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Processo n.º 632/09
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte 
 decisão sumária:
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, 
 foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da 
 Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, 
 em conferência, pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 25 
 de Maio de 2009 (fls. 304 a 311), para que seja apreciada a constitucionalidade 
 
 “das normas contidas nos arts. 218.º, n.º 1, do Código Penal e 308.º, n.º 1, do 
 Código de Processo Penal, na interpretação (…) de que apesar de indiciariamente 
 provado o facto de que «o arguido estava ciente de que as custas judiciais 
 devidas incluíam as do recurso interposto pelo Tribunal Constitucional quanto à 
 matéria de apoio judiciário», esta relevante matéria não preenche de forma 
 bastante os pressupostos de «qualquer comportamento do arguido dirigido a 
 enganar o assistente e que este tenha usado de astúcia para o convencer à 
 prática de actos causadores de um prejuízo patrimonial»”, por violação “dos 
 arts. 20.º, n.ºs 1 e 5, 202.º, n.º 1, 203.º, e 205.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição 
 da República Portuguesa” (fls. 321 e 322).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Mesmo tendo o recurso sido admitido – com reservas expressas, é certo – por 
 despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 326), com fundamento no n.º 1 do artigo 
 
 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta 
 do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve apreciar o preenchimento de 
 todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A 
 e 76º, nº 2, da LTC.
 
  
 Sempre que o Relator verifique que os mesmos não foram preenchidos, pode 
 proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do 
 artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
 3. Confirmando as dúvidas do tribunal recorrido quanto à admissibilidade do 
 presente recurso, é evidente que o recorrente não coloca o Tribunal 
 Constitucional perante uma questão de (verdadeira) inconstitucionalidade 
 normativa, antes tecendo considerações sobre a qualificação dos factos adoptada 
 pelo tribunal de primeira instância, quando apreciou o preenchimento do elemento 
 típico “astúcia”, relativamente ao crime de burla. 
 
  
 O mesmo se diga relativamente à conclusão 10ª das suas alegações de recurso para 
 o Tribunal da Relação de Guimarães. É certo que faz aí referência a uma alegada 
 violação de normas constitucionais, mas o que recorrente, na realidade, 
 pretende, é colocar em causa o juízo subsuntivo da decisão recorrida quanto ao 
 
 (não) preenchimento do elemento típico “astúcia”. Na verdade, não se consegue 
 vislumbrar, em nenhum passo das referidas alegações, qualquer problema de 
 inconstitucionalidade de uma concreta norma jurídica ou do que o recorrente 
 qualifica como “interpretação normativa”. 
 
  
 Em suma, o problema suscitado não se reconduz a uma contradição entre norma 
 jurídica ordinária e a Constituição da República Portuguesa, mas antes a uma 
 discordância quanto à decisão instrutória de não pronúncia, que julgou não estar 
 suficientemente indiciado o crime de burla.
 
  
 Ora, não sendo o Tribunal Constitucional um órgão de recurso comum, não detém 
 poderes para sindicar, em tais termos, os juízos subsuntivos dos tribunais 
 criminais, mas somente para aferir de uma efectiva contradição entre a norma 
 jurídica aplicada e a Lei Fundamental.
 
  
 Não sendo este o caso do presente recurso, mais não resta do que concluir pela 
 inadmissibilidade de conhecimento de recurso.
 
  
 
             
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 
             Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência, 
 contra a não admissão do recurso, nos seguintes termos:
 
  
 
 «A decisão sumária proferida vem rejeitar o recurso de inconstitucionalidade 
 interpretativa das normas aplicadas com fundamento em que “(...) o problema 
 suscitado não se reconduz a uma contradição entre a norma jurídica e a 
 Constituição da República Portuguesa, mas antes a uma discordância quanto à 
 decisão instrutória de não pronúncia, que julgou não estar suficientemente 
 indiciado o crime de burla.”. 
 
  
 Salvo o devido e merecido respeito, não se perfila razoabilidade em tal 
 entendimento que carece, assim, de ser julgado em conferência. 
 
  
 De facto, as normas tidas por indevidamente interpretadas e aplicadas à luz dos 
 imperativos dos invocados art.°s 20º, nºs 1 e 5, 202. °, n.º 1, 203.°, e 205.°, 
 nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, na superior alçada 
 jurisdicional de V. Ex.cias, são as dos art.°s 218.°, n.º 1, do Código Penal e 
 
 308.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, conjugadamente. 
 
  
 Por elas considera correcto o recorrente/reclamante que “(...) o uso astucioso 
 de erro ou engano na formação de acordo judicial com vista a obter perdão 
 criminal e civil constitui crime de burla, qualificada por via do seu valor, e o 
 facto de se considerar indiciariamente provado a perfeição da consciência do 
 arguido quanto à abrangência da transacção processual que efectuava e o 
 posterior incumprimento não advir de qualquer dificuldade económica em cumprir o 
 acordo transaccional mas de livre, intencional e consciente vontade, implica que 
 estão reunidos, à saciedade, indícios bastantes, capazes de obter condenação 
 criminal em julgamento, quanto a todos os pressupostos objectivos e subjectivos 
 do tipo do crime de burla, razão que implica a pronúncia de um tal arguido para 
 sujeição a julgamento, tutelando-se o direito do cidadão vitima dessa actividade 
 ilícita, como é obrigação e múnus principal dos tribunais que cuidarão do 
 cumprimento das suas determinações mesmo que de simples homologação de 
 transacção judiciária.”, como está expresso no n.º 5 do requerimento recursivo 
 sub judice. 
 
  
 Matéria bem diversa da interpretação normativa que o tribunal a quo fez e deixou 
 expressa com clareza na decisão recorrida, não em teor meramente decisório mas 
 autenticamente filosófico quanto aos padrões de incriminação plasmados nas 
 normas arguidas de inconstitucionalidade, qual seja que apesar de que o “O 
 arguido estava ciente de que as custas judiciais devidas incluíam as do recurso 
 interposto pelo tribunal Constitucional quanto à matéria de apoio judiciário 
 
 (...)“ isso não comportava um “ (...) qualquer comportamento do arguido dirigido 
 a enganar o assistente e que este tenha usado de astúcia para o convencer à 
 prática de actos causadores de um prejuízo patrimonial.”. 
 
  
 Não está em causa, pois a decisão em si mesma mas, de forma simples e 
 clarividente, a interpretação das normas em que ela assenta e que faz parte do 
 próprio texto decisório, exprimindo filosofia jurídica violadora dos imperativos 
 constitucionais, na modesta opinião do recorrente. 
 
  
 Carece, pois, o recurso de reapreciação em conferência em conformidade como o 
 claramente expandido, de forma sumária, no texto do requerimento de 
 interposição, que melhor e mais detalhada clarificação terá na oportunidade de 
 alegações formais.» (fls. 443 a 445).
 
  
 
 3. Notificado da reclamação, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da 
 LTC, o Ministério Público veio pronunciar-se no seguinte sentido:
 
  
 
 «1. A reclamação é manifestamente improcedente. 
 
  
 
 2. Na verdade, a argumentação do reclamante não só não abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, como acaba por confirmá-la, dada a forma como vem explanada a 
 suposta questão de inconstitucionalidade normativa.» (fls. 347).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Nesta sede, o reclamante limita-se a reiterar o já afirmado no §. 5 do 
 requerimento de interposição de recurso. Para além disso, persiste em pretender 
 que este Tribunal conheça de um juízo formulado pelo tribunal recorrido, 
 relativamente à subsunção dos factos dados como provados, em primeira instância, 
 ao elemento do tipo de ilícito penal “astúcia”. Ora, conforme já inequivocamente 
 demonstrado pela decisão sumária, não cabe ao Tribunal Constitucional 
 pronunciar-se sobre a qualificação jurídica de determinados factos como 
 passíveis de integrar o elemento típico “astúcia”.
 
  
 Assim, não subsistem quaisquer argumentos que não tenham sido ponderados pela 
 decisão reclamada e que, como tal, devam conduzir à sua reforma.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 27 de Outubro de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão