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Proc. nº  508/93
 
 1ª Secção
 Rel.: Cons. Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
                         Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
                         1. Em processo de acidente de trabalho, que correu os 
 seus termos no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, a 'Companhia de 
 Seguros A ....' foi condenada, por sentença de 27 de Outubro de 1992, a pagar ao 
 sinistrado F..., além do mais, uma pensão anual e vitalícia, no montante de 
 
 106.294$00.
 
                         Nessa decisão foi ainda atribuída à respectiva acção o 
 valor de 2.585.963$00.
 
  
 
                         2. Dessa sentença interpôs a referida seguradora recurso 
 para o Tribunal da Relação de Lisboa, restrito à questão do valor da causa, por 
 não aceitar a forma de cálculo desse valor.
 
  
 
                         A este propósito, afirmou a seguradora, nas respectivas 
 alegações, que o juiz recorrido, ao fixar o valor da causa, nos termos do artigo 
 
 123º do Código do Processo do Trabalho, fez uso indevido do coeficiente 
 constante das tabelas anexas à Portaria nº 632/71, de 19 de Novembro, deixando 
 assim de aplicar as tabelas anexas à Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, contra 
 o disposto na alínea a) do nº 3 desta última Portaria, por ter considerado 
 aplicável ao caso o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/91, de 13 de Março 
 de 1991 (Diário da República, I-A, de 1 de Abril de 1991), que declarou a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma da alínea b) do nº 
 
 3 da Portaria nº 760/85. Pretendia a seguradora que o valor da causa fosse 
 fixado,  nos termos da alínea a)  do  nº 3 da Portaria nº 760/85, no montante de 
 
 1.767.881$80.
 
                         O Juiz a quo, no respectivo despacho de sustentação, 
 manteve a decisão recorrida, não alterando o valor atribuído à acção, e aduziu, 
 designadamente, os seguintes argumentos:
 
  
 
 '(...) pelas mesmas razões pelas quais o Tribunal Constitucional decidiu a favor 
 da inconstitucio-nalidade da alínea b) do nº 3 da Portaria nº 760/85, é de 
 considerar inconstitucional quer a norma da alínea a) do art. 3º, quer a do art. 
 
 1º. É que qualquer delas constituem direito do trabalho enquanto que servem de 
 base ao cálculo das provisões matemáticas para caucionamento das pensões (cf. 
 art. 70º nº 1 e 71º nº 3 do Dec. 360/71, de 2/8) e para a fixação do valor da 
 acção (cf. art. 123º do Cód. Proc. do Trabalho).
 
  
 
  
 
  
 
             E como se afirma no douto acórdão, presume-se que as organizações 
 representativas dos trabalhadores não foram ouvidas, tal como o impõe 
 disposições constitucionais.
 
  
 
             Acresce que, também como se refere no mesmo acórdão, pela Portaria 
 nº 760/85, de 4/10, o governo veio exercer um poder regulamentar sem fundamento 
 numa lei anterior, sendo que 'são constitucionalmente ilegítimos os regulamentos 
 quando contêm disciplina inicial, que só pode constar do diploma legislativo'.
 
  
 
 (...)
 
  
 
             A admitir-se que a declaração do Tribunal Constitucional tem apenas 
 efeitos no tocante ao cálculo do capital da remição das pensões, teríamos, 
 então, de aceitar soluções noutros campos que não foram queridas pelo 
 legislador.
 
  
 
             No que concerne ao caucionamento das pensões aplicar-se-ia, então, a 
 Portaria nº 760/85. Dado que os coeficientes desta são, de modo geral, mais 
 baixos que os da Portaria nº 632/71, efectuar-se-iam caucionamentos que, na 
 prática, não seriam suficientes para o pagamento das pensões, nomeadamente na 
 hipótese da remição. (...)
 
  
 
             A aplicação das duas tabelas, para além de conduzir à falta de 
 coerência do sistema, (...) conduz também a determinados efeitos práticos 
 inaceitáveis. São muito as situações - já analisadas em concreto - em que o 
 valor do capital da remição - determinado em função das tabelas da  Portaria de 
 
 1971 -, por exemplo, excede os 500.001$00, enquanto que o valor da acção - 
 achado de acordo com as tabelas da Portaria de 1985 fica aquém desse valor.
 
  
 
             Ora em tais situações os interessados, tendo embora um interesse 
 económico superior ao da alçada do tribunal de 1ª instância, deste não poderiam 
 recorrer para o tribunal superior na hipótese de ofensa do seu direito.'
 
  
 
  
 
  
 
                         O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao 
 recurso e confirmou a decisão recorrida, sustentando o seguinte:
 
  
 
             '(...) o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/91, de 1 de Abril, 
 declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da alínea b) do 
 nº 3 da P. 760/85, (...) por violação do princípio de precedência da lei, 
 plasmado nos nºs 6 e 7 do art. 115º, em conjugação com os arts. 201º, nº 1, al. 
 a), e 202º, al. c), todos da Constituição da República; [e] (...) por violação 
 do princípio da audição dos representantes dos trabalhadores, constante do art. 
 
 56º, 2, a), da Constituição (anterior art. 55º, d) e 57º, 2, a)) - (...)
 
  
 
             (...) a violação de tais princípios no caso da referida al. b) do nº 
 
 3 da P. 760/85 verifica-se de igual modo quanto à globalidade dessa Portaria, e 
 daí que toda ela esteja ferida de inconstitucionalidade, o que conduz 
 necessariamente à aplicação da Portaria 632/71, de 19/11.
 
  
 
             Acresce que, (...) a constituição das reservas matemáticas tem como 
 objectivo garantir o pagamento das pensões devidas aos sinistrados e, assim 
 sendo, tais reservas têm forçosamente de estar de harmonia com as pensões que 
 visam acautelar.
 
  
 
             Deste modo, declarada a inconstitucionalidade da al. b) do nº 3 da 
 P. nº 760/85, haveria uma discrepância entre o cálculo da remissão da pensão e o 
 valor da reserva matemática destinada a caucioná‑la, pois aquele é obtido com 
 base na reserva matemática estabelecida na tabela anexa  à  P. nº 632/71.
 
  
 
             Assim, e uma vez que o valor da causa é, de acordo com o disposto no 
 nº 1 do art. 123º do Cód. de Proc. do Trabalho, igual ao valor das reservas 
 matemáticas, e estando ferida de inconstitu-cionalidade a globalidade da P. 
 
 760/85, essas reservas matemáticas terão de ser calculadas com base nos 
 coeficientes constantes da tabela anexa à Portaria 632/71.'
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                         3. Desta decisão vem interposto pelo Ministério Público 
 o presente recurso (obrigatório) para o Tribunal Constitucional, nos termos dos 
 artigos 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nºs 1, alínea a), e 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, em virtude de o tribunal a quo ter recusado a aplicação da 
 alínea a) do nº 3 da Portaria nº 760/85, com fundamento em 
 inconstitucionalidade.
 
                         Neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público 
 apresentou alegações, de onde se destacam os seguintes argumentos:
 
  
 
 '(...) o preâmbulo da Portaria nº 760/85 invoca expressamente, como lei 
 habilitante, o parágrafo único do artigo 1º do Decreto-Lei nº 26.095, de 23 de 
 Novembro de 1935. (...)
 
  
 
             Assim, a norma desaplicada, enquanto se limita a alterar as tabelas 
 relativas ao cálculo das provisões matemáticas das pensões de acidentes de 
 trabalho, não viola os nºs 6 e 7 do artigo 115º da Constituição.
 
  
 
             Diversa, porém, é a solução quanto à violação dos preceitos 
 constitucionais relativos à participação das organizações representativas dos 
 trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho.
 
  
 
 (...) as reservas matemáticas não relevam apenas para a determinação do valor da 
 causa, aspecto em que, em rigor, não podiam ser consideradas como legislação do 
 trabalho.
 
  
 
             Elas, além de constituirem garantias das pensões a cargo das 
 seguradoras, têm também repercussão directa no caucionamento de pensões, a que 
 estão sujeitas as entidades patronais quando não haja ou seja insuficiente o 
 seguro (artigo 70º, nº 1, do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto). (...)
 
  
 
  
 
             Incidindo sobre um elemento substancial da matéria de protecção dos 
 trabalhadores no âmbito dos acidentes de trabalho, há que concluir que a norma 
 em causa se integra no conceito de legislação do trabalho, e que, tendo sido 
 emitida sem participação das organizações representativas dos trabalhadores, 
 viola os artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 2, da Constituição (versão de 1982).'
 
  
 
  
 
  
 
             E conclui:
 
  
 
  
 
             '1º. É inconstitucional, por violação dos artigos 55º, alínea d), e 
 
 57º, nº 2, da Constituição (versão de 1982), a norma constante da alínea a), do 
 nº 3, conjugada com o nº 1, da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, por, 
 incidindo, quer directamente quer através da determinação do montante do 
 caucionamento exigível às entidades patronais, sobre a garantia das pensões por 
 acidentes de trabalho, que integra o conceito de 'legislação do trabalho', ter 
 sido emitida sem se ter proporcionado a participação, na sua elaboração, às 
 organizações representativas dos trabalhadores;
 
  
 
              2º. Termos em que deve ser confirmada a decisão recorrida, na parte 
 impugnada.'
 
  
 
  
 
  
 
                         Não foram apresentadas contra-alegações.
 
  
 
                         4. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
                         5. O presente recurso tem por objecto a questão da 
 constitucionalidade da norma constante da alínea a) do nº 3 da Portaria nº 
 
 760/85, de 4 de Outubro. Essa norma foi desaplicada pelos tribunais 
 intervenientes nos autos, com fundamento em inconstitucionalidade, por terem 
 entendido que se verificavam, no caso, as razões que determinaram a declaração 
 de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 3º, 
 b), daquela Portaria, proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/91, 
 de 13 de Março de 1991.
 
                         A questão que se coloca é, deste modo, a de apurar se 
 valem para a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 760/85 as mesmas razões que 
 conduziram à aludida declaração de inconstitucionalidade da norma da alínea b) 
 do nº 3 dessa mesma portaria; ou, no caso de essas razões não procederem, 
 averiguar se outras razões existem para fundamentar um juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                         6. O problema é suscitado a propósito do cálculo do 
 valor das acções emergentes de acidentes de trabalho.
 
                         Dispõe o artigo 123º, nº 1, do Código de Processo do 
 Trabalho o seguinte:
 
  
 
  
 
             'Nos processos de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, 
 o valor da causa é igual ao das reservas matemáticas.'
 
  
 
  
 
                         Por sua vez, o cálculo das reservas matemáticas é feito 
 com base em taxas constantes de tabelas, que, à data da entrada em vigor do 
 mencionado Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei nº 
 
 272-A/81, de 30 de Setembro), se encontravam integradas na Portaria nº 632/71, 
 de 19 de Novembro, e que posteriormente foram substituídas pelas tabelas anexas 
 
 à Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro. Com efeito, a Portaria nº 760/85 
 substituiu a Portaria nº 632/71 por o legislador entender, como se menciona no 
 preâmbulo do diploma, que 'as tábuas de mortalidade e as taxas de juro técnicas 
 constantes das tabelas anexas à referida portaria [nº 632/71] se encontram 
 manifestamente desadequadas', pelo que se adoptaram novas tabelas.
 
                         No nº 1 da Portaria nº 760/85 lê-se que:
 
  
 
             'São aprovadas, pela presente portaria, as tabelas anexas relativas 
 ao cálculo das provisões matemáticas das pensões de acidentes de trabalho.'
 
  
 
  
 
                         E refere-se no nº 3 que 'as referidas tabelas são 
 aplicáveis':
 
  
 
             'a) Ao cálculo das provisões matemáticas corres-pondentes às pensões 
 fixadas, quer a partir da data da entrada em vigor da presente portaria, quer 
 anteriormente;
 
  
 
  
 
              b) Ao cálculo, nos termos legais em vigor, do valor do capital de 
 remições autorizadas a partir do primeiro dia do mês seguinte ao da data da 
 publicação da presente portaria.'
 
  
 
  
 
  
 
                         Por via da remissão constante do citado artigo 123º, nº 
 
 1, do Código de Processo do Trabalho, o cálculo do valor da causa em processo de 
 acidente de trabalho deverá hoje fazer-se, portanto, segundo as tabelas anexas à 
 Portaria nº 760/85, em conformidade com o disposto no nº 3, alínea a), conjugado 
 com o nº 1, dessa portaria.
 
                         Porém, e como é sabido, no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 61/91, de 13 de Março de 1991 (Diário da República, I-A, de 1 
 de Abril de 1991), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral:
 
  
 
             'a) da norma constante da alínea b) do nº 3 da Portaria nº 760/85, 
 de 4 de Outubro, por violação do princípio da precedência da lei - decorrente, 
 designadamente, dos nºs 6 e 7 do artigo 115º e do artigo 202º, alínea c), da 
 Constituição - e também por violação do artigo 201º, nº 1, alínea a);
 
  
 
              b) da norma constante do artigo 65º do Decreto nº 360/71, de 21 de 
 Agosto, na redacção do Decreto‑Lei nº 466/85, de 5 de Novembro, enquanto 
 conjugado com o nº 1 da referida portaria, por violação do preceituado nos 
 artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 2, alínea a), da Constituição da República 
 Portuguesa (versão de 1982).'
 
  
 
  
 
                         Para averiguar se, em relação à alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85, se pode igualmente sustentar a violação do princípio da 
 precedência da lei, tal como foi entendido para a alínea b) do nº 3 desse 
 diploma, é conveniente considerar a fundamentação, nessa parte, do mencionado 
 acórdão:
 
  
 
             'Com efeito, como vimos, desde 1979 que não existia qualquer norma 
 legal ou regulamentar a estabelecer, com carácter genérico, a correspondência 
 entre as provisões matemáticas das companhias seguradoras no ramo acidentes de 
 trabalho e o valor do capital das remições, pelo que a norma impugnada da 
 Portaria nº 760/85 - tal como, anteriormente, a norma correspondente da Portaria 
 nº 362/71 - assumia, verdadeiramente, um conteúdo normativo para todos os 
 efeitos equiparável ao de uma norma legal.
 
  
 
             Mas, assim sendo, logo se lobrigaria outro fundamento de 
 inconstitucionalidade para a norma em questão - o da violação do disposto nos 
 nºs 6 e 7 do artigo 115º, conjugados com a alínea a) do nº 1 do artigo 201º e 
 com a alínea c) do artigo 202º da lei fundamental.
 
  
 
             Na verdade, como se afirmou no Acórdão nº 184/89 (publicado no 
 Diário da República, 1ª série, de 9 de Março de 1989), 'por força do princípio 
 da precedência da lei (primariedade da lei ou reserva vertical da lei) - 
 consagrado nos nºs 6 e 7 do artigo 115º da nossa Constituição -, não existe 
 exercício de poder regulamentar sem fundamento numa lei anterior', já que ao 
 Governo, no exercício de funções administrativas, apenas compete fazer os 
 regulamentos necessários à boa execução das leis [artigo 202º, alínea c)], 
 cabendo-lhe, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-leis em 
 matérias não reservadas à Assembleia da República. Isto é, e consoante se 
 escreveu no mencionado aresto, são constitucionalmente ilegítimos os 
 regulamentos quando 'contêm disciplina inicial, que só pode constar de diploma 
 legislativo'.
 
  
 
             Ora, no caso em apreço, e como se assinalou, a alínea b) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85 veio estabelecer disciplina inicial, uma vez que já não 
 existia, à data da sua edição, norma legal que suportasse o seu conteúdo.'
 
  
 
  
 
                         Na verdade, a norma constante da alínea b) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85 é editada num momento em que regia ainda a versão do artigo 
 
 65º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto, introduzida pelo Decreto-Lei nº 
 
 459/79, de 23 de Novembro,  e anterior à redacção dada pelo Decreto-Lei nº 
 
 466/85, de 5 de Novembro - e dessa versão não constava a referência (existente 
 na versão originária) a que o valor da pensão, para efeitos de remição, era 
 calculado 'de harmonia com as bases oficialmente adoptadas para a determinação 
 das reservas matemáticas das sociedades de seguros'. E é essa circunstância, 
 como se viu, que permite sustentar a ocorrência de violação do princípio da 
 precedência da lei, quanto à alínea b) do nº 3 da Portaria nº 760/85.
 
                         Ora, no caso da alínea a) do nº 3 dessa portaria, é 
 evidente não se veio estabelecer disciplina inicial quanto ao cálculo do valor 
 da causa: a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 760/85 não regula directamente essa 
 matéria, mas apenas por remissão do artigo 123º, nº 1, do Código de Processo do 
 Trabalho, sendo esta norma legal anterior [aprovada por decreto-lei e vigente à 
 data da entrada em vigor da referida alínea a)] que consagra a correspondência 
 entre as reservas matemáticas e o valor da causa.
 
                         Note-se, aliás, que a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 
 
 760/85 não se aplica apenas à determinação do valor da causa. As reservas ou 
 provisões matemáticas a que se refere esta disposição, para além de constituirem 
 garantias das próprias pensões por acidentes de trabalho, relevam ainda no plano 
 do caucionamento de pensões a que estão obrigadas as entidades patronais quando 
 não haja ou seja insuficiente o seguro (cf. artigos 70º, nº 1, e 71º, nº 3, do 
 Decreto nº 360/71). E também nesta perspectiva a norma constante da alínea a) do 
 nº 3 da Portaria nº 760/85 não contém disciplina inicial, na medida em que são 
 aquelas disposições anteriores do Decreto nº 360/71 que estabelecem a correlação 
 entre as reservas matemáticas e o caucionamento.
 
                         Acresce que no preâmbulo da Portaria nº 760/85 se 
 cumpriu o dever de citação da lei habilitante (imposto pelo artigo 115º, nº 7, 
 da Constituição), ao invocar-se expressamente o parágrafo único do artigo 1º do 
 Decreto-Lei nº 26.095, de 23 de Novembro de 1935, que prevê a revisão periódica 
 das tabelas relativas ao cálculo das reservas automáticas das pensões de 
 acidentes de trabalho.
 
                         O exposto permite concluir que a alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85, diferentemente do que sucedia com a alínea b) no momento da 
 sua edição, não contém disciplina inovatória, antes comporta efectiva 
 regulamentação de lei anterior - pelo que não há violação do princípio da 
 precedência da lei.
 
                         Não valem, pois, para a alínea a) do nº 3 da Portaria nº 
 
 760/85 as razões determinantes da declaração de inconstitucionalidade da norma 
 da alínea b) desse nº 3.
 
  
 
                         7. Sendo assim, cabe então averiguar se a matéria em 
 causa naquela alínea a) constitui - como pretende o recorrente - legislação do 
 trabalho, para efeitos do disposto nos artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 2, 
 alínea a), da Constituição (na redacção da 1ª revisão constitucional, de 1982, 
 vigente à data da publicação da Portaria nº 760/85) [e a que correspondem 
 actualmente, e desde a 2ª revisão constitucional, de 1989, os artigos 54º, nº 5, 
 alínea d), e 56º, nº 2, alínea a)], nos quais se consagra o direito de 
 participação das organizações representativas dos trabalhadores na elaboração 
 dessa legislação.
 
                         A importância de tal averiguação deriva do facto de o 
 diploma em apreço (a Portaria nº 760/85) não fazer menção a uma eventual 
 intervenção daquelas organizações no respectivo processo de produção normativa, 
 pelo que se deve presumir que tal intervenção não ocorreu (cf., neste sentido, 
 os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 31/84, 451/87 e 15/88, in Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vols. 2º, p. 123, 10º, p. 161, e 11º, p. 153, 
 respectivamente).
 
  
 
                         8. Conforme dispõem os preceitos constitucionais acima 
 mencionados, constitui direito das comissões de trabalhadores e das associações 
 sindicais a participação na elaboração da legislação do trabalho.
 
                         Os diplomas legais respeitantes a acidentes de trabalho 
 e doenças profissionais, pela sua dimensão de protecção dos trabalhadores numa 
 situação de inferioridade pessoal e social, integram o conceito de legislação do 
 trabalho. Na verdade, eles referem-se a direitos fundamentais dos trabalhadores 
 reconhecidos na Constituição (integrando‑se no conceito de legislação do 
 trabalho, perfilhado pelo Tribunal  Constitucional  nos  Acórdãos  nºs 31/84, 
 
 451/87, 15/88 e 107/88, Diário da República, I, de  17 de Abril de 1984, 14 de 
 Dezembro de 1987, 3 de Fevereiro de 1988 e 21 de Junho de 1988, respectivamente) 
 e, igualmente referidos pela doutrina (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 1993, p. 296).
 
                         Aliás, esse direito de participação das organizações 
 representativas dos trabalhadores e o correlativo dever de audição por parte do 
 legislador vieram a ser regulados por lei ordinária (a Lei nº 16/79, de 26 de 
 Maio), que contém a enumeração exemplificativa das matérias que constituem 
 legislação do trabalho. Entre essas matérias,  foi incluída a de acidentes de 
 trabalho e doenças profissionais [cf. artigo 2º, nº 1, alínea h) da Lei nº 
 
 16/79].
 
                         Em conclusão, a norma desaplicada [alínea a) do nº 3 da 
 Portaria nº 760/85] constitui legislação do trabalho: integra-se em diploma 
 relativo à matéria de acidentes de trabalho e incide sobre aspectos substanciais 
 da protecção dos trabalhadores no âmbito do regime dos acidentes de trabalho. As 
 tabelas de reservas matemáticas para que remete  repercutem-se na consistência 
 da garantia das pensões por acidentes de trabalho e no caucionamento das pensões 
 na falta ou insuficiência do seguro.
 
  
 
                         9. Perguntar-se-á, então, se tal preceito, ao 
 repercutir-se na determinação do valor da causa nos processos de acidentes de 
 trabalho e doenças profissionais, implicará uma norma concreta eminentemente 
 processual, em que já não estará em causa a legislação do trabalho. A resposta a 
 esta pergunta é negativa. Ainda que indirectamente, também aqui está em causa a 
 protecção dos trabalhadores visto que a definição do valor da causa interfere na 
 possibilidade de recorrer e, reflexamente, no conteúdo - em concreto - do 
 direito à pensão.
 
  
 
                         10. Também a circunstância de a norma desaplicada se 
 integrar em mero acto regulamentar (portaria) não obsta à conclusão de que se 
 está perante legislação do trabalho. Este conceito não se restringe aos actos 
 legislativos, envolvendo, no seu sentido amplo, toda a produção normativa, 
 designadamente os diplomas regulamentares, desde que não sejam 'puramente 
 executivos, isto é, que ainda contenham uma decisão substantiva sobre algum 
 aspecto que interesse ao estatuto jurídico dos trabalhadores' (Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., p. 296,  
 e  Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 232/90 e 233/90, de 3 de Julho de 
 
 1990, Diário da República, II, de 22 de Janeiro de 1991). 
 
                         A alínea a) do nº 3 da Portaria nº 760/85, não obstante 
 o seu carácter regulamentar (e não directamente inovatório), não constitui norma 
 
 'puramente executiva', uma vez que são as próprias tabelas de reservas 
 matemáticas, constantes dessa Portaria e a que essa norma se reporta, que 
 permitem 'quantificar' os direitos dos trabalhadores, conferindo-lhes conteúdo e 
 expressão. Tal norma tem,  assim, repercussão substantiva sobre a situação dos 
 trabalhadores.
 
                         Aliás, a demonstração feita na doutrina de uma alegada 
 
 'iniquidade' da Portaria nº 760/85 - cujas tabelas contêm, efectivamente, 
 coeficientes inferiores, em regra, aos constantes das tabelas anexas à Portaria 
 nº 632/71 (cf. Vitor Ribeiro, 'Acidentes de Trabalho - Disposições Legais Mais 
 Recentes', in Cadernos da Revista do Ministério Público, nº 1, pp. 86 ss.) -, só 
 vem evidenciar a relevância substancial dessas tabelas.
 
                         Justifica-se, deste modo, o entendimento de que o 
 direito de participação dos trabalhadores na produção normativa deveria ter sido 
 exercido no decurso do processo de formação da Portaria nº 760/85, 
 designadamente em relação à alínea a) do seu nº 3.
 
                         Idêntica posição foi perfilhada, para a alínea b) do nº 
 
 3 dessa Portaria, nos citados Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 232/90 e 
 
 233/90, podendo ler-se, no primeiro desses arestos,  o seguinte:
 
  
 
 '(...) a norma que manda atender, para o cálculo do capital de remição, às 
 tabelas relativas às provisões matemáticas das empresas de seguros, em si mesma 
 considerada, nada adianta quanto à quantificação desse direito dos trabalhadores 
 que só veio a adquirir conteúdo e expressão através do coeficiente indicado nas 
 tabelas aprovadas pelo regulamento.
 
  
 
             Deste modo, ondo o exercício daquele direito de participação mais se 
 justifica é no decurso do processo conducente à aprovação do acto regulamentar, 
 concretamente da Portaria nº 760/85, pois que aí se situou a opção fundamental 
 do legislador a propósito da definição dos montantes do capital de remição.'
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                         11. Conclui-se, assim, que a norma constante da alínea 
 a) do nº 3 da Portaria nº 760/85 reveste a natureza de legislação do trabalho e, 
 uma vez que foi editada sem a participação, na sua elaboração, das organizações 
 representativas dos trabalhadores, sofre de inconsti-tucionalidade formal.
 
  
 
  
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
                         12. Pelo exposto, decide-se:
 
                         a) Julgar inconstitucional a norma constante da alínea 
 a) do nº 3 da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, enquanto conjugada com o nº 1 
 dessa Portaria, por violação do disposto nos artigos 55º, alínea d), e 57º, nº 
 
 2, alínea a), da Constituição (na redacção da primeira revisão constitucional);
 
                         b) Negar, em consequência, provimento ao recurso, 
 confirmando-se a decisão recorrida.
 
                         Lisboa, 20 de Abril de 1995
 
                         Ass) Maria Fernanda Palma
 Alberto Tavares da Costa
 Vitor Nunes de Almeida
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto aposta ao 
 acórdão nº 232/90, DR. II Série, de 22.01.91)
 
                                    Armindo Ribeiro mendes (vencido nos termos da 
 declaração de voto junta)
 
                                    Luis Nunes de Almeida (vencido, por entender 
 que se não está perante 'legislação do trabalho', uma vez que a norma em causa 
 não regula directamente matéria atinente a direitos dos trabalhadores)
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                         Votei vencido pelas razões que passo a referir.
 
  
 
                         A norma aplicada por remissão do artº 123º, nº 1, do 
 Código de Processo de Trabalho - constante da alínea a) do nº 3º da Portaria nº 
 
 760/85, conjugada com o nº º1 da mesma Portaria - tem a ver com matéria 
 processual, pelo que não se considera que ela possa pôr directamente em causa os 
 direitos dos trabalhadores, tanto mais que o valor da causa é invariável quer a 
 entidade patronal haja transferido a sua responsabilidade pelo pagamento da 
 pensão a uma seguradora, quer não o tenha feito e haja caucionado o pagamento 
 dessa pensão (cfr.art. 70º do Decreto nº 360/71).
 
  
 
                         Contra esta posição não pode argumentar-se quer com  a 
 redacção do artº 8º, nº 1, alínea x), do Código das Custas Judiciais (nessa 
 disposição faz-se uma ligação entre as reservas matemáticas e a finalidade da 
 sua constituição 'para garantia das respectivas pensões', ligação que provinha 
 da redacção do artº 118º do Código de Processo de Trabalho de 1963, mas que se 
 não afigura de relevância para o presente recurso), quer com a necessidade de 
 manter uma solução unitária em matéria do valor do processo e em matéria de 
 constituição de caução. Tão-pouco se pode argumentar, no que toca à incidência 
 em concreto do cálculo do valor da acção, com a sua relação com as alçadas dos 
 tribunais de trabalho. Tenho por seguro que o valor das alçadas nunca pode 
 afectar directamente os direitos dos trabalhadores, não tendo,por isso, as suas 
 organizações de ser ouvidas sobre legislação atinente a esta matéria de natureza 
 processual e organizatória.
 
  
 
                         Alguma incongruência existe, no plano do direito 
 ordinário, mas não acarreta, em  minha opinião, qualquer juízo de desvalor 
 constitucional no que toca ao modo de fixação do valor das causas em matéria de 
 acidentes de trabalho, por não se ver qual a norma ou princípio constitucional 
 violados por tal norma de natureza processual.
 
                         As) Armindo Ribeiro Mendes