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Processo: n.º 406/88.
 Plenário
 Relator: Conselheiro Vítor Nunes de Almeida.
 
   
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I — Relatório
 
  
 
 1 — Nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da 
 Constituição (na redacção anterior à resultante da Lei Constitucional n.º 1/89, 
 de 8 de Julho) e do disposto no n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, vinte e sete deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista 
 Português requereram a declaração de inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, das normas da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases 
 da Reforma Agrária), indicadas no texto que seguidamente se transcreve em que 
 apresentam os fundamentos do seu pedido:
 
  
 A Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro visa abertamente reconstituir o latifúndio e 
 a grande exploração capitalista, liquidando as unidades colectivas de produção e 
 as cooperativas agrícolas de produção invertendo por completo o conceito 
 constitucional da Reforma Agrária tal qual decorre, designadamente dos artigos 
 
 9.º, alínea d), 81.º, alínea h), 96.º, 97.º, 100.º e 102.º, n.º 1, da 
 Constituição.
 
 É esse o efeito da aplicação conjugada de múltiplos dispositivos 
 inconstitucionais (em si mesmos ou na sua articulação), cuja declaração de 
 inconstitucionalidade se requer. 
 
  
 São os seguintes:
 
  
 
              a)   a Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, fixa objectivos da 
 política agrícola (artigo 4.º) deliberadamente desconformes aos decorrentes do 
 artigo 96.º da Constituição, omitindo designadamente as referências neste 
 contidas, à transformação das estruturas fundiárias, à transferência progressiva 
 da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua 
 exploração para aqueles que a trabalham, ao objectivo de igualdade efectiva dos 
 que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e à Reforma Agrária 
 como instrumento fundamental para a realização dos objectivos da política 
 agrícola;
 
              b)   ao reduzir drasticamente a extensão da terra a entregar «a 
 quem a trabalha» (cuja transferência progressiva é constitucionalmente 
 obrigatória), quer diminuindo a área sujeita à expropriação (artigo 11.º — em 
 combinação com o disposto no artigo 15.º —, artigos 12.º e 21.º), quer 
 consagrando e alargando a área susceptível de reserva (artigos 13.º, 14.º, 15.º 
 e 19.º), quer multiplicando os titulares potenciais de reservas e os mecanismos 
 da sua concessão (artigo 17.º, 18.º e 33.º), e Lei n.º 109/88, nas normas 
 citadas, viola o disposto nos artigos 96.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 97.º da 
 Constituição da República;
 
              c)   ao permitir (artigo 30.º) a reversão de prédios rústicos 
 nacionalizados que hajam permanecido na posse material e exploração de facto dos 
 anteriores titulares ou na dos respectivos herdeiros (ou regressado à sua posse 
 antes de 24 de Fevereiro de 1988, independentemente do acto administrativo com 
 esse objectivo), a Lei n.º 109/88 viola, ademais, o artigo 83.º da Constituição;
 
              d)   ao facultarem a criação irrestritiva de unidades de exploração 
 agrícola privadas, as disposições enumeradas na alínea b) do presente 
 requerimento conduzem à violação do disposto no artigo 99.º, n.º 2, da 
 Constituição da República;
 
              e)   ao estabelecer um regime excepcional de suspensão de eficácia 
 de actos administrativos que no âmbito da Reforma Agrária determinem entrega de 
 reservas ou reconheçam não ter sido expropriado ou nacionalizado determinado 
 prédio rústico, o artigo 50.º da Lei n.º 109/88 estabelece para os destinatários 
 constitucionais da reforma agrária regras excludentes, restritivas e 
 discriminatórias que ofendem o disposto nos artigos 13.º, 20.º, n.º 2, e 268.º, 
 n.º 3, da Constituição;
 
               f)   ao fixar um regime de demarcação de reservas (artigo 28.º) 
 que exclui a audiência das UCP’s/Cooperativas e permite a respectiva 
 
 «realização» por edital, institui um regime sem formalidades essenciais 
 relevantes, subterfúgio tendente a inviabilizar o exercício do direito 
 constitucional ao recurso contencioso, previsto no artigo 268.º, n.º 3, da 
 Constituição, cujo conteúdo essencial é atingido (com ofensa do disposto no 
 artigo 18.º, n.os 2 e 3, aplicável ex vi do artigo 17.º) e ferindo 
 discriminatoriamente as UCP’s/Cooperativas, cuja legitimidade activa nos 
 recursos contenciosos é eliminada (com ofensa do disposto nos artigos 13.º, 
 
 20.º, n.º 2, e 268.º, n.º 3, da Constituição).
 
  
 Notificado para se pronunciar, querendo, o Presidente da Assembleia da República 
 veio oferecer o merecimento dos autos relativamente ao presente pedido.
 
  
 
 2 — O processo originado pelo pedido acabado de descrever dos deputados 
 subscritores, e que na continuação do presente acórdão passará a ser designado, 
 para comodidade de exposição, por Pedido A, veio a incorporar mais três pedidos 
 por determinação tomada nos termos do artigo 64.º, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), visto que nesses pedidos se 
 requere a declaração de inconstitucionalidade de normas com sentido preceptivo 
 idêntico.
 Cada um desses pedidos vai ser seguidamente identificado pela ordem cronológica 
 da sua apresentação com as designações de Pedido B, Pedido C e Pedido D.
 
  
 
 3 — Assim, o Pedido B foi formulado por 25 deputados também do Grupo Parlamentar 
 do Partido Comunista, mas incidindo sobre as normas da Lei citada na redacção 
 resultante da Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, epigrafada como «Alteração à Lei 
 n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária)».  Transcreve-se 
 seguidamente o teor desse pedido:
 
  
 
 1 — A Constituição da República Portuguesa no seu artigo 97.º prevê 
 expressamente a eliminação dos latifúndios determinando, no seu n.º 2, que «as 
 terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos 
 termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de 
 exploração familiar, e cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos 
 agricultores, ou a outras formas de exploração por trabalhadores…» sendo que 
 
 «eliminar os latifúndios» constitui igualmente uma incumbência prioritária do 
 Estado [artigo 81.º, alínea h)].
 Ora o objectivo que orienta toda a Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, que veio dar 
 uma nova redacção à Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, corresponde, exactamente, 
 ao inverso dos objectivos expressos nos comandos constitucionais citados, assim 
 como viola o princípio da igualdade e do acesso ao direito e à justiça.  Tal 
 inversão do sentido constitucional é particularmente patente nas seguintes 
 normas:
 
  
 
              a)   O artigo 17.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, com as 
 alterações aprovadas pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, elimina o seu n.º 5 
 deixando de sofrer de nulidade os actos jurídicos que conduzam à reunificação 
 das reservas atribuídas aos contitulares ou herdeiros de reservas indivisas.
 Ora, seja através do mecanismo da multiplicação e junção de reservas que o 
 artigo 17.º permite, seja através da possibilidade de os vários herdeiros 
 concorrerem a reservas separadas que num e noutro caso passam a poder ser 
 reunificadas, tal significa que a aplicação destes mecanismos conduz 
 inexoravelmente à (re)constituição de latifúndios e viola os artigos citados 
 
 81.º, alínea h), e 97.º da Constituição da República Portuguesa.
 
              b)   No artigo 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, com a 
 redacção definida na Lei n.º 46/90, passa a referir-se a «uma reserva múltipla 
 equivalente à soma de várias reservas» eliminando-se também a alínea e) do 
 artigo 18.º da anterior redacção que feria igualmente de nulidade os actos 
 administrativos que conduzissem à reunificação das reservas atribuídas às 
 sociedades, violando-se também aqui os artigos 81.º, alínea h), e 97.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 No contexto concreto da zona de intervenção da Reforma Agrária constante do 
 Decreto-Lei n.º 236-B/76, de 5 de Abril, as vias abertas pela nova redacção dos 
 artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, conduzem à restauração 
 do latifúndio tal como historicamente existiu e, como na prática tem estado a 
 suceder.
 
              c)   As alterações definidas pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, 
 para o artigo 17.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, esvaziam de conteúdo o 
 limite aparente de 91 000 pontos previstos no artigo 15.º pelo que também aqui 
 aquela norma — até pela aplicação conjugada dos vários dispositivos da Lei 
 
 (artigo 11.º em combinação com o disposto no artigo 15.º, 12.º e 21.º, 13.º, 
 
 14.º, 15.º e 19.º, 17.º, 18.º e 33.º) — viola ainda a alínea n) do n.º 1 do 
 artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa que determina que a Lei 
 deve fixar os «limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola 
 privadas».
 
              d)   No que se refere ao artigo 14.º-A, aditado à Lei n.º 109/88, 
 de 26 de Setembro, invade-se a competência dos tribunais negando-se-lhes a 
 possibilidade de se pronunciarem, em cada caso concreto, sobre os direitos de 
 propriedade dos prédios ocupados.
 Esta norma atribui à Administração competências que são indubitavelmente da 
 função judicial contrariando os artigos 205.º e 206.º da Constituição.
 
              e)   Quanto ao direito de recurso contencioso a nova redacção do 
 artigo 50.º agrava ainda mais a excepcionalidade do regime de suspensão da 
 eficácia dos actos administrativos tendentes à atribuição ou devolução de 
 terras.  Tal excepcionalidade apenas significa o tratamento discriminatório dos 
 trabalhadores agrícolas da Reforma Agrária com posse e gestão da terra.
 O privilégio do carácter prioritário e de grave urgência para a realização do 
 interesse público (artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88) articulado com o 
 privilégio de um regime excepcional quanto ao recurso e suspensão dos actos 
 administrativos (artigo 50.º) é um regime jurídico de privilégio jurídico, que é 
 agora acentuado pela nova redacção do artigo 50.º
 Aliás, a redacção anterior do artigo 50.º da Lei n.º 109/88 é já hoje tida como 
 inconstitucional pela maioria da doutrina e pela jurisprudência do Supremo 
 Tribunal Administrativo como se pode ver, pelo exemplo, no Acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo de 20 de Abril de 1989 da 1.ª Secção do Contencioso 
 Administrativo.
 Por isso, ao restringir o direito dos interessados ao recurso contencioso e ao 
 estabelecer um regime excepcional de suspensão da eficácia de actos 
 administrativos que tenha como efeito principal ou subordinado a atribuição ou 
 devolução de terras, o artigo 50.º da Lei n.º 109/88 com a nova redacção dada 
 pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, viola os artigos 13.º e 268.º, n.º 4, da 
 Constituição da República.
 
               f)   Ao privilegiar, no n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 109/88, 
 com a redacção dada pela Lei n.º 46/90, uns determinados beneficiários na 
 entrega de prédios expropriados ou nacionalizados em detrimento de outros 
 igualmente previstos na Constituição, a nova redacção definida para o artigo 
 
 37.º da Lei n.º 109/88 viola claramente o princípio da igualdade definido no 
 artigo 13.º da Constituição e o disposto no n.º 2 do artigo 97.º da Constituição 
 da República Portuguesa.
 
              g)   Por fim, ao retirar, na nova redacção dos artigos 28.º e 39.º, 
 a obrigatoriedade da audiência dos trabalhadores permanentes e efectivos em 
 serviço nos prédios expropriados ou nacionalizados nos processos de demarcação 
 de reserva e de entrega de terras para exploração a Lei n.º 109/88 (com a 
 redacção da Lei n.º 46/90) viola o artigo 101.º e o n.º 3 do artigo 268.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Por tudo o que se refere, os Deputados abaixo assinados requerem ao Tribunal 
 Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória 
 geral, dos artigos 14.º-A, 17.º, 18.º, 28.º, 37.º, 39.º e 50.º da Lei n.º 
 
 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária) com a redacção dada 
 pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto.
 O Presidente de Assembleia da República na sua resposta, ofereceu o merecimento 
 dos autos e juntou os Diários da Assembleia da República relativos à discussão e 
 aprovação das Leis n.os 109/88 e 46/90.
 
  
 
 4 — O terceiro pedido, Pedido C, foi introduzido por requerimento do 
 Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal como representante do 
 Ministério Público, ao abrigo dos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição e 82.º 
 da Lei n.º 28/82.
 Tem por objecto a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória 
 geral da norma constante do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, de 26 de 
 Setembro.  Fundamenta-se no facto de tal norma já ter sido julgada 
 inconstitucional, por violação do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da 
 Constituição, pelo Acórdão n.º 366/92, que confirmou o Acórdão n.º 43/92, ambos 
 publicados no Diário da República, II Série, n.º 45, de 23 de Fevereiro de 1993, 
 pelo Acórdão n.º 205/93, que confirmou o Acórdão n.º 450/91, e pelo Acórdão n.º 
 
 206/93, que confirmou o Acórdão n.º 452/91, todos inéditos à data de 15 de Março 
 de 1993, em que foi formulado o pedido.
 
  
 
 5 — Finalmente o Pedido D consta de requerimento apresentado pelo 
 Procurador-Geral da República, no uso da faculdade que lhe é conferida pelo 
 artigo 281.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição e visa a 
 declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma 
 constante do artigo 50.º da Lei n.º 109/88, mas desta vez na redacção que lhe 
 foi dada pela Lei n.º 46/90.
 O pedido invoca a fundamentação contida nos Acórdãos n.os 450/91, 452/91 
 
 (inéditos à data da apresentação) e 43/92, citados, para sustentar que a 
 redacção que veio a ser dada ao artigo 50.º da Lei n.º 109/88, continua a 
 recusar aos detentores da posse útil das terras, objecto dos actos 
 administrativos referidos nessa norma o direito de requererem a suspensão da 
 eficácia desses actos quando contenciosamente impugnados.
 Para a nova solução legislativa, valerão, segundo a entidade requerente, os 
 mesmos argumentos que conduziram os Acórdãos do Tribunal Constitucional que 
 citou a considerarem a originária redacção do mesmo preceito violadora do 
 princípio constitucional da igualdade.  Esta circunstância, no entendimento do 
 Procurador-Geral da República, torna dispensável uma sua tomada de posição sobre 
 se, no caso, também concorre a violação das garantias constitucionais de acesso 
 aos tribunais e de recurso contencioso.
 Na sua resposta a estes dois últimos pedidos, o Presidente da Assembleia da 
 República não ofereceu outros elementos para além dos já constantes do processo.
 Feita a súmula dos diversos pedidos formulados, importa analisar as questões que 
 os mesmos suscitam.
 
  
 II — Fundamentação
 
  
 A)   Questões Prévias
 
  
 
 6 — Tendo em especial consideração a especificação contida no final do Pedido B 
 e o teor do Pedido A, temos o seguinte quadro de normas cuja declaração de 
 inconstitucionalidade é requerida:
 
  
 Quanto à versão originária da Lei n.º 109/88, as normas constantes dos artigos 
 
 4.º; 11.º — em combinação com o disposto no 15.º —, 12.º e 21.º; 13.º, 14.º, 
 
 15.º e 19.º; 17.º, 18.º e 33.º; 30.º; 50.º; e finalmente 28.º
 Quanto à versão posterior resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 
 
 46/90, as normas constantes dos artigos 14.º-A, 17.º, 18.º, 28.º, 37.º, 39.º e 
 
 50.º
 
  
 A comparação entre os dois enunciados, permite verificar como, relativamente aos 
 artigos 17.º, 18.º, 28.º e 50.º, é solicitado este Tribunal a apreciar normas 
 que vieram integral ou parcialmente substituir as correspondentes da redacção 
 originária, as quais, obviamente já não estão em vigor.
 Por sua vez, verifica-se ainda, quanto às normas abrangidas pelo primeiro pedido 
 e cuja apreciação não foi requerida no segundo, que a redacção em vigor difere 
 da originária, em resultado das alterações introduzidas pela Lei n.º 46/90, no 
 que respeita aos artigos 15.º, 30.º e 33.º
 O Tribunal não pode deixar de previamente ponderar as implicações desta sucessão 
 de normas, da sobreposição de pedidos, e, igualmente, da sucessão de parâmetros 
 constitucionais à luz dos quais deverá proceder na sua tarefa de apreciação da 
 constitucionalidade. Quanto a este último ponto, há desde já que lembrar que no 
 período de tempo que medeou entre as duas leis entrou em vigor a Lei 
 Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho.
 
  
 
 6.1 — Em matéria de apreciação de normas revogadas, o Tribunal vem mantendo a 
 orientação de que a regra, segundo a qual a revogação não constitui, só por si, 
 obstáculo à declaração de inconstitucionalidade da norma revogada, cede naqueles 
 casos em que se não vislumbre interesse jurídico relevante nessa declaração.  
 Tal situação ocorre quando, em aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 282.º da 
 Constituição, considerações de segurança jurídica, equidade ou interesse público 
 de excepcional relevo justificarem a limitação dos efeitos da 
 inconstitucionalidade, de forma a que fiquem salvaguardados os efeitos 
 produzidos pela norma antes da sua revogação.  Trata-se de uma mera operação de 
 prognose que não pressupõe um conhecimento prévio da conformidade à Constituição 
 das normas questionadas: meramente se antecipam os efeitos que poderiam resultar 
 da declaração de inconstitucionalidade para os ponderar, dentro dos parâmetros 
 consentidos pelo n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, à luz dos efeitos já 
 entretanto operados pela revogação a que o legislador procedeu (cfr. na 
 jurisprudência mais recente os Acórdãos n.os 186/89, in Diário da República, II 
 Série, de 14 de Maio de 1994, e 308/93, in Diário da República, II Série, de 22 
 de Julho de 1993).
 Não se encontram razões para divergir desta orientação, sublinhando-se agora que 
 tal doutrina vale também para o caso em que uma norma passe a ter nova redacção 
 materialmente inovadora sendo assim substancialmente outra norma. Mas essa 
 doutrina já não vale para o caso em que uma norma, apesar de modificada na sua 
 redacção, mantém inalterado o seu respectivo conteúdo preceptivo, ou seja, para 
 o caso em que a norma questionada continua a ser substancialmente a mesma (veja 
 neste sentido e por último, o Acórdão n.º 57/95, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 12 de Abril de 1995).
 Nos presentes autos não oferecem especialidades relevantes quanto à referida 
 orientação jurisprudencial os casos dos artigos 17.º, 18.º, 28.º, 30.º e 33.º
 
  
 
 6.1.1 — Quanto aos artigos 17.º e 18.º e 28.º, não se verifica a subsistência de 
 um interesse jurídico relevante no conhecimento da conformidade à Constituição 
 da respectiva formulação originária.  Convém ter presente e confrontar ambas as 
 redacções:
 
  
 VERSÃO  ORIGINÁRIA
 
  
 Artigo 17.º
 Contitularidade e heranças indivisas
 
  
 
 1 — Nas contitularidades e heranças indivisas, cada uma das partes ou quinhões 
 hereditários, existentes à data da expropriação, tem direito a uma reserva, cuja 
 pontuação é a correspondente à respectiva percentagem sobre a pontuação total 
 dos prédios expropriados ou expropriáveis nos termos da lei anterior.
 
 2 — Para cada contitular ou herdeiro, a soma da pontuação correspondente à 
 percentagem da respectiva parte ou quinhão e da pontuação de outras áreas de que 
 seja, ou tenha sido, reservatário ao abrigo da lei anterior não pode, porém, 
 exceder a pontuação estabelecida para o direito de reserva.
 
 3 — Os contitulares ou herdeiros podem agrupar as respectivas partes ou quinhões 
 hereditários, mediante a assinatura em conjunto do requerimento de reserva, não 
 podendo a reserva atribuída a cada grupo de contitulares ou herdeiros exceder a 
 pontuação estabelecida para o direito de reserva.
 
 4 — Para efeitos do disposto nos números anteriores, os cônjuges são 
 considerados um só titular quanto aos bens comuns.
 
 5 — São nulos os actos jurídicos que conduzam à reunificação das reservas 
 atribuídas nos termos deste artigo.
 
  
 Artigo 18.º
 Sociedades
 
  
 
 Às sociedades cujo património foi expropriado ou nacionalizado cabe mais que uma 
 reserva, nas condições seguintes:
 
  
 a)  As reservas são tantas quantas as quotas ou participações no capital social, 
 existentes à data da expropriação, de cuja percentagem sobre o total da 
 pontuação do prédio resulte área ou pontuação superior a 60 ha ou 91 000 pontos, 
 podendo os sócios agrupar-se para efeitos de atingirem essa percentagem, 
 mediante assinatura em conjunto do requerimento de reserva;
 b)  Para cada sócio, a soma da pontuação correspondente à percentagem da 
 respectiva quota ou participação no capital social, de uma ou mais sociedades, e 
 da pontuação de outras áreas de que seja ou tenha sido reservatário, ao abrigo 
 da lei anterior, não pode, porém, exceder a pontuação estabelecida para o 
 direito de reserva;
 c)  Excepto quanto às sociedades por quotas, o número de reservas atribuídas, 
 nos termos das alíneas anteriores, não pode ser superior a quatro;
 d)  A produção de efeitos de atribuição das reservas que excedam uma, nos casos 
 previstos na alínea a), fica sujeita à condição de elas serem juridicamente 
 separadas, com liquidação da sociedade, no prazo de um ano a contar da data do 
 despacho atributivo, findo o qual, e em caso contrário, o referido despacho é 
 nulo;
 e)  São nulos os actos jurídicos que conduzam à reunificação das reservas 
 atribuídas nos termos das alíneas anteriores.
 
  
 Artigo 28.º
 Demarcação da reserva
 
  
 
 1 — Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação aprovar a 
 demarcação das reservas previstas nesta lei.
 
 2 — A demarcação da reserva ou a reversão do prédio rústico é obrigatoriamente 
 precedida da audiência dos titulares de outros direitos, referidos no n.º 1 do 
 artigo 20.º, sobre os prédios em causa, dos beneficiários da entrega para 
 exploração, referidos no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da respectiva reserva e 
 ainda dos trabalhadores permanentes efectivos ao serviço dos prédios 
 expropriados.
 
 3 — A audiência prevista no número anterior pode ser efectuada por edital 
 publicado, ainda que sem identificação pessoal dos interessados, em pelo menos 
 dois números de um jornal diário de grande tiragem nacional e afixado na sede da 
 junta de freguesia da localização do respectivo prédio.
 
  
 VERSÃO  DA  LEI  N.º  46/90
 
  
 Artigo 17.º
 Contitularidades e heranças indivisas
 
  
 
 1 — Nas contitularidades ou nas heranças indivisas existentes à data da 
 expropriação ou ainda nos casos em que tais situações se constituíram, por morte 
 do ex-titular ou de um dos ex-titulares dos prédios expropriados, em data 
 anterior a 26 de Setembro de 1988, cada uma das partes, ou de quinhões 
 hereditários, tem direito a uma reserva cuja pontuação é a correspondente à 
 respectiva percentagem sobre a pontuação total dos prédios expropriados.
 
 2 — Para cada contitular ou herdeiro a soma da pontuação correspondente à 
 percentagem de outras áreas de que seja ou tenha sido reservatário, ao abrigo da 
 lei anterior, não pode, porém, exceder a pontuação estabelecida para o direito 
 de reserva.
 
  
 
 3 — Os contitulares ou herdeiros podem agrupar as respectivas partes ou quinhões 
 hereditários, mediante a assinatura em conjunto do requerimento de reserva, mas 
 a área atribuída a cada grupo de contitulares ou herdeiros não pode exceder a 
 pontuação estabelecida para o direito de reserva.
 
 4 — Para os efeitos do disposto nos números anteriores, os cônjuges são 
 considerados um só titular quanto aos bens comuns.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 Artigo 18.º
 Sociedades
 
  
 
 1 — Às sociedades cujo património foi expropriado ou nacionalizado cabe uma 
 reserva múltipla equivalente à soma de várias reservas, nos termos seguintes:
 
  
 a)  ...............................................          
 
  
 b)  Por cada sócio, a soma da pontuação correspondente à percentagem da 
 respectiva quota ou participação no capital social de uma ou mais sociedades e 
 da pontução de outras áreas de que ele seja ou tenha sido reservatário, ao 
 abrigo da lei anterior, não pode, porém, exceder 91 000 pontos.
 
 2 — A  pontuação da reserva atribuída nos termos do número anterior não pode 
 exceder 364 000 pontos, excepto quanto às sociedades por quotas, em relação às 
 quais a produção de efeitos da atribuição da reserva para além da pontuação 
 limite fica condicionada a que a parte excedente seja separada por divisão, 
 cisão ou partilha ou pela liquidação da sociedade.
 
  
 Artigo 28.º
 Demarcação da reserva
 
  
 
 1 — ................................... 
 
  
 
  
 
  
 
 2 — A demarcação da reserva ou a reversão do prédio rústico é obrigatoriamente 
 precedida da notificação, para audiência, dos titulares de outros direitos sobre 
 os prédios em causa, referidos no n.º 1 do artigo 20.º, e dos beneficiários da 
 entrega para exploração, referidos no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da 
 respectiva reserva.
 
  
 
 3 — A notificação prevista no número anterior, na impossibilidade de ser feita 
 directamente, é efectuada por edital publicado, ainda que sem a identificação 
 pessoal dos interessados, em, pelo menos, dois números de um jornal de grande 
 tiragem e afixado na sede da junta de freguesia da localização do respectivo 
 prédio.
 Referem-se estes artigos à atribuição de reservas quando estas respeitem a 
 prédios expropriados englobados em heranças indivisas ou apropriados em 
 contitularidade (artigo 17.º) ou a prédios expropriados pertencentes ao 
 património de sociedades (artigo 18.º) e às diligências necessárias a fazer por 
 quem tem a competência para proceder à aprovação da demarcação das respectivas 
 reservas (artigo 28.º).  Ora independentemente de considerações baseadas na 
 tutela da segurança jurídica poderem aconselhar a salvaguarda dos efeitos 
 produzidos pelas normas revogadas, certo é que, por força do artigo 33.º da Lei 
 na sua nova redacção (transcrito infra), situações existentes à data da entrada 
 em vigor desta puderam e continuam a poder ser apreciadas pela primeira vez ou 
 reapreciadas à luz da disciplina mais recente.  Nestas condições, uma declaração 
 de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal, ainda que revestida da 
 plenitude dos efeitos previstos no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, teria 
 perdido de imediato relevância prática porque às situações contempladas por essa 
 declaração logo se tornaria aplicável a disposição legal correspondente na sua 
 formulação posterior.
 A eliminação da cominação de nulidade que deixou de impender sobre os actos 
 jurídicos que tiverem conduzido à reunificação das reservas atribuídas nos 
 termos dos artigos 17.º e 18.º, resultante da supressão do n.º 5 do artigo 17.º 
 e da alínea e) do artigo 18.º da versão originária insere-se na mesma linha de 
 raciocínio, não sendo necessário sequer averiguar agora em que medida os 
 Deputados subscritores do Pedido A também terão querido efectivamente questionar 
 a constitucionalidade das disposições acabadas de referir.
 Na verdade, por abertura ou reabertura de processos de atribuição de reservas 
 nos termos previstos no novo artigo 33.º, toda a situação de possível 
 reunificação de reservas, qualificável como nula por aplicação do direito 
 revogado, é susceptível de caber no campo de aplicação das normas de direito 
 novo, com prejuízo dos efeitos e, consequentemente, da relevância prática, de 
 uma eventual declaração de inconstitucionalidade.
 Nesta conformidade, os artigos 17.º, 18.º e 28.º, n.os 2 e 3, serão objecto de 
 apreciação em satisfação do Pedido B, ou seja, na parte em que a redacção 
 vigente os alterou, não se tomando conhecimento, aí, do Pedido A.  Ressalve-se a 
 alínea a) do artigo 18.º na sua versão originária, que corresponde à alínea a) 
 do n.º 1 desse artigo na vigente redacção e bem assim o n.º 1 do artigo 28.º que 
 manteve a redacção inicial, ainda que os requerentes não tenham suscitado 
 qualquer questão de constitucionalidade relativamente à competência nele fixada.
 
  
 
 6.1.2 — No Pedido A vem também questionada a constitucionalidade dos artigos 
 
 30.º e 33.º, normas estas que não são objecto do Pedido B.  Esta circunstância, 
 refira-se desde já, impede que se proceda à apreciação da constitucionalidade 
 das duas normas na sua redacção vigente: a tal se opõe o princípio do pedido.
 O confronto destes artigos nas suas duas versões, que seguidamente se 
 transcrevem, mostra que a Lei n.º 46/90 revogou, na íntegra, os artigos 
 correspondentes na versão originária.
 Os textos respectivos são os seguintes:
 
  
 VERSÃO  ORIGINÁRIA
 
  
 Artigo 30.º
 Reversão
 
  
 Por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura, Pescas 
 e Alimentação pode ser determinada a reversão dos prédios rústicos expropriados, 
 quando se comprove que:
 
  
 a)  Permaneceram na posse material e exploração de facto dos anteriores 
 titulares ou na dos respectivos herdeiros;
 b)  Antes de 24 de Fevereiro de 1988 e independentemente de acto administrativo 
 com esse objectivo, regressaram à posse material e exploração de facto dos 
 anteriores titulares ou dos respectivos herdeiros.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 Artigo 33.º
 Aplicação a reservas já demarcadas
 
  
 
  
 A aplicação das disposições do presente capítulo aos casos em que as reservas 
 não tenham sido requeridas ou cujo requerimento haja sido extemporâneo, e as já 
 demarcadas, no âmbito da lei anterior, depende de requerimento dos interessados, 
 apresentado até 90 dias após entrada em vigor da presente lei.
 
  
 
  
 
  
 VERSÃO  DA  LEI  N.º  46/90
 
  
 Artigo 30.º
 Reversão
 
  
 
 1 — Por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura, 
 Pescas e Alimentação, pode ser deterninada a reversão dos prédios ou de parte 
 dos prédios rústicos expropriados quando se comprove que:
 
  
 a)  Permaneceram na posse material e exploração de facto dos anteriores 
 titulares ou na dos respectivos herdeiros;
 b)  Antes de 1 de Janeiro de 1990 e independentemente de acto administrativo com 
 esse objecto, regressaram à posse material e exploração de facto dos anteriores 
 titulares ou às dos respectivos herdeiros;
 c)  Os prédios permaneceram ou regressaram à posse e exploração do Estado, 
 quando se trate de explorações exclusivamente florestais, ou quando os 
 anteriores titulares ou os respectivos herdeiros se substituíram ao Estado nos 
 arrendamentos celebrados com os beneficiários da entrega em exploração, por 
 acordo com estes.
 
 2 — Os factos invocados por qualquer interessado para os efeitos do número 
 anterior devem ser provados nos termos gerais de direito, cabendo à direcção 
 regional de agricultura competente na respectiva área a apreciação da prova 
 produzida com vista ao apuramento dos factos que importam à decisão final.
 
  
 
  
 Artigo 33.º
 Aplicação a reservas já demarcadas e a áreas objecto de reversão
 
  
 
 1 — A aplicação das disposições do presente capítulo aos casos em que as 
 reservas e as reversões não tenham sido requeridas ou cujo requerimento haja 
 sido extemporâneo e às já atribuídas depende de requerimento dos interessados 
 apresentado até 45 dias após a entrada em vigor da presente lei.
 
 2 — O processo de reserva é de interesse público e privado, podendo a 
 administração, independentemente do pedido previsto no número anterior, 
 iniciá-lo ou reabri-lo, com vista à atribuição de reserva, nos termos da lei.
 
 3 — O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos protegidos pelo 
 artigo 20.º da presente lei.
 
  
 Nos dois casos a revogação implicou alterações substanciais do conteúdo 
 preceptivo das normas.
 Quanto ao artigo 30.º não só é relevante a previsão de mais um fundamento de 
 reversão, agora referido na nova alínea c) do n.º 1, e o diferimento para 1 de 
 Janeiro de 1990 do regresso à posse material e exploração de facto, prevista na 
 alínea b) do n.º 1.  Também relevante, na linha de considerações seguida até 
 aqui, é o acrescentamento do n.º 2, que comete aos serviços desconcentrados a 
 apreciação da prova produzida e que vai reflectir-se sobre as situações 
 tipificadas nas três alíneas do número anterior que dão lugar à possibilidade de 
 reversão.  Por esta forma, e ainda que a alínea a) não sofra alterações na sua 
 letra, é modificado o artigo na sua globalidade em termos que levam a 
 qualificá-lo como norma nova.
 Mais clara é a solução a dar quanto ao artigo 33.º, cujos n.os 2 e 3 são 
 aditados na versão de 1990.  Basta o regime contido nestes dois novos números 
 sobre a iniciativa de abertura ou de reabertura de um processo de atribuição de 
 reservas e a previsão da sua aplicação também a casos de reversão para que se 
 possa afirmar que estamos globalmente perante norma materialmente nova, com 
 repercussões nas esferas jurídicas de potenciais interessados que anteriormente 
 não se encontravam previstas.
 Dado que no Pedido B não vem requerida a declaração de inconstitucionalidade da 
 nova redacção dos artigos 30.º e 33.º, o raciocínio que acabou de se seguir 
 quanto aos artigos 17.º e 18.º aplica-se aqui por inteiro.
 
 É que as situações existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 46/90, de 22 
 de Agosto, poderão ser reapreciadas, dado o disposto no artigo 33.º na sua nova 
 redacção, à luz da disciplina mais recente.  Não faria sentido, na verdade, com 
 o que se repete argumentação já aduzida a propósito dos artigos 17.º, 18.º e 
 
 28.º (supra 6.1.1), pronunciar-se o Tribunal em termos de a declaração de 
 inconstitucionalidade que proferisse quanto à versão originária destas duas 
 normas se visse imediatamente desprovida de qualquer relevância prática, pois as 
 situações nelas contempladas entrariam de pronto a fazer parte do âmbito de 
 aplicação de um regime novo, sobre o qual o princípio do pedido vem impedir uma 
 pronúncia do Tribunal.
 Assim sendo, o tribunal não conhecerá, por falta de interesse jurídico 
 relevante, do pedido de declaração de inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral formulado no Pedido A quanto aos artigos 30.º e 33.º da Lei 
 n.º 106/88 (versão originária).
 
  
 
 6.1.3 — No Pedido A, e já não no Pedido B, é pedida a declaração de 
 inconstitucionalidade do artigo 15.º
 Trata-se de um preceito que, com a Lei n.º 46/90, apenas foi alterado no seu n.º 
 
 1, conforme se pode verificar pela transcrição a que agora de procede:
 
  
 VERSÃO  ORIGINÁRIA
 
  
 Artigo 15.º
 Pontuação da reserva
 
  
 
 1 — O direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos, sem prejuízo do disposto 
 no artigo 17.º
 
  
 
 2 — A pontuação é fixada tendo em atenção o rendimento fundiário, com base no 
 cadastro oficialmente em vigor em 19 de Setembro do 1977 e de acordo com as 
 tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 406-A/75, com a excepção prevista no n.º 5 
 deste artigo.
 
 3 — No cálculo da pontuação não serão consideradas as benfeitorias existentes 
 nos prédios rústicos, bem como plantações agrícolas e povoamentos florestais, 
 exceptuando as realizadas pelo Estado ou outra pessoa colectiva pública.
 
 4 — Ao sobcoberto das plantações agrícolas e povoamentos florestais referidos no 
 número anterior será atribuída, com base na classificação da respectiva carta de 
 capacidade de uso do solo, uma pontuação de 90 pontos por hectare das classes D 
 e E, de 130 pontos por hectare da classe C, de 200 pontos por hectare da classe 
 B e de 300 pontos por hectare da classe A.
 
 5 — A pontuação de áreas de reserva, desde que calculadas em conformidade com 
 este artigo, não será alterada depois da sua demarcação.
 VERSÃO  DA  LEI  N.º  46/90
 
  
 Artigo 15.º
 Pontuação da reserva
 
  
 
 1 — O direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos, sem prejuízo do disposto 
 nos artigos 17.º e 18.º
 
 2 — ................................... 
 
  
 
 3 — ................................... 
 
  
 
 4 — ................................... 
 
  
 
 5 — ................................... 
 
  
 
  
 Não está em causa a posição a tomar quanto aos n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo.  Não 
 tendo sido alterados, deles deverá conhecer o Tribunal.
 Já quanto ao n.º 1 se põe a questão de apurar se se tratou aí de uma alteração 
 substancial aque1a que foi introduzida.  O simples confronto das duas redacções 
 permite concluir que se procedeu à alteração, por aditamento, das remissões 
 contidas nesse número.  Sucede contudo que já na versão originária o artigo 
 
 18.º, para o qual não era feita remissão, constituía, por conter regime 
 especial, um fundamento de derrogação do regime regra contido na primeira parte 
 da norma, segundo o qual o direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos.  O 
 aditamento da referência a esse artigo 18.º (na redacção da Lei n.º 46/90) não 
 teve, a título algum, efeito constitutivo e ter-se-á devido a razões de pura 
 técnica legislativa.
 Por este motivo, a alteração introduzida não poderá considerar-se como 
 conduzindo a uma nova norma.  Deverá portanto conhecer-se do artigo 15.º, assim 
 se satisfazendo nessa parte, o Pedido A.
 Advirta-se que, na parte em que explicita uma ressalva, que de qualquer modo se 
 teria de entender implícita, o n.º 1 do artigo 15.º não tem valor substancial 
 próprio.  Por esse motivo, a posição a tomar está dependente daquela que foi 
 tomada quanto ao regime, esse substantivo, dos artigos 17.º e 18.º para os quais 
 o legislador remete.  Ora nessa sede já se concluiu que os artigos 17.º e 18.º 
 seriam apreciados não na sua versão originária mas apenas na versão em vigor — 
 com a ressalva da alínea a) do artigo 18.º  Assim sendo, a segunda parte do n.º 
 
 1 do artigo 15.º só será objecto de apreciação na parte em que remete para a 
 alínea a) do agora n.º 1 do artigo 18.º e, muito naturalmente, só a propósito de 
 e no local em que se proceder à apreciação desta última norma.
 
  
 
 6.1.4 — Em sede de questão prévia resta tomar posição sobre o artigo 50.º que em 
 cada uma das suas versões é objecto de pedidos de declaração de 
 inconstitucionalidade.  Assim, nos Pedidos A e C, requer-se a apreciação da 
 constitucionalidade da norma na sua versão originária: nos Pedidos B e D na sua 
 redacção em vigor.
 Que em 1990 foram introduzidas modificações de tomo no preceito resulta da 
 simples leitura das respectivas redacções, que se passam a transcrever:
 VERSÃO  ORIGINÁRIA
 
  
 Artigo 50.º
 Pressupostos da suspensão de eficácia
 
  
 
 1 — A suspensão de eficácia de actos administrativos que, no âmbito da reforma 
 agrária, determinem a entrega de reservas ou reconheçam não ter sido expropriado 
 ou nacionalizado determinado prédio rústico só pode ser decretada judicialmente 
 se, estando preenchidos todos os requisitos da lei, o requerente explorar o 
 prédio abrangido mediante concessão de exploração, licença de uso privativo, 
 arrendamento rural ou exploração de campanha e, à data desse acto 
 administrativo, a pontuação da área na posse do requerente da suspensão for 
 inferior à pontuação da reserva atribuída ao interessado na execução do acto.
 
 2 — A entidade ou entidades que beneficiem da execução dos actos referidos no 
 número anterior serão notificadas, simultaneamente com o seu autor, para no 
 mesmo prazo, invocarem e demonstrarem, se quiserem obstar a que a suspensão seja 
 decretada, que ela lhes causa um prejuízo de mais difícil reparação do que 
 aquele que da execução do acto adviria para o requerente.
 
 3 — Para efeitos do número anterior, será indicada no requerimento de suspensão 
 a entidade a quem a suspensão da eficácia do acto pode directamente prejudicar.
 VERSÃO  DA  LEI  N.º 46/90
 
  
 Artigo 50.º
 Pressupostos da suspensão de eficácia
 
  
 A suspensão da eficácia de actos administrativos que tenham como efeito 
 principal ou subordinado a atribuição ou devolução de terras a quem delas haja 
 sido privado só pode ser decretada judicialmente se, preenchidos os demais 
 requisitos da lei, o requerente estiver investido no direito de exploração de 
 determinada área por acto administrativo ou contrato válido oponível ao Estado.
 
  
 Novamente se coloca a questão do interesse jurídico relevante no conhecimento do 
 pedido na parte em que estão questionadas normas revogadas.  Mas, no contexto 
 destas duas disposições, há que ter em conta a particularidade resultante da 
 possibilidade de existirem processos de recurso contencioso em que tenha sido 
 requerida a suspensão da eficácia de actos administrativos que determinaram a 
 entrega de reservas ou reconheceram não ter sido expropriado ou nacionalizado 
 determinado prédio rústico, com aplicação do artigo 50.º na sua versão 
 originária, sobre os quais não se tenha ainda formado caso julgado nessa parte, 
 por ser admissível que estejam pendentes recursos para o Pleno da Secção de 
 Contencioso Administrativo do STA, interpostos com fundamento em oposição de 
 julgados.
 Com efeito, naquele Tribunal verificou-se uma divisão de jurisprudência, tendo 
 sido proferidas várias decisões em que se concluiu no sentido da plena 
 constitucionalidade do referido artigo 50.º da Lei n.º 109/88, na sua versão 
 originária (cfr. acórdãos do STA, de 27 de Julho de 1989, tirados nos recursos 
 n.os 27 178-S, 27 179-S e 27 198-A, todos publicados no Apêndice ao Diário da 
 República, de 18 de Novembro de 1994, pp. 4993 a 5009; acórdão de 20 de Abril de 
 
 1989, tirado no recurso n.º 26 951, publicado in Acórdãos Doutrinais, ano xxix, 
 n.º 339, p. 336), não deixando de se reconhecer que a corrente maioritária 
 naquele Tribunal, era no sentido da inconstitucionalidade, sendo, por isso, 
 provável que tenham sido interpostos recursos nos termos da alínea b) do artigo 
 
 24.º do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril — ETAF).
 Nesta medida, torna-se necessário entrar aqui em linha de conta com outros 
 interesses, também já definidos em anterior decisão deste Tribunal e que podem 
 levar a uma posição diferente da que já foi várias vezes referida quanto à 
 inexistência de interesse jurídico relevante na apreciação da conformidade 
 constitucional de normas entretanto revogadas.
 Na verdade, a estatuição constante do artigo 50.º da Lei n.º 109/88 diverge do 
 regime geral sobretudo na parte em que define os pressupostos de legitimidade 
 para interposição, em sede de processo administrativo contencioso, do pedido de 
 suspensão de eficácia de determinados actos administrativos.
 Sendo uma norma de natureza processual, qualquer vicissitude que a afecte é 
 sempre de aplicação imediata no processo, mas não de aplicação retroactiva.  Em 
 casos como o presente, para a ponderação de efeitos em que se fundamenta a 
 orientação do Tribunal, que toma por base a prognose das consequências 
 retroactivas da declaração de inconstitucionalidade, não estão reunidos, pelo 
 menos de forma directa, todos os pressupostos de aplicação.  Pode bem dizer-se 
 que os actos jurisdicionais sob recurso, tanto os praticados ao abrigo da 
 redacção originária como os praticados ao abrigo da redacção posterior, estão 
 colocados no mesmo plano temporal, dentro dos termos gerais de aplicação no 
 tempo da lei de processo bem como por referência ao regime geral do pedido de 
 suspensão da eficácia dos actos administrativos (artigos 76.º e seguintes do 
 Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho — LPTA).
 Nesta conformidade, não havendo aqui que ressalvar quaisquer efeitos, deve o 
 Tribunal conhecer da questão da constitucionalidade do artigo 50.º tanto na sua 
 versão em vigor como na sua versão originária, no que verdadeiramente não está a 
 modificar a sua jurisprudência, pois foi com base em considerações de ordem de 
 alguma forma análoga que procedeu no Acórdão n.º 91/85 (Diário da República, II 
 Série, de 18 de Julho de 1985, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º Vol., 
 pp. 277 e segs.).
 Deve, assim, o Tribunal conhecer do artigo 50.º, tanto na sua versão em vigor 
 como na sua versão originária.
 
  
 
 6.2 — As normas cuja conformidade constitucional vem questionada e constantes 
 dos diversos pedidos podem contender com duas versões da Constituição — a de 
 
 1982 e de 1989.  Importa, assim, estabelecer qual deve ser o parâmetro de 
 aferição da constitucionalidade de tais normas.
 Trata-se, no caso, de contrastar a legitimidade constitucional do conteúdo das 
 normas jurídicas, ou seja, da respectiva constitucionalidade material em que se 
 procura averiguar se as estatuições contidas na norma ordinária respeitam o 
 preceituado na Constituição.
 Ao contrário do que acontece quando se trata da inconstitucionalidade orgânica e 
 formal, em que está em causa a regularidade da formação da lei, pelo que 
 relevantes só podem ser as normas constitucionais vigentes ao tempo da emissão 
 da norma, nesta sede, a norma constitucional relevante para aferir a 
 legitimidade constitucional é a que estiver em vigor no momento em que se 
 procede ao controlo.
 Não desconhecendo a existência, na doutrina, de posições divergentes (cfr. Jorge 
 Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo ii, p. 244), o certo é que este 
 Tribunal afirmou já — embora em processo de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade — que, «quando esteja em causa a inconstitucionalidade 
 material, o parâmetro constitucional a ter em conta é o texto constitucional 
 vigente no momento da aplicação da norma que é questionada» (cfr. Acórdão n.º 
 
 408/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., p. 1147).  Também 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 2.ª ed., p. 487, e Fundamentos da Constituição, pp. 272 e seg.), 
 defendem idêntica posição, a qual decorre também com nitidez do Acórdão deste 
 Tribunal n.º 444/93, de 14 de Julho de 1993, in Diário da República, II Série, 
 de 19 de Outubro de 1993.
 A constitucionalidade das normas questionadas nos presentes autos irá, assim, 
 ser apreciada face à versão actual da Constituição, sem prejuízo de, para melhor 
 enquadramento das questões resultantes desta apreciação, se poderem fazer 
 considerações introdutórias sobre o relacionamento de tais normas com a versão 
 de 1982 da Lei Fundamental.
 
  
 
 6.3 — Na sequência do que acabou de se mencionar e não havendo outras questões a 
 tratar previamente, importa, antes de mais, fazer uma súmula das normas 
 relativamente às quais se tem de conhecer da respectiva conformidade à Lei 
 Fundamental relativamente a cada um dos pedidos formulados e cumulados nos 
 presentes autos.
 Assim, as normas que irão ser objecto de apreciação são as seguintes, 
 relativamente a cada um dos pedidos:
 
  
 
 —  Com referência ao Pedido A, o Tribunal apreciará a constitucionalidade das 
 normas da versão originária da Lei n.º 109/88 constantes dos artigos 4.º; 11º 
 
 (em combinação com o disposto no 15.º), 12.º e 21.º; 13.º, 14.º, 15.º (nos 
 termos que ficam esclarecidos supra, n.º 6.1.3) e 19.º; 18.º, n.º 1, alínea a), 
 
 28.º, n.º 1, e artigo 50.º (também incluído no Pedido C);
 
 —  Com referência aos Pedidos B e D, o Tribunal apreciará a constitucionalidade 
 das normas da Lei n.º 109/88 na versão que lhes foi dada pela Lei n.º 46/90, 
 constantes dos artigos 14.º-A; 17.º, 18.º (na parte alterada em 1990); 37.º; 
 
 28.º, n.os 2 e 3, e 39.º; e 50.º
 
  
 Para facilidade da exposição, a norma do artigo 50.º, na sua versão originária e 
 na da Lei n.º 46/90, serão tratadas a final e seguidamente, em vez de 
 separadamente com referência a cada pedido, como é o caso das restantes normas.
 Também para de algum modo facilitar o entendimento das soluções que se propõem, 
 far-se-á uma introdução à apreciação do respectivo mérito, por forma a fazer 
 ressaltar a evolução constitucional da reforma agrária ao longo das diferentes 
 versões da Lei Fundamental.
 
  
 B)   Questões de Mérito
 
  
 
 7 — A evolução da Constituição no que se refere à Reforma Agrária.
 
  
 Para uma integral compreensão dos pedidos formulados (Pedidos A e B), interessa 
 considerar a evolução que o tema da Reforma Agrária foi sofrendo através das 
 revisões constitucionais.
 Em ambos os pedido censura-se à lei o ter procedido à inversão dos objectivos 
 fixados nas normas constitucionais que em um e outro caso deveriam ter sido 
 observadas.  E refere-se, no primeiro pedido, que a lei visa «abertamente 
 reconstituir o latifúndio e a grande exploração capitalista… invertendo por 
 completo o conceito constitucional da Reforma Agrária, tal como, também no 
 segundo pedido, é referido que o objectivo que orienta toda a Lei n.º 46/90 
 corresponde, exactamente, ao inverso do objectivo constitucional da eliminação 
 dos latifúndios.
 Uma sucinta referência à evolução dos preceitos constitucionais neste domínio 
 facilitará certamente um melhor enquadramento da problemática que virá a ser 
 suscitada pela análise de cada uma das normas legais cuja apreciação é 
 solicitada ao Tribunal.
 A despeito de na primeira revisão constitucional não terem sido especialmente 
 marcantes as alterações introduzidas na Parte II da Constituição          — 
 Organização Económica, já aí a reforma agrária passou a inserir-se no âmbito da 
 política agrícola, da qual passou a ser um dos instrumentos fundamentais de 
 realização dos objectivos correspondentes (cfr. o n.º 2 do artigo 96.º da 
 Constituição na versão de 1982).  Deixou então de ser encarada como um dos 
 instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista (cfr. 
 proémio do artigo 96.º da versão originária), sendo que a disposição sobre a 
 eliminação dos latifúndios (artigo 97.º) não sofreu então qualquer alteração.
 São muito mais sensíveis e significativas as alterações introduzidas com a 
 revisão de 1989 com a qual é suprimida a própria referência à reforma agrária, 
 no sentido que à expressão poderia caber de expropriação de solos e 
 transferência de domínio.  Neste contexto, a eliminação dos latifúndios, que 
 continua a ser prevista na alínea h) do artigo 81.º, que enuncia as incumbências 
 prioritárias do Estado na área económica assume um significado algo diverso.
 A eliminação dos latifúndios, por um lado, deixa de ser um limite material 
 expresso das leis da revisão constitucional com a nova redacção dada à alínea f) 
 do actual artigo 288.º  Mas se já com a revisão de 1982 a expropriação de 
 latifundiários e de grandes proprietários deixou de poder ter lugar sem direito 
 a qualquer indemnização (artigo 82.º, n.º 2, da versão originária, que foi 
 eliminado), em 1989 passou a consagrar-se expressamente o direito de reserva 
 
 (artigo 97.º, n.º 1) e a prever-se a entrega das terras expropriadas também a 
 título de propriedade [artigos 96.º, n.º 1, alínea b), e 97.º, n.º 2], com o que 
 deixou de se mencionar a mera transferência da posse útil da terra e dos meios 
 de produção.  Ao mesmo tempo, e em matéria propriamente de latifúndios, era 
 introduzida uma formulação que, sem fornecer critérios para a densificação do 
 conceito de latifúndio, pelo menos relaciona a respectiva dimensão com os 
 objectivos que a cada momento tiverem sido definidos — pelo legislador — para a 
 política agrícola (artigo 97.º, n.º 1).
 Hoje, num contexto de coexistência dos diversos sectores de propriedade dos 
 meios de produção e em que a nenhum deles é assinalada uma tendencial 
 predominância, ou sequer especial desenvolvimento, a lei de bases da reforma 
 agrária, da qual está agora em apreciação uma série de normas, não pode porém 
 dizer-se que se insira em um quadro constitucionalmente neutro e totalmente 
 entregue à liberdade de iniciativa privada e ao jogo das leis do mercado.  Ao 
 Estado continuam a impor-se incumbências significativas especialmente em sede de 
 ordenamento e reconversão agrária (cfr. o n.º 2 do artigo 96.º da Constituição), 
 mas os instrumentos de que pode servir-se o legislador, estão direccionados para 
 objectivos que, se não são radicalmente dissemelhantes, passam, pelo menos, pelo 
 reconhecimento de valores que antes se encontravam subalternizados, 
 designadamente a coexistência dos vários sectores de propriedade e a 
 titularidade da propriedade privada.
 A análise a que se irá proceder relativamente às diversas disposições legais 
 questionadas não poderá deixar de ter isto mesmo na devida conta.
 Começando a apreciação do pedido identificado como Pedido A, passa-se à 
 apreciação do artigo 4.º da Lei n.º 109/88.
 
  
 B.1)  Pedido A
 
  
 
 8 — A norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 109/88.
 
  
 Este preceito, que não foi objecto de alteração pela Lei n.º 46/90, de 22 de 
 Agosto, tem o seguinte teor:
 
  
 Artigo 4.º
 
 (Política agrícola)
 
  
 A política agrícola visa prosseguir os seguintes objectivos:
 
  
 
              a)   O reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra;
 
              b)   A melhoria da situação económica, social e cultural e a 
 garantia dos direitos dos trabalhadores e dos agricultores;
 
              c)   A optimização do aproveitamento dos recursos para aumento da 
 produção e da produtividade;
 
              d)   A protecção dos recursos naturais e o aumento do fundo de 
 fertilidade dos solos;
 
              e)   A adequação dos recursos existentes aos objectivos da política 
 agrária comum.
 
  
 O artigo 96.º da Constituição, indicado como parâmetro de aferição, sob a 
 epígrafe «Objectivos da Política Agrícola», estabelece o seguinte:
 
  
 
 1 — São objectivos da política agrícola:
 
  
 
              a)   Aumentar a produção e a produtividade da agricultura, 
 dotando-a das infra-estruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros 
 adequados, tendentes a assegurar o melhor abastecimento do país, bem como o 
 incremento da exportação;
 
              b)   Promover a melhoria da situação económica, social e cultural 
 dos trabalhadores rurais e dos agricultores, a racionalização das estruturas 
 fundiárias e o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de 
 produção directamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a 
 trabalham;
 
              c)   Criar as condições necessárias para atingir a igualdade 
 efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e evitar 
 que o sector agrícola seja desfavorecido nas relações de troca com os outros 
 sectores;
 
              d)   Assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes 
 recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração;
 
              e)   Incentivar o associativismo dos agricultores e a exploração 
 directa da terra.
 
  
 
 2 — O Estado promoverá uma política de ordenamento e reconversão agrária, de 
 acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país.
 
  
 Já no Acórdão deste Tribunal n.º 187/88, de 17 de Agosto de 1988 (in Diário da 
 República, II Série, de 5 de Setembro de 1988), foi a norma do artigo 4.º 
 apreciada em sede de fiscalização preventiva, tendo-se concluído pela sua não 
 inconstitucionalidade, quando confrontada com a versão da Constituição 
 resultante da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro.
 
 É certo que o facto de a norma ter sido já objecto de um juízo de não 
 inconstitucionalidade, em sede de fiscalização preventiva, não obsta a que essa 
 questão volte a ser examinada em fiscalização sucessiva (cfr. Acórdão n.º 
 
 444/93, citado), nem a que o parâmetro de aferição da constitucionalidade seja 
 agora a versão decorrente da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, em que 
 o artigo 96.º, n.º 1, indicado pelos requerentes como norma violada, apresenta 
 algumas modificações de redacção relativamente à versão anterior.
 São estas modificações, as seguintes: a actual alínea a) era a alínea b), mas 
 ficando com a mesma redacção; a anterior alínea a) passou a ser a actual alínea 
 b), mas com diferenças de redacção (v. g., eliminação da referência a «pequenos 
 e médios agricultores», eliminação da referência à «transferência progressiva da 
 posse útil da terra», continuando, porém, a promover-se o acesso à propriedade 
 ou posse da terra e demais meios de produção por parte de quem a trabalha); o 
 acrescentamento da alínea e) no sentido de incentivar o associativismo dos 
 agricultores e a exploração directa da terra; por último, reformulou-se por 
 completo o n.º 2, com o desaparecimento do texto constitucional da expressão 
 
 «reforma agrária» e passando a fazer incumbir ao Estado a promoção de «uma 
 política de ordenamento e de reconversão agrária», tendo em atenção os 
 
 «condicionalismos ecológicos e sociais do país».
 Ora, estas modificações, a serem relevantes, sê-lo-ão inequivocamente no sentido 
 contrário ao invocado pelos requerentes.
 Antes de mais, deve referir-se que não são apresentados agora argumentos 
 inovadores susceptíveis de conduzir à modificação da posição adoptada naquele 
 acórdão face à anterior versão da Constituição.  Para concluir pela conformidade 
 constitucional do artigo 4.º, será suficiente reiterar o que ficou dito nesse 
 aresto, ao concluir a análise da matéria: «para lá desta ou daquela forma 
 utilizadas, o que conta para avaliar da constitucionalidade de qualquer lei 
 hão-de ser as soluções materiais que incorpora, as metas objectivas que aponta, 
 os meios e interesses a que dê prevalência».  Aí ficou ainda entendido que «o 
 reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra» consignado como 
 objectivo da política agrícola na alínea a) do artigo 4.º da Lei n.º 109/88, 
 cabia na previsão dos objectivos constitucionais de transformação das estruturas 
 e da transferência progressiva da posse útil, contida na alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 96.º da Constituição, na versão anterior à Lei Constitucional n.º 1/89, 
 de 8 de Julho.
 Mais fácil ainda, à luz do parâmetro vigente, será ver o «reforço e 
 aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra enquadrado nas referências 
 constitucionais à racionalização das estruturas fundiárias e ao acesso à 
 propriedade e à posse da terra e demais meios de produção, referidos na alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 96.º, na redacção em vigor da Lei Fundamental.
 E como não ver na «optimização do aproveitamento dos recursos para aumento da 
 produção e da produtividade» o melhor meio de realização da finalidade 
 constitucional do aumento da produção por forma a melhor abastecer o país e 
 desenvolver a exportação [alínea a) do n.º 1]?
 Também a «protecção dos recursos naturais e o aumento do fundo de   fertilidade 
 dos solos» [alínea d) do artigo 4.º] visa assegurar o uso e a gestão racionais 
 dos solos e dos restantes recursos naturais tal como a manutenção da respectiva 
 capacidade de regeneração [alínea d) do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição)].
 Assim sendo, isto é, não se verificando qualquer contradição entre as 
 finalidades da política agrícola tal como são definidas no artigo 4.º da Lei n.º 
 
 109/88 e as constantes do artigo 96.º da Constituição, tem de se concluir pela 
 não inconstitucionalidade da norma em apreço.
 
  
 
 9 — As normas constantes dos artigos 11.º (em combinação com o artigo 15.º), 
 
 12.º e 21.º; dos artigos 13.º, 14.º, 15.º e 19.º; e 18.º, alínea a), da Lei n.º 
 
 109/88.
 
  
 Sob a censura genérica de que a lei reduz drasticamente a extensão da terra a 
 entregar «a quem a trabalha», os requerentes do Pedido A alinham três grupos de 
 normas, todas elas alegadamente violadoras do disposto nos artigos 96.º, n.º 1, 
 alínea a), e n.º 2, e 97.º da Constituição (redacção anterior a 1989), normas 
 estas que correspondem na redacção vigente da Constituição, aos artigos 96.º, 
 n.º 1, alínea b), e n.º 2, e 97.º, estes últimos com redacção diferente.
 Os requerentes invocam também como violado o artigo 99.º, n.º 2, da versão de 
 
 1982 da Constituição ao facultarem tais normas a criação irrestrita de unidades 
 de exploração agrícola privadas [alínea d) do pedido].  Porém, para além de tal 
 norma não poder ser o parâmetro de aferição da constitucionalidade, como se 
 referiu anteriormente, não só o mencionado n.º 2 do artigo 99.º passou a ter uma 
 redacção que lhe retira toda a possibilidade da constituir tal parâmetro, como 
 também a norma, que substituiu, de certo modo, a estatuição contida no preceito 
 invocado pelos requerentes, consta agora do artigo 97.º, n.º 1, in fine, com a 
 referência à «reserva de área suficiente para a viabilidade e racionalidade da 
 sua própria exploração», depois de a revisão de 1989 ter incluído na competência 
 reservada da Assembleia da República o estabelecimento das «Bases da política 
 agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de 
 exploração agrícola privadas» [artigo 168.º, n.º 1, alínea n)].
 Constituem o primeiro grupo, como se depreenderá do enunciado da epígrafe supra, 
 as normas dos artigos 11.º em conjugação com o artigo 15.º e as normas dos 
 artigos 12.º e 21.º, relativas ao âmbito das expropriações e à delimitação dos 
 actos ineficazes.
 O segundo grupo é integrado pelas normas constantes dos artigos 13.º, 14.º, 15.º 
 e 19.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, relativas ao direito de reserva e 
 respectivo alargamento ilegítimo.
 O terceiro grupo de normas cuja constitucionalidade vem questionada é 
 constituído pelos artigos 18.º, n.º 1, alínea a), e 28.º, n.º 1, da referida 
 Lei.
 
  
 
 9.1 — Por razões da mais fácil arrumação e encadeamento de raciocínio, 
 procede-se à análise conjunta das normas do 1.º grupo relativamente aos 
 fundamentos que os peticionantes alinham no desenvolvimento da fundamentação 
 genérica também pelos mesmos aduzida.
 
 É a seguinte a redacção dos referidos preceitos:
 
  
 Artigo 11.º
 
 (Âmbito das Expropriações)
 
  
 Ficam sujeitos a expropriação o prédio ou o conjunto de prédios rústicos 
 localizados na zona de intervenção da reforma agrária que correspondam a 
 pontuação superior à estabelecida para o direito de reserva e sejam propriedade 
 de:
 
  
 
              a)   Pessoa singular ou colectiva privada;
 
              b)   Duas ou mais pessoas em contitularidade, comunhão ou herança 
 indivisa;
 
              c)   Duas ou mais sociedades quando em todas elas há já directa ou 
 indirectamente sócios comuns em posição dominante ou quando essas sociedades 
 forem coligadas ou participantes no mesmo grupo económico;
 
              d)   Uma pessoa singular e uma ou mais sociedades de que aquela 
 seja sócia em posição dominante.
 
  
 Artigo 12.º
 
 (Prédios não expropriáveis)
 
  
 
 1 — Não são expropriáveis, qualquer que seja a sua pontuação, os prédios 
 rústicos que sejam propriedade de:
 
  
 
              a)   Agricultores autónomos;
 
              b)   Cooperativas agrícolas, constituídas nos termos do Código 
 Cooperativo;
 
              c)   Instituições particulares de reconhecida utilidade pública.
 
 2 — Não são expropriáveis, qualquer que seja a sua pontuação, os prédios 
 referidos no artigo anterior que, no seu conjunto, tenham área inferior a 60 ha.
 
 3 — Se a parte do prédio, ou prédios rústicos, excedente à área da reserva por 
 si só ou em conjunto com áreas de prédios anexos for inferior à dimensão mínima 
 indispensável ao estabelecimento de uma exploração agrícola do tipo familiar, 
 acrescerá à respectiva reserva, deixando de ser expropriada.
 
  
 Artigo 21.º
 
 (Actos ineficazes)
 
  
 
 1 — Para efeitos da presente lei são ineficazes os actos ou contratos, relativos 
 a prédios já expropriados, praticados depois do início do processo de 
 expropriação dos quais resulte diminuição de área expropriável.
 
 2 — Para efeitos do disposto no número anterior considera-se iniciado o processo 
 de expropriação com a verificação da primeira das seguintes formalidades:
 
  
 
              a)   Publicação da portaria que opere a expropriação;
 
              b)   Publicação de declaração de utilidade pública para 
 expropriação;
 
              c)   Comunicação ao interessado para demarcação da reserva a 
 atribuir no âmbito da presente lei.
 
  
 Segundo o pedido, as disposições transcritas diminuem especificamente a área 
 sujeita a expropriação.  De alguma forma, as considerações que vierem a fazer-se 
 acabarão por ser aplicáveis às normas do segundo grupo, pois nestas se 
 projectarão as conclusões entretanto obtidas.  Por essa razão, não se procedeu 
 agora à transcrição do n.º 1 do artigo 15.º que surgirá incluído no segundo 
 grupo.
 
  
 
 9.1.1 — O critério legal quanto à definição das áreas expropriáveis é, em termos 
 gerais, o de que ficam sujeitos a expropriação o prédio ou conjunto de prédios 
 rústicos que ultrapassem a pontuação superior à estabelecida para o direito de 
 reserva (corpo do artigo 11.º), fixada tendo em conta o rendimento fundiário que 
 passou a ser de 91 000 pontos (artigo 15.º, n.º 1, tanto na redacção originária 
 como na vigente).  Ressalvam-se o prédio ou prédios de área inferior a 60 
 hectares (n.º 2 do artigo 12.º) e, em sede de elementos relevantes para a 
 determinação da pontuação, nos n.os 3 e 4 do artigo 15.º estabelecem-se deduções 
 e regras relativas à pontuação a atribuir ao sobcoberto das plantações agrícolas 
 e povoamentos florestais.  No n.º 3 do artigo 12.º estabelece-se que, em certos 
 casos, áreas excedentes à reserva a esta poderão acrescer.
 Na redacção da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, em contraste com o que se 
 deixou referido, a regra geral era a de que as expropriações se aplicariam a 
 prédio ou prédios de pontuação superior a 70 000 pontos (artigo 26.º).  Mas 
 previam-se majorações e dispensa de requisitos aos candidatos a reservas, agora 
 eliminadas (artigo 26.º, n.º 5, e artigo 28.º).  Igualmente se fixavam áreas 
 máximas de reserva independentemente da pontuação que lhes coubesse (artigo 
 
 29.º).
 Da susceptibilidade da expropriação estavam ressalvados os prédios de área 
 inferior a 30 hectares (n.º 4 do artigo 23.º) e também se previa um outro tipo 
 de situações em que as áreas de reserva poderiam ser acrescidas com áreas não 
 susceptíveis de expropriação.
 
  
 
 9.1.2 — Descrito sumariamente o quadro normativo, diga-se desde já que não vai 
 este Tribunal proceder a uma comparação ponto por ponto entre as novas normas 
 que, facultando o alargamento das reservas, efectivamente proporcionam a 
 diminuição da área expropriável, e aquelas que as antecederam, como se uma 
 eventual discordância entre elas fosse susceptível de gerar um vício de 
 inconstitucionalidade das normas posteriores.  A Lei da Reforma Agrária de 1977 
 não teve valor constitucional e os parâmetros por ela consagrados não estão 
 dotados de rigidez superior à de qualquer outra lei ordinária, na medida em que 
 a Lei Fundamental consentir ao legislador uma margem de conformação legislativa 
 na matéria.  E essa margem existe e é considerável, dentro dos objectivos 
 constitucionalmente fixados para a política agrícola.
 O juízo a formular é necessariamente global: o de que ao legislador não será 
 consentido, tomando em consideração quer a redacção da Constituição anterior à 
 segunda revisão quer a resultante desta, vedar a expropriação dos latifúndios — 
 alcance imediatamente preceptivo do princípio em causa com sentido proibitivo 
 que imediatamente vincula o legislador; e ou inverter a orientação geral da 
 política agrícola, levando à reconstituição da situação anterior, ou 
 intencionalmente criar obstáculos ao desenvolvimento e prossecução dessa mesma 
 política.
 
 É certo que na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição, na redacção 
 anterior à segunda revisão constitucional, se aludia à «transferência 
 progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente 
 utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham», obtida através da 
 
 «expropriação dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas» (n.º 1 do 
 artigo 97.º).  Não queira ver-se naquela transferência «progressiva» um processo 
 de sentido único, sem paragens ou sequer sem retrocessos.  É que, mesmo para 
 quem pretenda ater-se apenas às duas disposições citadas, a transferência teria 
 sempre como objectivos a melhoria da situação económica, social e cultural dos 
 trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores [artigo 86.º, n.º 1, 
 alínea a), citado].  Avaliar da medida em que esses  objectivos estão sendo 
 alcançados é juízo que cabe no poder conformativo do legislador respeitados os 
 parâmetros constitucionais que marcam o limite externo desse poder de apreciação 
 e que acabam de ser indicados.
 Também nesta perspectiva, menor terá de ser a relevância a conceder a opções 
 normativas que tenham sido tornadas aconselháveis pela experiência colhida da 
 aplicação da revogada Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, tendo em vista a 
 resolução de casos duvidosos, a uniformização de critérios, o reforço da 
 segurança e do direito aplicável.
 
  
 
 9.1.3 — Em vão se procurará na Constituição uma definição que nesta matéria 
 vincule a dimensões pré-fixadas o poder de conformação do legislador. Tão pouco 
 se encontrará uma definição constitucional de latifúndio ou de grande exploração 
 capitalista.  Conforme se escreveu no Parecer da Comissão Constitucional n.º 
 
 24/77 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 3.º vol., p. 101), a 
 determinação de conceito de latifúndio «não releva do puro juízo jurídico mas 
 fundamentalmente de critérios técnicos e de decisões políticas que competem ao 
 legislador ordinário — e só a ele — contanto que não fique  frustrado o conteúdo 
 essencial dos comandos constitucionais».
 
  
 
 9.1.4 — Indiscutível é que o artigo 11.º consigna a sujeição a expropriação dos 
 prédios que correspondam a pontuação superior à estabelecida para o direito de 
 reserva.
 Mas não são arbitrários os novos parâmetros.  Têm fundamento material objectivo. 
 
  Não são obstáculo só por si à prossecução das finalidades pretendidas para a 
 política agrícola, no quadro do artigo 96.º da Constituição (redacção de 1982).  
 Podem ser interpretados como resultantes da eliminação da possibilidade de 
 diversos entendimentos do texto anterior e como clarificadores de situações de 
 facto e de direito, constituídas ao abrigo desse texto, constituídas, 
 sublinhe-se, em aplicação dessa lei.  A aplicação tanto pode ter sido correcta 
 como incorrecta.
 Neste último caso, foi e é única missão dos tribunais invalidar o ilegal.
 Assim, e sumariamente:
 
  
 
 —  A subida de 70 000 para 91 000 pontos (n.º 1 do artigo 15.º) poderá encontrar 
 explicação no facto de a lei revogada atribuir uma pontuação base de 70 000 
 pontos ao explorador directo da terra, que poderia ser majorada de 10% e mais 
 
 20%.  Dessas majorações aproveitaram muitos reservatários mas, independentemente 
 desse facto, o que é certo é que os critérios legais consentiam amplos poderes 
 legais que remetiam para juízos técnicos não inequívocos («tecnicamente 
 aconselhável»; «quando se torne aconselhável não afectar a produtividade do 
 estabelecimento agrícola»; 'complementaridade … tecnicamente justificada», 
 dependência «económica e predominante do rendimento de prédios expropriávais»).
 
 — Quanto à elevação de 30 para 60 hectares do limite da área não expropriável 
 
 (artigo 12.º, n.º 2), ninguém certamente sustentará que 60 hectares 
 corresponderão a um latifúndio e não se nega ao legislador legitimidade para ter 
 passado a entender que 30 hectares, área fixada em 1977, serão inferiores à 
 dimensão mínima «indispensável ao estabelecimento de uma exploração agrícola de 
 tipo familiar» (artigo 12.º, n.º 3).
 
 —  Quanto ao acréscimo, às áreas de reserva, de áreas não susceptíveis de 
 expropriação (artigo 12.º, n.º 3), compreende-se a medida visto que não faria 
 sentido, e seria contrário aos objectivos da política agrícola, dar origem a 
 explorações agrícolas sem um mínimo de capacidade de sobrevivência económica.
 
 —  Quanto à supressão da previsão de áreas máximas independentemente da 
 pontuação prevista no artigo 29.º da Lei n.º 77/77, é ela expressão do abandono, 
 por parte do legislador, em sede de limites máximos de reserva, de critérios 
 baseados puramente na extensão em superfície do fundo.  Cabe nos seus poderes de 
 conformação dar preferência a um outro critério, que é o do rendimento fundiário 
 e que passou agora a ser dominante.
 
 —  Quanto às deduções e aos novos critérios legais na matéria (n.os 3 e 5 do 
 artigo 15.º), justificou-os o então Ministro da Agricultura, Pescas e 
 Alimentação nos trabalhos parlamentares (v. Diário da Assembleia da República, I 
 Série, n.º 107, de 29 de Julho de 1988, p. 4370) em termos que revelam ter sido 
 a decisão de abolir, na nova lei, a exigência de as benfeitorias terem sido 
 feitas pelo próprio agricultor para efeitos de dedução à pontuação do apuramento 
 do rendimento fundiário, bem como a decisão de fazer entrar nessa dedução os 
 povoamentos florestais e não apenas plantações agrícolas ou florestais como 
 anteriormente, fundada em valorações que não podem deixar de caber no poder de 
 conformação do legislador.
 
  
 
 9.1.5 — Em síntese, as modificações operadas quanto à determinação da área das 
 reservas, cujo alargamento envolve, consequentemente, diminuição da área 
 expropriável, vistas as coisas objectivamente, não são determinadas pelo 
 propósito, ainda que tácito ou implícito, de repor a situação anterior e de 
 liquidar as radicais transferências de propriedade ocorridas.  Uniformizar 
 regimes, simplificar critérios, abandonar distinções que entretanto se terão 
 revelado perturbadoras, são desideratos de mérito não sindicáveis pelo juiz 
 constitucional.
 
  
 
 9.2 — Feita uma resenha ninimamente pormenorizada das normas em análise face à 
 Lei Constitucional vigente no momento da sua emissão, importa agora passar à 
 apreciação das normas referenciadas com o verdadeiro parâmetro de aferição da 
 conformidade constitucional que é a redacção da Constituição da República após a 
 Lei Constitucional n.º 1/89 de 8 de Julho.
 Do ponto em que o pedido vem sendo analisado, e na parte em que se reporta à 
 delimitação das áreas susceptíveis de expropriação, os já analisados artigos 
 
 11.º (em combinação com o artigo 15.º) e 12.º, não sofreram alterações (salvo o 
 n.º 1 do artigo 15.º, nos termos já atrás referenciados) na redacção que a Lei 
 n.º 109/88 recebeu em 1990, e não estão abrangidos no Pedido B.
 No entanto, como se referiu supra (n.º 6.2), os princípios gerais sobre 
 aplicação no tempo das normas constitucionais impõem que as normas sindicadas 
 sejam aferidas à luz da Constituição em vigor.
 E adiante-se desde já que a apreciação anteriormente feita não carece de 
 reformulação quanto ao sentido das conclusões entretanto alcançadas.
 No novo texto constitucional, de onde é eliminado o conceito de reforma agrária, 
 anteriormente não concretizado, embora referido no n.º 2 do artigo 96.º não como 
 objectivo em si mas apenas como instrumento para consecução de objectivos, não 
 desaparece a eliminação dos latifúndios como incumbência cometida ao Estado.  
 Ela é expressamente referida no artigo 81.º, alínea h) e no artigo 97.º, da 
 Constituição.  É no n.º 1 deste artigo que muito claramente se estabelece a 
 ligação entre os objectivos da política agrícola globalmente considerados e «o 
 redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão 
 excessiva» do ponto de vista desses objectivos.
 Se anteriormente a expropriação dos latifúndios era susceptível de ser entendida 
 como expressão da exigência constitucional de transferência progressiva da posse 
 
 útil da terra [alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º], o confronto com a actual 
 alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo mostra como o poder de conformação 
 legislativa foi alargado neste domínio, em que modificações do regime da 
 propriedade fundiária vão dirigidas ao acesso à propriedade ou à posse da terra 
 em benefício daqueles que a trabalham.
 Tanto basta para não incorrerem as normas legais questionadas em censura de 
 inconstitucionalidade à face dos padrões introduzidos na Lei Fundamental pela 
 versão da Lei Constitucional n.º 1/89.
 
 9.2.1 — Sobre o artigo 21.º, atrás transcrito, novamente se exige do intérprete 
 um juízo global.
 E começa por apontar-se que a questão só se põe porque o legislador decidiu em 
 
 1977 explicitar uma norma que feria de ineficácia actos ou contratos praticados 
 depois de 25 de Abril de 1974 que tivessem tido determinados objectivos ou 
 efeitos.
 Trata-se do artigo 24.º, que, sob a epígrafe «Actos declarados ineficazes», 
 estabelecia o seguinte:
 
  
 
 1 — Para efeitos de aplicação das medidas estabelecidas na presente lei, são 
 ineficazes os actos ou contratos praticados desde 25 de Abril de 1974 até 29 de 
 Julho de 1975 dos quais tenha resultado, por qualquer forma, diminuição de área 
 expropriável, se tiverem tido por objecto determinante essa diminuição.
 
 2 — Para efeitos de aplicação das medidas estabelecidas na presente lei, são 
 ineficazes os actos e contratos praticados depois de 29 de Julho de 1975 que 
 tenham tido o efeito referido no número anterior.
 
 3 — Presume-se, salvo prova em contrário, que têm por objectivo determinante a 
 diminuição da área expropriável os actos ou contratos referidos no n.º 1 que 
 tenham sido celebrados com parentes ou afins, excepto quando tenham origem em 
 transmissões mortis causa ocorrida após 25 de Abril de 1974, caso em que é 
 ininvocável a presunção aqui prevista.
 
  
 Não se vê como da Constituição possa decorrer a exigência dessa norma, 
 claramente retroactiva além do mais.  A ordem jurídica tem meios para invalidar 
 negócios jurídicos contrários à lei — cfr. desde logo o artigo 280.º do Código 
 Civil.
 O que se pergunta, em sede de juízo de inconstitucionalidade e à luz do texto da 
 Constituição, é se uma norma, que desloca para o início do processo de 
 expropriação a data a partir da qual se comina a ineficácia, contribui de forma 
 censurável para a diminuição da área expropriável.
 A resposta é positiva se se entender que as normas constitucionais vigentes a 
 partir do 1982 consagravam a expropriação como objectivo «a se».  Mas já se viu 
 que não era assim; pretendia-se a expropriação como forma de abolir o latifúndio 
 e de transferir para terceiros direitos sobre a terra.
 Por isso, o intérprete terá de dar por adquirido, desde já, que:
 
  
 a)    Do ponto de vista constitucional — e só dele aqui se cura — apenas lhe 
 caberá averiguar se os negócios em causa desencadearam ou não a fragmentação de 
 algum latifúndio ou grande exploração capitalista;
 b)    A norma em questão não obsta à aplicabilidade dos princípios gerais sobre 
 a validade dos negócios jurídicos.
 
  
 Se tiver havido transferências de propriedade válidas, a aplicabilidade da lei a 
 extensões expropriáveis não é posta em dúvida pois não permitem tal conclusão os 
 próprios termos das disposições em causa, lidos em conjugação com o artigo 11.º
 Se os negócios realizados estiverem viciados, não é a data a partir da qual 
 deixam de ser eficazes factor absolutamente determinante.  Mesmo eficazes, 
 continuarão sujeitos ao regime das invalidades, se disso for caso.
 Nesta perspectiva, e em qualquer dos casos, repete-se, a Constituição acabará 
 por não ser ferida pelo conteúdo da norma do artigo 21.º
 
  
 
 9.2.2 — Assim, conclui-se pela não inconstitucionalidade do artigo 11.º em 
 conjugação com o artigo 15.º, e dos artigos 12.º e 21.º da Lei n.º 109/88.
 
  
 
 10 — As normas dos artigos 13.º, 14.º, 15.º e 19.º da Lei n.º 109/88.
 
  
 Cabe agora apurar se serão desconformes à Lei Fundamental as normas que 
 constituem o 2.º grupo e que a seguir se transcrevem.
 Estão elas postas em crise porque alegadamente «consagrando e alargando a área 
 susceptível de reserva…» violarão «o disposto nos artigos 96.º, n.º 1, alínea 
 a), e n.º 2, e 97.º da Constituição da República».  Também    violarão o 
 disposto no artigo 99.º, n.º 2, da Constituição por facultarem a criação 
 irrestrita de unidades de exploração agrícola privadas [alínea d) do Pedido A].
 Trata-se das seguintes disposições legais:
 
  
 Artigo 13.º
 
 (Direito de reserva)
 
  
 Aos proprietários dos prédios expropriados é atribuído o direito de reserva de 
 propriedade de uma área determinada nos termos desta lei.
 
  
 Artigo 14.º
 
 (Conteúdo do direito de reserva)
 
  
 
 1 — A concessão do direito de reserva determina o reestabelecimento do 
 respectivo direito de propriedade, tal como existia à data da expropriação ou da 
 ocupação, quando esta tenha ocorrido em primeiro lugar.
 
 2 — A execução da decisão final proferida nos processos de reserva regulados 
 pela presente lei é considerada prioritária e de grave urgência para a 
 realização do interesse público.
 
 3 — O despacho de atribuição do direito de reserva tem força probatória plena, 
 nomeadamente para efeitos de inscrição no registo predial.
 
  
 Artigo 15.º
 
 (Pontuação da reserva)
 
  
 
 1 — O direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos, sem prejuízo do disposto 
 no artigo 17.º
 
 2 — A pontuação é fixada tendo em atenção o rendimento fundiário, com base no 
 cadastro oficialmente em vigor em 19 de Setembro de 1977 e de acordo com as 
 tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 406-A/75, com a excepção prevista no n.º 5 
 deste artigo.
 
 3 — No cálculo da pontuação não serão consideradas as benfeitorias existentes 
 nos prédios rústicos, bem como plantações agrícolas e povoamentos florestais, 
 exceptuando as realizadas pelo Estado ou outra pessoa colectiva pública.
 
 4 — Ao sobcoberto das plantações agrícolas e povoamentos florestais referidos no 
 número anterior será atribuída, com base na classificação a respectiva carta de 
 capacidade de uso do solo, uma pontuação de 90 pontos por hectare das classes D 
 e E, de 130 pontos por hectare da classe C, de 200 pontos por hectare da classe 
 B e de 300 pontos por hectare da classe A.
 
 5 — A pontuação de áreas de reserva desde que calculadas em conformidade com 
 este artigo, não será alterada depois da sua demarcação.
 
  
 Artigo 19.º
 
 (Alternativa dos reservatários)
 
  
 Aos reservatários é conferido o direito de optarem entre a área equivalente à 
 pontuação da respectiva reserva e uma área até 60 ha, independentemente da 
 pontuação.
 
  
 
 10.1 — Na parte em que é pressuposto das normas transcritas o poder de o 
 legislador consagrar, tal como o tinha feito em 1977, o instituto da reserva, 
 mais não será agora necessário do que confirmar a doutrina que já vem do Parecer 
 n.º 24/77 da Comissão Constitucional (ob. e vol. cit., a p. 99) e que se 
 transcreve:
 
  
 A Constituição não contempla directamente o direito de reserva a conferir a 
 titulares de prédios expropriados ou nacionalizados.  A legislação anterior à 
 Constituição previu-o, porém, e não tem sido seriamente impugnada a sua 
 constitucionalidade, quer ele se fundamente na não nacionalização integral do 
 solo, com eliminação apenas dos latifúndios e das grandes explorações 
 capitalistas, quer na directiva constitucional de que a reforma agrária se 
 efectuará salvaguardando os interesses dos que não tenham outros modos de 
 subsistência, quer na garantia da propriedade privada da terra dos médios 
 agricultores (artigo 99.º, n.º 2); esta garantia liga-se ao princípio da 
 pluralidade dos sectores de propriedade dos meios de produção (artigos 89.º e 
 
 90.º), válido também para a agricultura e também para a zona de intervenção.
 Nem se sustente a ilegitimidade do direito de reserva, por o artigo 97.º não 
 incluir os latifundiários ou ex-latifundiários entre aqueles a quem as terras 
 podem ser entregues para exploração.  Não estão incluídos com efeito; nem 
 poderiam estar, porque a entrega para exploração se situa sempre num regime de 
 sector público — transferida é apenas a posse útil, seja o que for que por esta 
 se entenda — ao passo que o direito de reserva tem, embora com limitações, um 
 conteúdo de direito de propriedade nos termos da lei civil (e isso tanto à face 
 do artigo 38.º do novo decreto como do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 406-A/75 e 
 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 407-A/75), [suprimiram-se as remissões para 
 notas de pé de página].
 
  
 Sublinha-se que a própria legislação anterior à Constituição tinha consagrado o 
 direito de reserva e que a garantia em que o mesmo se consubstancia se liga ou 
 se funda no princípio da pluralidade dos sectores de propriedade dos meios de 
 produção (artigo 89.º, sobretudo o seu n.º 2, da Constituição, na versão de 
 
 1982).
 Assim sendo, não há que analisar, quanto a este problema, os artigos 13.º, 14.º 
 e 15.º, restando referir o artigo 19.º, de forma muito sucinta.  A disposição 
 não reveste autonomia problemática.  Numa perspectiva sistemática do 
 entendimento de cada disposição do diploma, a opção dada ao reservatário entre a 
 
 área equivalente à pontuação da reserva a que tiver direito e uma área até 60 
 hectares é compaginável com a previsão de que não serão expropriáveis prédios de 
 extensão inferior.  Por outras palavras, e tendo em conta a redacção anterior 
 
 (artigo 33.º da Lei n.º 77/77) que, diferentemente do que agora se dispõe, 
 mandava demarcar essa área em terrenos de qualidade média idêntica à dos 
 expropriáveis, a nova opção legislativa compreende-se porque as áreas de reserva 
 se localizam nos prédios expropriados ou sujeitos a expropriação.  Novamente um 
 juízo sobre essa situação tem sede própria no campo da liberdade conformadora do 
 legislador e é alheio à ordem de juízos que ao Tribunal Constitucional cabe 
 emitir.
 Consagra assim a Lei, sem violar a Constituição, o instituto da reserva.  Quanto 
 ao alargamento da área susceptível de reserva, valem para aqui as considerações 
 formuladas a propósito dos artigos 11.º (em combinação com o 15.º) e 12.º, pois 
 
 é bem claro que quando diminui a área sujeita a expropriação é alargada a área 
 susceptível de reserva.
 
  
 
 10.2 — Das alterações introduzidas na revisão constitucional de 1989, será nesta 
 matéria relevante assinalar que, segundo a nova redacção do n.º 1 do artigo 97.º 
 da Constituição, a lei deverá prever a reserva de área suficiente para a 
 viabilidade e a racionalidade da sua própria exploração.
 O instituto de reserva recebeu assim expresso acolhimento.  E quanto à sua 
 extensão, tal como quanto ao latifúndio, embora se deva reconhecer que o 
 legislador não goza de uma liberdade absoluta, ajuizar dela releva do seu poder 
 de conformação.  Em termos de fiscalização da constitucionalidade, aproveitáveis 
 para uma apreciação do problema da extensão dos latifúndios, deverá o intérprete 
 entender que, no redimensionamento das unidades de exploração agrícola com 
 consequente eliminação dos latifúndios, o legislador constitucional teve por 
 critério a viabilidade e a racionalidade respectivas.  O latifúndio começa para 
 além das reservas.
 
  
 
 10.3 — Conclui-se assim que as normas dos artigos 13.º, 14.º, 15.º, e 19.º em 
 apreciação não são contrárias à Constituição.
 
  
 
 11 — As normas dos artigos 18.º, alínea a), e 28.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88.
 
  
 A alínea b) do Pedido A comporta os preceitos referidos em epígrafe; contudo, e 
 conforme se deixou escrito em sede de «Questão Prévia», não se irá conhecer do 
 artigo 17.º nem da parte do artigo 18.º que não foi objecto das alterações 
 introduzidas pela Lei n.º 46/90.  Transcrevem-se, portanto, apenas as 
 disposições que agora competirá apreciar:
 
  
 Artigo 18.º
 
 (Sociedades)
 
  
 
 ...................................................
 a)    As reservas são tantas quantas as quotas ou participações no capital 
 social, existentes à data da expropriação, de cuja percentagem sobre o da 
 pontuação do prédio resulte área ou pontuação superior a 60 ha ou 91 000 pontos, 
 podendo os sócios agrupar-se para efeitos de atingirem essa percentagem, 
 mediante assinatura em conjunto do requerimento de reserva;
 Artigo 28.º
 
 (Demarcação da reserva)
 
  
 
 1 — Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação aprovar a 
 demarcação das reservas previstas nesta lei.
 
 2 — .................................................. 
 
  
 Adverte-se desde já, quanto à alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º, que, por a 
 norma se inscrever em um contexto normativo que será objecto de apreciação a 
 propósito do Pedido B, não será agora curial tratá-la de forma autónoma.  Os 
 problemas de constitucionalidade suscitados a seu respeito           — 
 imputa-se-lhe o facto de ser uma de entre várias formas de alargamento dos 
 potenciais titulares de reservas — também serão tratados adiante, e, conforme se 
 verá, em termos e dentro de parâmetros que não são objecto de inflexão em 
 resultado da revisão constitucional de 1989.
 
  
 
 12 — Também quanto ao preceito do n.º 1 do artigo 28.º, cuja redacção se manteve 
 inalterada na Lei n.º 46/90, os problemas de constitucionalidade suscitam-se 
 relativamente aos n.os 2 e 3 do preceito, não dispondo, na perspectiva dos 
 peticionantes, o n.º 1 de qualquer autonomia, pelo que o seu tratamento se fará 
 quando se apreciar o Pedido B.
 
  
 B.2)  Pedido B
 
  
 
 13 — Importa analisar, de seguida, a conformidade com a Constituição das normas 
 cuja declaração de inconstitucionalidade vem requerida no Pedido B.
 Recapitulando pontos adquiridos em sede de Questão Prévia, será conveniente 
 relembrar que se deixaram de fora do campo de análise, quanto ao Pedido A as 
 normas constantes do artigo 17.º, do artigo 18.º e do artigo 28.º, da versão 
 originária da Lei n.º 109/88.  Recorda-se que a consideração da originária 
 alínea a) do artigo 18.º [actual alínea a) do seu n.º 1] e do n.º 1 do artigo 
 
 28.º foram relegadas para o contexto de apreciação da nova versão dos referidos 
 artigos (11.º e 12.º).
 Estas normas, porém, foram objecto do Pedido B.  Por essa razão serão apreciadas 
 oportunamente no seguimento da análise das normas questionadas na redacção que 
 lhes foi dada pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto.
 
  
 
 14 — A norma do artigo 14.º-A da Lei n.º 109/88 (redacção da Lei n.º 46/90).
 Assim sendo, começará por se apreciar a conformidade à Constituição da norma 
 constante do artigo 14.º-A, objecto de um aditamento introduzido pala Lei n.º 
 
 46/90, seguindo-se a ordenação formulada pelos requerentes na síntese conclusiva 
 do seu pedido.
 
 É a seguinte a redacção dessa norma:
 
  
 Artigo 14.º-A
 
 (Devolução de prédios meramente ocupados)
 
  
 Aos proprietários de prédios meramente ocupados aplicam-se com as necessárias 
 adaptações, as disposições relativas ao direito de reserva, devendo o Estado 
 proceder às desocupações de todas as terras que, em conformidade com o disposto 
 na presente lei, não são passíveis de expropriação.
 
  
 Consideram os Deputados signatários do Pedido B que esta norma consente à 
 Administração invadir a competência dos tribunais, por a estes ser negada a 
 possibilidade de se pronunciarem, em cada caso concreto, sobre os direitos de 
 propriedade dos prédios ocupados.  Ao abrigo da norma questionada, a 
 Administração exerceria competências que seriam indubitavelmente do foro 
 jurisdicional, assim se contrariando os artigos 205.º e 206.º da Constituição.
 
  
 
 14.1 — O alcance da norma não oferece quaisquer dificuldades interpretativas: 
 visa-se pôr termo a situações que se terão constituído à margem da lei, com a 
 ocupação de terras não passíveis de expropriação, sendo que, quanto àquelas que 
 se encontrarem meramente ocupadas, mas que correspondam à pontuação superior à 
 estabelecida para o direito de reserva, a constituição desta pode ser requerida 
 pelos respectivos proprietários.
 
  
 
 14.2 — Não se vê em que medida possa verificar-se invasão de competência dos 
 tribunais, se se atender a que a Administração actua no cumprimento da lei e com 
 vista ao restabelecimento de uma situação de normalidade jurídica.  A norma 
 apenas determina que o Estado, e aqui será de entender que se refere aos órgãos 
 e agentes da função administrativa, procederá à desocupação de todas as terras 
 que não são passíveis de expropriação.  Não está directamente investida do poder 
 de se pronunciar sobre «os direitos de propriedade dos prédios ocupados»; antes, 
 perante uma ocupação desprovida de qualquer outro título que não seja o da mera 
 factualidade contrária à lei, deverá proceder às operações materiais exigidas 
 pelo restabelecimento da legalidade.  Ela (a Administração) não dirime qualquer 
 conflito de direito tendo por objecto esses bens.  Aliás, deverá notar-se que a 
 latitude da sua actuação é desde logo limitada na medida em que se não procederá 
 
 à desocupação relativamente a prédios expropriáveis.
 Do que antecede, resulta que a Administração Pública não vai praticar actos 
 jurisdicionais sob a veste de actos administrativos.  Poderá, em contrário, 
 argumentar-se com a circunstância de a actuação em concreto da Administração 
 pressupor um prévio juízo sobre a qualificação jurídica da situação.  Mas não é 
 esse juízo, a existir, o meio pelo qual se definem direitos e obrigações dotados 
 de estabilidade e dignos da tutela própria de uma decisão judicial.  Isto por um 
 lado.  Por outro lado, e em tese geral, nem sequer da formulação de juízos 
 daquele primeiro género estão arredados os órgãos da função administrativa, 
 desde logo na matéria de que se ocupa o presente acórdão.  Com efeito, no âmbito 
 da Lei em análise, são a própria expropriação e a própria atribuição de reservas 
 chamadas a tomar a forma de actos administrativos.
 
  
 
 14.3 — Não se encontrando, assim, qualquer base sólida para que se imponha uma 
 análise mais aprofundada da questão, dado que o invocado argumento da invasão da 
 reserva da função jurisdicional claudica logo à partida, conclui-se pela não 
 inconstitucionalidade da norma em apreço.
 
  
 
 15 — As normas dos artigos 17.º e 18.º da Lei de Bases da Reforma Agrária 
 
 (redacção da Lei n.º 46/90).
 
  
 Segue-se na ordenação do Pedido B a apreciação da conformidade à Constituição 
 das normas indicadas em epígrafe.  Deixe-se apenas assinalado que a apreciação 
 vai ter de ter em conta também a parte do artigo 18.º que não foi alterada em 
 
 1990 — a sua anterior alínea a) — que agora volta a transcrever-se para 
 facilitar a consulta do texto.
 
  
 Artigo 17.º
 
 (Contitularidades e heranças indivisas)
 
  
 
 1 — Nas contitularidades ou nas heranças indivisas existentes à data da 
 expropriação ou ainda nos casos em que tais situações se constituíram, por morte 
 do ex-titular ou de um dos ex-titulares dos prédios expropriados, em data 
 anterior a 26 de Setembro de 1988, cada uma das partes, ou de quinhões 
 hereditários, tem direito a uma reserva cuja pontuação é a correspondente à 
 respectiva percentagem sobre a pontuação total dos prédios expropriados.
 
 2 — Para cada contitular ou herdeiro a soma da pontuação correspondente à 
 percentagem da respectiva parte ou quinhão e da pontuação de outras áreas de que 
 seja, ou tenha sido, reservatário ao abrigo da lei anterior não pode, porém, 
 exceder a pontuação estabelecida para o direito de reserva.
 
 3 — Os contitulares ou herdeiros podem agrupar as respectivas partes ou quinhões 
 hereditários, mediante a assinatura em conjunto do requerimento de reserva, mas 
 a área atribuída a cada grupo de contitulares ou herdeiros não pode exceder a 
 pontuação estabelecida para o direito de reserva.
 
 4 — Para os efeitos do disposto nos números anteriores, os cônjuges são 
 considerados um só titular quanto aos bens comuns.
 
  
 Artigo 18.º
 
 (Sociedades)
 
  
 
 1 — Às sociedades cujo património foi expropriado ou nacionalizado cabe uma 
 reserva múltipla equivalente à soma de várias reservas, nos termos seguintes:
 
  
 
              a)   [redacção originária não alterada pela Lei n.º 46/90] As 
 reservas são tantas quantas as quotas ou participações no capital social, 
 existentes à data da expropriação, de cuja percentagem sobre o total da 
 pontuação do prédio resulte área ou pontuação superior a 60 ha ou 91 000 pontos, 
 podendo os sócios agrupar-se para efeitos de atingirem essa percentagem, 
 mediante assinatura em conjunto do requerimento de reserva;
 
              b)   Por cada sócio, a soma da pontuação correspondente à 
 percentagem da respectiva quota ou participação no capital social de uma ou mais 
 sociedades e da pontuação de outras áreas de que ele seja ou tenha sido 
 reservatário, ao abrigo da lei anterior, não pode, porém, exceder 91 000 pontos.
 
  
 
 2 — A pontuação da reserva atribuída nos termos do número anterior não pode 
 exceder 364 000 pontos, excepto quanto às sociedades por quotas, em relação às 
 quais a produção de efeitos da atribuição da reserva para além da pontuação 
 limite fica condicionada a que a parte excedente seja separada por divisão, 
 cisão ou partilha ou pela liquidação da sociedade.
 
  
 Referem os Deputados subscritores que a eliminação do n.º 5 do artigo 17.º «seja 
 através do mecanismo da multiplicação e junção de reservas…, seja através da 
 possibilidade de os vários herdeiros concorrerem a reservas separadas que num e 
 noutro caso passam a poder ser reunificadas… significa que a aplicação destes 
 mecanismos conduz inexoravelmente à (re)constituição de latifúndios», com 
 violação dos artigos 81.º, alínea h), e 97.º da CRP.  Referem ainda que as 
 alterações introduzidas neste artigo «esvaziam de conteúdo o limite aparente de 
 
 91 000 pontos previstos no artigo 15.º  Esta circunstância conjugada com vários 
 dispositivos da lei, designadamente o artigo 11.º em combinação com o disposto 
 nos artigos 15.º, 12.º e 21.º; 13.º; 14.º; 15.º e 19.º; 17.º; 18.º e 33.º» viola 
 ainda a alínea n) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
 Quanto ao artigo 18.º, sublinham os Deputados requerentes do Pedido B que, na 
 nova redacção, se passa a referir «uma reserva múltipla equivalente à soma de 
 várias reservas» ao mesmo tempo que se elimina também a alínea e) da anterior 
 redacção, a qual feria de nulidade os actos administrativos que conduzissem à 
 reunificação das reservas atribuídas às sociedades.  De tudo isto resultaria a 
 violação, também aqui, dos artigos 81.º, alínea h), e 97.º da CRP.
 Em síntese, no Pedido B sustenta-se que «as vias abertas pela nova redacção dos 
 artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro conduzem à restauração 
 do latifúndio tal como historicamente existiu e, como na prática, tem estado a 
 suceder».
 A questão não é nova em sede de confronto dos artigos 17.º e 18.º da Lei de 
 Bases com o artigo 97.º, n.º 1, da Constituição, pois já foi abordada 
 explicitamente no Acórdão deste Tribunal n.º 187/88, já citado.  A orientação aí 
 firmada é de manter.
 
  
 
 15.1 — O artigo 17.º respeita aos chamados indivisos (contitularidades e 
 heranças indivisas) e trata os quinhoeiros nas propriedades expropriadas, nos 
 termos do que se dispõe no artigo 11.º da Lei, como titulares individualizados 
 de um direito de reserva.  Coloca-os na posição em que se encontrariam se, à 
 data da expropriação, a situação não fosse de indivisão e cada interessado 
 tivesse então direito a uma reserva.
 Sobre esta questão parece oportuno deixar duas notas.
 Em primeiro lugar, a permanência da situação de indivisão poderá ser devida a 
 circunstâncias puramente fortuitas, de forma que qualquer distinção de regimes 
 que se pretendesse gizar com base nela acabaria por gerar desigualdades que não 
 custaria atribuir ao acaso e que seriam portanto arbitrárias. Assim seria se o 
 destino da propriedade herdada ficasse dependente do grau de diligência com que 
 os herdeiros tivessem procedido à partilha, uns, os mais expeditos, saindo 
 beneficiados, os outros, os menos expeditos por terem eventualmente deparado com 
 dificuldades no processo ou com delongas na respectiva tramitação judicial não 
 imputáveis à sua vontade, saindo prejudicados.
 Depois, anotar-se-á que as disposições questionadas são em si próprias 
 instrumentos da extinção de situações de compropriedade e dessa forma, 
 simultaneamente, estímulo à eliminação dos próprios latifúndios ou grandes 
 explorações capitalistas (cfr. artigo 97.º, n.º 1, da Constituição, na versão 
 anterior à própria revisão constitucional de 1989).  Ainda que a subsistência da 
 indivisão se devesse à intenção de manter o latifúndio ou a grande exploração, o 
 certo é que a indivisão, por força da alínea b) do artigo 11.º da Lei, não é 
 obstáculo à expropriação.
 Dir-se-á que se posterga ou relega para segundo plano o objectivo constitucional 
 da transferência progressiva da posse útil da terra [artigo 96.º, alínea a), 2.ª 
 parte, da Constituição na versão anterior à vigente, que deverá ser confrontada 
 com a actual alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo].  Não colhe tal argumentação, 
 ou antes, só colhe para quem optar por uma postura de defesa de uma radical e 
 imediata mutação das relações dominiais, contrariando a ideia de progressividade 
 esboçada na disposição constitucional citada.  A verdade é que tal transferência 
 está prevista na lei, na presente situação, em um segundo momento, o que 
 inclusivamente satisfaz ao princípio da progressividade da transferência, agora 
 sem assento constitucional.  É que cada contitular ou herdeiro fica sujeito a 
 ser expropriado se vier a reunir no seu património uma área que exceda a 
 pontuação máxima segundo o n.º 2 do artigo 17.º, além de que, ainda que 
 sobrevenham agrupamentos de partes ou quinhões hereditários (n.º 3 deste 
 artigo), não poderá a pontuação correspondente exceder a que é estabelecida para 
 o direito de reserva.
 Postas as coisas nestes termos, tudo reverte para o conceito legal de 
 latifúndio, que tem como parâmetro base o cálculo de uma pontuação a atribuir a 
 um prédio ou conjunto de prédios rústicos superior à estabelecida para o direito 
 de reserva (cfr. o artigo 11.º da Lei), sabendo-se também que a exploração 
 agrícola do tipo familiar (n.º 2 do artigo 12.º da Lei), ou áreas inferiores a 
 
 60 hectares, não serão qualificáveis como latifúndios.  Na matéria, já o 
 Tribunal tomou posição: a fixação da quantificação entra no campo do poder de 
 conformação do legislador, e só merecerá censura se objectivamente for 
 conducente à prossecução de objectivos que contrariem a Constituição.  Mas não é 
 o caso.
 
  
 
 15.2 — Valem para o artigo 18.º considerações de tipo semelhante, bem como a 
 remissão para o juízo já formulado no Acórdão n.º 187/88, já várias vezes 
 citado.
 Também aqui se pode dizer que o legislador procura corrigir situações que, na 
 sua óptica, terão relevado de uma intenção política da radical modificação das 
 estruturas da propriedade e não de uma sua progressiva transformação.  E também 
 aqui se poderá dizer que a norma sindicada, vista agora em perspectiva de 
 progressiva transferência da propriedade, é ainda instrumental desta 
 transferência.   Uma perspectiva que sacrificasse o princípio do respeito pelo 
 direito de propriedade ao princípio da colectivização de grandes extensões 
 fundiárias, ignoraria intencionalmente o estatuto jurídico originário destas 
 extensões.  Todavia mesmo uma perspectiva de ‘‘transferência progressiva’’ 
 apontaria para uma concordância prática dos dois princípios conflituantes, em 
 termos de o segundo só ganhar prevalência quando a titularidade unipessoal, 
 convertida em propriedade perfeita ou pelo menos não compartilhada, tornada 
 obrigatória quando (ainda) não verificada, viesse a posteriori legitimar a 
 expropriação, a título de eliminação do latifúndio [artigo 97.º, n.º 1, 
 conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º e com o artigo 62.º, todos na 
 redacção da Constituição imediatamente anterior à vigente].
 Assim sendo, sem dificuldade se entenderá que voltamos a ser reconduzidos à 
 questão da determinação do conceito constitucional de latifúndio    — ou melhor, 
 
 à questão da margem, reconhecidamente ampla, em que ao legislador é permitido 
 mover-se nesta matéria.  Visto já ficou que, desse lado, não terão advindo 
 vícios para as normas produzidas.
 
  
 
 15.3 — Reportemo-nos agora conjuntamente aos dois artigos acabados de analisar, 
 mas estritamente encarando as questões suscitadas no Pedido B, designadamente 
 tendo em conta que foi eliminada a sanção da nulidade cominada para os actos 
 jurídicos que conduzam à reunificação das reservas atribuídas [anteriores n.º 5 
 do artigo 17.º e alínea e) do artigo 18.º da Lei n.º 109/88, na sua versão 
 originária].
 Com os artigos 17.º e 18.º os indivisos e os acervos apropriados em comunhão 
 societária são, pelo menos tendencialmente, reconduzidos à propriedade titulada 
 individualmente e dessa operação poderá ter resultado a atribuição de reservas.  
 Mesmo que contitulares ou herdeiros, nesse contrato, tenham agrupado as 
 respectivas partes ou quinhões hereditários, a área atribuída a cada grupo não 
 pode exceder a pontuação estabelecida para o direito de reserva (n.os 3 e 4 do 
 artigo 17.º em ligação com o n.º 1 do artigo 11.º).  Para as sociedades vigora 
 um regime especial, mas também aí se mantém, relativamente a cada sócio, o 
 limite da pontuação [alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º], sendo que a pontuação 
 da reserva atribuída não poderá exceder aquela que é equivalente a quatro 
 reservas de titularidade individual, ou seja, os 364 000 pontos previstos no n.º 
 
 2 do artigo 18.º
 O regime estabelecido, novamente se diga, reconduz-se, quanto ao juízo a 
 formular, à temática da determinação do  conceito constitucional de latifúndio.  
 A posição anteriormente tomada também, e consequentemente, não tem de ser 
 reformulada.  Resulta do artigo 97.º, n.º 1, da Constituição que latifúndio é 
 conceito aplicável a uma exploração agrícola que tenha dimensão excessiva do 
 ponto de vista dos objectivos da política agrícola.  O latifúndio começa para 
 além da reserva e esta deve corresponder a uma área suficiente para a 
 viabilidade e racionalidade da sua própria exploração.
 Do ponto de vista do regime a que são submetidas as contitularidades e heranças 
 indivisas, nada do que é essencial no preceito constitucional parece tocado.
 E também o mesmo se dirá quanto ao regime aplicável ao património das 
 sociedades, sabido como é que é indeterminado o número de sócios de cada uma, 
 hipoteticamente titulares de direitos de reserva se, em vez de terem conjugado e 
 posto em comum recursos de cada um deles, tivessem optado pela titularidade 
 singular desses mesmos recursos.  O limite equivalente à área de 4 reservas 
 
 (mesmo para as sociedades por quotas é necessário ter em conta a norma do n.º 2 
 do artigo 18.º) não parece arbitrário nem desrazoável.
 E o que se diz vale tanto para a redacção originária na parte em que está também 
 agora em apreciação a alínea a) do artigo 18.º, quer se confrontasse com o texto 
 constitucional vigente à data da feitura da Lei n.º 109/88, quer se procedesse 
 ao confronto dessa mesma norma com o texto constitucional vigente.
 
  
 
 15.3.1 — O pedido porém visa ainda outros aspectos que têm a ver com a dinâmica 
 do sistema, doravante entregue ao jogo da autonomia privada.
 Que as normas acabadas de analisar conduzam inexoravelmente ou não à 
 reconstituição de latifúndios, não é afirmação que possa acolher-se tendo 
 presente o regime jurídico nelas contemplado na sua aplicação a fundos 
 agrícolas, tal como se encontravam antes dessa aplicação.  A intenção do 
 legislador é precisamente a contrária, mesmo quando permite o agrupamento de 
 partes ou quinhões hereditários (n.º 3 do artigo 17.º) ou a subsistência de 
 sociedades [artigo 18.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2].  Há limites máximos de 
 pontuação bem como não podem considerar-se iguais os casos de titularidade 
 individual e os casos de contitularidade ou de comunhão societária.
 O argumento da possibilidade de reconstituição, in futuro dos latifúndios, 
 explicitamente invocado apenas a propósito do artigo 17.º, tem porém mais peso e 
 carece de elucidação complementar, também quanto ao regime consagrado no artigo 
 
 18.º  Poderá na verdade perguntar-se se tal efeito não se produzirá uma vez 
 esgotada no tempo a aplicação da Lei, uma vez terminada a reestruturação 
 fundiária que é objecto do respectivo Capítulo ii (artigos 11.º a 34.º).
 Mas a resposta está já contida no que acabou de referir-se.  Na medida em que 
 parece ser legítimo interpretar o pedido como visando não só o regime de 
 reestruturação fundiária como também aquele que será aplicável no futuro 
 posterior a essa reestruturação, o que deve dizer-se é que o Capítulo ii tem 
 natureza transitória e não aspira a mais do que isso mesmo, ou seja, os artigos 
 
 17.º e 18.º inscrevem-se no programa normativo do destino a dar a prédios 
 anteriormente expropriados (artigo 13.º), localizados na zona de intervenção 
 agrária (corpo do artigo 11.º), sendo que a nova redacção do artigo 1.º (o 
 artigo 2.º foi expressamente revogado pelo artigo 3.º da nova Lei) trazida pela 
 Lei n.º 46/90, vem esclarecer definitivamente a questão.
 Com efeito, a Lei regula o redimensionamento das unidades de exploração agrícola 
 e o destino das áreas expropriadas e nacionalizadas (n.º 1 do artigo 1.º) e 
 mantém, a prazo, a composição da zona de Intervenção da Reforma Agrária (ZIRA), 
 constante do Decreto-Lei n.º 236/B/76, de 8 de Abril (n.º 2 do mesmo artigo 
 
 1.º).  A Lei de Bases da Reforma Agrária não é a legislação de âmbito nacional 
 que estabelecerá as bases gerais do fomento agrário e das estruturas agrícolas 
 
 (n.º 2 do artigo 1.º, com sublinhados agora introduzidos).  De tal forma, não 
 será legítimo exigir-lhe mais do que ela própria visa, sem prejuízo de uma 
 hipotética censura por omissão legislativa que, além do mais, não pode ter lugar 
 em sede de fiscalização abstracta sucessiva por acção, que é a que agora se está 
 a levar a cabo.
 Resta o argumento tirado da alínea n) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, 
 que, segundo os requerentes, estabelece um dever de fixação dos «limites máximos 
 e mínimos das unidades de exploração agrícola privadas».  Mas novamente se lhe 
 aplicam as considerações respeitantes a possíveis omissões legislativas.
 E, não se julgando suficiente ficar por aqui, importa referir que a alínea n) 
 citada é acima de tudo uma norma da competência e, a esse título, uma norma 
 autorizadora de legislação.  Por outro lado a proibição da reconstituição do 
 latifúndio poderá passar por outras vias, que não exclusivamente aquelas que 
 impliquem a fixação de limites máximos das unidades de explorações agrícolas 
 privadas.
 
  
 
 15.4 — Conclui-se portanto: não violam a Constituição quer a norma constante da 
 redacção originária da alínea a) do artigo 18.º, quer as normas dos artigos 17.º 
 e 18.º da Lei n.º 109/88 na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 46/90.
 
 16 — Os artigos 28.º e 39.º da Lei n.º 109/88 (versão da Lei n.º 46/90).
 
  
 Passa-se agora à apreciação dos artigos 28.º e 39.º da Lei, na sua redacção 
 vigente, referidos conjuntamente na alínea g) do Pedido B, começando por se 
 transcrever o texto correspondente:
 
  
 Artigo 28.º
 
 (Demarcação da reserva)
 
  
 
 1 — [texto não alterado em 1990]  Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e 
 Alimentação aprovar a demarcação das reservas previstas nesta lei.
 
 2 — A demarcação da reserva ou a reversão do prédio rústico é obrigatoriamente 
 precedido da notificação, para audiência, dos titulares de outros direitos sobre 
 os prédios em causa, referidos no n.º 1 do artigo 20.º, e dos beneficiários da 
 entrega para exploração, referidos no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da 
 respectiva reserva.
 
 3 — A notificação prevista no número anterior, na impossibilidade de ser feita 
 directamente, é efectuada por edital publicado, ainda que sem identificação 
 pessoal dos interessados, em, pelo menos, dois números de um jornal de grande 
 tiragem e afixado na sede da Junta de Freguesia da localização do respectivo 
 prédio.
 
  
 Artigo 39.º
 
 (Competência)
 
  
 Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação determinar, para 
 efeitos de entrega para exploração:
 
  
 
              a)   .................................................
 
              b)   .................................................
 
              c)   .................................................
 
              d)   .................................................
 
  
 Não se reproduz o texto das quatro alíneas desta última disposição por o pedido 
 não recair sobre o respectivo conteúdo.  Por sua vez, relembra-se que da 
 redacção originária do artigo 28.º apenas está incluído no âmbito do Pedido A e 
 relegado para conhecimento neste momento o seu n.º 1, pelas razões inicialmente 
 referidas.
 Ao artigo 28.º, na sua versão originária, imputavam os requerentes vários 
 vícios.  A demarcação das reservas excluiria a audiência das UCP’s/Cooperativas 
 e permitiria a respectiva «realização» por edital.  Faltariam aqui formalidades 
 essenciais relevantes, no contexto de um regime que inviabilizaria o exercício 
 do direito ao recurso, cujo conteúdo essencial seria atingido.  Seriam 
 discriminatoriamente feridas as UCP’s/Cooperativas, cuja legitimidade activa nos 
 recursos contenciosos seria eliminada.
 
 É lícito ao intérprete concluir que os n.os 2 e 3 do artigo 28.º na sua versão 
 originária, precisamente aqueles que foram alterados em 1990, não chegaram a ter 
 aplicação.  Na verdade, o Decreto Regulamentar n.º 44/88, de 14 de Dezembro, que 
 estabeleceu o processo do exercício do direito de reserva só veio a ser revogado 
 pelo Decreto-Lei n.º 12/91, de 9 de Janeiro, editado já sob a expressa invocação 
 do regime jurídico instituído pela Lei n.º 46/90, em conformidade com o que 
 nesta ficou disposto no n.º 2 do artigo 52.º  Até então esteve sempre em vigor o 
 Decreto Regulamentar de 1988.
 Assim sendo, e ultrapassado este parêntesis, é de referir que os Deputados 
 subscritores do Pedido B sustentam que a nova redacção dos artigos 28.º e 39.º 
 retira a obrigatoriedade da audiência dos trabalhadores permanentes e efectivos 
 dos prédios expropriados ou nacionalizados nos processos de demarcação de 
 reserva e de entrega de terras para exploração.  Desta forma, estarão a ser 
 violados os artigos 101.º e 268.º, n.º 3, da Constituição (redacção vigente).
 
  
 
 16.1 — É verdade que a Lei n.º 46/90 suprimiu as referências, contidas no texto 
 originário, à audiência dos trabalhadores efectivos ao serviço dos prédios 
 expropriados, prévia à demarcação da reserva ou à reversão do prédio rústico, 
 como resulta do confronto entre as versões sucessivas do n.º 2 do artigo 28.º  E 
 também em sede de entrega para exploração dos prédios expropriados ou 
 nacionalizados, como se alcança do confronto entre o texto dos   proémios do 
 artigo 39.º que se sucederam, deixou o Ministro da Agricultura, Pescas e 
 Alimentação de estar obrigado a ouvir os trabalhadores permanentes e efectivos.
 Importa ter presente que a nova redacção dos artigos postos em causa elimina a 
 necessidade de audiência prévia dos trabalhadores efectivos e permanentes, mas 
 mantém a obrigatoriedade de audiência ‘‘dos titulares de outros direitos em 
 causa’’, referido no n.º 1 do artigo 20.º, e dos beneficiários da entrega para 
 exploração referido no n.º 1 do artigo 29.º, de áreas da respectiva reserva (n.º 
 
 2 do artigo 28.º), isto muito claramente em matéria da demarcação da reserva ou 
 reversão de prédio rústico.  Os terceiros a que alude esta norma parcialmente 
 transcrita são, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, os titulares de outros 
 direitos reais ou os arrendatários à data da expropriação ou da ocupação.  É 
 neste contexto que a resposta a dar à interrogação deve colocar-se porque, 
 efectivamante, não pode dizer-se que liminarmente estejam excluídos do direito 
 de audiência os trabalhadores efectivos e permanentes se se mostrarem investidos 
 dos títulos requeridos pela Lei.
 Através da concessão do direito de reserva ou da reversão procede-se, caso não 
 se queira ver aí uma forma de modificação do direito de propriedade, pelo menos 
 a uma alteração da entidade que passa a deter direitos de exploração sobre o 
 fundo e a ser responsável pela unidade produtiva.  Em vão se procurará 
 encontrar, porque não existe, uma disposição constitucional que confira a 
 trabalhadores, tomados atomisticamente e desligados das respectivas organizações 
 representativas, o direito a pronunciarem-se sobre mutações que venham a ocorrer 
 relativas ao direito de propriedade dos meios de produção ou à titularidade dos 
 direitos do sujeito jurídico que encabeça a empresa, seja ela agrícola, 
 industrial ou comercial.  E compreende-se que assim seja, já que essas mutações 
 não constituem, por si só, causa de cessação do vínculo juslaboral.  Não há 
 ligação incindível entre o direito ao posto de trabalho e a titularidade da 
 empresa ou dos meios de produção.
 
  
 
 16.2 — Um juízo de censura dos dois preceitos em análise não se poderá retirar 
 do artigo 101.º da Constituição, tomado isoladamente, como acabou de se 
 concluir.  Em ambos os pedidos porém, e designadamente no Pedido B, que é aquele 
 que está a ser apreciado, a essa norma constitucional acrescentam os requerentes 
 a referência ao artigo 268.º, n.º 3, da Constituição.
 A invocação do disposto nesta última norma como fundamento para a censura de 
 inconstitucionalidade em que a lei alegadamente incorre ao suprimir a 
 obrigatoriedade de audiência dos trabalhadores permanentes e efectivos suscita 
 alguma perplexidade.  É manifesto que o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição 
 não releva, pelo menos de forma directa, para a apreciação da 
 constitucionalidade das normas legais questionadas, pois, não estando em causa a 
 exigência de fundamentação dos actos, na parte que interessa para o caso, a 
 norma constitucional apenas se limita a exigir a notificação dos actos 
 administrativos aos interessados.  Escapam à sua previsão, portanto, as fases do 
 procedimento anteriores à perfeição do acto, nomeadamente a audiência dos 
 interessados.  Por outro lado, à alteração introduzida na lei com a redacção de 
 
 1990, é também estranha a matéria do direito ao recurso contencioso e das normas 
 em análise não resulta só por si uma restrição do âmbito dos sujeitos 
 legitimados para a respectiva interposição, vício esse que vinha alegado, nesta 
 parte, no Pedido A.
 Mas também não conduz a um juízo negativo a análise dos normativos postos em 
 crise, agora à luz do princípio constitucional da participação dos interessados 
 na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, contido no 
 n.º 4 do artigo 267.º da Lei Fundamental, análise a que, atentas as conexões de 
 conteúdo, passa a proceder-se, nos termos do n.º 5 do artigo 51.º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
 Retenha-se um primeiro ponto: o legislador não eliminou a participação dos 
 interessados nos actos de demarcação de reservas, de reversão ou de entrega para 
 exploração, estes contemplados no artigo 39.º — a este aspecto já se deixou 
 referência.  Com a nova redacção, o legislador delimitou em novos termos o 
 universo dos sujeitos legitimados para intervirem na fase procedimental de 
 audiência.
 Ao excluir a obrigatoriedade de audiência dos trabalhadores efectivos e 
 permanentes em serviço nos prédios expropriados ou nacionalizados — o que desde 
 logo permite concluir que essa audiência não foi proibida mas sim deixado à 
 administração o poder de a ela proceder quando entender conveniente ou oportuno 
 
 — terá o legislador excedido os limites do seu poder de conformação?
 Deixando de lado a questão de saber se e em que medida se aplica às situações 
 tipificadas pelas normas em apreciação, modificando a respectiva previsão, o 
 regime constante do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro (cfr. os respectivos artigos 2.º, 
 
 100.º e 53.º), deve dizer-se que não se encontra motivo para uma censura de 
 inconstitucionalidade.  Dada a sua estrutura de princípio, a norma do artigo 
 
 267.º, n.º 4, da Constituição está aberta à concretização legislativa, admitindo 
 mais do que uma solução, e já se deixou referido que o estatuto jurídico dos 
 trabalhadores não tem de acompanhar as vicissitudes que para a exploração vierem 
 a resultar de mutações dominiais.
 Nesta perspectiva, os trabalhadores efectivos e permanentes passaram a estar 
 colocados na situação dos demais trabalhadores afectos a explorações 
 industriais, comerciais ou mesmo agrícolas às quais não se apliquem as normas da 
 Lei n.º 109/88 e não se pode afirmar que o legislador tenha actuado fora do 
 espírito do sistema, inclusivamente tendo presente, também e conjugadamente, o 
 disposto no artigo 101.º da Constituição.  A participação dos trabalhadores 
 através das suas organizações representativas assegurada por esta norma 
 constitucional, no plano sistemático em que a mesma está colocada, tem com 
 certeza virtualidades garantísticas apreciáveis, mas a força irradiante que dela 
 se quiser extrair ainda aí não se oferece com a densidade preceptiva suficiente 
 para impor ao legislador a consagração da obrigatoriedade de audiência dos 
 trabalhadores efectivos e permanentes.
 
  
 
 16.3 — Nesta conformidade, conclui-se pela não inconstitucionalidade das 
 identificadas normas.
 
 17 — A norma do artigo 37.º da Lei de Bases da Reforma Agrária (redacção da Lei 
 n.º 46/90).
 
  
 A penúltima norma cuja declaração de inconstitucionalidade é requerida no Pedido 
 B é a norma constante do artigo 37.º da Lei n.º 109/88, na redacção que lhe foi 
 dada pela Lei n.º 46/90, cujo teor seguidamente se transcreve:
 
  
 Artigo 37.º
 
 (Beneficiários da entrega para exploração)
 
  
 
 1 — Os prédios expropriados ou nacionalizados são entregues em propriedade ou 
 para exploração a beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da 
 política agrícola, nos termos da Constituição.
 
 2 — O Estado privilegia, como beneficiários da entrega prevista no número 
 anterior, os pequenos e médios agricultores, de preferência integrados em 
 unidades ou empresas de índole familiar.
 
  
 Os Deputados subscritores, conforme se alcança da interpretação da prévia 
 exposição de motivos, apenas põem em causa a norma do n.º 2, designadamente, 
 porque o n.º 1 do artigo não tem conteúdo preceptivo autónomo visto ele próprio 
 se remeter para «os termos da Constituição» no que respeita à entrega em 
 propriedade ou para exploração dos prédios expropriados ou nacionalizados a 
 
 «beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da política agrícola».  
 Porém, sendo certo que o n.º 1 não está posto em causa, constitui ele um 
 elemento interpretativo, e de relevo para esse efeito, do que se dispõe no 
 número seguinte, conforme se verá.
 O pedido, nesta parte, vem fundamentado na circunstância de a lei privilegiar 
 
 «uns determinados beneficiários… em detrimento de outros igualmente previstos na 
 Constituição» do que resultaria violação do princípio da igualdade (artigo 13.º 
 da CRP) e do disposto no n.º 2 do artigo 97.º também da CRP.
 Segundo esta disposição constitucional «as terras expropriadas serão entregues a 
 título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, 
 de preferência integrados em unidades de exploração familiar, a cooperativas de 
 trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras formas de 
 exploração por trabalhadores…».
 Enumeram-se na Constituição três categorias de possíveis destinatários da terra. 
 
  A lei limita-se a mencionar, referindo que sâo privilegiados como 
 beneficiários, «os pequenos e médios agricultores, de preferência integrados em 
 unidades ou empresas de índole familiar».
 
  
 
 17.1 — Imediatamente ressalta uma discrepância entre o texto legal e o texto 
 constitucional, na medida em que este não refere os ‘‘médios’’ agricultores como 
 beneficiários.  Mas importa colocar esta discrepância em termos adequados, que 
 não têm de ser, forçosamente, aqueles que resultam da falta de correspondência 
 literal entre as duas redacções.
 Importa designadamente determinar se terá sido transgredido o âmbito 
 constitucionalmente relevante do conceito de pequeno agricultor.  E aqui desde 
 logo ressalta a extrema fluidez e imprecisão da linha de fronteira entre os 
 conceitos de pequeno e de médio agricultor, a convidar, mais exactamente a 
 requerer, uma interpretação sistemática, sediada nas próprias normas sobre 
 política agrícola da Lei Fundamental.
 Tenha-se assim em conta que, quando são enumerados os beneficiários do auxílio 
 do Estado na prossecução dos objectivos da política agrícola no n.º 1 do artigo 
 
 100.º, pequenos e médios agricultores surgem como candidatos preferenciais a 
 esse auxílio «nomeadamente quando integrados em unidades de exploração 
 familiar».  Precisamente é também a integração em unidades de exploração 
 familiar o factor preferencial de entrega das terras expropriadas aos pequenos 
 agricultores, previsto no n.º 2 do artigo 97.º, enquanto a disposição legal 
 refere a integração em «unidades ou empresas de índole familiar».
 A constituição de unidades de exploração familiar — ainda que não se queira 
 entender que a enumeração do n.º 2 do artigo 97.º não é fechada, na medida em 
 que nela se faz referência a «outras formas de exploração por trabalhadores» — 
 surge assim como elemento comum e, sob pena de quebra de unidade de sentido do 
 sistema, deverá o intérprete conferir-lhe um alcance pelo menos tendencialmente 
 parificador dos conceitos de pequeno e de médio agricultor, na parte que agora 
 releva quanto à entrega de terras.
 Na verdade, ao analisarem-se as normas do n.º 2 do artigo 97.º e do n.º 1 do 
 artigo 100.º da Constituição, tem de se concluir que, se o objecto imediato da 
 previsão é diferente nas duas normas, todavia as finalidades a prosseguir não 
 diferem.  Significativo é que, subjacente a ambos os preceitos, esteja a 
 realização da política agrícola que, ao promover a racionalização das estruturas 
 fundiárias e o acesso à propriedade ou à posse da terra, tem em vista beneficiar 
 aqueles que a trabalham, cumprindo assim o que se estabelece na alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 96.º da Constituição, fixando-se como condição de preferência, quer 
 para a exploração ou entrega das terras, quer para o auxílio do Estado, a 
 integração do trabalhador da terra em unidades de exploração familiar.
 Deve portanto relativizar-se a discrepância de terminologias — a própria 
 Constituição parece também proceder desta forma em outros lugares da Parte II 
 Organização Económica, ao referir em vários dos seus preceitos conjuntamente as 
 pequenas e médias empresas [v. g., nos artigos 85.º, n.º 2, 87.º, n.º 2, e 
 alínea d) do artigo 103.º] — embora dentro de certos limites.  Passam eles pela 
 impostação de que a lei, ao designar «os pequenos e médios agricultores» como 
 beneficiários da entrega de terras para exploração, ou seja a título de posse na 
 terminologia constitucional, se limita a estabelecer uma preferência no âmbito 
 daquela categoria, em favor de agricultores «integrados em unidades ou empresas 
 de índole familiar».
 Na parte em que o artigo 37.º da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, 
 complementado pela legislação de desenvolvimento, ou seja o Decreto-Lei n.º 
 
 63/89, de 24 de Fevereiro, se aplica às entregas ‘‘para exploração’’, é de 
 destacar que o legislador se movimenta ainda dentro das linhas já esboçadas.
 Com efeito, nas definições contidas no Decreto-Lei citado, de publicação 
 anterior às alterações de 1990, para além do conceito de ‘‘pequeno agricultor’’ 
 
 [alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º], surge-nos aí um outro que é o de «pequeno e 
 médio agricultor (PMA)».
 Este conceito, que vem definido como tratando-se de um ‘‘agricultor autónomo, 
 jovem agricultor ou empresário agrícola, incluindo o jovem veterinário ou 
 técnico agrícola sem terra ou que assente o seu empreendimento na exploração 
 agrícola familiar’’ [alínea d) do mesmo número e artigo], é considerado como 
 
 «equivalente ao de pequeno agricultor dotado de profissionalidade agrícola» 
 
 (parte final da referida alínea).
 Face a esta equivalência, parece legítimo sustentar-se que o conceito de 
 
 «pequeno agricultor» a que faz referência o n.º 2 do artigo 97.º da 
 Constituição, engloba o de «médio agricultor», que, afinal, mais não é do que o 
 camponês ou agricultor autónomo dotado de conhecimentos profissionais agrícolas 
 e que, se integrado também em unidades de exploração familiar, goza de 
 preferência na entrega de terras para exploração.
 Assim, tem de se concluir que, neste segmento e segundo este entendimento, a 
 norma do artigo 37.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, 
 não viola a Constituição.
 
  
 
 17.2 — Contudo, importa analisar o conteúdo da norma em causa, na perspectiva da 
 violação do princípio da igualdade.
 Depois de, no n.º 1, o legislador ordinário ter estabelecido que os prédios 
 expropriados ou nacionalizados são entregues em propriedade ou para exploração a 
 beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da política agrícola, nos 
 termos da Constituição, determinou no n.º 2, ao fixar os beneficiários da 
 entrega para exploração, que «o Estado privilegia, como beneficiário da entrega 
 prevista no número anterior, os pequenos e médios agricultores, de preferência 
 integrados em unidade ou empresas de índole familiar».
 Privilegiar, no contexto de todo o artigo, não significa a exclusão das outras 
 duas categorias constitucionais de possíveis beneficiários, a saber, 
 cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores bem como outras 
 formas de exploração por trabalhadores.  Privilegiar significa então dar 
 preferência em igualdade de condições a candidatos à entrega dos prédios.
 A verdade é que, sendo admissível a pluralidade de categorias de candidatos (sem 
 afastar a hipótese de pluralidade de candidatos no âmbito da mesma categoria), a 
 Lei vem limitar o poder de escolha da Administração, ainda que em termos amplos 
 e carecidos de desenvolvimanto, o que se justifica por estarmos perante uma Lei 
 de Bases, de entre todos aqueles que se mostrarem aptos a contribuir para os 
 objectivos da política agrícola. 
 Privilégio não envolve, neste contexto, exclusão nem favorecimento absoluto, e 
 um determinado critério de preferência tem de ser adoptado como forma de evitar 
 uma actuação administrativa insusceptível de controle, quando, relativamente ao 
 mesmo prédio ou prédios, surgir uma pluralidade de pretensões.
 
  
 
 17.3 — Violação do n.º 2 do artigo 97.º da Constituição não ocorre, portanto.  
 Preferência, em concorrência de candidaturas, no caso, poderá porém envolver 
 preterição do princípio da igualdade?
 
 É desde já necessário não esquecer que estamos perante uma segunda fase do 
 processo — aquela que pressupõe uma anterior em que serão admitidos a 
 beneficiários da entrega candidatos das três categorias contempladas no n.º 2 do 
 artigo 97.º  A força deôntica da igualdade surge, consequentemente, mais 
 diluída, pois não se reporta à titularidade de um direito mas projecta-se no 
 
 âmbito da limitação da discricionaridade administrativa.
 Ora, neste segundo plano, há que perguntar se é desajustado um relativo (não 
 absoluto) favor em benefício dos pequenos e médios agricultores (quanto a estes 
 no entendimento que já ficou referido) e, de entre estas duas categorias, em 
 terceiro plano, daqueles que se mostrem integrados em unidades ou empresas de 
 tipo familiar.
 Em reforço da solução adoptada pelo legislador fala o n.º 2 do próprio artigo 
 
 97.º da Constituição, sobretudo se lido também em conjugação do n.º 1 do artigo 
 
 100.º  É difícil não ver na enumeração a que procedem estas duas normas uma 
 graduação valorativa que vem em apoio do n.º 2 do artigo 37.º da Lei.  Mas 
 decisiva é, conforme aliás a lei explicita, a consideração dos objectivos, 
 definidos para a política agrícola, no artigo 96.º, n.º 1, da Constituição.
 Porque razão, em igualdade de condições, preferir os pequenos e médios 
 agricultores de preferência integrados em unidades ou empresas de índole 
 familiar?  Porque essa será uma das vias de «promover… o acesso à propriedade ou 
 
 à posse da terra e demais meios de produção directamente utilizados na sua 
 exploração por parte daqueles que a trabalham».  Não se nega que cooperativas de 
 trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou outras formas de exploração 
 por trabalhadores sejam também forma de acesso à terra e demais meios de 
 produção.  Formas de associativismo, designadamente cooperativo, dos 
 trabalhadores rurais e dos agricultores são, aliás, candidatos 
 constitucionalmente legítimos ao apoio do Estado [cfr. a alínea d) do n.º 2 do 
 artigo 100.º da CRP].
 No entanto, e desde logo pela via do associativismo, uma categoria não exclui a 
 outra ou outras, visto que pequenos agricultores podem estar ou vir a estar 
 associados em cooperativas.
 Sendo porém necessário um critério de preferência, a opção legal em favor dos 
 pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades ou empresas de 
 
 índole familiar, é plenamente conforme à Constituição e não pode contrariar o 
 princípio da igualdade.  Este tem de ser lido no contexto e no seguimento das 
 exigências positivas extraídas dos valores constitucionalmente relevantes, o 
 que, aliás, é uma perspectiva de entendimento só por si mais exigente do que a 
 mera censura externa de opções legislativas arbitrárias por lhes faltar 
 fundamento material bastante.  E, patentemente, não é esse o caso, quando se 
 analisa o n.º 2 do artigo 37.º da Lei de Bases da Reforna Agrária na sua 
 redacção vigente.
 
  
 
 17.4 — Conclui-se, pelas razões apontadas, pela não inconstitucionalidade da 
 norma constante do n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na 
 redacção da Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto.
 
  
 B.3)  Pedidos A, B, C e D
 
  
 
 18 — A norma do artigo 50.º da Lei de Bases da Reforma Agrária (versão 
 originária e da Lei n.º 46/90).
 
  
 Finalmente resta apreciar a conformidade à Constituição do artigo 50.º da Lei de 
 Bases da Reforma Agrária, na redacção originária (Pedidos A e C) da Lei n.º 
 
 109/88 e na que lhe foi dada em 1990 (Pedidos B e D), desta forma se dando 
 cumprimento ao solicitado nos referidos Pedidos, no contexto e pelas razões já 
 apontadas em sede de questão prévia.  Transcreve-se aqui apenas a redacção 
 actual dessa norma (quer a redacção originária quer a actual constam já do 
 texto, no ponto 6.1.4):
 
  
 Artigo 50.º
 
 (Pressupostos da suspensão de eficácia)
 
  
 A suspensão da eficácia de actos administrativos que tenham como efeito 
 principal ou subordinado a atribuição ou devolução de terras a quem delas haja 
 sido privado só pode ser decretada judicialmente se, preenchidos os demais 
 requisitos da lei, o requerente estiver investido no direito de exploração de 
 determinada área por acto administrativo ou contrato válido oponível ao Estado.
 
 18.1 — Sobre esta matéria tem o Tribunal Constitucional produzido abundante 
 jurisprudência, ainda que com votos de vencido, tendo a questão da conformidade 
 constitucional desta norma subido ao Plenário do Tribunal que, através dos 
 Acórdãos n.os 366/92, de 17 de Novembro de 1992, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 23 de Fevereiro de 1993, e 205/93, de 9 de Março de 
 
 1993, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Maio de 1993, decidiu 
 julgar inconstitucional a norma do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88 (versão 
 originária), por violação do artigo 13.º, n.º 2, da CRP, remetendo para a 
 fundamentação dos acórdãos que confirmou, com os n.os 43/92, de 28 de Janeiro de 
 
 1992, e 450/91, de 3 de Dezembro de 1991, respectivamente.
 
 É esta fundamentação que aqui se reitera, no que respeita à versão originária do 
 artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, em relação à qual o relator é vencido, 
 mas que passa a expor-se, como ratio decidendi no sentido da pronúncia de 
 inconstitucionalidade, recorrendo à transcrição parcial do Acórdão n.º 43/92:
 
  
 O artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, veio definir um regime específico sobre 
 os «pressupostos da suspensão de eficácia» de actos administrativos que, no 
 
 âmbito da reforma agrária, determinem a entrega de reservas ou reconhecem não 
 ter sido expropriado ou nacionalizado determinado prédio rústico.
 E tal regime, de conteúdo manifestamente restritivo, importa, quando comparado 
 com o regime geral contido na LPTA, duas significativas alterações:
 
  
 
 —  restringe às empresas agrícolas que explorem o prédio abrangido mediante 
 concessão de exploração, licença de uso privativo, arrendamento rural ou 
 exploração de campanha, a legitimidade para requerer a suspensão da eficácia, 
 retirando às demais, isto é, a todas as outras que o explorem a outro título, 
 essa mesma legitimidade;
 
 —  Impede a concessão da suspensão da eficácia sempre que a pontuação da área na 
 posse do requerente seja inferior à pontuação da reserva atribuída ao 
 interessado na execução do acto.
 
  
 Mas, ao instituir esta disciplina limitadora do instituto da «suspensão da 
 eficácia» de certos actos administrativos praticados no âmbito da reforma 
 agrária, o legislador acabou por atentar contra o texto constitucional.
 Como é sabido, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da 
 Constituição proíbe o legislador de tratar desigualmente aquilo que é 
 essencialmente igual e de tratar igualmente aquilo que é essencialmente 
 desigual.
 Porém, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina 
 a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites 
 constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações de 
 vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou 
 desigualmente.
 Só quando os limites externos da discricionaridade legislativa são violados, 
 isto é, quando a norma legal não dispõe de adequado suporte material, é que 
 existe desrespeito do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio.
 De outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob 
 o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da 
 solidariedade, não se baseando em qualquer motivo constitucionalmente impróprio 
 
 (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, vol. 1, 2.ª ed., Coimbra, 1984, pp. 148 e segs.
 Pois bem: a jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal 
 Administrativo, com a concordância aliás, da melhor doutrina (cfr., entre 
 outros, os acórdãos de 10 de Janeiro de 1978 e de 17 de Abril de 1980, com 
 anotações de assentimento por parte do Prof. Afonso Queiró, na Revista de 
 Legislação e de Jurisprudência, ano 113.º, p. 274, e ano 114.º, p. 85), tem-se 
 pronunciado no sentido de às «unidades colectivas de produção», titulares de 
 posse útil sobre determinado prédio, pertencer interesse directo, pessoal e 
 legítimo na impugnação de acto atributivo de reserva ou reconhecedor de 
 inexistência de expropriação ou nacionalização relativo a tal prédio na área de 
 intervenção da Reforma Agrária, dispondo por isso de legitimidade para o 
 respectivo recurso contencioso e, consequentemente, para o correspondente pedido 
 de suspensão de eficácia.
 Todavia, por força da norma aqui questionada, estabeleceu-se uma discriminação 
 entre as entidades com legitimidade para a impugnação contenciosa em termos de 
 umas — as que são ali elencadas, o requerente há-de explorar o prédio em causa 
 mediante concessão de exploração, licença de uso privativo, arrendamento rural 
 ou exploração de campanha) — poderem requerer a suspensão da eficácia dos 
 respectivos actos administrativos, não assistindo já, tal direito, às demais 
 entidades, isto é, a todas as outras que exploram o prédio a qualquer outro 
 título (e aqui se incluem as entidades que exploram o prédio com base na posse 
 
 útil que sobre o mesmo detêm).
 Não se encontra qualquer fundamento material que sirva de suporte a este 
 tratamento diferenciado e discriminatório que, se assume assim, como 
 constitucionalmente insustentável.
 Com efeito, quando se tiver em atenção que o direito de impugnação contenciosa 
 despojado da possibilidade de se requerer a suspensão da eficácia fica 
 desprovido do seu conteúdo essencial, a discriminação estabelecida naquela norma 
 apresenta-se, de todo, como arbitrária e irrazoável, desde logo, por força das 
 consequências que dela advêm ou podem advir.
 Aliás, e tal como se assinala na alegação do senhor Procurador-Geral Adjunto «a 
 situação é similar à que foi apreciada pelo Tribunal Constitucional italiano, 
 nas suas sentenças n.os 284/84 e 227/85 (publicadas em Giurisprudenza 
 Costituzionale, ano 19.º, 1974, tomo ii, p. 2953, e ano 20.º, 1975, tomo ii, p. 
 
 1686, a propósito de uma norma que veio restringir (aos casos de erro grave e 
 evidente na identificação do imóvel expropriado ou dos respectivos 
 proprietários) os fundamentos da suspensão judicial dos actos expropriativos.  
 Aí se ponderou que é erróneo o entendimento de que, competindo à lei ordinária 
 determinar os casos da anulação de actos administrativos, fica na livre 
 disponibilidade do legislador limitar (ou eliminar) o poder instrumental de 
 suspensão dos actos impugnados.  Este poder de suspensão é um elemento conatural 
 de um sistema de tutela jurisdicional, pelo que a exclusão desse poder ou a 
 limitação da área de exercício do mesmo a determinadas categorias de actos ou a 
 certos tipos de vícios contrasta com o princípio da igualdade sempre que não 
 ocorra uma justificação racional da diversidade de tratamento.
 
 À luz do exposto, e considerando ainda o facto de este Tribunal (cfr. os citados 
 Acórdãos n.os 450/91 e 452/91) com base em argumentação similar à que aqui se 
 desenvolveu, já também assim haver decidido, impõe-se a conclusão de que a norma 
 do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 109/88, viola o princípio da igualdade 
 consagrado no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.
 
  
 Conclui, assim, o Tribunal no sentido de declarar, com força obrigatória geral, 
 a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 50.º da Lei n.º 109/88, por 
 violação do artigo 13.º da Constituição.
 Face a tal conclusão, torna-se inútil apurar se viola ou não as outras normas 
 constitucionais que vêm invocadas.
 
  
 
 18.3 — Importa, por último, analisar se a redacção dada ao artigo 50.º da Lei 
 n.º 109/88, pela Lei n.º 46/90, é ou não violadora da Constituição, como 
 pretendem os requerentes dos Pedidos B e D.
 Vejamos, antes de mais, as modificações introduzidas no texto legal.
 Por um lado, verifica-se que a lei, na sua redacção actual, deixou de indicar 
 expressamente as categorias de recorrentes que poderiam requerer a suspensão da 
 eficácia do acto administrativo impugnado.
 Por outro lado, a nova redacção eliminou o requisito da pontuação (só podia 
 requerer a suspensão da eficácia do acto administrativo que determinava a 
 entrega de reservas ou reconhecia não ter sido expropriado ou nacionalizado 
 certo prédio quem, preenchendo os anteriores requisitos, fosse, à data de tal 
 acto, possuidor de área de terra com pontuação inferior à pontuação da reserva 
 atribuída ao interessado na execução do acto), tendo também eliminado os n.os 2 
 e 3 da versão originária.
 Ora, a versão actual do artigo 50.º, embora se entenda que a situação dele 
 resultante não será mais gravosa do que a da redacção originária, o certo é que 
 
 é passível da mesma censura em que incorreu a versão originária.
 Com efeito, a restrição da legitimidade para requerer a suspensão da eficácia a 
 quem estiver investido no direito de exploração de determinada área por «acto 
 administrativo ou contrato válido oponível ao Estado» é tão arbitrária e 
 discriminatória quanto o era a feita na anterior redacção.
 Assim, pelos fundamentos já invocados quanto à primeira redacção relativos à 
 discriminação sem fundamento material bastante entre as entidades com 
 legitimidade para requererem a suspensão da eficácia de actos administrativos 
 relativos à atribuição ou devolução de terras no âmbito da Reforma Agrária e as 
 que a não tinham (v. g. UCP’s, titulares da posse útil da terra), tem de se 
 concluir pela inconstitucionalidade da norma em causa, igualmente por violação 
 do artigo 13.º, n.º 1, da CRP.
 
  
 
  
 III — Decisão
 
  
 
 19 — Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a)    Não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade 
 das normas constantes dos artigos 17.º, 18.º [ressalvada a alínea a)], 28.º, 
 n.os 2 e 3, 30.º e 33.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na sua versão 
 originária;
 b)    Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 
 
 4.º, 11.º (em combinação com o artigo 15.º), 12.º e 21.º, 13.º, 14.º, 15.º 
 considerado autonomamente, 18.º, alínea a), 19.º e 28.º, n.º 1, da versão 
 originária da mesma Lei, bem como das normas constantes dos artigos 14.º-A, 
 
 17.º, 18.º, 28.º, 39.º e 37.º, da referida Lei, com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto;
 c)    Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do 
 artigo 50.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na redacção originária e na 
 que lhe foi dada pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, por violação do artigo 
 
 13.º da Constituição.
 
  
 Lisboa, 3 de Maio de 1995. — Vítor Nunes de Almeida [vencido, conforme 
 declaração aposta ao Acórdão n.º 450/91, relativamente à alínea c) da decisão, 
 cujos fundamentos valem para a redacção actual da lei] — Antero Alves Monteiro 
 Diniz — José de Sousa e Brito — Alberto Tavares da Costa  — Guilherme da Fonseca 
 
 [vencido, em parte, quanto à decisão constante da alínea b)] — Armindo Ribeiro 
 Mendes [vencido, em parte, quanto à decisão constante da alínea b), por ter 
 considerado inconstitucionais os artigos 14.º-A e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 
 
 109/88, na redacção dada pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto] — Maria Fernanda 
 Palma [vencida, em parte, quanto à decisão constante da alínea b), por ter 
 considerado inconstitucionais os artigos 14.º-A e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 
 
 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto] — Bravo Serra [vencido 
 quanto à decisão constante da alínea c) do acórdão, pelas razões do Acórdão n.º 
 
 154/91, de que fui relator.  Por outro lado, e uma vez que mantenho a posição 
 que, verbi gratia e por mais recente, defendi no Acórdão n.º 57/91, não dou a 
 minha anuência ao que se expõe no ponto 6.1 do presente aresto e, sequentemente, 
 não conhecia do pedido no que tange ao artigo 15.º da versão originária da Lei 
 n.º 109/88, de 26 de Setembro] — Fernando Alves Correia [vencido, quanto à 
 alínea c) da decisão, pelos fundamentos do Acórdão n.º 173/91 (publicado no 
 Diário da República, 2.ª Série, n.º 205, de 6 de Setembro de 1991), de que fui 
 relator] — Messias Bento [vencido quanto à decisão constante da alínea c): 
 entendi, de facto, que o artigo 50.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, não é 
 inconstitucional na versão originária nem na redacção introduzida pela Lei n.º 
 
 46/90.  As razões são as que constam do Acórdão n.º 187/88, que, na nova lei, 
 ganham maior força, pois o decretamento da suspensão de eficácia exige agora 
 menos requisitos especiais] — José Manuel Cardoso da Costa [vencido quanto à 
 decisão da alínea c), conforme a posição que, sobre essa temática, já antes 
 assumi em decisões anteriores do Tribunal].
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Votei vencido, em parte, quanto à matéria constante da alínea b) da parte 
 decisória do acórdão, por entender verificar-se o vício de inconstitucionalidade 
 relativamente às seguintes normas:
 
  
 
 1 — A do artigo 4.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, que não foi objecto de 
 alteração pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto, e que o acórdão trata no seu n.º 
 
 8, relativamente ao Pedido A, para concluir «pela não inconstitucionalidade da 
 norma em apreço».
 Sem questionar a posição do acórdão quando se entende que a 
 
 «inconstitucionalidade das normas questionadas nos presentes autos irá, assim, 
 ser apreciada face à versão actual da Constituição», porque se trata no caso de 
 inconstitucionalidade material, sendo que, «nesta sede, a norma constitucional 
 relevante para aferir a legitimidade constitucional é a que estiver em vigor no 
 momento em que se procede ao controlo» (ponto 6.2 do acórdão), a verdade é que 
 não acompanho inteiramente as considerações do aresto relativamente à «evolução 
 da Constituição no que se refere à Reforma Agrária» (ponto 7).
 O desejo de ver na supressão da «própria referência à reforma agrária», com a 
 revisão constitucional de 1989, um alcance de «sensíveis e significativas» 
 alterações introduzidas com essa revisão na constituição agrária, não 
 corresponde inteiramente ao sentido de tais alterações, e, portanto, aquela 
 supressão não é tão intensiva e extensiva como se deseja no acórdão.
 
  
 Sucede que, tendo sido suprimida a expressão reforma agrária, foram mantidos os 
 imperativos constitucionais contrários à reconstituição do latifúndio e 
 favoráveis à entrega da terra para exploração «por parte daqueles que a 
 trabalham» (96.º/1/b), devendo facultar-se o acesso à propriedade ou à posse (e 
 já não posse útil) da terra às mesmas entidades anteriormente qualificadas como 
 destinatários da reforma agrária (97.º/2).  À inovação consistente na 
 possibilidade de acesso à propriedade de terra nacional, soma-se a expressa 
 previsão do direito de reserva para o proprietário expropriado (97.º/1).
 Pensando no futuro da agricultura portuguesa, uma coisa é certa: não seria 
 possível assegurar a «transformação e modernização das estruturas económicas e 
 sociais» (9.º/d) fazendo regressar aos campos a desoladora expressão económica, 
 social e política do latifúndio, cuja eliminação é «incumbência prioritária do 
 Estado» (81.º/h) — é o entendimento de José Magalhães (Dicionário da Revisão 
 Constitucional, p. 97).
 
  
 No mesmo sentido pronunciam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, para quem a 
 eliminação do conceito de reforma agrária, que «era uma das imagens de marca do 
 texto originário da CRP (…), não significa a eliminação dos instrumentos em que 
 ela se traduzia» — Constituição anotada, 3.ª ed., p. 438.
 Mas, a acrescentar ao que dizem aqueles Autores, pode ainda buscar-se, para ver 
 que afinal a constituição agrária não se alterou assim tanto, a partir do texto 
 originário da Lei Fundamental, pese embora a «imagem de marca» que aí tinha, o 
 próprio preâmbulo desta Lei, onde ainda se encontra a intenção socialista, 
 
 «tendo em vista a construção de um país livre, mais justo e mais fraterno», que 
 pode continuar «a poder servir, pelo menos, para impedir uma densificação 
 
 ‘fraca’ do princípio da ‘democracia económica, social e cultural’ (artigo 2.º)», 
 talqualmente se expressam Gomes Canotilho e Vital Moreira (loc. cit., p. 45).  E 
 o citado artigo 2.º, donde releva o princípio social ou do Estado Social, como 
 directiva constitucional emanante do Estado de direito democrático, e ainda todo 
 o quadro constitucional integrador da organização económica, como seja, de modo 
 mais sobressaliente:
 
  
 
 —  o princípio da coexistência «do sector público, do sector privado e do sector 
 cooperativo e social da propriedade dos meios de produção», com protecção deste 
 
 último sector [alíneas b) e e) do artigo 80.º].
 
 —  as incumbências prioritárias do Estado de promover «o aumento do bem estar 
 social e económico e da qualidade de vida do povo, em especial das classes mais 
 desfavorecidas», de operar «as necessárias correcções das desigualdades na 
 distribuição da riqueza e do rendimento» e de orientar «o desenvolvimento 
 económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores 
 e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a 
 cidade e o campo» [alíneas a), b) e d) do artigo 81.º].
 
 —  a garantia da «existência de três sectores de propriedade dos meios de 
 produção», compreendendo especificamente o sector cooperativo e social os «meios 
 de produção objecto de exploração colectiva por trabalhadores» [n.os 1 e 4, 
 alínea c), do artigo 82.º].
 
  
 
 É o próprio acórdão a reconhecer, a contragosto, que «não pode porém dizer-se 
 que se insira (a lei de bases da reforma agrária) em um quadro 
 constitucionalmente neutro e totalmente entregue à liberdade de iniciativa 
 privada e ao jogo das leis do mercado», mas não retira de tal reconhecimento 
 todas as virtualidades que ele poderia comportar (pelo contrário, veio depois 
 estender-se em posições que, se não são pura exaltação do latifúndio, 
 correspondem, pelo menos, a um retrocesso latifundista).
 E é logo o que acontece com o artigo 4.º da Lei n.º 109/88, posto em confronto 
 com o artigo 96.º da Constituição, não querendo o acórdão ver «qualquer 
 contradição entre as finalidades agrícolas» tal como são definidas naquele 
 artigo 4.º e as constantes da norma constitucional.
 Mas há contradição, ficando muito aquém os objectivos da política agrícola 
 definidos na lei ordinária, relativamente aos objectivos que a directiva 
 constitucional do artigo 96.º impõe ao legislador (neste sentido apontaram já 
 alguns votos de vencido que acompanham o Acórdão deste Tribunal Constitucional 
 n.º 187/88, citado no aresto — cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.º 
 Vol., pp. 91, 92 e 95 a 101).
 Sem querer questionar aqui se é ou não perfeita e correcta a técnica legislativa 
 de repetir em lei ordinária os comandos constitucionais, então que se repitam 
 estes pura e simplesmente, quando o legislador o quer fazer, mas sem alterar, 
 contradizer ou inverter, os tais comandos.
 Ora, os objectivos da política agrícola definidos nas alíneas b), c) e e) do n.º 
 
 1 do artigo 96.º não encontram eco em nenhuma das alíneas do questionado artigo 
 
 4.º, nomeadamente nas alíneas a) e b).
 Com efeito, e só para aludir a alguns aspectos desses objectivos 
 constitucionais, o do «acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios 
 de produção directamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a 
 trabalham», ou o da criação de «condições necessárias para atingir a igualdade 
 efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores», ou ainda 
 o da incentivação do «associativismo dos agricultores e a exploração directa da 
 terra», não encontram tradução, mínima que seja, no artigo 4.º, não bastando 
 dizer-se, como aí se diz, e no acórdão se aceita, que a política agrícola visa 
 prosseguir o «reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra» [alínea 
 a)] e a «melhoria da situação económica, social e cultural e a garantia dos 
 direitos dos agricultores» [alínea b)].  Estas são fórmulas legais ocas e vagas, 
 que não espelham o modelo constitucional, podendo até servir unicamente para o 
 sector privado, cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou 
 colectivas privadas, com completa marginalização do sector cooperativo e social 
 de propriedade dos meios de produção, cuja protecção — e não só a existência — 
 
 é, como se viu já, um dos princípios fundamentais da constituição económica.
 Tanto basta para concluir, talqualmente se concluiu nos aludidos votos de 
 vencido, que não interessa estar aqui a reproduzir, que há desconformidade entre 
 a norma em questão e o preceito constitucional do n.º 1 do artigo 96.º, pelo que 
 julgaria materialmente inconstitucional o artigo 4.º da Lei n.º 109/88.
 
  
 
 2 — As dos artigos 11.º (em combinação com o artigo 15.º), 12.º e 21.º da Lei 
 n.º 109/88, relativos ao âmbito das expropriações e à delimitação dos actos 
 ineficazes, e que o acórdão trata nos seus pontos 9.1 e 9.2, para concluir «pela 
 não inconstitucionalidade» de tais normas, dando, assim, por improcedente a 
 arguição constante do Pedido A de que elas «diminuem especificamente a área 
 sujeita a expropriação».
 Ainda que acompanhe o acórdão no ponto em que se dá como apurado, em síntese, 
 que «as modificações operadas quanto à determinação da área das reservas, cujo 
 alargamento envolve, consequentemente, diminuição da área expropriável, vistas 
 as coisas objectivamente, não são determinadas pelo propósito, ainda que tácito 
 ou implícito, de repor a situação anterior e de liquidar as radicais 
 transferências de propriedade ocorridas», não incorrendo ainda «as normas legais 
 questionadas em censura de inconstitucionalidade à face dos padrões introduzidos 
 na Lei Fundamental pela versão da Lei Constitucional n.º 1/89», dele divirjo, no 
 entanto, no aspecto em que se reporta à delimitação dos actos ineficazes, 
 matéria constante do artigo 21.º
 Com efeito, mesmo na perspectiva aceitável — e que é a do acórdão — de consentir 
 a Lei Fundamental «ao legislador uma margem de conformação legislativa na 
 matéria», e «essa margem existe e é considerável, dentro dos objectivos 
 constitucionalmente fixados para a política agrícola», a verdade é que uma norma 
 daquele tipo, que «desloca para o início do processo de expropriação a data a 
 partir da qual se comina a ineficácia, contribui de forma censurável para a 
 diminuição da área expropriável», para usar a linguagem do acórdão.
 Vendo a razão de ser do preceito do artigo 21.º na necessidade ainda sentida 
 pelo legislador de 1988 de criar, através da figura da ineficácia de actos ou 
 contratos, um mecanismo que evitasse a «diminuição de área expropriável», em 
 conjugação com o artigo 11.º, relativo ao âmbito das expropriações (e combinado 
 este com o artigo 15.º, que fixa o rendimento fundiário em 91 000 pontos), a 
 verdade é que a alteração introduzida relativamente ao artigo 24.º da Lei n.º 
 
 77/77, de 29 de Setembro, veio significar mais um «retrocesso latifundista», 
 contrário àquele objectivo de se evitar a «diminuição de área expropriável».
 
 É que, enquanto na óptica daquele artigo 24.º, o mecanismo da ineficácia, 
 amortecedor das consequência lesivas para os trabalhadores da aplicação da 
 citada Lei n.º 77/77, começava logo a partir da data de 25 de Abril de 1974, 
 funcionando ainda uma presunção (n.º 3), relativamente a actos ou contratos que 
 
 «tenham sido celebrados com parentes ou afins», com o artigo 21.º esse mecanismo 
 só se reporta a «actos ou contratos, relativos a prédios já expropriados, 
 praticados depois do início do processo de expropriação dos quais resulte 
 diminuição de área expropriável», desaparecendo também aquela presunção.
 Mesmo que se entenda que da Constituição não decorre a exigência de uma norma 
 legal do tipo do artigo 24.º da Lei n.º 77/77, certo é que ao legislador estava 
 vedado eliminar agora, na prática, uma medida concebida para lutar contra a 
 reconstituição do latifúndio.  Mas, conseguiu-o com o artigo 21.º, ora 
 questionado, fazendo desaparecer a ineficácia dos actos ou contratos que 
 posteriormente à data de 25 de Abril de 1974 tiveram em vista o resultado de 
 diminuir a área expropriável, sobretudo através de negociatas com parentes, 
 afins ou amigos, que permitiram fazer reviver o statu quo anterior àquela data, 
 na zona de intervenção da reforma agrária.
 Sendo o latifúndio naquela zona «um dos mais trágicos flagelos económicos e 
 sociais» que durante longo período marcaram a agricultura portuguesa no sul do 
 País (cfr. J. Magalhães, loc. cit., p. 71, referindo-se ainda às «martirizadas 
 terras do latifúndio»), isso mesmo o reconhece o legislador constituinte que fez 
 da reforma agrária a tal «imagem de marca» de que se falou já (e é sabido que a 
 supressão dos latifúndios está ligada à concepção tradicional da reforma 
 agrária).
 Em todo o caso, como diz aquele Autor, ficaram insatisfeitos «os que desejavam 
 que a II Revisão convertesse a Constituição da República num hino ao latifúndio 
 
 (ou o esvaziamento de directrizes e garantias antilatifundistas, estabelecendo 
 um silêncio constitucional propício à livre reconstituição latifundiária)», 
 sendo que o e «novo regime causa porém apreensão»:
 
  
 
 (…) acarreta as mesmas consequências jurídicas do anterior (e traz os benefícios 
 da desideologização)?  Assim pode permitir concluir com algum esforço uma 
 interpretação escorreita dos preceitos da Constituição revista.  Irão, porém, 
 fazê-la aqueles mesmos que na vigência da redacção anterior foram contrariando, 
 ano após ano, os sinais que a ruptura revolucionária de 1974/1975 espalhou pelas 
 martirizadas terras do latifúndio?
 
 É de presumir que não.  E é mesmo de reconhecer que para esses a terceira 
 revisão já começou… (loc. cit., p. 71).
 
  
 E, um sinal dessa «apreensão» é exactamente a norma questionada do artigo 21.º, 
 regredindo em relação à anterior solução do artigo 24.º da Lei n.º 77/77, e 
 abrindo na sua aplicação o caminho para resultados opostos ao propósito 
 manifestado na norma e relacionado com a evitação da «diminuição de área 
 expropriável», na medida em que se limita a ineficácia dos actos ou contratos, 
 relativamente a prédios já expropriados, aos «praticados depois do início do 
 processo de expropriação» e só a estes.
 O próprio acórdão arranca uma resposta positiva, em sede de juízo de 
 inconstitucionalidade e à luz do texto da Constituição, a que seguidamente não 
 adere, «se se entender que as normas constitucionais vigentes a partir de 1982 
 consagravam a expropriação como objectivo ‘a se’».  E é assim mesmo, no meu 
 entendimento, que não é o do acórdão, nada impedindo que se olhe com tal 
 perspectiva a expropriação, pois o objectivo fundamental de introduzir uma 
 profunda correcção nas estruturas e na repartição do rendimento no mundo rural 
 continua a ser, quer se queira, quer não, a característica basilar da 
 constituição agrária portuguesa.  Tal modelo constitucional não permite ao 
 legislador ordinário tomar opções geradoras de retrocessos, como é opção do 
 artigo 21.º, abrindo o caminho para efectivamente diminuir — e não evitar a 
 diminuição — a área sujeita a expropriação.
 Se no quadro político foram criadas condições, na década de 1980, para inverter 
 o sinal da constituição agrária, aproveitando a eliminação de expressões 
 ideologicamente marcantes de um projecto de transformação da agricultura 
 portuguesa, na zona de intervenção da reforma agrária, nascido com o 25 de Abril 
 de 1974, não venha agora o legislador ordinário a dar um impulso mais a tal 
 inversão.
 Veja-se, em Portugal 20 Anos de Democracia, Círculo de Leitores, pp. 183 e segs. 
 e 199-201, a notícia histórica da movimentação que conduziu à Reforma Agrária, 
 com «as primeiras ocupações de terras no Alentejo e em algumas zonas contíguas 
 do Ribatejo», podendo, a propósito, ler-se aí o seguinte:
 
  
 Por outro lado, um dos pilares constitucionais do socialismo revolucionário — a 
 
 «Reforma Agrária» — resistiu longos anos, mas terminou mais cedo, por um 
 processo maciço de atribuição de reservas nos termos da lei ordinária (de 1977 a 
 meados dos anos 80).  Operou-se, pois, a sua liquidação por uma mera prática 
 administrativa, muitas vezes necessitando, para se manter, do desrespeito 
 sistemático de decisões dos tribunais, como foi o caso da não execução de mais 
 de duas centenas de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que anulava 
 actos de atribuição de reservas por parte do Governo — p. 193.
 Não pode ignorar-se, (...), que cabendo ao legislador ordinário praticar opções 
 fundamentais definidoras de conceitos como o de «dimensão excessiva» 
 
 (168.º/1/n), é sempre no sistema político que se gerarão as condições 
 necessárias aos avanços (ou retrocessos) dentro do quadro geral desenhado pela 
 Constituição.  De um milhão e duzentos mil hectares de terra ocupada na zona da 
 reforma agrária, após o 25 de Abril, restavam na posse de unidades colectivas de 
 produção, no ano de 1989, escassos milhares, minguantes, por força de uma 
 política inconstitucional (antes e após a revisão) de reconstituição do 
 latifúndio... — é o que escreve, a propósito, José Magalhães, loc. cit., p. 21.
 
  
 Por tudo isto, e para encurtar razões, ao contrário da conclusão a que se chega 
 no acórdão, entendo sair ferida a Constituição no seu ramo da constituição 
 agrária, pelo conteúdo da norma do artigo 21.º, conjugada com o artigo 11.º e 
 combinado este com o artigo 15.º, e assim o meu juízo é um juízo de 
 inconstitucionalidade relativamente a esse conjunto de normas.
 
  
 
 3 — A do artigo 14.º-A, objecto de um aditamento introduzido pela Lei n.º 46/90, 
 de 22 de Agosto, e questionada no Pedido B, ao abrigo da qual, e segundo esse 
 Pedido, «a Administração exerceria competências que seriam indubitavelmente do 
 foro jurisdicional, assim se contrariando os artigos 205.º e 206.º da 
 Constituição».
 Contrariamente ao entendimento a que se chegou no acórdão, no seu n.º 14, no 
 sentido de que o «argumento da invasão da reserva da função jurisdicional 
 claudica logo à partida» — e daí concluir-se «pela não inconstitucionalidade da 
 norma em apreço» —, entendo que há ferimento da Constituição, exactamente das 
 normas dos artigos 205.º e 206.º
 Isto porque, e seguindo a linguagem do acórdão, «pôr termo a situações que se 
 terão constituído à margem da lei, com a ocupação de terras não passíveis de 
 expropriação», sendo que é o Estado — «e aqui será de entender que se refere (a 
 norma) aos órgãos e agentes da função administrativa»: lê-se de modo claro no 
 aresto — proceder «à desocupação de todas as terras que não são passíveis de 
 expropriação», é invadir a «competência dos tribunais» e não apenas «proceder às 
 operações materiais exigidas pelo restabelecimento da legalidade».
 Neste ponto, e para encurtar razões, acompanho convictamente as declarações de 
 voto dos Ex.mos Conselheiros Maria Fernanda Palma e Ribeiro Mendes, apontando, e 
 bem, para a «conclusão de que a norma do artigo 14.º-A da L.B.R.A. é 
 frontalmente contrária ao disposto nos artigos 205.º, n.º 2, e 206.º da 
 Constituição» («está em causa uma actividade administrativa que pressupõe a 
 definição de direitos, numa situação de conflito social com eventual repercussão 
 jurídica, sem intervenção dos tribunais»).
 
 É que, se o Estado não tiver o direito de disposição, e os bens estiverem na 
 posse, ainda que sem a correspondente situação jurídica, de pessoas 
 particulares, é evidente que a Administração, exercendo uma função 
 administrativa, não tem legitimidade para ordenar a restituição ou entrega ou 
 ainda a devolução desses bens.
 Não pode ignorar-se em tais casos a existência de um conflito, sendo que não se 
 verifica a presença de relevante interesse público para intervir, antes a 
 hetero-composição de conflitos de interesses privados.
 Assim, tal comportamento da Administração, traduzido na prática de actos 
 administrativos, irá feri-los necessariamente de invalidade por vício de 
 usurpação de poder, arrastando a consequência da nulidade (cfr., por exemplo, os 
 acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de Março de 1983, nos Acórdãos 
 Doutrinais, n.º 264, p. 1437, e de 11 de Dezembro de 1986, no Boletim, n.º 358, 
 p. 400).
 
  
 
 4 — As dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, 
 e que o acórdão trata no seu n.º 15, para concluir que «não violam a 
 Constituição quer a norma constante da redacção originária da alínea a) do 
 artigo 18.º, quer as normas dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88 na 
 redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 46/90».
 Respeitando aquele artigo 17.º aos chamados indivisos (contitularidades e 
 heranças indivisas), para tratar aí os quinhoeiros nas propriedades expropriadas 
 como titulares individualizadas de um direito de reserva (diz o acórdão: 
 
 «Coloca-os na posição em que se encontrariam se, à data da expropriação, a 
 situação não fosse de indivisão e cada interessado tivesse então direito a uma 
 reserva»), e reportando-se o artigo 18.º ao património das sociedades, para aí 
 fazer «caber uma reserva múltipla equivalente à soma de várias reservas», é bom 
 de ver que, talqualmente se posiciona o acórdão, que «tudo reverte para o 
 conceito legal de latifúndio» ou ainda se reconduz «à questão da determinação do 
 conceito constitucional de latifúndio — ou melhor, à questão da margem, 
 reconhecidamente ampla, em que ao legislador é permitido mover-se nesta 
 matéria».
 Mas, se é certo que, nesta matéria, «a fixação da quantificação entra no campo 
 do poder de conformação do legislador, e só merecerá censura se objectivamente 
 for conducente à prossecução de objectivos que contrariem a Constituição», não é 
 menos verdade que, contrariamente ao juízo a que aderiu o acórdão, nada inovando 
 relativamente ao anterior Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 187/88 — 
 cuja «orientação aí firmada é de manter» —, a proibição constitucional da 
 reconstituição do latifúndio, consagrada nos artigos 81.º, alínea h), e 97.º da 
 Lei Fundamental, sai fortemente atingida (razão têm, pois, os requerentes do 
 Pedido B, quando, em síntese, sustentam que «as vias abertas pela nova redacção 
 dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, conduzem à 
 restauração do latifúndio tal como historicamente existiu e, como na prática, 
 tem estado a suceder»).
 E isto quer no aspecto da pura aplicação dos mecanismos permissivos dos artigos 
 
 17.º e 18.º, quer no aspecto da conjugação dessa aplicação com a eliminação da 
 sanção da nulidade cominada para os actos jurídicos que conduzam à reunificação 
 das reservas atribuídas [anteriores n.º 5 do artigo 17.º e alínea e) do artigo 
 
 18.º da Lei n.º 109/88, na sua versão originária].
 
 É de todos sabido, e também sabe o acórdão, o que significa latifúndio, não em 
 sentido físico — uma muito grande propriedade privada, em suma —, mas no sentido 
 verdadeiro que é o económico, correspondendo à ideia essencial de propriedade 
 excessiva («latifúndio é conceito aplicável a uma exploração agrícola que tenha 
 dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola» — 
 lê-se no acórdão).  «Excessiva num duplo sentido: a) porque proporciona ao 
 respectivo proprietário rendimento bastante para lhe assegurar amplas 
 possibilidades de usufruir, sem que para tal se veja obrigado a exercer a função 
 empresarial, isto é, com recurso a um ou a múltiplos arrendamentos das suas 
 terras, um nível de vida igual ao das classes mais elevadas da pirâmide social, 
 e portanto muitíssimo superior ao da grande maioria dos empresários agrícolas na 
 região; b) porque ultrapassa, em exigências, a capacidade normal de gestão 
 agrícola de uma pessoa, o que faz com que esta gestão seja deficientemente 
 exercida, com fraco aproveitamento dos recursos disponíveis e, em particular, da 
 capacidade produtiva do solo» (cfr. Focus, Enciclopédia Internacional, vol. iii, 
 p. 288, acrescentando-se ainda: «As estruturas agrárias caracterizadas pelo 
 predomínio ou pela forte representação da propriedade latifundiária não se 
 caracterizam, porém, apenas pela extensividade dos sistemas de produção, mas 
 também pela extrema assimetria económica na repartição do rendimento 
 social-agrícola, pelo absentismo dos proprietários, pelos contratos mal 
 equilibrados de arrendamento e de parceria, pelo fraco e descontínuo grau de 
 emprego da população rural e pelo baixo nível de vida da maioria desta»).
 
 Álvaro Cunhal revela, com números e tabelas referidos às décadas de 1940/1960, e 
 por distritos do continente, a situação da divisão da propriedade no nosso País, 
 para constatar que «Portugal é, a um tempo, um país de muito grandes e muito 
 pequenos proprietários, com predomínio dos muito grandes proprietários» 
 
 (Contribuição para o Estudo da Questão Agrária, vol. i, p. 253).  E, a 
 propósito, regista que:
 
  
 
 [Mas,] tendo em conta que as áreas médias dos prédios rústicos nos distritos de 
 Beja e Setúbal são mais elevadas do que respectivamente nos distritos de 
 Portalegre e Évora; tendo em conta que os maiores latifúndios estão situados no 
 distrito de Setúbal; tendo em conta que nos distritos de Castelo Branco, 
 Santarém, Lisboa e Faro e ainda junto do Douro e raia beiroa existem vastas 
 
 áreas onde domina a grande propriedade — ao reparar-se que os 1904 maiores 
 proprietários dos distritos de Évora e Portalegre possuem (sem contar com os 
 prédios de menos de 60 ha nem com as propriedades em mais de um distrito) mais 
 de 1 milhão de hectares (quase uma oitava parte do território continental), não 
 pode deixar de se pensar que menos de 10 000 grandes proprietários (no total de 
 
 1 milhão e meio de proprietários) possuem mais de metade das terras de Portugal 
 continental.
 
  
 Ora, é uma situação assim figurada que acaba por arrastar a aplicação dos 
 questionados artigos 17.º e 18.º, em especial com a eliminação agora da sanção 
 da nulidade que, por cautela, o legislador, e bem, fazia constar da versão 
 originária daqueles preceitos (a «dinâmica do sistema, doravante entregue ao 
 jogo da autonomia privada», como lhe chama o acórdão, no ponto 15.3.1).
 E, não se diga, como faz o acórdão, que o «latifúndio começa para além da 
 reserva e esta deve corresponder a uma área suficiente para a viabilidade e 
 racionalidade da sua própria exploração», pois é claro que o funcionamento dos 
 mecanismos que os artigos 17.º e 18.º facultam, mesmo considerando para o 
 património das sociedades o «limite equivalente à área de 4 reservas», vai 
 necessariamente implicar a multiplicidade de reservas e possibilitar a tal 
 
 «propriedade excessiva», que é a nota típica do latifúndio.  Este não começa só 
 
 «para além da reserva», como se diz no acórdão, é antes preenchido pelas 
 reservas múltiplas a que se vão arrogar os quinhoeiros e os sócios, contemplados 
 com as benesses legislativas.
 E, também não se desqualifique a tal «dinâmica do sistema, doravante entregue ao 
 jogo da autonomia privada», por via da eliminação da sanção da nulidade, com a 
 consideração simplista a que adere o acórdão de que «o Capítulo ii tem natureza 
 transitória e não aspira a mais do que isso mesmo, ou seja, os artigos 17.º e 
 
 18.º inscrevem-se no programa normativo do destino a dar a prédios anteriormente 
 expropriados (artigo 13.º), localizados na zona de intervenção agrária (corpo do 
 artigo 11.º), sendo que a nova redacção do artigo 1.º (o artigo 2.º foi 
 expressamente revogado pelo artigo 3.º da nova Lei) trazida pela Lei n.º 46/90, 
 vem esclarecer definitivamente a questão».  É que, a Lei de Bases da Reforma 
 Agrária, a de 1988, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 46/90, de 22 de 
 Agosto, não é em nenhum dos seus capítulos uma lei transitória, é, sim, a lei 
 disciplinadora, para o presente e para o futuro, do «redimensionamento das 
 unidades de exploração agrícola» e do destino das áreas expropriadas e 
 nacionalizadas — com expressa invocação da directiva constitucional da 
 eliminação dos latifúndios constante do artigo 97.º da Lei Fundamental —, 
 estabelecendo ainda «os princípios gerais relativos ao uso e mau uso dos solos 
 agrícolas e ao fomento hidroagrícola» (artigo 1.º, n.º 1).  Transitória é tão-só 
 a «composição da zona de intervenção da reforma agrária (ZIRA), constante do 
 Decreto-Lei n.º 236-B/76, de 5 de Abril», mantida ainda até à «entrada em vigor 
 da legislação, de âmbito nacional, que estabelecerá as bases gerais do fomento 
 agrário e das estruturas agrícolas» (n.º 2), o que significa que se mantêm as 
 fronteiras de tal zona até que saia nova legislação, que poderá ou não 
 alterá-las.
 Portanto, não tem sentido falar, como faz o acórdão, no esgotamento no tempo da 
 
 «aplicação da lei, uma vez terminada a reestruturação fundiária que é objecto do 
 respectivo Capítulo ii (artigos 11.º a 34.º)», pois o regime jurídico da 
 propriedade na ZIRA não se vai esgotar no tempo, mesmo no capítulo da 
 reestruturação fundiária, e terá sempre a presidi-lo a directiva constitucional 
 do artigo 97.º
 Aliás, o acórdão sente a dificuldade, quando reconhece que o «argumento da 
 possibilidade de reconstituição in futuro dos latifúndios» tem «mais peso» e 
 poderia «na verdade perguntar-se se tal efeito não se produzirá», mas responde à 
 pergunta com a consideração da «natureza provisória» do dito Capítulo II, o que 
 
 é curto, como que a resposta de «mau pagador» (e tanto parece assim que acaba o 
 acórdão por introduzir a ideia de «uma hipotética censura por omissão 
 legislativa», quando a verdadeira censura é de acção legislativa).
 Por tudo isto, e talqualmente se exarou no já referenciado voto de vencido que 
 acompanhou o Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 187/88, esta 
 
 «multiplicação de reservas» que se consente às contitularidades e heranças 
 indivisas contraria um dos objectivos assinalados à política agrícola, ou seja, 
 precisamente a transferência progressiva da posse útil da terra para aqueles que 
 a trabalham [a alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º], transferência essa que, nos 
 termos do n.º 1 do artigo 97.º da Constituição, deve ser obtida «através da 
 expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas» (cfr. loc. 
 cit., p. 92).
 Daí que o meu juízo seja um juízo de inconstitucionalidade, por violação 
 daquelas normas constitucionais.
 
  
 
 5 — A do artigo 37.º da Lei n.º 109/88, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 46/90, questionada no Pedido B, na base de que aí se estava a privilegiar 
 
 «uns determinados beneficiários... em detrimento de outros igualmente previstos 
 na Constituição», do que «resultaria violação do princípio da igualdade (artigo 
 
 13.º da CRP) e do disposto no n.º 2 do artigo 97.º também da CRP».  
 Contrariamente ao entendimento a que se chegou no acórdão, no seu n.º 17, no 
 sentido da «não inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 37.º 
 da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na redacção da Lei n.º 46/90, de 22 de 
 Agosto», entendo que ela viola grosseiramente as normas dos artigos 97.º, n.º 2, 
 e 13.º da Constituição.
 Isto porque, e desde logo, como se reconhece no acórdão, imediatamente «ressalta 
 uma discrepância entre o texto legal e o texto constitucional, na medida em que 
 este não refere os ‘médios’ agricultores como beneficiários», só que o acórdão 
 não retira daí as consequências devidas e antes se mete por caminhos tortuosos, 
 para chegar a um juízo de conformidade constitucional.  Quando o verdadeiro 
 juízo passaria até só pela interpretação declarativa do n.º 2 do artigo 97.º da 
 Constituição, vedando que, para os efeitos nele previstos, os médios 
 agricultores constituam categoria autónoma, e daí a desconformidade da norma 
 questionada com a Constituição.
 Neste ponto, e para encurtar razões, acompanho inteiramente as declarações de 
 voto dos Ex.mos Conselheiros Maria Fernanda Palma e Ribeiro Mendes, convergindo 
 para a solução da violação frontal da Constituição. — Guilherme da Fonseca.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Embora acompanhando a maior parte das decisões constantes do acórdão, 
 afastei-me da maioria do Tribunal relativamente ao juízo de não 
 inconstitucionalidade feito quanto às normas dos artigos 14.º-A e 37.º da Lei de 
 Bases da Reforma Agrária — L.B.R.A. (Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, na 
 redacção introduzida pela Lei n.º 46/90, de 22 de Agosto).
 Passarei a referir brevemente as razões da minha discordância.
 
 2 — A norma do artigo 14.º-A da L.B.R.A.
 Na alteração da L.B.R.A. de 1990, foi introduzido um novo artigo, o artigo 
 
 14.º-A, que estatui que aos proprietários de prédios meramente ocupados se 
 aplicam, «com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao direito de 
 reserva, devendo o Estado proceder às desocupações de todas as terras que, em 
 conformidade com o disposto na presente lei, não são, passíveis de expropriação» 
 
 (itálico acrescentado).
 Os Deputados signatários do Pedido B (Processo n.º 272/90, que foi incorporado 
 no Processo n.º 406/88) sustentaram que a norma em causa sofria de 
 inconstitucionalidade, na medida em que o legislador invade «a competência dos 
 tribunais, negando-se-lhes a possibilidade de se pronunciarem, em cada caso 
 concreto, sobre os direitos de propriedade dos prédios ocupados».  E, no 
 respectivo pedido, concluíram que a norma impugnada «atribui à Administração 
 competências que são indubitavelmente da função judicial contrariando os artigos 
 
 205.º e 206.º da Constituição».
 A maioria do Tribunal não viu em que medida se podia verificar «invasão da 
 competência dos tribunais, se se atender a que a Administração actua no 
 cumprimento da lei e com vista ao restabelecimento de uma situação de 
 normalidade jurídica» (ponto 14.1 do Acórdão).  Depois de interpretar a norma 
 como atribuindo uma competência às autoridades administrativas do Estado — 
 interpretação que parece, de um ponto de vista sistemático, a mais adequada, 
 muito embora se justificasse, em minha opinião, uma interpretação conforme à 
 Constituição que implicasse a leitura de que a competência era atribuída aos 
 
 órgãos judiciais do Estado — considerou que a Administração não ficava 
 directamente investida no poder de se pronunciar sobre «os direitos de 
 propriedade dos prédios ocupados», antes devendo, «perante uma ocupação 
 desprovida de qualquer outro título que não seja o da mera factualidade 
 contrária à lei» proceder «às operações materiais exigidas pelo restabelecimento 
 da legalidade», não dirimindo assim, «qualquer conflito de direito tendo por 
 objecto esses bens».
 Em minha opinião, trata-se de uma doutrina perigosíssima, permitindo que o 
 legislador possa confiar sistematicamente às autoridades policiais a competência 
 para pôr termo a situações de esbulho entre particulares.
 De harmonia com o n.º 2 do artigo 205.º da Constituição, incumbe aos tribunais 
 
 «dirimir os conflitos de interesses públicos e privados».
 Como referem os comentadores Gomes Canotilho e Vital Moreira, permanece uma 
 
 «questão altamente controvertida» a delimitação da reserva de competência 
 judicial.  Em todo o caso, os mesmos constitucionalistas notam que não há 
 dúvidas nessa delimitação quando se trate de «definição autoritária de conflitos 
 de interesses privados», pois tal definição cabe iniludivelmente aos órgãos 
 judiciais, como deverão caber os casos duvidosos, por decorrência de «um 
 entendimento exigente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 
 
 2.º)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, Coimbra, 
 
 1993, pp. 792-793).
 Ora, é bem conhecido que, após a Revolução de Abril de 1974, os camponeses do 
 Sul do País procederam a ocupações de propriedades rústicas pertencentes a 
 terceiros, tendo sido criadas explorações agrícolas de tipo cooperativo que se 
 desenvolveram e em que houve consolidação de situações fácticas de «posse útil 
 da terra», com duração por vários anos.  Deve notar-se que esse movimento 
 fáctico ou revolucionário de ocupações foi acompanhado por diplomas legais que, 
 de certo modo, procuraram legalizar algumas dessas situações (nomeadamente, os 
 Decretos-Leis n.os 406-A/75 e 407-A/75, de 30 de Julho).  Entre 1975 e 1988, 
 sucederam-se igualmente duas leis de reforma Agrária (Lei n.º 77/77, de 29 de 
 Setembro, vulgarmente conhecida como Lei Barreto; Lei n.º 109/88, de 26 de 
 Dezembro).
 Não pode, face à multiplicidade de situações jurídicas ou fácticas constituídas 
 
 à sombra de legislações sucessivas, pretender-se que, em 1990, as autoridades 
 administrativas, nomeadamente as autoridades policiais, possam proceder às 
 desocupações de todas as terras, manu militari, que não sejam passíveis de 
 expropriação e estejam meramente ocupadas, sem que tenham de proceder a 
 actividades de «definição autoritária de conflitos de interesses provados» entre 
 proprietários desapossados e exploradores de facto, com posse útil.
 Trata-se de uma actividade que implica dirimir conflitos privados, não se vendo 
 como pode aí haver — tal como sustenta a tese maioritária — simples «operações 
 materiais exigidas pelo restabelecimento da legalidade».  Só juízes 
 independentes podem interpretar e aplicar a lei aos factos apurados nos 
 processos intentados pelos proprietários desapossados.
 E, como é evidente, a afirmação de que a Administração Pública actua «no 
 cumprimento da lei» não pode chegar para se considerar que tem a possibilidade 
 de dirimir quaisquer litígios entre particulares, ainda quando esteja em causa o 
 asseguramento «da normalidade jurídica» e interesses públicos de boa gestão da 
 economia agrária.  De outro modo, teria de se concluir pela inexistência de uma 
 imposição constitucional da reserva do juiz.
 Tão-pouco se pode argumentar — como se faz na tese maioritária — com que a 
 expropriação e a atribuição de reservas se fazem através da prática de actos 
 administrativos.  Por um lado, não foi pedida ao Tribunal Constitucional a 
 apreciação da constitucionalidade de tais soluções legais.  Por outro lado, e 
 decisivamente, o que está em causa é a resolução de litígios sobre a posse de 
 terras entre privados, em que tem de apurar-se se existe ou não ocupação 
 titulada, sendo certo que tais situações de ocupação remontam, por vezes, a 
 longos períodos e em que há, mesmo, explorações agro-industriais, inexistentes 
 na data do início da situação controvertida.
 Daí a conclusão de que a norma do artigo 14.º-A da L.B.R.A. é frontalmente 
 contrária ao disposto nos artigos 205.º, n.º 2, e 206.º da Constituição.
 
  
 
 3 — A norma do n.º 2 do artigo 37.º da L.B.R.A.
 O artigo 37.º da versão de 1990 da L.B.R.A. prevê, no seu n.º 1, que os prédios 
 expropriados ou nacionalizados são entregues em propriedade ou para exploração a 
 beneficiários aptos a contribuírem para os objectivos da política agrícola, nos 
 termos da Constituição.
 Por seu turno, o n.º 2 deste artigo cria preferências legais relativamente à 
 entrega a terceiros de prédios expropriados ou nacionalizados pelo Estado:
 
  
 O Estado privilegia, como beneficiários da entrega prevista no número anterior, 
 os pequenos e médios agricultores, de preferência integrados em unidades ou 
 empresas de índole familiar.
 
  
 Considero que este n.º 2 do artigo 37.º contraria, frontal e iniludivelmente, a 
 prescrição constitucional constante do artigo 97.º, n.º 2, da Lei Fundamental, 
 ao menos quando se trate da entrega de prédios expropriados (sendo embora 
 sustentável que, por analogia, não deva ser outra a solução em caso de entrega 
 de prédios nacionalizados, dada a substancial identidade das duas situações, no 
 domínio da Reforma Agrária).
 Este preceito constitucional prevê a quem deverão ser entregues as terras 
 expropriadas, a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei:
 
  
 
 —  a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração 
 familiar;
 
 —  a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores;
 
 —  a outras formas de exploração por trabalhadores.
 
  
 O mesmo texto prevê ainda que a entrega dessas terras antes da outorga da 
 propriedade plena é feita «sem prejuízo da estipulação de um período probatório 
 da efectividade e da racionalidade da respectiva exploração».
 Face ao grau de concretização desta previsão constitucional, tenho como 
 indiscutível que o legislador ordinário não pode criar uma preferência nova e 
 diversa, para efeitos de entrega de terras expropriadas (ou nacionalizadas), a 
 favor de médios agricultores, por um lado.  E, por outro, não pode também 
 privilegiar arbitrariamente nenhuma das categorias contempladas (pequenos 
 agricultores; cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores; 
 outras formas de exploração por trabalhadores, nomeadamente as chamadas 
 
 «unidades colectivas de produção»), já que a única preferência 
 constitucionalmente admitida, no que toca a uma das categorias e dentro dessa 
 mesma categoria, foi a dos pequenos agricultores integrados em unidades de 
 exploração familiar.
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem este n.º 2 do artigo 97.º da 
 Constituição, afirmam que, embora a Lei Fundamental não defina os critérios de 
 repartição da terra pelas duas categorias reais de beneficiários (trabalhadores 
 e pequenos agricultores), a liberdade de conformação do legislador deve ser 
 balizada pelos seguintes critérios constitucionalmente adequados:
 
  
 a)  se a eliminação do latifúndio visa proporcionar o acesso da terra a quem a 
 trabalha, então hão-de ter preferência os trabalhadores rurais e agricultores 
 
 (rendeiros, seareiros) que já estivessem ligados à própria terra nacionalizada; 
 b) as formas cooperativas e equiparadas permitirão o acesso de maior número de 
 trabalhadores e agricultores à posse e gestão da terra do que as explorações 
 individuais, dando assim melhor realização ao referido objectivo constitucional 
 
 (Constituição cit., p. 441).
 
  
 Quanto à categoria de trabalhador rural, a sua definição não suscita dúvidas.  
 Trata-se dos assalariados, que não possuem terra e que, mediante contrato de 
 trabalho, desenvolviam a sua actividade em benefício do antigo explorador da 
 terra expropriada ou nacionalizada ou de outros exploradores privados e que, 
 individualmente ou em organizações associativas (cooperativas de trabalhadores; 
 UCP‘s), passaram a trabalhar nesses prédios [cfr. artigo 82.º, n.º 4, alíneas a) 
 e c), da Constituição].
 Mais difícil é a caracterização de pequeno agricultor, uma vez que tem de 
 admitir-se uma actividade de concretização pelo legislador.  Como referem ainda 
 os mesmos comentadores, a tarefa de densificação pelo legislador não pode, 
 porém, ser arbitrária, havendo o mesmo legislador de «tomar em conta as 
 definições correntes na economia agrária» (ob. cit., p. 441).
 O que o legislador ordinário, seguramente, não pode fazer é criar uma nova 
 preferência, em detrimento dos trabalhadores, e a favor dos médios agricultores.
 A maioria vencedora não pode escamotear a patente discrepância entre o texto 
 constitucional e o legal.  Para «colocar essa discrepância em termos adequados» 
 optou, porém, por fazer uma leitura correctiva ou abrogante do texto 
 constitucional, em benefício do texto legal…
 Para sustentar tão estranha operação interpretativa — de atribuição de um 
 alcance pelo menos tendencialmente parificador dos conceitos de pequeno e médio 
 agricultor —, a tese maioritária socorreu-se de um pretenso lugar paralelo na 
 Constituição — o artigo 100.º, n.º 1, preceito que estatui que, na prossecução 
 dos objectivos de política agrícola, o Estado apoiará preferencialmente «os 
 pequenos e médios agricultores, nomeadamente quando integrados em unidades de 
 exploração familiar, individualmente ou associados em cooperativas, bem como as 
 cooperativas de trabalhadores agrícolas e outras formas de exploração por 
 trabalhadores».  Simplesmente, não demonstrou qual a razão por que o legislador 
 constituinte se terá exprimido com impropriedade no artigo 97.º, n.º 2, do texto 
 constitucional, nem explicou por que haviam de ser paralelas as soluções a 
 perfilhar, no domínio da atribuição em propriedade ou em posse de prédios 
 expropriados ou nacionalizados (isto é, de prédios do Estado) ou outras, no 
 domínio da concessão de apoio preferencial (assistência técnica; apoio de 
 empresas públicas e de cooperativas de comercialização a montante e jusante da 
 produção; socialização de certos riscos «naturais», estímulos ao associativismo) 
 pelo próprio Estado a diferentes agentes económicos na agricultura.
 Acrescente-se que não é metodologicamente correcto chamar à colação normas 
 constitucionais sobre benefícios a pequenas e médias empresas, comerciais ou 
 industriais, — normas que tutelam um propósito antimonopolista do legislador 
 constitucional, que tem por objectivo «a realização da democracia económica, 
 social» [artigo 2.º da Constituição; ver ainda os artigos 9.º, alínea d), 80.º, 
 alíneas a) e e), e 81.º, alíneas e) e f)] — para justificar a opção divergente 
 do legislador ordinário, quando o próprio legislador constitucional impõe uma 
 certa opção [artigos 81.º, alínea h), e 97.º, n.º 2].  Nem se vê por que razão 
 se há-de «relativizar» qualquer discrepância de terminologia…
 Diferentemente do que se afirma no texto do acórdão, não deve haver fluidez nem 
 imprecisão da linha de fronteira entre os conceitos de pequeno e médio 
 agricultor. Seja como for, a existir tal fluidez ou imprecisão na legislação 
 ordinária (indica-se o Decreto-Lei n.º 63/89, de 24 de Fevereiro, diploma que 
 institui os princípios orientadores da entrega para exploração de prédios 
 expropriados e nacionalizados, onde se equipara o pequeno agricultor a «pequeno 
 e médio agricultor» — PMA, e cuja apreciação de constitucionalidade não é 
 objecto deste processo), a mesma não pode servir de alibi ao legislador 
 ordinário da Lei de Bases de Reforma Agrária para subverter as imposições 
 constitucionais!
 Por estas razões, considerei frontalmente inconstitucional o n.º 2 do artigo 
 
 37.º da L.B.R.A. — Armindo Ribeiro Mendes.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 I
 
  
 Votei vencida quanto à declaração de não inconstitucionalidade do artigo 14.º-A 
 da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, por entender que ele contraria 
 o artigo 205.º da Constituição, ofendendo a reserva do juiz e da função 
 jurisdicional.
 A violação do citado princípio constitucional resulta de a fórmula legislativa 
 conceber uma actividade do Estado na prossecução do interesse público — o que 
 seria próprio da função administrativa —, em situações de conflitualidade de 
 direitos, envolvendo, nomeadamente, o direito de propriedade, para as quais a 
 Constituição declara competentes os tribunais.
 Como resulta do texto do acórdão, a lei admite que a Administração actue com 
 fundamento numa qualificação jurídica prévia — o que significa, na situação 
 concreta, que se permite que sejam tomadas como pressupostos de actuação 
 valorações de uma situação de conflito de direitos.
 Se é indiscutível que a finalidade da actuação concebida pelo legislador não é a 
 definição de direitos (eventualmente envolvidos num conflito), não é menos 
 verdade que uma actuação dirigida a realizar o interesse na reposição da 
 
 «normalidade jurídica», numa situação de conflito de interesses (no plano social 
 e jurídico), não pode anteceder a definição dos direitos prevalecentes pelos 
 tribunais.
 Assim, mesmo que a norma do artigo 14.º-A da Lei n.º 109/88 não pretenda 
 atribuir à Administração os atributos da função jurisdicional, está em causa uma 
 actividade administrativa que pressupõe a definição de direitos, numa situação 
 de conflito social com eventual repercussão jurídica, sem intervenção dos 
 tribunais.
 
  
 II
 
  
 Votei igualmente vencida quanto à declaração de não inconstitucionalidade do 
 artigo 37.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88, na redacção da Lei n.º 46/90, na medida 
 em que tal norma viola frontalmente o disposto nos artigos 97.º, n.º 2, e 13.º 
 da Constituição, ao excluir as cooperativas de trabalhadores rurais ou de 
 pequenos agricultores ou outras formas de exploração por trabalhadores da 
 categoria de beneficiários da entrega para exploração que o Estado privilegia.
 A preferência legal quanto aos beneficiários da entrega dos prédios expropriados 
 não coincide com a preferência constitucional.   Admite-se, deste modo, que a 
 lei infraconstitucional introduza uma discriminação positiva dos pequenos e 
 médios agricultores em detrimento das organizações de trabalhadores, não 
 justificada pelos objectivos constitucionais de política agrícola [artigo 86.º, 
 alínea b)] e, nesse sentido, puramente arbitrária (em violação do artigo 13.º).
 
 É completamente inaceitável, no plano lógico-valorativo, o argumento de que 
 existe uma graduação no artigo 97.º, n.º 2, da Constituição, que viria em apoio 
 do regime consagrado no artigo 37.º, n.º 2, da Lei n.º 109/88, isto é, que 
 autorizaria a concessão de preferência exclusivamente aos pequenos e médios 
 agricultores.
 Na realidade, uma simples enumeração não expressa a primazia do primeiro 
 elemento, na medida em que é impossível enumerar sem utilizar uma ordem.  Da 
 enumeração não decorre, por conseguinte, uma diferente valoração dos vários 
 elementos.
 Por outro lado, o argumento da graduação (pretensamente literal) é profundamente 
 contraditório com a inclusão dos médios agricultores entre os beneficiários, já 
 que eles nem sequer constam daquela enumeração constitucional.
 
 É impossível, assim, afirmar simultaneamente que «é difícil não ver na 
 enumeração a que procedem estas duas normas uma graduação valorativa que vem em 
 apoio do n.º 2 do artigo 37.º» e que os médios agricultores podem ser uma 
 categoria de beneficiários preferidos apesar de o texto constitucional a eles 
 não se referir, na mesma enumeração do artigo 97.º, n.º 2.  Na realidade, 
 impor-se-á a pergunta: como não ver na exclusão dos médios agricultores da 
 enumeração constitucional do artigo 97.º, n.º 2, uma preferência valorativa 
 pelos pequenos agricultores e pelas outras formas de exploração pelos 
 trabalhadores? — Maria Fernanda Palma.
 
   
 
  
 
 1 — Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 29 de Junho de 1995.