito, é que não pode ser. Já agora, até 
 mesmo por tal decisão violar o inalienável direito ao recurso, tal como plasmado 
 no art.º 32.º, n.º 1, in fine, da CRP.
 VIII – A subsistirem razões para decisão sumária por remissão para 
 jurisprudência anterior, até entendemos que, atentas as alegações e conclusões 
 apresentadas no articulado onde suscitamos as questões de (des)conformidade de 
 normas do CPP no entendimento do Tribunal a quo, com as normas e princípios 
 constitucionais que indicámos, atentando-se na jurisprudência desse Alto 
 Tribunal então indicada, até poderia haver decisão sumária, mas em sentido 
 oposto. Não conseguimos mesmo vislumbrar diferença relevante quanto à matéria 
 suscitada e apreciada em tais Acórdãos – Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 n.ºs 416/03, de 24.9.2003, e 607/03, de 5.12.2003, com a matéria em causa nestes 
 autos;
 IX – É que no processo de Inquérito n.º 377/04.9JAPTM, que corre termos na 
 Procuradoria da República junto do Tribunal Judicial da Comarca de Silves, 
 encontra-se a Recorrente em prisão preventiva há 8 meses, sem que saiba – de 
 forma que algum cidadão médio se possa defender cabalmente – os reais motivos 
 pelos quais está presa. Ainda desconhece qualquer facto imputado e concretizado 
 em termos das concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar. E os arguidos dos 
 Acórdãos supra referidos tanto não sabiam os concretos motivos da sua prisão 
 preventiva, que até já estão todos em liberdade.
 X – A ora Reclamante não tem culpa por não ter sobre si os holofotes da cada vez 
 mais histérica comunicação social, pelo menos nas questões da JUSTIÇA. Mas, o 
 que é certo, é que também quanto a ela deve ser observado os princípios contidos 
 na nossa Grundsnorm, v.g., art.ºs 13.º e 32.º, n.º 1 [sic].
 XI – A ora Reclamante cumpriu escrupulosa e inequivocamente com todos os 
 formalismos e requisitos exigidos por lei para que tivesse o direito de ver 
 apreciado o recurso levado a esse Alto Tribunal. Nem sequer teve direito a 
 formular alegações e conclusões (no momento processual previsto na lei) para que 
 pudesse habilitar esse Egrégio Tribunal a conhecer das verdadeiras razões de 
 fundo em causa.
 Assim, e com a devida vénia, nos termos das razões e fundamentos apontados, 
 requer-se mui respeitosamente a Vossas Excelências, Excelentíssimos Senhores 
 Juízes Conselheiros, que profiram Douta decisão no sentido de que deve 
 conhecer-se do objecto do recurso ou ordenem o respectivo prosseguimento. Neste 
 
 último caso, notificando-se a Recorrente para apresentar as alegações a que 
 alude o art.º 690.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. 
 Contudo, curvando-nos humildemente perante esse Alto Tribunal, fica serena 
 certeza que da mais Douta Justiça dirão Vossas Excelências.»
 
 3.O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 respondeu pela seguinte forma à referida reclamação:
 
 «1.º A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando os 
 fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos 
 pressupostos do recurso interposto.
 
 2.º Apenas radicando no evidente desconhecimento, por parte do reclamante, dos 
 
 ónus que inquestionavelmente recaem sobre o recorrente, nos recursos tipificados 
 pela al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, e da natureza 
 necessariamente “normativa” das questões de constitucionalidade por ele 
 suscitadas.»
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.Adianta-se desde já que a presente reclamação é improcedente, pois a 
 argumentação aduzida pela recorrente não abala, em nada, os fundamentos da 
 decisão reclamada. 
 Nos termos do requerimento de recurso, tal como foi apresentado após despacho 
 convite ao aperfeiçoamento, aquele vinha intentado ao abrigo do disposto no 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a 
 recorrente ver apreciada a constitucionalidade ou legalidade das normas dos 
 artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 86.º, n.º 5, 97.º, n.º 4, 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, 
 
 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 3, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal, 
 por as entender violadoras dos artigos 18.º, n.º 1, 27.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1, 
 
 2, 4 e 5, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, bem como do 
 
 “princípio da efectividade dos direitos, liberdades e garantias constitucionais 
 dos cidadãos, da presunção da inocência, da lide leal e da equidade entre defesa 
 e acusação, da proporcionalidade das medidas de coacção, etc., etc., etc....”, 
 dizendo ainda que “suscitou as questões da inconstitucionalidade ou ilegalidade 
 desde o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, passando pelo 
 recurso interposto da decisão que aplicou a prisão preventiva, pelo articulado 
 remetido aos autos via correio electrónico em 13.4.2005, pela resposta à Vista 
 proferido pelo Ministério Público junto dessa Veneranda Relação. Em suma, foram 
 questões suscitadas em todos os articulados e incidentes até ao momento, 
 apresentados nos presentes autos”.
 Após análise dos autos, foi proferida decisão sumária, em 19 de Setembro de 
 
 2005, pela qual se decidiu não conhecer do objecto do recurso, na sua maior 
 parte, e pela sua improcedência na parte em que dele se pode conhecer (quanto ao 
 artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5), com fundamento em não estarem verificados os 
 requisitos essenciais para o seu conhecimento, desde logo, porque apenas em 
 relação à norma do artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código Processo Penal foi 
 suscitada perante o tribunal recorrido uma verdadeira questão de 
 constitucionalidade normativa, e, em relação a esta norma, no seu sentido 
 literal (dado que era apenas esse o sentido questionado), é manifesto não se 
 verificar qualquer desconformidade constitucional.
 Vem agora a recorrente – que, recorde-se, fora já convidada no tribunal 
 recorrido para aperfeiçoar o seu requerimento de recurso – protestar contra o 
 facto de não ter sido convidada a apresentar alegações, afirmando que os 
 elementos que indicou no requerimento de recurso eram bastantes para deste se 
 tomar conhecimento. Ora, antes de mais, o que esteve em causa, como fundamento 
 para se não poder tomar conhecimento, em parte, dos recursos apresentados, foi, 
 não propriamente a insuficiência do respectivo requerimento, mas antes a falta 
 de suscitação, durante o processo, das questões de constitucionalidade em causa. 
 A argumentação da recorrente só pode assentar, como bem salienta o representante 
 do Ministério Público junto deste Tribunal, no desconhecimento dos ónus que 
 inquestionavelmente recaiam sobre ela, nos recursos tipificados pela al. b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, para se poder vir a 
 tomar conhecimento do recurso, bem como da natureza necessariamente “normativa” 
 das questões de constitucionalidade a apreciar.
 
 5.Trata-se, porém, de requisitos clara e inquestionavelmente resultantes da Lei 
 do Tribunal Constitucional (cf. o artigo 72.º, n.º 2) e que têm sido precisados 
 e aplicados numa jurisprudência constante e sedimentada, de mais de duas 
 décadas.
 Assim, para se poder tomar conhecimento de um recurso de constitucionalidade 
 como o presente, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 
 do Tribunal Constitucional, torna-se necessário, não só que tenham sido 
 esgotados os recursos ordinários e que a questão de constitucionalidade da norma 
 tenha sido suscitada durante o processo, como também que seja impugnada a 
 constitucionalidade de uma norma, ou interpretação normativa, e que esta tenha 
 sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida: isto é, que tal 
 norma ou interpretação normativa tenha constituído fundamento decisivo para o 
 tribunal recorrido.
 No nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental da 
 constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o modo 
 como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer 
 controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as 
 normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de 
 constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela 
 Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da 
 constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação 
 enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada na decisão 
 recorrida.
 Após análise dos autos, concluiu-se que os requisitos essenciais para tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade apenas estavam integralmente 
 preenchidos em relação à norma do artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código de 
 Processo Penal. E isto porque só em relação a essa norma, no seu sentido 
 literal, foi suscitada, perante o tribunal recorrido, uma verdadeira questão de 
 constitucionalidade normativa (no ponto D.7 das conclusões das alegações de 
 recurso apresentadas perante o Tribunal da Relação de Évora), tendo-se na 
 decisão reclamada citado os restantes passos onde a recorrente fez alusões a uma 
 inconstitucionalidade.
 Ora, este ónus da recorrente – o de suscitar perante o tribunal recorrido uma 
 verdadeira questão de constitucionalidade normativa, e cujo não cumprimento foi 
 o fundamento para a decisão de não conhecer do objecto do recurso na sua maior 
 parte −, destinado a permitir que o tribunal recorrido saiba que tem perante 
 ele, para decidir, uma questão de constitucionalidade de uma norma (em si mesma 
 ou numa sua interpretação) não se confunde com o ónus de formular alegações e 
 conclusões, como parece entender a reclamante. Esse ónus, que a reclamante não 
 cumpriu, resulta expressamente da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 
 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional e tem sido constantemente 
 afirmado na jurisprudência deste Tribunal. E a sua falta de cumprimento, por 
 parte da recorrente, não poderia vir a ser sanada pela posterior apresentação de 
 alegações de recurso, como pretende.
 A decisão sumária reclamada merece, pois, quanto a este ponto, confirmação.
 
 6.A decisão reclamada é igualmente de confirmar quanto à decisão de 
 improcedência do recurso na parte em que dele se conheceu, ou seja, em relação à 
 norma do artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código de Processo Penal, no seu 
 sentido literal – pois também quanto a estas disposições a recorrente deixou de 
 indicar, com um mínimo de precisão, a dimensão ou interpretação normativa que 
 impugnava. Na verdade, também quanto a este ponto a argumentação expendida pela 
 reclamante não abala em nada os fundamentos da decisão reclamada, uma vez que é 
 manifesto que o teor literal daqueles preceitos, resultante de uma interpretação 
 declarativa ou enunciativa, não apresenta qualquer desconformidade 
 constitucional. A decisão, nesta parte, não poderia, pois, deixar de ser no 
 sentido da manifesta improcedência do recurso, pelo que, também nessa parte, 
 merece confirmação a decisão reclamada.
 III Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 a reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 12 de Outubro de 2005
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos