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Processo n.º 900/2004
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Bravo Serra
 
  
 
  
 
                         1. Pelo 2º Juízo do Tribunal de comarca de Leiria 
 intentou A. e contra B. acção na qual solicitou a anulação da partilha operada 
 nos autos de inventário facultativo ditos 68/92, que correram seus termos por 
 aquele Juízo e em que figuraram, como inventariados, C. e D. e, como cabeça de 
 casal, o indicado B., ou, caso assim se não entendesse, a revisão do processo de 
 inventário.
 
  
 
                         Para tanto, invocou, em síntese, que, sendo a autora e o 
 réu os únicos herdeiros dos inventariados, a primeira, que, então como agora, 
 residia na Bélgica, tão só foi citada para o inventário, não mais, até final do 
 processo, vindo a ser notificada nesses autos, assim desconhecendo a realização 
 da conferência de interessados e a licitação dos bens inventariados, por via da 
 qual estes foram adjudicados ao cabeça de casal, não lhe tendo sido notificada a 
 sentença homologatória da partilha e o respectivo mapa.
 
  
 
                         Tendo, por sentença proferida em 14 de Fevereiro de 
 
 2003, sido o réu absolvido do pedido de anulação da partilha, apelou a autora 
 para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 15 de Junho de 2004, 
 julgou procedente a apelação e, “por via disso” julgou “igualmente procedente o 
 recurso de revisão”, revogando na íntegra a sentença impugnada e declarando 
 nulos todos os termos do inventário em causa subsequentes ao despacho que 
 designou dia para a realização da conferência de interessados, devendo ser 
 designada nova data para tal realização, notificando-se todos os interessados.
 
  
 
                         Para assim decidir, o Tribunal da Relação de Lisboa 
 recusou a aplicação (estranhamente escreveu-se “decreta-se a 
 inconstitucionalidade”) da norma constante do nº 2 do artº 1330º do Código de 
 Processo Civil na redacção anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 
 
 227/94, de 8 de Setembro, “quando interpretada com o sentido de não ser 
 obrigatória a notificação dos interessados no inventário caso os mesmos residam 
 fora da área da comarca em cujo processo está a correr termos e não tenham 
 constituído mandatário forense no processo”, por a considerar violadora “do 
 disposto no art.º 20º da Constituição”.
 
  
 
                         É deste acórdão que, pelo réu, ao abrigo da alínea a) do 
 nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem interposto recurso para 
 o Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                         2. Determinada a feitura de alegações, formulou o 
 recorrente as seguintes «conclusões» na por si apresentada:-
 
  
 
 “ 1. O art.º 20 da Con[s]t. Repúb. Port. em vigor à data dos factos (1992/1993) 
 não contemplava o princ[í]pio ou direito ‘a um processo equitativo’, pelo que, a 
 ele não se pode aferir, quanto à constitucionalidade material, a norma do artº. 
 
 1.330 nº 2 do Cód. Proc. Civil, com a redacção do DL. 44129 de 28.12;
 
 2. A recorrida A.  foi citada para os termos do processo de inventário em apreço 
 e dele se alheou sponte sua, pelo que, não ficam postergados os princípios de 
 
 ‘processo equitativo’ e do ‘julgamento justo’
 
 3. A violação dos princípios da ‘proibição de enriquecimento ilegítimo’ e da 
 
 ‘proibição do abuso de direito’, a que alude o artº. 334 do Cód. Civil, ao invés 
 da inconstitucionalidade, são antes causa de anulação da partilha, nos termos do 
 disposto no art.º 1.388 nº 2 do Có[d]. Proc. Civil;
 
 4. Além do Mais não ficou provado nos autos a existência de um ‘enriquecimento 
 ilegítimo’ ou algum ‘procedimento com dolo ou má fé’, nem tal matéria foi 
 objecto do douto Acórdão recorrido;
 
 5. Se assim se não entender, ou seja, se se optar pela invocada 
 inconstitucionalidade - o que só se admite por mera hipótese de raciocínio - 
 então sempre havia que ressalvar o caso julgado, e em consequência, manter-se a 
 douta sentença de 1ª instância que homologou a partilha, por força do disposto 
 no artº. 283 nº 2 da Const. Repúb. Port.
 
 6. O Douto Acórdão recorrido decidindo contr[a]riamente violou, além do mais, o 
 disposto no artº. 1330 nº 2 do C.P.C. na redacção do DL. 44129 de 28.12, o artº. 
 
 20º da C.R.P. na redacção vigente em 1992/1993, o artº. 334 do C.C. o artº. 1388 
 nº 2 do C.P.C. e o artº. 283 nº 2 da C.R.P. na redacção actual”.
 
  
 
  
 
                         Por seu turno, a recorrida rematou a sua alegação do 
 seguinte modo:-
 
  
 
 “A) A Interessada A. não foi notificada para a Conferência de Interessados no 
 Processo de Inventário Facultativo;
 B) Apesar disso a Conferência de Interessados realizou-se, na data marcada, e 
 foram abertas licitações entre os presentes, neste caso entra o único 
 interessado;
 C) A Interessada ausente (não notificada), não licitou quaisquer bens, sendo o 
 seu quinhão preenchido com tornas no valor de 46.666$67 (€ 232,77), que o 
 Recorrente depositou, muito tempo depois das licitações, pois estas 
 verificaram-se em 20/01/1993 e o depósito só foi efectuado em 14 de Maio de 
 
 2004.
 D) Este valor é irrisório, considerando o valor real dos bens que ascendem a 
 
 124.699,47 €;
 E) Bem sabia o Interessado B. que a outra Interessada se encontrava no 
 estrangeiro, e que o valor dos bens era muito superior ao das licitações, tendo 
 usado de dolo.
 F) Os interessados devem estar presentes na Conferência de Interessados; as 
 licitações só devem ter lugar na falta de acordo;
 G) Este só é possível se todos os interessados comparecerem ou se fizerem 
 representar;
 H) E, a representação no acto só pode fazer-se por mandatário com poderes 
 especiais de acordo com o n.º 2 do artigo 1352º do C.P.C.,
 I) Devendo pois: Decretar-se a inconstitucionalidade material, por violação do 
 disposto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do art. 
 
 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (este aplicável ex vi art. 8º n.º 
 
 2 da mesma Constituição), do n.º 2 do art. 1330º do CPC, na redacção em vigor em 
 
 1992 e 1993, isto é, na sua redacção anterior à entrada em vigor do DL n.º 
 
 227/94 de 8 de Setembro, quando interpretad[o] com o sentido de que não é 
 obrigatória a notificação dos interessados no inventário caso os mesmos residam 
 fora da área da comarca em cujo Tribunal o processo está a correr termos e não 
 tenham constituído mandatário forense no processo.
 J) Declarar nula a Conferência de Interessados que se realizou no processo de 
 inventário facultativo com o n.º 68/92 que correu termos pelo 2º Juízo do 
 Tribunal Judicial da Comarca das Caldas da Rainha, bem como todos os actos 
 subsequentes à abertura dessa Conferência, licitações sobre os bens que 
 constituíam o acervo de bens a partilhar nestes autos de inventário, incluindo 
 os efeitos jurídicos decorrentes desse acto, estejam ou não registados na 
 competente Conservatória do Registo Predial,
 K) Determinar que se profira, nesse processo n.º 68/92, do 2.º juízo, novo 
 despacho que designe dia para realização da Conferência de Interessados, nos 
 termos e para concretização das finalidades previstas nos arts. 1352º, 1353º e 
 
 1363º do CPC.
 L) Havendo, portanto, que designar nova data para concretização dessa 
 diligência, despacho esse que terá de ser notificado a todos os interessados, 
 sem excepção.
 M) Julgar-se procedente o recurso de revisão interposto por A. e, revogando-se, 
 na íntegra, a sentença recorrida, decretar-se, em sua substituição, que são 
 nulos todos os termos do processo de inventário facultativo n.º 68/92, que 
 correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca das Caldas da 
 Rainha, subsequentes ao despacho que designou dia para realização da Conferência 
 de Interessados.
 N) Deverá ser considerado improcedente o recurso apresentado pelo Interessado 
 B., e manter-se o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com os efeitos 
 aí determinados”.
 
  
 
  
 
                         Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         3. Preliminarmente deverá sublinhar-se que se não insere 
 minimamente nas competências deste Tribunal - postando-nos, como nos postamos, 
 no domínio de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 normativa - saber se, in casu, tendo em conta as regras do ordenamento jurídico 
 ordinário, a decisão constante do acórdão ora impugnado, na vertente da 
 procedência do formulado «pedido de revisão» (não se olvidando que a sentença 
 proferida na 1ª instância tão só decidiu do pedido de anulação da partilha 
 realizada no inventário facultativo de onde os presentes autos emergem), foi, ou 
 não, a mais correcta.
 
  
 
                         E, identicamente, naquelas competências não se insere, 
 quer o problema de saber se poderiam, ou não, ser atendidas eventuais questões 
 de um alegado procedimento doloso ou de má fé de banda de um dos interessados no 
 inventário, quer os pedidos de declaração de nulidade de actos processuais.
 
  
 
                         Isto posto, enfrentar-se-á o problema de 
 constitucionalidade normativa de que ao Tribunal Constitucional cabe curar.
 
  
 
  
 
                         4. Dispunha-se no artº 1330º do Código de Processo Civil 
 ao tempo em que correu seus termos o inventário cuja partilha foi peticionada na 
 acção de onde emergiu o vertente recurso de constitucionalidade 
 
 (consequentemente antes da vigência do Decreto-Lei nº 227/94, que introduziu 
 alterações ao Código Civil, Código de Processo Civil, Código das Custas 
 Judiciais, Código do Notariado, Tabela de Emolumentos do Notariado e Código do 
 Registo Predial):-
 
  
 ARTIGO 1330.º
 
  
 
 (Decisões que devem ser notificadas)
 
  
 
             1. Além de serem citados nos termos do artigo anterior, os herdeiros 
 e o meeiro são notificados da sentença final e dos despachos que designem dia 
 para a conferência de interessados, licitações e sorteios e do que ordene o 
 exame do mapa de partilha.
 
             Os legatários são notificados da sentença final e do despacho que 
 designe dia para a conferência destinada à aprovação das dívidas e forma do seu 
 pagamento, quando toda a herança for dividida em legados ou quando da aprovação 
 das dívidas resulte redução dos legados.
 
             Os credores são notificados da sentença que atenda os seus créditos 
 e do despacho que marque dia para a conferência destinada à aprovação do 
 passivo.
 
             2. Estas notificações fazem-se sempre que os notificandos residam na 
 
 área da comarca, ainda que não tenham domicílio nem constituam mandatário na sua 
 sede.
 
             3. Fica salvo o disposto nos artigos 229.º, 253.º, 254.º e 255.º, 
 quanto à notificação de outros despachos.
 
  
 
                         Deverá notar-se que, na redacção então vigente, 
 determinava o nº 1 artº 1329º que, quando o inventário devesse prosseguir, 
 seriam citados para os seus termos o Ministério Público, as pessoas com 
 interesse directo na partilha e os seus cônjuges, os legatários, os credores da 
 herança e os donatários, igualmente sendo notificados do despacho que ordenasse 
 as citações o requerente do inventário e o cabeça de casal.
 
  
 
                         Por outro lado, resultava do artº 255º que, se a «parte» 
 não tivesse constituído mandatário nos termos do artº 253º, as notificações 
 ser-lhe-iam feitas nos termos estabelecidos para as notificações feitas aos 
 mandatários, ou seja, nos termos do 254º e com observância do disposto no 
 Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, sendo emitida carta registada para o 
 domicílio escolhido (já que não será, para este caso, aplicável a regra de 
 emissão de carta para o escritório), devendo-lhe ser, de todo o modo, 
 notificados todos os despachos que lhe pudessem causar prejuízo e devendo ainda 
 ser notificada oficiosamente quando, por virtude de disposição legal expressa, 
 pudesse responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer 
 algum direito processual (cfr. a ressalva constante do nº 3 do artº 1330º e 
 números 2 e 3 do artº 229º.
 
                         
 
  
 
                         5. Esgrime o recorrente com um argumento segundo o qual, 
 se bem se entende o que quis significar, atendendo à data dos factos sobre os 
 quais se pronunciou a decisão recorrida, haveria, no confronto da norma ora em 
 apreço com a Constituição, que ter em conta a redacção constante do artigo 20º 
 deste Diploma Fundamental na redacção vigente àquela data, ou seja, na redacção 
 emergente da Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1. E - 
 prossegue -, como naquele preceito não se fazia alusão ao direito que todos 
 desfrutam e segundo o qual a causa onde intervierem seja objecto de decisão 
 mediante processo equitativo, a um tal princípio não poderia ser aferido o 
 normativo consagrado no nº 2 do artº 1330º do Código de Processo Civil.
 
  
 
                         Diga-se, desde já, que não tem razão de ser a 
 sustentação de um tal ponto de vista.
 
  
 
                         Na verdade, o juízo de inconstitucionalidade material da 
 dimensão normativa constante do indicado nº 2 do artº 1330º repousou na 
 circunstância de tal dimensão violar o princípio do julgamento equitativo que já 
 se descortinava na versão da Lei Fundamental vigente em 1992 e decorria do seu 
 artigo 20º (citando-se até alguns arestos do Tribunal Constitucional que 
 apontariam em tal sentido), ainda que conjugado (o que até não seria 
 necessário), com o nº 1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 
 muito embora a sua redacção, nessa época, fosse «pouco incisiva» referentemente 
 ao texto que adveio da Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 
 
 1/97, de 20 de Setembro.
 
  
 
                         Vale isto por dizer que o acórdão ora impugnado teria 
 alcançado o mesmo juízo de desconformidade constitucional incidente sobre a 
 norma em apreço - por violação do princípio de que a decisão da causa seja 
 proferida mediante processo equitativo - ainda que no texto constitucional não 
 existisse um preceito expresso tal como o precipitado no actual nº 4 do artigo 
 
 20º da Lei Fundamental.
 
  
 
                         Sendo isto assim, não se torna sequer necessário 
 enfrentar a questão de saber em que condições e momento poderá ser aferida a 
 compatibilidade constitucional material de um normativo que, ao tempo da sua 
 edição e regulação de uma concreta situação, primo conspectu ainda se não 
 afigurava violadora de um texto constitucional posteriormente objecto de 
 alterações.
 
  
 
  
 
                         6. Igualmente brande o recorrente com um outro argumento 
 de acordo com o qual, tendo já passado em julgado a sentença homologatória do 
 mapa de partilha, haveria que ser ressalvado o caso julgado formado em face do 
 que se consagra no nº 3 do artigo 282º (crê-se que só por lapso refere “artº. 
 
 283º nº 2”) da Constituição.
 
  
 
                         Um tal argumento não tem a mínima consistência.
 
  
 
                         Na verdade, aquele preceito constitucional ressalva dos 
 efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força 
 obrigatória geral - salvo decisão em contrário tomada pelo Tribunal 
 Constitucional e se estiver em causa norma atinente a matéria penal, disciplinar 
 ou de ilícito de mera ordenação social e ela for de conteúdo menos favorável ao 
 arguido - os casos decididos com trânsito em julgado e que os foram à sombra da 
 norma sobre a qual recaiu aquela declaração.
 
  
 
                         Ora, como é a todos os títulos evidente, não se posta 
 aqui um processo regulado nos artigos 51º a 56º e 62º a 66º da Lei nº 28/82, 
 razão pela qual a invocação do nº 3 do artigo 282º da Constituição se mostra 
 desprovida de sentido.
 
  
 
  
 
                         7. Como resulta  do relato supra efectuado, no aresto 
 ora em análise entendeu-se que o normativo em apreço ofendia a Lei Fundamental 
 no ponto em que implicava uma “proibição dos julgamentos mediante[ ] processos 
 não equitativos”.
 
  
 
                         Num primeiro passo, cumpre salientar que, in casu, e tão 
 somente perspectivando o direito ordinário vigente à data do processo de onde 
 emergiu o vertente recurso, a ora recorrida foi citada para o inventário.
 
  
 
                          E, partindo-se da verificação daquele facto (a 
 citação), - considerado provado pelo tribunal de 1ª instância e, dado igualmente 
 como assente, no acórdão do tribunal da Relação, o que este Tribunal, dados os 
 seus poderes cognitivos, não pode censurar - não poderá deixar de se entender 
 que, com ele, a ora recorrida não teria deixado, pelo menos, de ficar com o 
 conhecimento da propositura dos autos de inventário, isto é, da instauração de 
 um processo especial - no caso não obrigatório - destinado a pôr termo a uma 
 comunhão hereditária.
 
  
 
                         Não resultava das regras respeitantes à citação para os 
 termos do inventário que ao citando era dado conhecimento de que a ele, porque 
 residente no estrangeiro, na hipótese de não constituir mandatário ou de não ter 
 escolhido mandatário na área da comarca, não seria dado conhecimento dos 
 despachos determinativos da designação de dia para a realização da conferência 
 de interessados, licitações e sorteios e do exame do mapa da partilha.
 
  
 
                         É justamente este ponto - o de saber se a não 
 notificação de determinados actos do processo de inventário (nomeadamente a 
 realização da conferência de interessados e a notificação da sentença 
 homologatória da partilha) - que deve ser enfrentado pelo Tribunal, fim de se 
 analisar se uma tal dimensão interpretativa da norma do nº 2 do artº 1330º do 
 Código de Processo Civil enferma de incompatibilidade com o Diploma Básico, por 
 representar a preterição de um processo equitativo ou por diminuir o seu acesso 
 aos tribunais.    
 
  
 
  
 
                         7.1. Tal ponto, inequivocamente, inculca, para o 
 interessado, o desempenho de um ónus consistente em, uma vez citado para o 
 inventário, constituir mandatário - num processo em que tal constituição não é 
 obrigatória - ou, então, escolher alguém, residente na área da comarca, que 
 recebesse as notificações dos actos processuais em causa. 
 
  
 
                         Não está agora em causa, como evidente é, saber se a 
 regra em apreço representa um «bom direito» ou o «melhor direito» 
 
 (designadamente tendo em conta uma certa perspectiva de irrazoabilidade quando 
 se atente em que dadas notificações - que, verbi gratia, não sejam atinentes a 
 uma comparência pessoal do notificando - são efectuadas por via postal e, 
 justamente por isso, não relevará a residência do notificando dentro ou fora da 
 comarca)  sabido como é, como tantas vezes tem sido assinalado pela 
 jurisprudência deste Tribunal, que a ele não compete censurar as soluções 
 legislativas a menos que as mesmas se mostrem conflituantes com o Diploma 
 Básico.
 
  
 
                         O que está, isso sim, é saber se o ónus decorrente para 
 o interessado representa algo de acentuadamente gravoso ou desproporcionado, de 
 molde a tornar excessivamente difícil a sua posição processual em termos de 
 poder ter conhecimento dos actos praticados num processo para o qual foi 
 devidamente citado e em termos de o seu não cumprimento acarretar, na prática, a 
 existência de um procedimento justo e leal.
 
  
 
                         A resposta a esta questão afigura-se como negativa.
 
  
 
                         Em primeiro lugar, há que convir que o cumprimento do 
 aludido ónus não se posta - ao menos no que tange à escolhe de alguém com 
 residência na área da comarca a quem seja dado o encargo de receber as 
 notificações para os actos em apreço - como a realização de uma penosa ou 
 difícil condição.
 
  
 
                         Por outro lado, não se poderá dizer que um processo de 
 inventário que siga os termos daquele de onde emergiu o vertente recurso de 
 constitucionalidade, seja, configurável como um processo que revista 
 características de «secretismo». 
 
  
 
                         Na verdade, nesse processo especial, é acentuada a 
 intervenção do juiz como entidade imparcial e isenta e, por tal não estar 
 excluído da norma em apreciação, é facultado ao interessado o exame e vista do 
 processo após a apresentação da relação de bens e da efectivação da respectiva 
 descrição, nos termos dos artigos 1340º e seguintes e 1351º do Código de 
 Processo Civil.
 
  
 
                         Aliás, são figuráveis situações em que todos os 
 interessados (aqui se incluindo o os próprios requerentes do inventário) não 
 residam na área da comarca e tocantemente aos quais a normação agora em 
 apreciação impõe idênticos ónus.
 
  
 
                         O que é mister é que os interessados processuais tenham 
 conhecimento do feito judicial que é instaurado e que sejam gizados meios que, 
 de um modo que, na prática, possa ser ultrapassável, ou possa ser facilmente 
 ultrapassável, lhes confiram a possibilidade de ter acesso às vicissitudes 
 processuais, sendo certo que não é imposta pela Constituição uma parificação de 
 formas de obter essa possibilidade.
 
  
 
                         Ainda de outra banda, não se lobriga que o processo de 
 inventário, decorrido daquela sorte, se mostre como revestindo natureza não 
 equitativa ou redutora do acesso do acesso aos tribunais por parte dos 
 interessados em tal situação, pois que se possibilita toda uma intervenção dos 
 interessados em tais condições, com estipulação de um ónus não demasiadamente 
 gravoso.
 
  
 
                         Crê-se, aliás, que foi desiderato do legislador, com o 
 estabelecimento da regra em análise - ou seja, impondo o ónus em causa - 
 assegurar a localização dos interessados com vista a dar-lhes mais facilmente 
 conhecimento dos actos que lhes relevariam, o que, na sua perspectiva, 
 possivelmente não seria alcançado com mera notificação postal para local fora da 
 comarca (sendo certo que se não pode escamotear que, nomeadamente para efeitos 
 de comparência na conferência de interessados, não sendo a notificação efectuada 
 por via postal, teriam de ser levadas a efeito as formalidades prescritas no nº 
 
 1 do artº 260º da versão do Código de Processo Civil anterior à vigência do 
 Decreto-Lei nº 227/94). 
 
  
 
                         Embora a outro título, vale a pena citarem-se aqui 
 determinados passos do Acórdão nº 356/99 deste Tribunal (publicado na II Série 
 do Diário da República de 2 de Março de 2000):-
 
  
 
 “..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................
 
 5.1.    O artigo 196º do Código de Processo Penal disciplina a aplicação da 
 medida de coacção de termo de identidade e residência, e integra-se no capítulo 
 dedicado às medidas de coacção aplicáveis ao arguido em processo penal. Esta 
 providência destina-se a garantir a possibilidade de localizar o arguido para 
 efeito de realização de quaisquer diligências processuais. Visa portanto 
 assegurar o bom andamento do processo.
 
  
 
 5.2.   O nº 3 do artigo 196º, é aplicável sempre que o arguido sujeito à medida 
 prevista no nº 1 do mesmo artigo (termo de identidade e residência) resida ou 
 pretenda residir fora da comarca onde o processo corre. Tal disposição tem 
 portanto como objectivo resolver o problema da notificação do arguido quando 
 este não resida dentro dos limites da comarca em que está instalado o tribunal. 
 Não se trata só de garantir a notificação pessoal do arguido – situação a que 
 alude o artigo 113º, nº 1, do Código de Processo Penal, e que ocorre na falta de 
 constituição de mandatário pelo arguido –, mas sobretudo de prover para que 
 alguém tome a responsabilidade de receber as notificações judiciais que lhe 
 forem dirigidas. 
 
  
 A concretização prática da exigência contida na norma do artigo 196º, nº 3, do 
 Código de Processo Penal é, assim, dupla: não só o arguido estará sempre 
 informado da marcha do processo – facto essencial para a realização do princípio 
 da plenitude das suas garantias de defesa, nomeadamente da salvaguarda do 
 contraditório (artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) –, 
 como a justiça penal ficará protegida contra eventuais atrasos derivados da 
 dificuldade de localização daquele – dado importante para a promoção de uma 
 célere administração da justiça no foro penal (artigo 32º, nº 2, in fine, da Lei 
 Fundamental).
 
 ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................
 
 8.      Ora esta obrigação [a obrigação de indicar pessoa que receba as 
 notificações do tribunal] não deve considerar-se uma restrição desproporcionada 
 ao direito de escolher o defensor, consagrado nos artigos 20º, nº 2, e 32º, nº 
 
 1, da Constituição da República Portuguesa. Isto porque ela visa acautelar 
 valores de interesse público tais como o bom andamento do processo, como já se 
 referiu. E simultaneamente protege os interesses do arguido, que tem assim a 
 garantia de estar sempre a par da marcha do processo, facto essencial para a 
 garantia do princípio do contraditório.
 
  
 
         Com efeito, ela não é nem desadequada, nem excessiva (cfr. artigo 18º, 
 nº 2, da Constituição da República Portuguesa). A indicação de uma pessoa que 
 resida na área da comarca acautela o interesse público da facilidade de 
 encontrar o arguido, e este não fica desproporcionadamente onerado com esta 
 obrigação, ainda que a pessoa indicada seja um profissional do foro, pois as 
 suas funções resumem-se, no caso, a esta tarefa, o que não implicará em geral 
 grandes despesas.
 
 ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................
 
          No entanto, os valores que atrás se referiram – nomeadamente o bom 
 andamento do processo, que pressupõe uma possibilidade de contacto constante com 
 o arguido –, são justificativos desta desigualdade de situações. O fundamento é, 
 portanto, objectivo e tem um interesse público constitucionalmente reconhecido, 
 o que afasta a alegação de violação do princípio da igualdade.
 
  
 
          Acresce que a norma não impõe necessariamente a constituição de novo 
 advogado para o efeito pretendido, bastando-se com a indicação de pessoa que 
 resida na comarca.
 
  
 
 11.    Não resulta portanto da exigência contida no artigo 196º, nº 3, do Código 
 de Processo Penal, qualquer violação das ideias de igualdade, justiça e 
 confiança subjacentes ao princípio do Estado de direito democrático.
 
 ..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................”
 
  
 
                         Em face do exposto, de concluir é que a norma constante 
 do nº 2 do artº 1330º da indicada versão do diploma adjectivo civil não se 
 mostra como violadora do artigo 20º da Constituição, designadamente 
 estabelecendo uma forma de regulação que contende com o direito a que os 
 interessados não residentes na área da comarca têm em obter uma decisão mediante 
 um processo equitativo.
 
  
 
  
 
                         8. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, 
 se determina a reforma do acórdão impugnado em consonância com o juízo ora 
 efectuado sobre a questão de constitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 6 de Abril de 2005
 
  
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, conforme declaração junta)
 Vítor Gomes (vencido, nos termos da declaração de voto da Exª Conselheira Maria 
 dos Prazeres Beleza, para a qual, com a devida vénia, remeto)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 Votei vencida, por considerar que a norma em apreciação neste recurso (cuja 
 vigência, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de 
 Julho, no regime aplicável às notificações às partes que não constituíram 
 advogado poderia ser questionada) contraria o direito a um processo equitativo, 
 hoje consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição, e o princípio da 
 proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18º, também da Constituição).
 Em síntese, porque se trata de um processo em que por um lado, não é obrigatória 
 a constituição de advogado e em que, por outro, é particularmente relevante a 
 participação dos interessados em certos actos, como o revela o n.º 1 do artigo 
 
 1330º; porque, quando o interessado é citado para o inventário, não lhe é feita 
 qualquer advertência quanto às consequências do não preenchimento das condições 
 constantes do n.º 2 do artigo 1330º, não sendo exigível que as preveja; e porque 
 o confronto entre a desvantagem imposta ao mesmo interessado e a facilidade com 
 que as notificações poderiam ser feitas (naturalmente por via postal) revela a 
 imposição de um ónus que, a meu ver, carece de justificação.
 Finalmente, não creio que se possa estabelecer qualquer paralelo com a norma 
 apreciada no acórdão n.º 356/99. 
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza