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Processo n.º 671/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         I – Relatório
 
                         1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), da decisão sumária do relator, de 5 de Setembro de 2005, que decidiu, 
 no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do 
 objecto do presente recurso.
 
  
 
                         2. Como se referiu nessa decisão sumária, o ora 
 reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 
 
 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 
 de Agosto de 2005, que negou provimento ao recurso por ele deduzido contra o 
 acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28 de Junho de 2005, que autorizou a 
 sua extradição para a República Federativa do Brasil, a fim de aí cumprir o 
 remanescente da pena de prisão em que foi condenado, por acórdão de 15 de Abril 
 de 1996 do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região do Pará, pela prática dos 
 crimes de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 
 
 12.º e 18.º, I e III, da Lei Brasileira n.º 6368/76 (Lei Anti‑Tóxicos) (oito 
 anos) e de fraude de lei sobre estrangeiro, previsto e punido no artigo 309.º do 
 Código Penal brasileiro (um ano).
 
                         Segundo o respectivo requerimento de interposição, “o 
 presente recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade da 
 aplicação das normas dos artigos 715.° e 664.° do Código de  Processo Civil, em 
 conjugação com o artigo 3.° da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, bem como da 
 aplicação do artigo 127.° do Código de Processo Penal, e também da 
 inconstitucionalidade interpretativa das normas dos artigos 6.°, alínea c), 
 
 23.º, 45.° e 55.° da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei de Cooperação 
 Judiciária Internacional) e, finalmente, dos artigos 123.°, n.º 2, 283.°, n.º 
 
 3, 374.°, n.º 2, e 379.° n.º 1, alíneas a) e c), todos do Código de Processo 
 Penal (ex vi artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de 
 Agosto)”, questões de inconstitucionalidade que teriam sido suscitadas “aquando 
 da interposição e motivação do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, 
 havendo ainda “inconstitucionalidades que o recorrente pretende ver declaradas 
 que foram originadas pela aplicação de algumas normas no próprio acórdão 
 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que não foi possível ao 
 extraditando prevenir tal questão, nem lhe é possível suscitá‑la perante 
 qualquer outro Tribunal, que não o Tribunal Constitucional”, já que, 
 
 “efectivamente, o recorrente não possui qualquer outra instância de recurso, 
 pois o direito de recorrer foi‑lhe vedado pelo Supremo Tribunal de Justiça que 
 aqui funcionou como tribunal de instância, como infra se explanará”. De 
 seguida, o recorrente enuncia seis questões de inconstitucionalidade, em 
 termos que foram expostos nos n.ºs 4 a 9 da decisão sumária, que serão 
 transcritos infra, no n.º 5 deste acórdão.
 
                         
 
                         3. De seguida, a decisão sumária ora reclamada recordou 
 que no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas (como acontece com o recurso de amparo espanhol ou a queixa 
 constitucional alemã), ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre 
 os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa 
 daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na 
 primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério 
 normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter 
 de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, 
 enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
                         Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente 
 caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos 
 de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante o 
 processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 
 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua 
 ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota 
 com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo 
 excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 
                         Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal 
 Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a 
 questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal 
 recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se 
 esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido 
 uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua 
 nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já 
 meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual 
 aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa 
 de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve 
 
 “lapso manifesto” do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na 
 qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do 
 processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da 
 proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de 
 suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no 
 requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas 
 respectivas alegações.
 
                         Acresce que, quando o recorrente questiona a 
 conformidade constitucional de uma interpretação acolhida, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o 
 uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão recorrida” ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal que, para 
 usar a formulação do Acórdão n.º 367/94: “Ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) esse sentido (essa 
 dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso de 
 vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão 
 em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do 
 direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o 
 preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.”
 
  
 
                         4. Recordados estes critérios e antes de entrar na 
 apreciação da admissibilidade do recurso quanto a cada uma das seis questões de 
 constitucionalidade suscitadas, entendeu‑se na decisão sumária ora reclamada que 
 era útil reproduzir – pese embora a sua extensão – a fundamentação integral do 
 acórdão recorrido, dada a conexão que aproxima aquelas questões e para assim se 
 dispor de uma visão global do caso, que facilitaria a aferição da efectiva 
 aplicação, ou não, como rationes decidendi desse acórdão, das dimensões 
 normativas arguidas de inconstitucionais.
 
                         É a seguinte a fundamentação do acórdão recorrido:
 
  
 
             “2. Decidindo.
 
             2.1. O Tribunal da Relação de Évora proferiu a seguinte decisão 
 sobre a matéria de facto:
 
  
 
                «2.1. A matéria de facto provada com interesse para a decisão é a 
 seguinte:
 
             1.º – Ao abrigo do Tratado de Extradição entre o Governo da 
 República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil (aprovado 
 para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.° 5/94, de 3 de 
 Fevereiro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.° 3/94, de 3 
 de Fevereiro – cf. ainda Aviso n.° 330/94, de 24 de Novembro), as autoridades 
 brasileiras solicitaram ao Estado Português a extradição do cidadão A., acima 
 identificado, para efeitos de cumprimento do remanescente da pena.
 
             2.º – O requerido foi condenado no âmbito do processo n.° 94.3896-8 
 
 – Acção Criminal – Classe VI, pela 4.ª Vara Federal da Secção Judiciária do 
 Pará (Justiça Federal de 1.ª Instância) na pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) 
 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado 
 previsto e punido pelos artigos 12.° e 18.º, I e III, da Lei Brasileira n° 
 
 6368/76 (Lei Anti‑Tóxicos) e na pena de dois anos de prisão em regime 
 semi‑aberto e em 185 (cento e oitenta e cinco) dias de multa à metade do salário 
 mínimo, pela prática de um crime de fraude de lei sobre estrangeiro previsto e 
 punido no artigo 309.° do Código Penal Brasileiro.
 
             3.º – Em cúmulo jurídico das referidas penas, foi o requerido 
 condenado na pena única de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão.
 
             4.º – O requerido interpôs recurso desta sentença para o Tribunal 
 Regional Federal da 1.ª Região do Pará, que foi parcialmente provido, por 
 Acórdão de 15 de Abril de 1996, tendo, em consequência, reduzido a pena em que 
 havia sido condenado pela prática do aludido crime de tráfico de estupefacientes 
 agravado para 8 (oito) anos de prisão e a pena em que havia sido condenado pela 
 prática do crime de fraude de lei sobre estrangeiro para 1 (um) ano de prisão e 
 sofrendo a pena de multa uma redução proporcional, acórdão que transitou em 
 julgado em 5 de Junho de 1996.
 
             5.º – O requerido esteve preso desde 4 de Julho de 1994, à ordem do 
 processo acima identificado, da 4.ª Vara Federal da Secção Judiciária do Pará, 
 pôs‑se em fuga para parte incerta em 24 de Setembro de 1996.
 
             6.º – Os factos que deram origem à sua condenação resumem‑se no 
 seguinte:
 
             Nos dias 27 e 28 de Maio de 1994, o requerido deslocou‑se a Belém, 
 tendo em vista a aquisição de estupefacientes, tendo‑se hospedado no Hotel B., 
 onde manteve contactos, através do telefone, com o C..
 
             No dia 3 de Julho de 1994, voltou a Belém no voo 250 da D. e trazia 
 consigo a quantia de USS 88 362,00 (oitenta e oito mil e trezentos e sessenta e 
 dois dólares norte‑americanos) para a aquisição de 31 (trinta e um) kg de 
 cocaína, que se encontravam na residência de uma irmã de C., situada perto do 
 Aeroporto de Belém. Tal droga era para ser transportada para Amsterdão.
 
             Foi detido quando se encontrava no interior do veículo Parati, 
 pertencente ao acusado E., conduzido pelo réu F. e demais acusados após ter sido 
 recepcionado no aeroporto por C., que já era seu conhecido.
 
             O requerido inseriu a sua fotografia no passaporte pertencente a 
 terceiro para assumir identidade diversa e pretendia regressar a S. Paulo no dia 
 
 4 de Julho e à Holanda no dia 11 de Julho de 1994.
 
             7.º – O pedido formal de extradição foi apresentado às autoridades 
 portuguesas, tendo o Ministro da Justiça de Portugal, através do seu despacho de 
 
 7 de Janeiro de 2005, considerado admissível e autorizado o seu prosseguimento.
 
             8.º – Os factos pelos quais o requerido foi condenado no Brasil são 
 igualmente puníveis em Portugal nos termos dos artigos 21.° e 24.° alíneas f) e 
 j), do Decreto‑Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, e pelo artigo 256.°, n.°s 1, 
 alínea a), e 3, do Código Penal, a que correspondem as penas em abstracto de 5 a 
 
 16 anos de prisão [quis seguramente escrever‑se 5 a 15 anos de prisão, como 
 sendo a pena correspondente ao crime do artigo 24.° do Decreto‑Lei n.º 15/93] e 
 de 6 meses a 5 anos de prisão ou pena de multa de 60 a 600 dias.
 
             9.º – Não corre contra o requerido, nos tribunais portugueses, 
 qualquer processo pelos mesmos factos que fundamentam a extradição.
 
             10.º – À data em que se pôs em fuga, o requerido encontrava‑se em 
 cumprimento das penas em que foi condenado, tendo sido emitido contra si pelo 
 M.mo Juiz Federal substituto da 3.ª Vara Federal do Pará, no exercício 
 cumulativo de funções com a 4.ª Vara, mandados de captura que não foram 
 cumpridos por virtude de o requerido se ter ausentado para parte incerta, 
 residindo actualmente em Vilamoura, Quarteira, Portugal.
 
             11.º – Nas prisões de alguns Estados Brasileiros, alguns dos 
 reclusos são sujeitos a maus tratos.
 
             12.º – As prisões brasileiras estão em geral sobrelotadas e algumas 
 não têm condições de higiene e de sanidade.
 
             13.º – O extraditando encontrava‑se, em 24 de Setembro de 1996, data 
 em que se pôs em fuga, internado no Hospital ------, em Belém do Pará.
 
             Matéria de facto não provada
 
             a) O extraditando durante os dois anos em que esteve nas prisões de 
 Belém do Pará foi vítima de violações à sua integridade física e psicológica, 
 quer por parte de outros reclusos, quer por parte dos guardas prisionais.
 
             b) A sua condição de recluso estrangeiro e de raça negra levava a 
 que os colegas de cadeia o marginalizassem, infligindo‑lhe frequentemente maus 
 tratos físicos.
 
             c) O extraditando era frequentemente espancado, umas vezes por não 
 ter dinheiro para dar aos “líderes” dos gangs da prisão conhecidos pelos 
 
 “chefes dos presos”, outras por não ter tabaco ou comida para eles.
 
             d) O extraditando assistiu enquanto esteve preso no Brasil a duas 
 rebeliões dentro da prisão, durante a qual ocorreram inúmeras execuções 
 sumárias, numa das quais assassinaram cinco guardas prisionais, aos quais os 
 presos cortaram as cabeças e jogaram à bola com as mesmas.
 
             e) Na ocasião das rebeliões o extraditando manteve‑se vivo porque 
 na altura pagou o que lhe pediram para não o executarem.
 
             f) Tanto os guardas prisionais como os outros reclusos torturavam o 
 extraditando da seguinte forma: queimavam pontas de cigarros, por vezes, no seu 
 corpo, espancavam‑no aos murros e pontapés sempre na proporção de cinco ou seis 
 para um, era vítima de abusos sexuais, enfiavam paus de vassoura no seu ânus, 
 bem como material inflamável, acto que os reclusos apelidavam de 
 
 “churrasquinho”, obrigavam‑no a masturbá‑los e a praticar sexo oral com eles.
 
             g) Os guardas prisionais, quando os maus tratos e torturas eram 
 levados a cabo, assistiam impavidamente ao que os outros reclusos lhe faziam, 
 sem fazer o que quer que fosse para o evitar.
 
             h) Os guardas prisionais, quando o extraditando não tinha dinheiro 
 para lhes pagar a sua protecção, enfiavam‑lhe sacos de lixo na cabeça e 
 desferiam‑lhe socos e pontapés, outras vezes não lhe entregavam a alimentação 
 que familiares e amigos lhe levavam.
 
             i) Os guardas prisionais obrigavam o extraditando a passar fome, não 
 lhe entregando a alimentação que familiares e amigos lhe levavam.
 
             j) O extraditando partilhava uma cela com 14 metros quadrados com 16 
 reclusos, sem que estivessem disponíveis colchões para todos.
 
             l) O extraditando foi reiteradamente, enquanto esteve detido no 
 Brasil, vítima de maus tratos psicológicos, bem como de tortura.»
 
  
 
             E fundamentou esta decisão nos seguintes termos:
 
  
 
             «O tribunal baseou a sua convicção, relativamente aos factos 
 provados, nos documentos juntos aos autos e no depoimento da Dr.ª G., que exerce 
 as funções de Directora da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, e 
 demonstrou ter um conhecimento genérico sobre a forma como funciona uma parte 
 significativa das prisões do Brasil e as condições de higiene destas.
 
             Quanto aos factos não provados, não foi feita prova que permitisse 
 concluir pela sua verificação. A Dr.ª G. não tem conhecimento dos mesmos, nunca 
 esteve em contacto com o extraditando, enquanto ele esteve detido no Brasil, nem 
 com as prisões brasileiras. As declarações da esposa do arguido não se nos 
 afiguram credíveis, face ao interesse que manifesta nos presentes autos.»
 
  
 
             2.2. São as seguintes as questões que constituem o objecto do 
 presente recurso, de acordo com as conclusões da motivação:
 
             1.ª – A irregularidade formal do processo;
 
             2.ª – A nulidade do pedido de extradição;
 
             3.ª – A violação das garantias de defesa e do princípio do 
 contraditório;
 
             4.ª – O erro notório na apreciação da prova;
 
             5.ª – A nulidade do acórdão recorrido;
 
             6.ª – A violação do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da LCJ.
 
  
 
             2.3. Apreciemo‑las:
 
             2.3.1. Da irregularidade formal do processo.
 
             O recorrente insiste na alegação já feita em sede de oposição, a 
 título de «questão prévia», de que o processo enferma de irregularidade formal, 
 porquanto são contraditórias as datas constantes dos autos sobre: a) a data da 
 sua detenção (no Brasil); b) a data do trânsito em julgado da decisão que aí o 
 condenou.
 
             Assim, diz:
 
             a) enquanto o pedido de extradição (a promoção do Ministério Público 
 para cumprimento do pedido, quer ele dizer) refere que foi preso em 4 de Abril 
 de 1994, a «Guia de Recolhimento da Secção Judiciária do Pará» (fls. 206) 
 define, como data da sua prisão, o dia 4 de Julho de 1994 e, como data do termo 
 do cumprimento da pena, o dia 3 de Julho de 2003;
 
             b) por outro lado, quanto à data do trânsito em julgado do acórdão 
 da 3.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região do Pará, enquanto o 
 pedido de extradição refere que essa decisão condenatória transitou em julgado 
 em 2 de Dezembro de 1996, data que é corroborada pela certidão do respectivo 
 trânsito em julgado, fls. 96 e 97, o despacho do Juiz Federal H. (fls. 12), bem 
 como a já referida «Guia de Recolhimento» de fls. 206, referem que a mesma 
 decisão condenatória transitou em julgado em 5 de Junho de 1996.
 
             Tais irregularidades, em sua opinião, «suscitam dúvidas acerca do 
 tempo de cumprimento de pena do extraditando, ou sequer se o mesmo ainda se 
 encontraria em prisão preventiva, ou já a cumprir pena efectiva, aquando da sua 
 evasão, não sendo possível, face às contradições constantes dos autos, 
 determinar o momento do término do cumprimento da pena», razão por que entende 
 que, nos termos do artigo 23.°, n.° 3, e 45.° da LCJ, «a autoridade competente 
 deveria ter completado o pedido, procedendo assim à sua regularização e que, 
 como não o fez, o processo deveria ter sido arquivado ao abrigo do disposto no 
 n.° 2 do artigo 45.° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, o que requereu em sede 
 de oposição».
 
             E, continua, se o acórdão recorrido decidiu bem quanto à primeira 
 das apontadas irregularidades, considerando‑a sanada, «na medida em que o 
 Ministério  Público  admitiu  tratar‑se  de  um  lapso  de  escrita,  e  com  a 
 apresentação da sua resposta à oposição o extraditando tomou conhecimento da 
 data de detenção a considerar»,
 
             «no que respeita à segunda irregularidade invocada – divergência 
 entre a data do trânsito em julgado da decisão condenatória em vários documentos 
 dos autos – o Ministério Público não invocou qualquer lapso de escrita a este 
 respeito, admitindo que existe divergência entre a data do trânsito em julgado 
 da decisão condenatória, embora considerando esta divergência irrelevante, mas 
 não assume qualquer posição em relação à data que deve ser tida em conta para 
 efeitos de defesa do extraditando». Deste modo, tendo o acórdão recorrido sanado 
 a irregularidade, definindo que a decisão condenatória brasileira transitou em 
 julgado em 5 de Julho de 1996, impediu o recorrente de exercer o contraditório.
 
             Deveria, pois, o acórdão recorrido ter mandado reparar a 
 irregularidade ao abrigo do artigo 123.°, n.° 3, do CPP, de modo a que o 
 recorrente pudesse ter tido em conta a data correcta do trânsito em julgado 
 daquela sentença, para efeitos de organizar a sua defesa.
 
             Não o tendo feito, conclui, violou o n.° 2 do citado artigo 123.°, 
 bem como o princípio do contraditório, fazendo daquela norma uma interpretação 
 inconstitucional, por desrespeito dos princípios consagrados nos n.°s 1 e 5 do 
 artigo 32.° da CRP.
 
             Sobre a matéria, o acórdão recorrido considerou e decidiu o 
 seguinte:
 
  
 
             «Perante a oposição deduzida pelo extraditando, importa, antes de 
 mais, apreciar as duas irregularidades formais invocadas. A primeira diz 
 respeito à data da prisão do extraditando no Brasil e a segunda à data do 
 trânsito em julgado do acórdão, que fixou a pena a cumprir.
 
             Quanto à primeira, o extraditando alega que, do requerimento inicial 
 apresentado pelo Ministério Público consta como data da sua prisão no Brasil o 
 dia 4 de Abril de 1994; no entanto, do auto de prisão em flagrante delito de 
 fls. 16 e segs. e da “Guia de Recolhimento” de fls. 206 consta que a detenção no 
 Brasil ocorreu no dia 4 de Julho de 1994.
 
             Quanto à data do trânsito do acórdão proferido pela 3.ª Turma do 
 Tribunal Regional Federal da 1.ª Região do Pará, do requerimento apresentado 
 pelo Ministério Público consta que tal ocorreu no dia 2 de Dezembro de 1996 
 
 (artigo 5.º, fls. 3 dos autos); no entanto, do despacho do Juiz Federal H. 
 consta que o trânsito ocorreu no dia 5 de Junho de 1996 (fls. 12 dos autos), bem 
 como da “Guia de Recolhimento” de fls. 206.
 
             Perante estas irregularidades conclui o extraditando que não é 
 possível determinar o término do cumprimento da pena, não se sabendo qual o 
 tempo de pena que tinha ainda a cumprir ou sequer se o mesmo, aquando da evasão, 
 ainda se encontrava em prisão preventiva ou a cumprir pena efectiva e, por isso, 
 nos termos do artigo 23.°, n.° 3, da Lei n.° 144/99, ex vi artigo 45.° da mesma 
 lei, a autoridade competente deveria ter completado o pedido, procedendo à sua 
 regularização e, dado que tal não foi feito, o processo deverá ser arquivado.
 
             Não assiste razão ao recorrente.
 
             O n.° 3 do artigo 23.º da Lei n.° 144/99 dispõe que “a autoridade 
 competente pode exigir que um pedido formalmente irregular ou incompleto seja 
 modificado ou completado, sem prejuízo da adopção de medidas provisórias quando 
 estas não possam esperar pela regularização”, e o n.° 2 do artigo 45.° do mesmo 
 diploma que “a falta dos elementos solicitados nos termos do número anterior 
 poderá determinar o arquivamento do processo no fim do prazo fixado, sem embargo 
 de poder prosseguir quando esses elementos forem apresentados”.
 
             Analisemos, então, as irregularidades invocadas.
 
             Quanto à data da prisão do extraditando no Brasil, do documento de 
 fls. 16 e seguintes e da “Guia de Recolhimento” de fls. 206 resulta que ela 
 ocorreu no dia 4 de Julho de 1994 e. por isso, a data indicada pelo Ministério 
 Público no artigo 5.° do requerimento inicial é um mero lapso de escrita.
 
             No que respeita à data do trânsito em julgado do acórdão proferido 
 pela 3.ª Turma do Tribunal Regional da 1.ª Região do Pará, tal ocorreu no dia 5 
 de Junho de 1996, como se infere do documento de fls. 12 e da “Guia de 
 Recolhimento” de fls. 206.
 
             Perante os documentos referidos, as irregularidades invocadas são 
 facilmente supríveis, motivo pelo qual se considerou como provado que a data da 
 detenção no Brasil do extraditando ocorreu no dia 4 de Julho de 1994 e que o 
 acórdão mencionado transitou em julgado no dia 5 de Junho de 1996.
 
             O extraditando foi condenado na pena de 8 (oito) anos de reclusão 
 em regime fechado pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado e 1 (um) 
 ano de detenção em regime semi‑aberto pela prática do crime de fraude de lei 
 sobre estrangeiro.
 
             Esteve preso desde 4 de Julho de 1994 a 24 de Setembro de 1996, data 
 em que se pôs em fuga; logo, é possível determinar o término da pena, bem como 
 o tempo da pena que lhe falta cumprir.
 
             À data em que se pôs em fuga estava em cumprimento de pena.
 
             A duração da pena ainda por cumprir é superior a nove meses, pelo 
 que está preenchido o requisito a que se refere o artigo 2.°, n.° 2, do Tratado 
 de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República 
 Federativa do Brasil.
 
             As irregularidades formais invocadas são supríveis, como resulta da 
 matéria de facto provada, pelo que não tem razão o extraditando ao alegar que, 
 face às mesmas, o processo deve ser arquivado nos termos do n.° 2 do artigo 45.° 
 da Lei n.° 144/99.
 
             Mas, mesmo que se considerasse, como alega o extraditando, que o 
 pedido de cooperação não estava acompanhado dos elementos suficientes para se 
 decidir sobre a extradição, a consequência não seria o arquivamento imediato do 
 processo, com a restituição do extraditando à liberdade, nos termos do n.° 2 do 
 artigo 45.° da Lei n.° 144/99, mas observar‑se‑ia a tramitação do n.° 1 daquele 
 preceito, o que não foi necessário pelas razões mencionadas.»
 
  
 Adiantamos, desde já, que o decidido merece a nossa concordância substancial e 
 que, por isso, falece razão ao recorrente.
 Vejamos:
 
             A «irregularidade» relativa à data da detenção do recorrente está 
 agora ultrapassada, porquanto o recorrente afirma na conclusão 7.ª da sua 
 motivação que o acórdão recorrido decidiu bem (cf. artigo 401.°, n.° 1, alínea 
 b), do CPP).
 
             Quanto à data do trânsito em julgado da decisão condenatória:
 
             Do contexto da motivação do recurso, bem como da oposição e das 
 alegações escritas, resulta claro que esta tese da irregularidade formal parte 
 da ideia de que o pedido da sua extradição não obedece aos requisitos dos 
 artigos 23.° e 45.° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto (de ora em diante LCJ).
 
             A tese será sugestiva mas, salvo o devido respeito, não tem qualquer 
 viabilidade.
 
             Previamente, porém, duas precisões se impõem: por um lado, o pedido 
 de extradição é o formulado pelo Estado requerente, no caso, o Brasil, e não a 
 promoção do Ministério Público do tribunal competente para o seu cumprimento, 
 nos termos do artigo 50.°, n.° 2, da LCJ; por outro, havendo Tratado de 
 Extradição entre Portugal e o Brasil (Resolução da Assembleia da República n.° 
 
 5/94 e Decreto do Presidente da República n.° 3/94, no Diário da República, I 
 Série‑A, de 3 de Fevereiro de 1994), as respectivas normas prevalecem sobre as 
 da LCJ, nos termos do n.° 1 do artigo 3.° desta.
 
             Vejamos, então.
 
             O que a este respeito verdadeiramente se constata é que o 
 recorrente, afinal, não aponta nem ao pedido nem à promoção do Ministério 
 Público a falta de qualquer dos requisitos estabelecidos quer nos artigos 11.° e 
 
 12.° do Tratado quer no artigo 23.° da LCJ ou a de qualquer elemento necessário 
 
 à decisão da causa que, nos termos dos artigos 14.° do primeiro e 45.° e 51.°, 
 n.° 4, da segunda, devessem ser requisitados ao Estado requerente.
 
             Com efeito, mesmo quando a indicação da data do trânsito em julgado 
 da decisão condenatória deva considerar‑se incluída naquelas disposições, pela 
 relevância que assume no domínio da prescrição da pena aplicada (cf. os artigos 
 
 3.°, n.° 1, alínea d), do Tratado, 8.°, n.° 1, alínea b), e 23.°, n.° 1, alínea 
 g), da LCJ e 122.°, n.° 2, do Código Penal), a verdade é que esse elemento 
 consta efectivamente do pedido e da promoção do Ministério Público, embora 
 baseado em documentos com datas não coincidentes ou em desconformidade com 
 alguns dos documentos que instruíram o pedido, o que é realidade distinta da sua 
 omissão.
 
             Tanto consta do pedido esse elemento que o recorrente o impugnou na 
 oposição, face à apontada discrepância (cf. n.°s 1 e seguintes desse articulado, 
 fls. 311 e seguintes).
 
             O ponto tornou‑se, por isso, controverso. E o Tribunal, depois de o 
 recorrente ter discordado da data indicada no requerimento do Ministério 
 Público e de ter manifestado a sua posição sobre a questão, decidiu qual era, 
 para efeitos da apreciação do pedido (e apenas para esse efeito), a data do 
 trânsito em julgado da decisão condenatória da 3.ª Turma do Tribunal Regional do 
 Pará. O Tribunal da Relação não tinha, pois, que requisitar elementos que já 
 constavam do processo nem de notificar o Ministério Público para corrigir a sua 
 promoção. O que tinha era que decidir a questão tal como lhe fora apresentada, 
 em face dos elementos probatórios proporcionados pelos autos, como 
 efectivamente aconteceu.
 
             Quer dizer, nem o pedido em causa nem a subsequente promoção do 
 Ministério Público enfermam de qualquer omissão ou irregularidade, sem embargo 
 de poder não ser correcto o facto (data) indicado no segundo. Mas isto não 
 traduz irregularidade com o sentido técnico‑processual dado ao termo pelo artigo 
 
 123.° do CPP. Tem a ver com a (im)procedência, ainda que meramente parcial, da 
 matéria de facto ali alegada, com a questão de fundo – ficar porventura provado 
 facto (data) diferente do alegado –, mas já não com os requisitos externos, 
 formais, do pedido ou da promoção.
 
             Consequentemente, é totalmente descabida a invocação da doutrina de 
 qualquer das normas do artigo 123.° do CPP. Repete‑se: o Ministério Público 
 alegou determinada data; o recorrente controverteu‑a; o Tribunal, como era seu 
 dever, decidiu o litígio. Tudo em total conformidade com as regras processuais.
 
             Se decidiu bem ou mal, é outra questão, a apreciar mais à frente.
 
  
 
             2.3.2. Da nulidade do pedido de extradição.
 
             O recorrente argumenta, a este propósito, que o pedido de extradição 
 
 «consubstancia, no fundo, uma acusação». Assim, como esta é nula quando não 
 contenha os requisitos exigidos pelo artigo 283.°, n.° 3, do CPP, nulo será o 
 pedido que não preencha os requisitos do artigo 23.° da LCJ.
 
             Também aqui volta a estar em causa o problema da data do trânsito em 
 julgado da decisão condenatória do Tribunal do Pará, agora expressamente 
 subsumido à alínea e) do n.° 1 do artigo 23.° da LCJ, e a circunstância de o  
 Tribunal não ter dado cumprimento ao comando do n.° 3 do artigo 45.° da LCJ (as 
 normas directamente aplicáveis são, no entanto, as dos artigos 12.°, alínea e), 
 e 14.° do Tratado, de conteúdo semelhante ao das primeiras), impedindo‑o, assim, 
 de «conhecer a data efectiva do trânsito em julgado da decisão condenatória 
 para efeitos de defesa».
 
             Também este fundamento se revela manifestamente improcedente.
 
             Desde logo, pelas razões aduzidas a propósito da questão anterior, 
 perfeitamente transponíveis para aqui, por a argumentação ser repetida, tendo 
 apenas mudado a designação do vício.
 
             A pretendida nulidade não tem, além disso, cobertura legal.
 
             Com efeito, segundo o artigo 118.°, n.° 1, do CPP – diploma cuja 
 aplicação subsidiária é reclamada a este propósito – a violação ou a 
 inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade 
 do acto quando esta for expressamente cominada na lei. É a consagração do 
 princípio da legalidade em matéria de nulidades processuais. Ora, nem o artigo 
 
 23.°, designadamente o seu n.° 3, nem o artigo 45.°, designadamente o seu n.° 
 
 2, nem o artigo 51.°, designadamente o seu n.° 4, da LCJ, nem qualquer outra 
 disposição legal cominam com a apetecida nulidade a falta de qualquer dos 
 requisitos do pedido ou de elementos necessários para a decisão.
 
             O artigo 14.°, n.° 2, do Tratado estipula até que o não envio pela 
 Parte requerente dos elementos solicitados não obsta a que o pedido de 
 extradição seja concedido, à luz dos elementos disponíveis – o que afasta a 
 possibilidade de verificação da nulidade. E, como veremos, no caso concreto, a 
 decisão sobre o pedido é possível face aos elementos probatórios disponíveis.
 
             É certo que o recorrente construiu a tese da nulidade a partir da 
 analogia que estabeleceu entre o pedido de extradição e a acusação em processo 
 penal, invocando o regime do artigo 283.°, n.° 3, do CPP. Mas o recurso à 
 aplicação subsidiária das normas do CPP é, na hipótese, inviável. Em primeiro 
 lugar, porque não estamos perante qualquer lacuna legal que haja de ser suprida, 
 porquanto tanto o Tratado como a LCJ, concretamente os preceitos acima 
 referidos, definem expressamente as consequências da inobservância dos 
 requisitos ou da falta dos elementos que prevêem. Em segundo lugar, porque a 
 aplicação subsidiária do artigo 283.° do CPP ao caso sempre esbarraria com a 
 absoluta ausência de analogia entre a acusação em processo penal e o pedido de 
 extradição, dada a diferente natureza (ali, um instituto do direito processual 
 penal interno; aqui, um instrumento da cooperação internacional em matéria 
 penal) e os diferentes regimes legais que disciplinam uma e outra.
 
             Finalmente, a nulidade claudica porque, repetindo o que já ficou 
 antes dito, nem o pedido nem o requerimento são falhos de qualquer requisito 
 legal ou de qualquer elemento indispensável à justa decisão.
 
             
 
             2.3.3. Da violação das garantias de defesa e do princípio do 
 contraditório.
 
             A propósito das duas questões anteriores, o recorrente alegou que o 
 Tribunal a quo, ao «entender que podia reparar, em sede de acórdão, a 
 irregularidade invocada» e que «tendo o processo de extradição sido baseado num 
 pedido formalmente irregular, cuja irregularidade nunca foi sanada a fim de 
 permitir ao extraditando exercer o contraditório ...», violou o princípio do 
 contraditório e que o impediu de exercer cabalmente o seu direito de defesa. 
 Por isso, concluiu, fez uma interpretação inconstitucional das normas dos 
 artigos 123.°, n.° 2, e 283.°, n.° 3, do CPP e 23.° e 45.° da LCJ, por violação 
 das directivas traçadas pelos n.°s 1 e 5 do artigo 32.° da CRP (cf. conclusões 
 
 12.ª, 18.ª e 21.ª).
 
             Há contradição no que vem alegado: se a propósito da irregularidade 
 formal do pedido se refere que o Tribunal reparou a irregularidade «em sede de 
 acórdão», embora não o devesse ter feito (cf. conclusão 12.ª), já depois, na 
 conclusão 20.ª, se diz que «tal irregularidade nunca foi sanada».
 
             Tal não obsta naturalmente à apreciação da questão.
 
             Reiterando tudo o que antes foi dito sobre as pretensas 
 irregularidade e nulidade do pedido de extradição aqui em causa, realça‑se o 
 seguinte:
 
             Face ao teor do requerimento/promoção inicial do Ministério Público, 
 o recorrente, como também deixámos dito, impugnou a data ali apontada como sendo 
 a do trânsito em julgado da decisão condenatória do Brasil, baseando‑se nos 
 documentos e mais elementos fornecidos pelo processo. Fê‑lo, é certo, a título 
 de «questão prévia», mas já vimos que não ocorreu qualquer irregularidade 
 processual impeditiva do conhecimento do objecto do pedido.
 
             Seja como for, o Tribunal, no uso dos poderes que legalmente lhe são 
 conferidos, procedeu ao enquadramento jurídico da questão, sem vinculação ao 
 direito traçado pelo recorrente ou por qualquer outro sujeito processual, e 
 decidiu em conformidade (artigo 664.° do CPC).
 
             Quer dizer: o Ministério Público alegou um facto concreto, o 
 recorrente impugnou‑o, o Tribunal, em face da prova produzida, decidiu de acordo 
 com o direito que entendeu aplicável.
 
             Tudo, portanto, em total conformidade com a doutrina do artigo 3.°, 
 n.° 3, do CPC e 320.º, n.° 5, da CRP.
 
             Por outro lado, o recorrente teve oportuno acesso aos autos, foi‑lhe 
 facultado prazo para deduzir oposição ao pedido, produziu alegações escritas e, 
 proferida a decisão, exerceu o direito ao recurso. Sabia, pois, qual o pedido 
 feito pelas autoridades brasileiras e os respectivos fundamentos e conhecia a 
 prova em que o sustentavam. E rebateu livremente esses fundamentos e indicou, 
 por sua vez, a prova que, no seu entender, interessava à defesa dos seus 
 interesses.
 
             Não lhe foi, pois, colocado qualquer entrave ou limitação ao seu 
 direito de defesa, que exerceu no momento processual adequado e de forma 
 inteiramente livre, com pleno acesso aos autos.
 
             Termos em que, uma vez mais, improcedem, de novo manifestamente, 
 estes fundamentos do recurso.
 
                        
 
             2.3.4. Do erro notório na apreciação da prova.
 
             2.3.4.1. Trata‑se de questão em parte ainda relacionada com a 
 alegada irregularidade formal do pedido.
 
             Segundo o recorrente, no caso foi cometido erro notório na 
 apreciação da prova porque o Tribunal a quo deu como provado que a decisão 
 condenatória brasileira transitou em julgado em 5 de Junho de 1996 (parte final 
 do facto do n.° 4), quando é certo que não indicou quais os documentos que 
 serviram de suporte à sua convicção, que os apresentados divergem sobre essa 
 data e que um deles, a certidão de fls. 96/97, «sempre seria merecedor de mais 
 credibilidade por se tratar de uma certidão acerca do trânsito do citado 
 acórdão».
 
             Não pode dizer‑se, como diz o recorrente, que o acórdão recorrido 
 não tenha indicado os documentos em que firmou a sua convicção quanto ao facto 
 em análise. Não o fez, reconhece‑se, da forma mais canónica, individualizando 
 esse(s) documento(s) no capítulo «fundamentação de facto». Mas revelou‑o na 
 altura em que abordou e decidiu a «questão prévia», fls. 742, quando disse que 
 
 «Quanto à data do trânsito do acórdão proferido pela 3.ª Turma do Tribunal 
 Regional Federal da 1.ª Região do Pará, do requerimento apresentado pelo 
 Ministério Público consta que tal ocorreu no dia 2 de Dezembro de 1996 (artigo 
 
 5.º, fls. 3 dos autos); no entanto, do despacho do Juiz Federal H. consta que o 
 trânsito ocorreu no dia 5 de Junho de 1996 (fls. 12 dos autos), bem como da 
 
 “Guia de Recolhimento” de fls. 206» (sublinhado nosso).
 
             Por outro lado, do que vem alegado parece dever depreender‑se que 
 este erro notório na apreciação da prova é fruto de o Tribunal a quo ter julgado 
 contra o teor da mencionada certidão, documento que o recorrente entende 
 
 «merecedor de mais credibilidade».
 
             Como se viu, o Tribunal a quo privilegiou o despacho judicial de 
 fls. 12.
 
             A nosso ver, bem.
 
             A dita certidão, assinada por um «Técnico Judiciário» do Tribunal 
 Regional Federal da 1.ª Região, atesta, além do mais e no que para aqui 
 interessa, que o «acórdão de fls. 750 transitou em julgado na data de 2 de 
 Dezembro de 1996».
 
             O trânsito em julgado de uma sentença condenatória pressupõe, desde 
 logo, que dela não tenha sido interposto recurso ordinário ou que se tenha 
 esgotado o respectivo prazo. E, envolvendo ou podendo envolver a resolução de 
 questões de direito, exige ou pode exigir a intervenção do juiz em ordem a 
 definir a data em que o trânsito em julgado se verificou.
 
             Ora, a dita certidão nem sequer refere se foi ou não interposto 
 recurso do acórdão (a anterior referência à não interposição de recurso de 
 
 «agravo de instrumento» do despacho de fls. 813 a 816 não se refere ao acórdão 
 que aí é situado a fls. 750). Limita‑se a afirmar o trânsito em julgado naquela 
 data.
 
             Como não se trata de facto praticado pelo dito Oficial de Justiça 
 nem de facto que, pela sua natureza, possa ter sido por ele percepcionado, tem o 
 valor de mero juízo pessoal, sujeito, como tal, à livre apreciação do julgador, 
 nos termos do n.° 1 do artigo 371.° do Código Civil.
 
             Por outro lado, o despacho de fls. 12 é o despacho em que o Juiz 
 Federal se dirige ao Ministro da Justiça do Brasil para manifestar o interesse 
 no pedido de extradição do ora recorrente, onde afirma, além do mais, que o 
 
 «acórdão da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, de 15 de 
 Abril de 1996, ... transitou em julgado em 5 de Junho de 1996 ...».
 
             Também não passa de uma afirmação, sem evidência da respectiva 
 fundamentação. Todavia, a maior autoridade da entidade que a proferiu e a 
 circunstância de se tratar de um elemento destinado a instruir o próprio pedido 
 de extradição, justificam que, em termos de apreciação livre do valor probatório 
 dos dois documentos, se dê prevalência ao despacho.
 
             Não ocorreu, portanto, erro na apreciação da prova e, muito menos, 
 erro notório.
 
             Bem andou, pois, o Tribunal da Relação em dar prevalência probatória 
 ao despacho judicial, em detrimento da certidão, e em julgar provado, para 
 efeitos de apreciação do pedido de extradição (e, repete‑se, só para este 
 efeito), que a sentença condenatória da 3.ª Turma do Tribunal Regional Federal 
 do Pará transitou em julgado em 5 de Junho de 1996.
 
             De qualquer maneira, transitada em julgado nessa data ou em 2 de 
 Dezembro de 1996, como refere a certidão, isso nenhuma influência poderia ter 
 no sentido da decisão final, porquanto a consideração de uma ou de outra nunca 
 levaria à declaração da prescrição da pena para cujo cumprimento é reclamado 
 pela República do Brasil (cf. artigo 125.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal – 
 a prescrição segundo a lei brasileira nem sequer vem alegada). Quando muito, a 
 consideração da data mais recente viria prejudicar os interesses do recorrente, 
 na medida em que atiraria para data mais longínqua o momento dessa prescrição.
 
             Por outro lado, estando definidas, sem controvérsia, as datas da 
 detenção e da evasão, o tempo de prisão que falta cumprir ao recorrente, porque 
 não influenciável pelo momento do trânsito em julgado, é, em qualquer das 
 hipóteses, superior ao mínimo previsto no artigo 2.°, n.° 2, do Tratado.
 
             Aliás, mesmo que se verificasse o apontado vício, como o processo 
 fornece todos os elementos necessários à decisão, como o Supremo Tribunal de 
 Justiça conhece, aqui, também da matéria de facto e como o facto não é 
 susceptível de influenciar a decisão final, nunca seria caso de reenvio, atento 
 o disposto no n.° 1 do artigo 426.° do CPP.
 
  
 
             2.3.4.2. Erro notório na apreciação da prova teria ainda sido 
 cometido quando o acórdão recorrido julgou não provados os factos das alíneas a) 
 a l), que, na opinião do recorrente, deveriam ter sido julgados provados se o 
 Tribunal a quo não tivesse ignorado e tivesse valorado devidamente os 
 depoimentos da Directora da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional e de I., 
 esposa do recorrente, e os 30 documentos que juntou (conclusões 22.ª a 33.ª).
 
             A verdade é que o acórdão recorrido não ignorou os referidos meios 
 probatórios. Tanto assim que os arrolou em sede de fundamentação da decisão 
 sobre a matéria de facto e os factos provados sobre as condições de algumas 
 prisões brasileiras só podem ter tido como suporte probatório esses mesmos 
 documentos (relatórios, estudos, pareceres) e o primeiro daqueles depoimentos.
 
             Os factos não provados, porque específicos da alegada vivência do 
 recorrente numa prisão brasileira, esses não têm ali qualquer eco.
 
             Por outro lado, não se tratando de documentos com força probatória 
 plena ou excluídos da livre apreciação por parte do tribunal, apesar da sua 
 proveniência e autoria, a decisão de facto deles divergente não pode ser 
 arvorada em erro notório da apreciação da prova.
 
             Poderiam, sim, fundamentar alteração dessa decisão, nos termos do 
 artigo 412.°, n.° 3, e 431.°, ambos do CPP. Todavia, nem esses documentos nem 
 os depoimentos registados em acta justificam ou autorizam qualquer alteração da 
 decisão sobre a matéria de facto: os primeiros porque, como se disse, não se 
 reportam à alegada experiência prisional do recorrente, o mesmo sucedendo com o 
 depoimento da testemunha J.; o depoimento da testemunha I., esposa do 
 recorrente, não mereceu credibilidade ao Tribunal recorrido e os autos não 
 fornecem indicações para que esse juízo possa ser censurado.
 
             Voltou, assim, a não haver erro notório na apreciação da prova.
 
             E também não encontramos razões que justifiquem a alteração da 
 decisão sobre a matéria de facto.
 
             De resto, maus tratos como os alegados, dada a sua natureza, 
 violência e duração, teriam certamente deixado sequelas no corpo do recorrente. 
 O certo é que nenhuma foi invocada e também nenhum exame ou relatório médico foi 
 apresentado ou solicitado.
 
             
 
             2.3.5. Da nulidade do acórdão recorrido.
 
             2.3.5.1. O primeiro fundamento da nulidade do acórdão recorrido 
 baseia‑o o recorrente na circunstância de o Tribunal a quo não ter fundamentado 
 a razão por que, relativamente ao trânsito em julgado da sentença brasileira, 
 deu prevalência a alguns dos documentos juntos aos autos em detrimento de outros 
 e por não ter mesmo dito em quais deles formou a sua convicção.
 
             Tal procedimento, além do alegado erro notório na apreciação da 
 prova, consubstanciaria a nulidade do artigo 379.°, n.° 1, alínea a), com 
 referência ao artigo 374.°, n.° 2, ambos do CPP, por falta do exigido exame 
 crítico das provas.
 
             Já atrás (cf. 6.2.1., supra) nos pronunciámos sobre o pretenso erro 
 na apreciação da prova.
 
             O recorrente, porém, acrescenta agora que «perante a existência de 
 documentos com datas divergentes nos presentes autos, era exigível ao Tribunal 
 a quo que fizesse o exame crítico das provas, explicando, nomeadamente, porque 
 valorou os documentos de fls. 16 e 206 em detrimento do alegado no pedido de 
 extradição e no documento de fls. 96 e 97 dos autos».
 
             E a verdade é que o acórdão recorrido não revela, pelo menos de 
 forma expressa, essa ponderação e opção.
 A nulidade foi, pois, cometida e como tal é reconhecida.
 Todavia, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça funciona aqui como 1.ª 
 instância de recurso, o regime aplicável é o do artigo 715.º do CPC, de 
 substituição ao tribunal recorrido (regime substancialmente diferente do 
 recurso de revista, quando está em causa nulidade desse tipo, como se vê do 
 confronto deste preceito com o n.º 2 do artigo 731.º, por referência à alínea 
 b) do artigo 668.º do mesmo Código).
 O Tribunal ad quem declara, como declarou, a nulidade do acórdão, mas vai 
 conhecer do objecto final do recurso e das restantes questões que vêm 
 suscitadas.
 E como o Supremo Tribunal de Justiça conhece também da matéria de facto e os 
 autos fornecem o conteúdo de todos os elementos probatórios relevantes para a 
 decisão, independentemente de o Tribunal da Relação não ter proferido acórdão em 
 conformidade com o modelo formal desenhado pelo n.º 2 do artigo 374.º do CPP, 
 estamos em condições de ratificar ou corrigir o que foi decidido, sem 
 necessidade de remeter o processo ao Tribunal da Relação para suprir a nulidade.
 Ora, como já vimos anteriormente, a matéria de facto aqui em discussão foi 
 correctamente julgada, em função do superior valor probatório do despacho 
 judicial junto aos autos, nos termos que foram exarados.
 
             
 
             2.3.5.2. O acórdão seria ainda nulo por falta de fundamentação e por 
 omissão de pronúncia, decorrente «da não referência aos documentos juntos aos 
 autos».
 
             Mas já vimos que os documentos foram apreciados e considerados, 
 embora lhes tivesse sido atribuído valor probatório diferente do que o 
 pretendido pelo recorrente.
 
                        
 
             2.3.5.3. Teria ainda ocorrido nulidade do acórdão, por omissão de 
 pronúncia, por nele se não fazer qualquer alusão, como provados ou não 
 provados, aos factos dos n.ºs 40, 44 e 45 da oposição.
 
             Desse modo, teria sido vedado ao recorrente o exercício do seu 
 direito de defesa – o que torna a decisão inconstitucional (conclusões 34.ª a 
 
 53.ª).
 
             A arguição volta a ser manifestamente infundamentada.
 
             O rol dos factos não provados abrange as situações descritas 
 naqueles passos da oposição, designadamente aos maus tratos físicos e 
 psicológicos que diz ter sofrido enquanto preso no Brasil. E, não se tendo 
 provado esses factos, perde todo o interesse para a decisão saber a razão por 
 que terá sido transferido para um Hospital Psiquiátrico ou para uma unidade de 
 maternidade, porque associada pelo recorrente aos invocados maus tratos.
 
             Relativamente às alegadas condições das prisões brasileiras, ficou 
 apenas provado o que consta dos n.ºs 11 e 12 da decisão sobre a matéria de 
 facto. Não com a extensão pretendida pelo recorrente, mas decididamente sem 
 omissão de pronúncia sobre factos relevantes ou com insuficiente fundamentação.
 
  
 
             2.3.6. Da violação do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), da LCJ.
 
             Neste particular o recorrente remete‑se para os motivos substantivos 
 da oposição que entende deviam ter sido julgado provados e invoca a 
 interpretação inconstitucional que o Tribunal fez desse preceito «por 
 considerar tolerável a extradição de um cidadão para a União Federativa do 
 Brasil quando existem elementos nos autos que afirmam a existência de um risco 
 de o mesmo, uma vez chegado àquele país, ser sujeito a actos de tortura na 
 prisão onde já cumpriu parte da pena, e tal interpretação é claramente 
 inconstitucional, violando os artigos 24.º e 25.º da Constituição Portuguesa 
 
 ...».
 
             Só que, como vimos, nenhum dos aludidos factos, suporte da recusa da 
 extradição, ficou provado.
 
             Como assim, cai pela base a argumentação.
 
  
 
             3. Nesta conformidade, acordam na Secção Criminal do Supremo 
 Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em 
 confirmar o acórdão recorrido.”
 
  
 
                         5. Concluída a reprodução da fundamentação do acórdão 
 recorrido, a decisão sumária ora reclamada entrou na apreciação da 
 admissibilidade do conhecimento das seis questões de inconstitucionalidade 
 suscitadas, desenvolvendo a seguinte argumentação:
 
  
 
             “4. A primeira questão de inconstitucionalidade é exposta no 
 requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos:
 
  
 
             «6. O extraditando pretende ver apreciada a constitucionalidade da 
 aplicação do artigo 715.° do Código de Processo Civil no douto acórdão 
 recorrido. Com base nesta norma o Supremo Tribunal de Justiça entendeu poder 
 substituir‑se ao Tribunal recorrido e, embora declare a nulidade do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Évora, entende poder conhecer do objecto final do 
 recurso e das restantes questões que vêm suscitadas.
 
             Ora, desde logo a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, por força dos 
 seus artigos 3.°, n.º 2, e 25.°, n.º 2, dispõe que o regime subsidiário 
 aplicável ao processo de extradição é o do Código de Processo Penal. Assim, 
 existindo no Código de Processo Penal um regime específico para os recursos, não 
 se justifica a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao caso sub 
 judice, pois não estamos perante a verificação de qualquer lacuna.
 
             De qualquer modo, e ainda que assim não se entendesse, a aplicação 
 da norma do artigo 715.° do CPC ao caso em apreço é inconstitucional, pois 
 viola directamente o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e também o disposto 
 no artigo 210.º, n.º 5, da Lei Fundamental. Na verdade, tendo o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Évora sido declarado nulo, as questões suscitadas pelo 
 recorrente acabam por ser decididas em 1.ª instância pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, decisão da qual não cabe qualquer recurso ordinário. Ora, o artigo 
 
 32.°, n.º 1, da Lei Fundamental dispõe que o processo criminal assegura todas 
 as garantias de defesa, incluindo o recurso. No processo de extradição – 
 
 processo de estrutura criminal por força do disposto no artigo 3.º, n.º 2, da 
 Lei n.º 144/99 – está assegurada ao extraditando uma instância de recurso (vide 
 artigo 58.º da Lei n.º 144/99). Ora, com a aplicação da norma do artigo 715.° do 
 CPC, foi vedada ao extraditando a possibilidade de recorrer de um acórdão que 
 decidiu em 1.ª instância sobre as questões por si suscitadas, o que é 
 claramente inconstitucional por violação do direito ao recurso que vem 
 plasmado no artigo 32.°, n.º 1, da CRP. Assim, ao declarar nulo o acórdão 
 proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, o Supremo Tribunal de Justiça 
 teria que proceder ao reenvio do processo para aquele Tribunal, tal como dispõe 
 o artigo 426.º do CPP, pois não podia decidir da causa, nomeadamente decidir das 
 questões de facto e de direito, para não vedar ao extraditando o direito ao 
 recurso e por lhe estar expressamente vedada a possibilidade de funcionar como 
 Tribunal de instância. Para além de que o regime dos recursos no Código de 
 Processo Penal (que é aplicável ao processo de extradição por via do artigo 
 
 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto) apenas permite ao Supremo 
 Tribunal de Justiça decidir sobre questões de direito ou sobre os vícios 
 constantes do artigo 410.º do CPP, e não sobre matéria de facto.
 
             No entanto, mesmo que se considere que é permitido ao STJ decidir 
 sobre questões de facto e de direito, por aquele Tribunal ser a única instância 
 de recurso prevista no processo de extradição, ainda assim, a decisão do STJ 
 
 (que declara o acórdão do Tribunal da Relação de Évora nulo) é a primeira 
 decisão válida que se pronuncia sobre as questões de facto e de direito, 
 suscitadas pelo extraditando, e desta não cabe qualquer recurso ordinário. Fica, 
 por esta forma, o extraditando impedido de exercer todas as garantias de defesa, 
 nomeadamente o recurso, que é um direito expressamente previsto na CRP.
 
             Por outro lado, tendo declarado nulo o Acórdão da Relação, o Supremo 
 Tribunal de Justiça nunca poderia decidir da causa pois nessa medida estaria a 
 funcionar como Tribunal de Instância, em clara violação do disposto no n.º 5 do 
 artigo 210.º da CRP (que dispõe que o STJ apenas pode funcionar como Tribunal de 
 Instância nos casos em que a lei determinar). Ora, no caso sub judice, o STJ 
 apenas pode funcionar como instância de recurso, já que o artigo 58.º da Lei n.º 
 
 144/99, de 31 de Agosto, dispõe que o Supremo Tribunal de Justiça é a instância 
 da qual cabe recurso da decisão proferida pelos Tribunais da Relação, tribunais 
 estes que funcionam como tribunais de instância neste tipo de processos – tal 
 como se encontra legalmente previsto na Lei de Cooperação Judiciária 
 Internacional.
 
             Em suma, ao considerar o acórdão da Relação nulo, o STJ teria 
 obrigatoriamente que ter procedido ao reenvio do processo para o Tribunal da 
 Relação de Évora, por forma a não violar o direito de recurso do extraditando, 
 assim como a regra da competência do Supremo Tribunal de Justiça prevista no 
 artigo 210.º da Constituição. Não o tendo feito, e aplicando o disposto no 
 artigo 715.° do CPC para justificar a sua substituição ao tribunal recorrido 
 
 (norma que nem é aplicável ao caso em apreço, pois o regime subsidiário é o do 
 Código de Processo Penal face ao disposto no artigo 3.° da Lei n.º 144/99, de 
 
 31 de Agosto), e existindo um regime especifico de recursos no Código de 
 Processo Penal, o STJ fez uma interpretação claramente inconstitucional 
 daquela norma, já que a sua aplicação viola o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, 
 e 210.º, n.º 5, da CRP.
 
             Inconstitucionalidade que, como já foi referido, se verifica a 
 partir do momento em que é proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e 
 que só pode ser suscitada perante o Tribunal Constitucional exactamente pelo 
 facto de o extraditando não possuir qualquer instância de recurso ordinário.»
 
  
 
             Esta questão de constitucionalidade prende‑se com o decidido no 
 ponto 2.3.5.1. do acórdão recorrido. Aí se entendeu que, não revelando o acórdão 
 da Relação, pelo menos de forma expressa, o «exame crítico das provas», referido 
 no n.º 2 do artigo 374.º do CPP, se verificava a nulidade prevista no artigo 
 
 379.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, mas que, no caso, funcionando o 
 Supremo Tribunal de Justiça como 1.ª instância de recurso, era aplicável a 
 regra da substituição do tribunal de recurso ao tribunal recorrido, consagrada 
 no artigo 715.º do CPC, competindo ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da 
 questão, já que os autos forneciam o conteúdo de todos os elementos probatórios 
 relevantes para a decisão, sem necessidade de remeter o processo ao Tribunal da 
 Relação para suprir a nulidade.
 
             Ora, independentemente da correcção da invocação do artigo 715.º do 
 CPC, o certo é que a solução jurídica perfilhada não se pode, de modo algum, 
 considerar inesperada ou insólita, em termos de dispensar o recorrente do ónus 
 da prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade. A aludida regra da 
 substituição é a que resulta do n.º 2 do artigo 379.º do CPP, que consente ao 
 tribunal de recurso suprir as nulidades da sentença, e do n.º 1 do artigo 426.º 
 do mesmo Código, que, mesmo nos caso de existência dos vícios referidos nas 
 alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, só consente o reenvio do processo quando não 
 seja possível ao tribunal de recurso decidir da causa.
 
             Mas mesmo que fosse considerado admissível o recurso de 
 constitucionalidade quanto a esta questão, sempre esta seria de considerar 
 manifestamente infundada. Na verdade, o direito ao recurso, designadamente em 
 processo criminal, tal como está constitucionalmente consagrado, não implica 
 que, relativamente a cada questão que se suscite num processo, haja sempre duas 
 decisões de tribunais hierarquicamente distintos. O direito ao recurso foi 
 assegurado, no presente caso, através da possibilidade – efectivamente 
 exercitada pelo recorrente – de impugnar perante o Supremo Tribunal de Justiça o 
 decidido pela Relação. Ao recorrente foi assegurado o direito de acesso a 
 tribunal superior, perante o qual expôs as suas razões. Quando, após reconhecer 
 a existência da aludida nulidade por não explicitação do exame crítico das 
 provas, o Supremo Tribunal de Justiça procede, ele mesmo, a essa explicitação, 
 uma vez que dispunha de todos os elementos necessários para o efeito, não está a 
 actuar como tribunal de 1.ª instância – contrariamente ao que o recorrente 
 alega –, mas antes e justamente como tribunal de recurso, no exercício do seu 
 aludido poder de substituição ao tribunal recorrido.
 
             Impõe‑se, assim, a rejeição do recurso, quanto a esta primeira 
 questão.
 
  
 
             5. A segunda questão de inconstitucionalidade é exposta no 
 requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos:
 
  
 
             «7. O extraditando/recorrente pretende ver apreciada a 
 constitucionalidade dos normativos ínsitos nos artigos 664.º do CPC e 3.º, n.º 
 
 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei de Cooperação Judiciária 
 Internacional em Matéria Penal) em conjugação com o artigo 123.º, n.º 2, do 
 Código de Processo Penal, na interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo, 
 nomeada e concretamente, porque a decisão recorrida, ao considerar que ao 
 abrigo do normativo constante do Código de Processo Civil podia decidir a 
 questão da irregularidade formal do processo levantada em sede de “questão 
 prévia” no articulado de oposição à extradição, coarcta e limita de forma ilegal 
 e constitucionalmente inadmissível as garantias de defesa asseguradas ao 
 extraditando. É que, desta forma, o extraditando nunca tomou conhecimento, na 
 fase de oposição à extradição, de qual a data do trânsito em julgado da decisão 
 condenatória que deveria tomar em conta para efeitos de instruir a sua defesa e 
 fazer uso do contraditório. Sendo certo que ao processo de extradição são 
 aplicáveis subsidiariamente as normas do processo penal, processo este 
 orientado por princípios de verdade material em que, à partida, não há ónus da 
 prova, em virtude do princípio da oficialidade, e não do princípio do 
 dispositivo, corolário do processo civil, não devendo o Supremo Tribunal de 
 Justiça ser alheio à observância ou não dos direitos de defesa que assistem 
 aos arguidos (no presente caso, ao extraditando).
 
             Assim, não tendo sido ordenada a reparação da irregularidade formal 
 do processo no momento em que o Tribunal pôde conhecer da mesma – ou seja, 
 quando a questão foi colocada como questão prévia no articulado de oposição à 
 extradição –, momento em que cabia ao Tribunal da Relação de Évora aplicar o 
 disposto na norma do artigo 123.°, n.º 2, do CPP, e entendendo o Tribunal 
 recorrido resolver a questão em sede de acórdão, a coberto do disposto no 
 artigo 664.º do CPC, este Tribunal faz uma interpretação da norma que é 
 inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.°, n.ºs 1 e 5, da CRP.»
 
  
 
             Quanto a esta segunda questão, pode, desde logo, afirmar‑se que, em 
 rigor, o recorrente não suscita nenhuma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, imputando antes a violação da Constituição à própria decisão 
 judicial recorrida, em si mesma considerada, em termos que surgem como 
 inseparáveis das particularidades específicas do caso concreto. O recorrente, 
 aliás, não identifica, com o mínimo de precisão e clareza, qual a interpretação 
 normativa que reputa inconstitucional, em termos de possibilitar a emissão de um 
 juízo de inconstitucionalidade dotado de generalidade e abstracção.
 
             Para além de, por essa razão, ser de julgar inadmissível o recurso, 
 nesta parte, é igualmente manifestamente infundada a questão de 
 inconstitucionalidade suscitada. Como o acórdão recorrido proficientemente 
 demonstrou, no seu ponto 2.3.1., o recorrente, discordando da data indicada 
 pelo Ministério Público como sendo a do trânsito em julgado da decisão 
 condenatória, impugnou-a na oposição e a Relação decidiu o litígio, com base 
 nos elementos constantes dos autos e que considerou suficientes, sem que desta 
 actuação – que constitui a actuação normal em caso de dissídios entre 
 intervenientes processuais – tenha resultado qualquer limitação das garantias 
 de defesa do recorrente.
 
  
 
             6. A terceira questão de inconstitucionalidade é exposta no 
 requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos:
 
  
 
             «8. O extraditando/recorrente pretende ainda ver declarada a 
 constitucionalidade da aplicação do artigo 664.º do CPC, em conjugação com a 
 interpretação dos artigos. 23.º e 45.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, 
 acolhida no acórdão recorrido. Na verdade, o pedido de extradição deu origem 
 aos presentes autos, e a todos os seus termos, como se estivesse formalmente 
 correcto, quando não preenchia a alínea e) do artigo 23.° da Lei de Cooperação 
 Judiciária Internacional.
 
             Assim, o Tribunal recorrido, ao entender que a questão da 
 irregularidade formal do processo (levantada em sede de questão prévia no 
 articulado de oposição à extradição) podia ser resolvida em sede de acórdão – 
 aplicando o disposto no artigo 664.º do CPC – violou o preceituado nos artigos 
 
 23.° e 45.° da Lei de Cooperação Judiciária Internacional, por concordar com o 
 Tribunal da Relação de Évora quando este não deu cumprimento ao que nesses 
 normativos se dispõe para as situações em que um pedido não está formalmente 
 correcto, ou seja, a modificação ou completação do pedido, violando, também por 
 esta via, o princípio do contraditório.
 
             Isto porque, ao concordar com o Tribunal da Relação de Évora, que 
 não respeitou o disposto nestes normativos legais, o Tribunal recorrido também 
 impediu o extraditando de conhecer a data efectiva de trânsito em julgado da 
 decisão condenatória para efeitos de defesa, pelo que a interpretação que o 
 Tribunal recorrido faz de não obedecer ao imposto pelos citados preceitos, 
 viola também o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, e ofende também o 
 principio da legalidade (artigo 29.º da CRP). Tanto mais que estas normas são 
 de aplicação directa ao processo de extradição, que apenas prevê a aplicação 
 subsidiária do processo penal, no artigo 3.°, n.° 2, da Lei n.º 144/99, de 31 
 de Agosto, e não do processo civil, dada a estrutura dos processos ser 
 intrinsecamente diferente.»
 
  
 
             Neste ponto, o recorrente, no fundo, recoloca a mesma questão do 
 ponto anterior, apenas com referência a outros preceitos.
 
             Ora, a decisão recorrida não adoptou, como sua ratio decidendi, o 
 entendimento que lhe vem atribuído. O que no ponto 2.3.2. do acórdão recorrido 
 se refere é que a referida incorrecção da data do trânsito em julgado da 
 condenação do recorrente, constante da promoção inicial do Ministério Público, 
 não constitui causa de nulidade por como tal não estar prevista no artigo 
 
 118.º, n.º 1, do CPP, e, aliás, essa indicação nem sequer é requisito legal 
 dessa promoção.
 
             Não tendo a interpretação normativa arguida de inconstitucional sido 
 aplicada pelo acórdão recorrido e não tendo o recorrente arguido a 
 inconstitucionalidade das normas efectivamente aplicadas, como rationes 
 decidendi, por esse acórdão, o recurso surge, quanto a este ponto, como 
 inadmissível.
 
                        
 
             7. A quarta questão de inconstitucionalidade é exposta no 
 requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos:
 
  
 
                «9. O extraditando/recorrente pretende também ver declarada a 
 inconstitucionalidade da aplicação do artigo 664.° do CPC e da interpretação 
 acolhida na decisão recorrida quanto aos normativos previsto nos artigo 23.° 
 da Lei n.º 144/99, em conjugação com o disposto no artigo 283.°, n.° 3, do CPP 
 
 (aplicáveis ao presente caso por força dos artigos 3.°, n.° 2, e 25.°, n.° 2, 
 da Lei n.° 144/99). Assim, tendo o processo de extradição sido baseado num 
 pedido formalmente irregular, cuja irregularidade nunca foi sanada a fim de 
 permitir ao extraditando exercer o contraditório, deve o pedido ser considerado 
 nulo, por violação do disposto no art. 23.° da Lei de Cooperação Judiciária 
 Internacional e no artigo 283.°, n.° 3, do CPP, aplicável por força do disposto 
 no artigo 3.°, n.° 2, da mesma Lei de Cooperação. A decisão de não interpretar 
 desta forma o disposto nos supra citados artigos, tal como é acolhida no 
 Acórdão recorrido, é inconstitucional por violação do artigo 32.°, n.°s 1 e 5, 
 da Constituição da República Portuguesa.»
 
  
 
             A questão suscitada no presente ponto é substancialmente idêntica à 
 do ponto precedente, sendo para aqui transponíveis as razões que conduzem à 
 conclusão da inadmissibilidade do recurso, por falta de coincidência entre a 
 dimensão normativa impugnada e a dimensão normativa efectivamente aplicada 
 pelo acórdão recorrido.
 
  
 
             8. A quinta questão de inconstitucionalidade é exposta no 
 requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos:
 
  
 
 «10. Pretende, também, o recorrente, ver apreciada a constitucionalidade da 
 aplicação do princípio da livre apreciação da prova constante da norma do artigo 
 
 127.° do CPP e da interpretação acolhida no Acórdão recorrido quanto aos 
 normativos previstos nos artigos 55.° da Lei n.º 144/99, 374.°, n.° 2, e 379.º, 
 n.° 1, alíneas a) e c), do CPP, aplicáveis por força dos artigos 3.°, n.° 2, e 
 
 25.°, n.° 2, da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto.
 
             O acórdão recorrido, tal como o Acórdão da Relação de Évora – que 
 foi declarado nulo – não faz qualquer referência à prova documental junta aos 
 autos pelo extraditando com o articulado de oposição (19 documentos) nem aos 
 factos constantes dos artigos 44.º e 45.º do articulado de oposição à 
 extradição, nomeadamente à existência de tortura nas prisões brasileiras que os 
 mesmos documentos comprovavam. Ora, embora sujeita à livre apreciação do 
 julgador, a prova tem que ser apreciada e não pode ser ignorada, e o Tribunal 
 recorrido entende que os mesmos foram considerados ao abrigo do princípio da 
 livre apreciação da prova, pese embora o Tribunal da Relação de Évora nunca os 
 mencione, tal como o acórdão recorrido também não se refere ao teor de tais 
 documentos.
 
             A apreciação do teor de tais documentos afigura‑se fundamental para 
 a boa decisão da causa, na medida em que corrobora os factos que o extraditando 
 denunciara aquando da dedução da sua oposição, os quais foram também ignorados, 
 e atesta, com ênfase e de forma impressionante, o clima de tensão e de 
 violações constantes aos direitos humanos que se vive nas prisões brasileiras, 
 nomeadamente da prática reiterada de tortura, que só por si obviaria a uma 
 decisão de extradição tal como tem sido entendido pelo Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem.
 
             Foi por esta via vedado ao extraditando o exercício do seu direito 
 de defesa, com a amplitude prevista no artigo 55.º, n.º 1, da Lei de Cooperação 
 Judiciária Internacional em Matéria Penal, com tutela constitucional nos termos 
 do artigo 32.° da Lei Fundamental.
 
             Ora, a omissão de pronúncia em todo o Acórdão recorrido (que 
 funcionou como Tribunal de instância) sobre os factos alegados nos artigos 
 
 44.º e 45.º do articulado de oposição à extradição e sobre os documentos que os 
 corroboram, gera nulidade nos termos do disposto nos artigos 374.°, n.° 2, e 
 
 379.°, n.° 1, alíneas a) e c), do CPP, todos aplicáveis por força do artigos 
 
 3.°, n.° 2, da Lei n.° 144/99).
 
             Ora, conformando a violação do disposto no artigo 55.°, n.° 1, da 
 Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, bem como a violação dos artigos 374.°, n.° 2, e 
 
 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPP, em conjugação com o disposto nos artigos 
 
 32.°, n.° l, e 205.°, n.° 1, da CRP, esta interpretação de ignorar factos 
 alegados pelo extraditando e documentos que permitiriam comprovar esses factos, 
 a coberto da norma do artigo 127.° do CPP, só pode ser considerada 
 inconstitucional.»
 
  
 
             Neste ponto, é manifesto que o recorrente questiona a 
 constitucionalidade do acórdão recorrido, em si mesmo considerado, e não de 
 qualquer interpretação normativa, o que basta para ser inadmissível esta parte 
 do recurso. Na verdade, a questão suscitada está indissociavelmente ligada às 
 especificidades do caso concreto.
 
             Acresce que basta ler o ponto 2.3.4.2. do acórdão recorrido, atrás 
 transcrito, para se concluir que ele não adoptou o comportamento processual que 
 o recorrente lhe imputa. Aí se demonstrou não ter o acórdão da Relação ignorado 
 os meios probatórios apresentados, designadamente os relatórios, estudos e 
 pareceres referidos pelo recorrente.
 
  
 
             9. A sexta questão de inconstitucionalidade é exposta no 
 requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos:
 
  
 
 «11. Pretende ainda o extraditando/recorrente ver apreciada a 
 inconstitucionalidade da interpretação do disposto no artigo 6.°, alínea a), da 
 Lei de Cooperação, que considera não se verificar esse requisito negativo. Com 
 efeito, tal decisão é reveladora de uma interpretação da alínea a) do artigo 
 
 6.° da Lei de Cooperação que considera tolerável a extradição de um cidadão para 
 a União Federativa do Brasil, quando existem nos autos elementos que afirmam a 
 existência de um risco de o mesmo, uma vez chegado àquele país, ser sujeito a 
 actos de tortura na prisão onde já cumpriu parte da pena.
 
             E existindo elementos probatórios – cf. documentos 1 a 15, juntos 
 com a oposição e depoimento da Dr.ª G. – sérios e irrefutáveis da existência 
 de riscos de o extraditando ser torturado e até morto, caso seja extraditado 
 para a União Federativa do Brasil, uma decisão que considere não se verificar 
 o requisito negativo de cooperação previsto na alínea a) do artigo 6.° da Lei de 
 Cooperação só pode ser considerada inconstitucional, por violação dos artigos 
 
 24.° e 25.° da Lei Fundamental, que consagram, respectivamente, a 
 inviolabilidade da vida humana e a proibição da tortura, bem como do artigo 8.° 
 do mesmo diploma, do qual decorre que as normas da Convenção Europeia para a 
 Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro 
 de 1950, vigoram na nossa ordem interna e têm de ser respeitadas. Assim, o 
 Tribunal recorrido, a coberto da aplicação do princípio da livre apreciação da 
 prova previsto no artigo 127.° do CPP, ignora toda a prova que foi junta aos 
 autos, não constando sequer do acórdão recorrido a apreciação do teor dos 
 documentos juntos.»
 
  
 
             Mais uma vez o recorrente não suscita nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, dirigindo a sua crítica directamente à 
 decisão judicial recorrida e nem sequer referindo com exactidão o que nesta se 
 consignou. Na verdade, o acórdão recorrido, no ponto 2.3.6., assentou a sua 
 decisão na constatação de não terem sido julgados provados nenhum dos factos, 
 alegados na oposição do extraditando, que comprovariam a existência de um risco 
 de o mesmo, uma vez chegado ao Brasil, ser sujeito a actos de tortura.
 
             Por isso, também quanto a esta última questão, o recurso surge como 
 inadmissível.”
 
  
 
                         Por estes fundamentos, na decisão sumária ora reclamada 
 decidiu‑se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC, não conhecer 
 do objecto do recurso.
 
  
 
                         6. A reclamação apresentada pelo recorrente apresenta a 
 seguinte fundamentação: 
 
  
 
 “I – INTRODUÇÃO
 
             1. O ora reclamante interpôs recurso para este Tribunal da decisão 
 final proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos autos de recurso 
 n.º 2794/05 que correu os seus termos na 3.ª Secção.
 
             2. No dia 5 de Setembro de 2005 foi proferida decisão sumária de 
 rejeição do recurso interposto pelo recorrente, nos termos e para os efeitos 
 constantes do artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC.
 
             3. Essa decisão sumária, no que respeita à primeira questão invocada 
 pelo requerente no seu requerimento de interposição do recurso, a qual é o 
 objecto da presente reclamação, decidiu o seguinte:
 
  
 
             «Na verdade, o direito ao recurso, designadamente em processo 
 criminal, tal como está constitucionalmente consagrado, não implica que, 
 relativamente a cada questão que se suscite num processo, haja sempre duas 
 decisões de tribunais hierarquicamente distintos. O direito ao recurso foi 
 assegurado, no presente caso, através da possibilidade – efectivamente exercida 
 pelo recorrente – de impugnar perante o Supremo Tribunal de Justiça o decidido 
 pela Relação. Ao recorrente foi assegurado o direito de acesso a tribunal 
 superior, perante o qual expôs as suas razões. Quando, após reconhecer a 
 existência da aludida nulidade por não explicitação do exame crítico das provas, 
 o Supremo Tribunal de Justiça procede, ele mesmo, a essa explicitação, uma vez 
 que dispunha de todos os meios necessários para o efeito, não está a actuar como 
 tribunal de 1.ª  instância – contrariamente ao que o recorrente alega –, mas 
 antes e justamente como tribunal de recurso, no exercício do seu aludido poder 
 de substituição ao tribunal recorrido.” – sublinhado nosso.
 
  
 
             4. Atenta a fundamentação da decisão sumária, a qual, contra todas 
 as legítimas expectativas do ora reclamante, decidiu não conhecer do objecto do 
 recurso, e por não se conformar manifestamente com o teor de tal decisão, 
 apresenta o recorrente a seguinte reclamação:
 
  
 
             II – DA RECLAMAÇÃO
 
             5. A decisão sumária proferida nos presentes autos e ora em apreço, 
 na parte relevante para apreciação da presente reclamação, avança, em primeiro 
 lugar, com a aplicação da regra da substituição pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, explicitando que este Tribunal se substituiu ao Tribunal da Relação, 
 que houvera proferido uma decisão nula, e a reparou.  
 
             6. Afirma‑se, naquela decisão, que o direito ao recurso, tal como 
 está constitucionalmente consagrado, não implica que hajam sempre duas decisões 
 de tribunais hierarquicamente distintos relativamente a cada questão que se 
 suscite num processo.
 
             7. No entanto, o princípio segundo o qual o pleito deve passar pelo 
 exame sucessivo de dois tribunais a fim de ser assegurada, quanto possível, a 
 justiça da decisão, predomina em todos os sistemas de direito comparado.
 
             8. É posição generalizada, por aceite, que deve existir a 
 possibilidade de a decisão de um tribunal ser submetida à apreciação ou ao 
 reexame de um tribunal superior, sendo desta maneira melhor salvaguardado o 
 escopo do direito e da justiça e defendidos os direitos do cidadão.
 
             9. É o próprio «Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e 
 Políticos» (Lei n.º 29/78, de 12 de Junho) a consignar a necessidade de haver um 
 duplo grau de jurisdição em matéria penal, como se constata do disposto no seu 
 artigo 14.º, n.º 5, que refere que:
 
  
 
             «Qualquer pessoa declarada culpada de um crime, terá o direito de 
 fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a 
 sentença, em conformidade com a lei.» 
 
  
 
 10. Em Portugal, não se encontrando o duplo grau de jurisdição elevado à 
 categoria de princípio constitucional, não deixa contudo de ser reconhecido pela 
 lei fundamental uma espécie de triplo grau de jurisdição, por força do disposto 
 no artigo 210.º da CRP.
 
             11. Ora, se é certo que a segunda instância não é uma fase 
 necessária de todo o processo, mas se tal conclusão possa fazer algum sentido em 
 processo civil, dúvidas se colocam no âmbito do processo criminal, nomeadamente 
 no âmbito de um processo de extradição, onde os graus de recurso são 
 inequivocamente limitados.
 
             12. Ora, sucede que, no tocante ao processo criminal, o princípio 
 constitucional das garantias de defesa impõe a faculdade de os arguidos poderem 
 recorrer das sentenças condenatórias, e bem assim de quaisquer actos judiciais 
 que, no decurso do processo, afectem direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente garantidos.
 
             13. No caso em apreço o recorrente nem sequer teve a possibilidade 
 de exercer o seu direito ao recurso por uma única vez relativamente à questão 
 suscitada e tida como nula.
 
             14. Efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça veio, no seu ponto 
 
 2.3.5.1., anular o acórdão do Tribunal da Relação e, de facto, substitui‑se a 
 este Tribunal, proferindo a sua decisão.
 
             15. Ora, se a decisão do Tribunal da Relação de Évora é nula, não 
 produziu quaisquer efeitos jurídicos, pois, nos termos do disposto no artigo 
 
 122.º, n.º 1, do CPP, a nulidade torna inválido o acto em que se verificou, bem 
 como os que dele dependerem e aqueles que puder afectar.
 
             16. Unanimemente, a doutrina considera que o acto nulo é‑o desde o 
 momento da sua prática, pois a declaração de nulidade tem efeitos ex tunc, 
 eliminando o acto nulo e os seus efeitos jurídicos desde o momento da prática 
 do acto ferido de nulidade (vide Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, 
 Introdução ao Estudo do Direito, 4.ª edição, revista e aumentada com base na 
 Revisão Constitucional de 1997, Publicações Europa‑América).
 
             17. Assim sendo, a declaração de nulidade tem como efeito uma 
 regressão do processo a uma fase anterior àquela em que se encontrava, na 
 medida em que os actos afectados devem ser repetidos, tudo se passando como se o 
 acto nulo nunca tivesse sido praticado.
 
             18. Ora, assim sendo, não tendo a decisão do Tribunal de Relação 
 produzido quaisquer efeitos, por ser nula, então o Supremo Tribunal de Justiça 
 não se estará a substituir àquele Tribunal, mas tão‑somente a tomar posição 
 sobre a questão, proferindo uma primeira decisão válida sobre aquela questão.
 
             19. E se a primeira decisão sobre a questão submetida pertence ao 
 Supremo Tribunal de Justiça, e não sendo o Tribunal Constitucional um Tribunal 
 de recurso ordinário, então o recorrente viu coarctado o seu direito 
 constitucional ao recurso, pois não tinha qualquer instância de controlo para a 
 qual recorrer daquela decisão.
 
             20. Razão pela qual o Supremo Tribunal de Justiça não poderia ter‑se 
 substituído ao Tribunal da Relação, suprindo a nulidade daquela decisão e 
 reparando‑a, devendo antes ter procedido ao reenvio do processo para aquele 
 Tribunal, para que este reparasse a sua própria decisão, e assim o recorrente 
 tivesse, pelo menos, uma instância de recurso sobre a questão decidida pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
             21. Ou seja, a questão de controlo da constitucionalidade suscitada 
 e que se pretende ver apreciada não é, ao contrário do que vem referido na 
 decisão sumária ora reclamada, a do duplo grau de recurso.
 
             22. A questão que se pretende ver apreciada prende‑se com o facto de 
 o recorrente não ter tido ao seu dispor nem sequer uma instância de recurso 
 sobre a questão ferida de nulidade, já que a primeira decisão válida sobre a 
 questão que colocou foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 
             23. Ao admitir a existência de uma nulidade cometida pelo Tribunal 
 da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça toma posição e actua como Tribunal de 
 
 1.ª instância, impedindo qualquer possibilidade de recurso em relação à questão 
 sobre a qual se pronunciou.
 
             24. Pois a intervenção substitutiva do Supremo Tribunal de Justiça, 
 embora tivesse o condão de alcançar eventuais ganhos em termos de celeridade na 
 apreciação das questões controvertidas e na resolução do próprio processo, não 
 pode pôr em causa o direito ao recurso do extraditando ora reclamante.
 
               25. Assim, o recorrente pretende efectivamente ver apreciada a 
 constitucionalidade da interpretação das normas processuais constantes nos 
 artigos 715.º do CPC e 58.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, quando 
 interpretadas no sentido acolhido pelo acórdão recorrido, nos termos devidamente 
 suscitados por estar em causa o controlo judicial legalmente e 
 constitucionalmente imposto.
 
             Porquanto,
 
             26. A interpretação realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao 
 não decretar o reenvio do processo para a Relação proceder a novo julgamento da 
 questão, impede o reclamante de exercer o seu direito ao recurso quanto à 
 primeira questão julgada nula e sobre a qual apenas terá sido tomada uma única 
 decisão válida.
 
             27. Tal interpretação, que concede prevalência à celeridade 
 processual, não pode ser exacerbada ao ponto de tornar letra morta o n.º 1 do 
 artigo 426.º do CPP e sacrificar nas aras dessa mesma celeridade as garantias de 
 defesa constantes da Constituição da República Portuguesa.
 
             28. A interpretação normativa realizada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça aos preceitos supra referidos não deixa de afectar o princípio 
 constitucional das garantias de defesa, na medida em que o ora reclamante fica 
 totalmente desprovido da possibilidade de exercer o seu direito ao recurso sobre 
 a questão em análise.
 
             29. Acresce que o Supremo Tribunal de Justiça, quando se substitui 
 ao Tribunal da Relação de Évora e entende poder conhecer do objecto final do 
 recurso e das restantes questões que vêm suscitadas (não obstante ter declarado 
 a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação), fá‑lo com base na aplicação do 
 artigo 715.º do CPC.
 
             30. Ora, a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, dispõe no seu artigo 3.º 
 que o regime subsidiariamente aplicável ao processo de extradição é o do Código 
 de Processo Penal. E como existe no Código de Processo Penal um regime 
 específico para os recursos, o STJ não podia aplicar subsidiariamente o CPC, 
 por não estarmos, no caso sub judice, perante a existência de qualquer lacuna.
 
             31. Ou seja, ao declarar nulo o acórdão proferido pelo Tribunal da 
 Relação de Évora, o Supremo Tribunal de Justiça teria que ter procedido ao 
 reenvio dos autos para aquele Tribunal, tal como dispõe o artigo 426.º do CPP, 
 pois não podia decidir da causa (nomeadamente decidir das questões de facto e de 
 direito), pois se o fizesse estaria a vedar ao extraditando a possibilidade de 
 exercer o seu direito ao recurso. 
 
             32. Acresce que o regime dos recursos no Código de Processo Penal 
 apenas permite ao Supremo Tribunal de Justiça decidir sobre questões de direito 
 ou sobre os vícios constantes do artigo 410.º do CPP, e já não sobre matéria de 
 facto.
 
             33. Não obstante, mesmo considerando que o Supremo Tribunal de 
 Justiça também possa conhecer da matéria de facto, por ser a única instância de 
 recurso prevista no processo de extradição, ainda assim, a decisão que declara o 
 acórdão da Relação nulo é a primeira decisão válida que se pronuncia sobre as 
 questões de facto e de direito suscitadas pelo extraditando. E desta decisão não 
 cabe qualquer recurso ordinário.
 
             34. Pelo que, desta forma, o extraditando fica impedido de exercer 
 um direito constitucionalmente previsto e que faz parte das suas garantias de 
 defesa, o direito ao recurso.
 
             35. Assim sendo, o recorrente entende que as dúvidas acerca da 
 constitucionalidade da interpretação do Supremo Tribunal de Justiça foram 
 suscitadas de acordo com a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e gostaria 
 de ter a oportunidade de explicar em sede de alegações os princípios 
 constitucionais violados, visto ser esta a sede própria para o fazer após o 
 recurso ser admitido.”
 
  
 
                         7. Notificado desta reclamação, o representante do 
 Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
             “1 – A reclamação deduzida circunscreve‑se à primeira questão de 
 constitucionalidade suscitada pelo recorrente – e atinente à aplicabilidade, em 
 processo de extradição, da regra da substituição ao tribunal recorrido, prevista 
 no artigo 715.° do Código de Processo Civil.
 
             2 – Note-se que a decisão impugnada assenta num duplo fundamento 
 alternativo: a não suscitação, durante o processo, de tal questão de 
 constitucionalidade pelo recorrente, por se não considerar a solução jurídica 
 adoptada pelo Supremo como «decisão-surpresa», susceptível de o dispensar de tal 
 
 ónus; e o carácter manifestamente infundado de tal questão, face ao entendimento 
 jurisprudencial sobre o âmbito do direito ao recurso – sendo certo que o 
 reclamante não impugnou o primeiro fundamento, atinente aos pressupostos do 
 recurso, centrando‑se no segundo.
 
             3 – Como nota a decisão reclamada, não compete a este Tribunal 
 Constitucional sindicar da correcção e adequação da interpretação feita pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça do direito ordinário, nomeadamente da 
 aplicabilidade, em processo de extradição, do artigo 715.° do Código de 
 Processo Civil – sendo, porém, inquestionável, quer em processo civil, quer em 
 processo penal, que o Tribunal ad quem, ao exercer o segundo grau de 
 jurisdição, pode suprir as nulidades da decisão recorrida.
 
             4 – Ora, como nota a decisão reclamada, não parece que do princípio 
 constitucional do direito ao recurso possa inferir-se que de uma decisão, 
 proferida pelo Supremo, caiba sempre recurso – parecendo-nos, aliás, que a 
 questão suscitada pelo recorrente não se mostra correctamente estruturada: na 
 verdade, a entender‑se que das decisões proferidas, em 1.ª instância, pelo 
 Supremo, em sede de extradição, tinha sempre de haver recurso, a conclusão não 
 seria (como pretende o recorrente) a necessária devolução dos autos à Relação, 
 para se pronunciar sobre as nulidades arguidas, mas a existência de um novo 
 grau de recurso para o Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de 
 Justiça da decisão que tivesse sido proferida, pela Secção e em 1.ª instância, 
 pelo Supremo sobre o pleito (cfr. artigo 35.°, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 
 
 3/99).
 
             5 – Termos em que deverá improceder a presente reclamação.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         II – Fundamentação
 
                         8. Como resulta do teor da reclamação apresentada, o 
 recorrente conformou‑se com a decisão sumária enquanto entendeu ser inadmissível 
 o recurso na parte relativa às denominadas segunda a sexta questões de 
 inconstitucionalidade.
 
                         A presente reclamação cinge‑se expressamente à 
 contestação da decisão sumária na parte em que julgou inadmissível o recurso 
 reportado à denominada “primeira questão de inconstitucionalidade”.
 
                         Nessa parte, a decisão sumária alicerça‑se num duplo 
 fundamento: (i) falta de suscitação da questão de inconstitucionalidade; e (ii) 
 carácter manifestamente infundado desta questão. Na verdade, tendo o recorrente 
 expressamente reconhecido, no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional, que, relativamente a algumas das questões de 
 inconstitucionalidade – entre as quais a agora em causa –, não as havia 
 suscitado perante o tribunal recorrido antes de proferida a decisão impugnada 
 por tais questões terem sido “originadas pela aplicação de algumas normas no 
 próprio acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que não foi 
 possível ao extraditando prevenir tal questão”, a decisão sumária ora reclamada 
 entendeu que o caso não era susceptível de ser incluído naquelas hipóteses 
 excepcionais em que se tem considerado o recorrente dispensado do ónus da prévia 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade, atenta o carácter inesperado ou 
 insólito da interpretação e aplicação das normas feitas pela decisão judicial 
 recorrida.
 
                         Repete‑se o teor da passagem pertinente da decisão 
 sumária reclamada:
 
  
 
             “Esta questão de constitucionalidade prende‑se com o decidido no 
 ponto 2.3.5.1. do acórdão recorrido. Aí se entendeu que, não revelando o 
 acórdão da Relação, pelo menos de forma expressa, o «exame crítico das provas», 
 referido no n.º 2 do artigo 374.º do CPP, se verificava a nulidade prevista no 
 artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, mas que, no caso, funcionando o 
 Supremo Tribunal de Justiça como 1.ª instância de recurso, era aplicável a 
 regra da substituição do tribunal de recurso ao tribunal recorrido, consagrada 
 no artigo 715.º do CPC, competindo ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da 
 questão, já que os autos forneciam o conteúdo de todos os elementos 
 probatórios relevantes para a decisão, sem necessidade de remeter o processo 
 ao Tribunal da Relação para suprir a nulidade.
 
             Ora, independentemente da correcção da invocação do artigo 715.º do 
 CPC, o certo é que a solução jurídica perfilhada não se pode, de modo algum, 
 considerar inesperada ou insólita, em termos de dispensar o recorrente do ónus 
 da prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade. A aludida regra da 
 substituição é a que resulta do n.º 2 do artigo 379.º do CPP, que consente ao 
 tribunal de recurso suprir as nulidades da sentença, e do n.º 1 do artigo 426.º 
 do mesmo Código, que, mesmo nos caso de existência dos vícios referidos nas 
 alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, só consente o reenvio do processo quando não 
 seja possível ao tribunal de recurso decidir da causa.”
 
  
 
                         Logo por este fundamento se entendeu ser inadmissível o 
 recurso quanto a esta questão, acrescentando‑se, de seguida, como fundamento 
 adicional, que sempre o recurso seria de rejeitar, nesta parte, por ser de 
 considerar manifestamente infundada a questão suscitada, aduzindo‑se:
 
  
 
             “Na verdade, o direito ao recurso, designadamente em processo 
 criminal, tal como está constitucionalmente consagrado, não implica que, 
 relativamente a cada questão que se suscite num processo, haja sempre duas 
 decisões de tribunais hierarquicamente distintos. O direito ao recurso foi 
 assegurado, no presente caso, através da possibilidade – efectivamente 
 exercitada pelo recorrente – de impugnar perante o Supremo Tribunal de Justiça 
 o decidido pela Relação. Ao recorrente foi assegurado o direito de acesso a 
 tribunal superior, perante o qual expôs as suas razões. Quando, após reconhecer 
 a existência da aludida nulidade por não explicitação do exame crítico das 
 provas, o Supremo Tribunal de Justiça procede, ele mesmo, a essa explicitação, 
 uma vez que dispunha de todos os elementos necessários para o efeito, não está 
 a actuar como tribunal de 1.ª instância – contrariamente ao que o recorrente 
 alega –, mas antes e justamente como tribunal de recurso, no exercício do seu 
 aludido poder de substituição ao tribunal recorrido.”
 
  
 
                         Na presente reclamação, o recorrente nada aduz contra o 
 primeiro fundamento da rejeição do recurso, só podendo relevar as considerações 
 nela tecidas em termos de contestar a qualificação da questão como 
 manifestamente infundada. Mas, assim sendo, é óbvio que a presente reclamação 
 está votada ao insucesso. Na verdade, mesmo que a conferência viesse a 
 considerar não manifestamente infundada a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada, sempre a decisão de não conhecimento do recurso se manteria, embora 
 reduzida ao primeiro fundamento (não suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido antes de proferida a decisão 
 impugnada), fundamento esse com o qual – repete‑se – o recorrente se conformou.
 
  
 
  
 
                         III – Decisão
 
                         9. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 28 de Setembro de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos