 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 935/04
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes 
 
               (Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)
 
  
 
                                                
 
  
 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
             1. Por sentença do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de 
 Braga de 23 de Outubro de 2003, de fls. 383 e seguintes, foi decidido condenar a 
 expropriante DIRECÇÃO REGIONAL DAS INSTALAÇÕES E EQUIPAMENTO DA SAÚDE DO NORTE a 
 pagar à expropriada A., a indemnização de € 541.139,10, actualizada nos termos 
 do artigo 24.º do Código das Expropriações, pela expropriação de uma parcela de 
 terreno, com a área de 18.770 m2, sita parte na freguesia de ------- e parte na 
 freguesia de ---------, em Braga.
 
  
 
             Na parte que agora releva, afirmou-se na referida sentença o 
 seguinte:
 
  
 
 “Conclui-se, assim que o valor do solo deve ser calculado, não em função do 
 valor da construção nele levada a cabo pela entidade expropriante, mas sim 
 tendo-se em consideração o custo da construção em condições normais de mercado.
 Aliás, a lei actual diz-nos expressamente qual o critério a seguir: o cálculo 
 faz-se em função do custo da construção em condições normais de mercado e na 
 determinação do custo da construção atende-se como referencial aos montantes 
 fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a 
 custos controlados ou de renda condicionada.
 Tem pois de se considerar aqui a Portaria n.º 982-C/99, de 30 de Outubro, que 
 estabelece para o ano de 2000 os valores por metro quadrado do preço de 
 construção a que se refere o n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 13/86.
 Parece-nos porém que o n.º 5 do artigo 26º não impõe uma correspondência do 
 preço por metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeitos 
 de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda 
 condicionada mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão 
 de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção 
 para o cálculo da indemnização por expropriação.
 Aliás, é desde logo de referir que nos parece que na referida portaria se fixa o 
 preço por metro quadrado de área útil enquanto que para a expropriação vale o 
 preço [por metro] quadrado de área bruta de construção.
 Assim, tomando por base o preço fixado pela referida portaria (preço por metro 
 quadrado de área útil) o valor da área bruta de construção é de 484,61 € 
 mediante a aplicação de um factor de correcção de 15% ao valor atribuído à área 
 
 útil, factor esse que se nos afigura adequado atenta a natureza e 
 características do solo, bem como a localização da parcela (e que foi também 
 aplicado designadamente pelos senhores peritos que levaram a cabo a avaliação 
 nos demais processos em que figura como expropriante a aqui também expropriante 
 e que pendem neste juízo e cuja parcela objecto dos mesmos tem a mesma 
 localização da parcela aqui expropriada).
 Para além do valor da área útil de construção, é ainda de considerar:
 
 - o coeficiente de ocupação do solo de 0,5 m2/m2
 
 - o valor do solo é de 14% da base de 12% (da qual partiram os Senhores Árbitros 
 e todos os senhores peritos que levaram a cabo a avaliação não tendo o tribunal 
 qualquer motivo para não considerar aquela percentagem sendo que não resulta dos 
 autos qualquer motivo que justifique a atribuição de uma superior ou inferior) a 
 que acresce 2% por força da existência de energia eléctrica e rede telefónica de 
 que é dotada a parcela a expropriar (n.º 7 alíneas e) e i) do artigo 26º)
 
 - aplicação de um factor correctivo de 15% nos termos do n.º 10 do artigo 26º do 
 Código das Expropriações (factor esse que foi considerado pelos Senhores 
 
 Árbitros no acórdão da Arbitragem e pelo Perito  da Expropriante no laudo que 
 apresentou em separado, não o tendo sido pelos demais Peritos sem que estes 
 contudo tenham justificado a não consideração, sendo certo que os Senhores 
 peritos do Tribunal e da expropriada consideraram uma percentagem de 12% 
 relativa ao custo das infra-estruturas para realização do empreendimento 
 atendendo à natureza do solo, o que se poderia até questionar como ajustado em 
 face do critério adoptado pelos mesmos para avaliação do terreno – o custo da 
 construção do equipamento hospitalar – mas que carece de justificação em nosso 
 entender em face do critério por nós adoptado. 
 No que toca ainda à aplicação deste factor correctivo previsto no n.º 10 do 
 artigo 26º do Código das Expropriações cumpre referir que a expropriada invocou 
 até a inconstitucionalidade de tal norma por violar o princípio da igualdade e o 
 da justa indemnização (artigos 13º e 62º da CRP); parece-nos contudo carecer de 
 razão a expropriada e não se verificar a invocada inconstitucionalidade, sendo, 
 para além do mais intenção do próprio legislador ao consagrar tal normativo, a 
 obtenção da justa indemnização, pois que o valor do bem expropriado calculado de 
 acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve 
 corresponder efectivamente ao valor real e corrente do mesmo, numa situação 
 normal de mercado, sendo certo que partindo a lei do custo da construção como 
 critério para se atingir aquele valor justifica-se a consagração do referido 
 valor correctivo, a aplicar nos casos em que tal se justifique e para que 
 partindo-se do custo da construção se alcance aquele valor.
 Conforme já se referiu deve observar-se um princípio de igualdade e 
 proporcionalidade – um princípio de justiça em que o quantum indemnizatório a 
 pagar a cada expropriado realize a igualdade dos expropriados entre si e a 
 destes com os não expropriados.”
 
  
 
  
 
             Inconformados, o Ministério Público, em representação da 
 expropriante, e a expropriada, interpuseram recurso de apelação para o Tribunal 
 da Relação de Guimarães, Tribunal que, por acórdão de 23 de Junho de 2004, de 
 fls. 502 e seguintes, negou provimento aos recursos e confirmou a sentença 
 recorrida, nestes termos:
 
  
 
 “Insurge-se a recorrente contra o facto de o Juiz a quo utilizar o critério 
 referencial do n.º 5 do art. 26º do CE, referencial correspondente aos valores 
 administrativamente fixados para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a 
 custos controlados ou de renda condicionada, de forma rígida, fixa e taxativa 
 sem levar em conta outros factores valorativos, sendo certo que a concreta 
 aplicação (e a interpretação a ela conducente) que na recorrida sentença é feita 
 daqueles critérios legais, muito em particular dos constantes dos artigos 23º, 
 n.º 1, 4 e 5 e 26º, n.º 1 e 5, ofende abertamente os princípios constitucionais 
 estruturantes do ordenamento jurídico em matéria de expropriações por utilidade 
 pública, designadamente os princípios da igualdade (artigo 13º da CRP) e da 
 justa indemnização (artigo 62º, n.º 2, da CRP).
 Para justificar o afastamento do critério referencial, recorre à natureza do 
 equipamento que vai ser construído na parcela expropriada e ao facto de os três 
 peritos do Tribunal e o perito da Recorrente/Expropriada aludirem, no seu 
 relatório de avaliação, a terrenos situados a poente da via principal de acesso 
 ao Novo Hospital de --------- classificados como urbanizáveis e a loteamentos na 
 envolvente da área expropriada cujos terrenos estão a ser transaccionados a 
 valores que variam entre os e 150 e os € 250.
 Relativamente ao equipamento hospitalar já atrás foi referido que, por não 
 representar o aproveitamento normal da parcela expropriada, não deve ser levada 
 em conta para o cálculo da indemnização.
 Relativamente aos terrenos que estão a ser transaccionados a valores que variam 
 entre os € 150 e os €250, trata-se de um fenómeno induzido pela construção do 
 hospital, que também não pode ser levado em conta, sob pena de violação do 
 disposto no artigo 23º, n.º 2, alínea a), do C.E.
 Não se surpreendendo assim circunstâncias que justifiquem o afastamento do 
 critério referencial do n.º 5 do artigo 26º do CE (em que se procede, aliás, à 
 conversão do preço por m2 da área útil para o preço do m2 da área bruta de 
 construção) não existe, em nosso entender, qualquer interpretação 
 inconstitucional dos artigos 23º, n.º 1, 4 e 5 e 26º, n.º 1 e 5 do CE, por 
 pretensa violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização.
 
 (...)
 Rejeita a expropriada a aplicação do n.º 10 do artigo 26º do Código das 
 Expropriações, considerando tal disposição manifestamente inconstitucional, por 
 violadora do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e do princípio da justa 
 indemnização (artigo 62º, n.º 2, da CRP).
 Dispõe o n.º 10 do artigo 26º do C.E. que o valor resultante da aplicação dos 
 critérios fixados nos n.º 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor 
 correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente `actividade 
 construtiva no montante máximo de 15% do valor de avaliação.
 Escreveu-se, a propósito, na sentença recorrida:
 
 (...)
 Remete-se para as preditas considerações.
 E para o que escreve Pedro Elias da Costa, in Guia das Expropriações por 
 Utilidade Pública, 2ª edição, a págs. 307:
 
 ‘Esta disposição [n.º 10 do artigo 26] é exigida pelo princípio da igualdade na 
 sua vertente externa. Ao se avaliar um solo pela construção que nele seria 
 possível efectuar, não se pode ignorar que o expropriado não suportou um risco e 
 uma série de despesas (custos de marketing, organização, impostos, etc.) que se 
 iriam traduzir num encargo a pesar sobre a habitação construída. Estes custos 
 são indispensáveis no cálculo da justa indemnização, influindo directamente no 
 valor de mercado da parcela expropriada, já que são custos a que estaria sujeito 
 um comprador normal que adquirisse o terreno em causa para fins edificativos 
 
 (...)’.
 Não existe, assim, qualquer inconstitucionalidade decorrente da aplicação do n.º 
 
 10 do artigo 26º do CE.”
 
  
 
  
 
             2. Ainda inconformada, A., veio recorrer para o Tribunal 
 Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro)”, pretendendo que este Tribunal “aprecie 
 a constitucionalidade: 
 
             a) das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 4 e 5 e 26.º, n.º 
 
 1 e 5, do CE, na interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, na esteira, 
 aliás, do entendimento perfilhado pelo julgador de 1ª instância, segundo a qual 
 na determinação do valor do imóvel expropriado há que proceder à aplicação de 
 forma rígida, fixa e taxativa do referencial correspondente aos valores 
 administrativamente fixados para efeitos dos regimes de habitação a custos 
 controlados ou de renda condicionada, sem ter em conta aquilo que é o destino 
 efectivo ou potencial desse bem – consagrado em Plano Director Municipal válido 
 e vigente à data da publicação da DUP (implantação de equipamento hospitalar);
 
             b) da norma constante do artigo 26.º, n.º 10, do CE, na 
 interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, que corrobora igualmente o 
 entendimento adoptado pelo julgador de 1ª instância, segundo a qual se impõe a 
 aplicação de um factor correctivo máximo de 15% sobre o valor do solo apto para 
 construção por forma a contrabalançar a inexistência no caso de expropriação de 
 riscos, encargos, custos organizativos, impostos, etc., que o expropriado em 
 condições normais teria de suportar num hipotético aproveitamento urbanístico do 
 imóvel, sendo tal factor correctivo, supostamente, instrumento necessário e 
 adequado a proporcionar a igualdade entre cidadãos.
 As referidas normas, na interpretação que lhes foi dada pelo acórdão recorrido, 
 violam o princípio da justa indemnização consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da 
 CRP e bem assim o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.”
 
  
 
             O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal 
 
 (nº 3 do artigo 76.º da Lei nº 28/82). 
 
  
 
  
 
             3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as alegações, 
 que a recorrente concluiu da seguinte forma:
 
  
 
 «1. A interpretação que no recorrido acórdão foi feita das normas dos artigos 
 
 23°, n.° l, 4 e 5 e 26°, n.° 1 e 5, do CE, não se compatibiliza de maneira 
 nenhuma com as exigências constitucionais dos princípios da igualdade (artigo 
 
 13° da CRP) e da justa indemnização (artigo 62°, n.° 2 da CRP).
 
 2. O aresto em apreço acolhe sem crítica a ideia de que na determinação do valor 
 do imóvel expropriado há que proceder à aplicação de forma rígida, fixa e 
 taxativa do referencial correspondente aos valores administrativamente fixados 
 para efeitos dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda 
 condicionada, sem ter em conta aquilo que é o destino efectivo ou potencial 
 desse bem – consagrado em Plano Director Municipal válido e vigente à data da 
 publicação da DUP (implantação de equipamento hospitalar).
 
 3. Todavia a harmonização das disposições constantes das referenciadas normas do 
 CE com os princípios constitucionais da igualdade e justa indemnização passa 
 necessariamente pelo reconhecimento de que o legislador ao socorrer-se do 
 conceito de critério referencial quis de forma deliberada e consciente indicar 
 que tais critérios devem ser entendidos como marcos orientadores que não 
 dispensam – antes exigem, pela sua própria natureza – a identificação e 
 ponderação de todos os outros factores valorativos que no caso concreto possam 
 assumir relevância.
 
 4. Foi exactamente porque reconheceu que os padrões de avaliação estatuídos, 
 designadamente no artigo 26° do CE, eram passíveis de produzir resultados 
 injustos e desfasados da realidade, especialmente se aplicados de forma rígida e 
 taxativa, que o legislador atribuiu a tais critérios um carácter meramente 
 referencial, cujo significado último acaba por obter explicitação plena no n.° 5 
 do artigo 23° do CE – naquilo que com alguma propriedade já foi apelidado de uma 
 espécie de 'válvula de segurança' do sistema.
 
 5. Neste contexto é evidente que a interpretação que o julgador fez das 
 indicadas normas da CE não se concilia com as exigências decorrentes dos 
 invocados princípios constitucionais da igualdade e justa indemnização, sendo 
 certo que a aplicação rígida e taxativa do referencial correspondente aos 
 valores administrativamente fixados para efeitos dos regimes de habitação a 
 custos controlados ou de renda condicionada tem resultados profundamente 
 penalizadores para o expropriado – pelo menos em comparação com as condições de 
 que beneficiaria em abstracto um cidadão não expropriado – e determina a fixação 
 de valores  indemnizatórios que ficam muito aquém do valor real dos bens em 
 causa.
 
 6. O mesmo é dizer que uma adequada interpretação dos versados preceitos do CE 
 teria forçosamente que passar pela ponderação de que o presente processo 
 expropriativo incide sobre terrenos destinados em PDM a equipamento de saúde, 
 expropriados para a implantação de equipamento de saúde e em cuja envolvente 
 existem loteamentos aprovados em que os terrenos estão a ser transaccionados a 
 valores que variam entre os € 150 e os € 250.
 
 7. Só assim se poderia falar de um justo cálculo da capacidade construtiva e do 
 valor dos terrenos expropriados, sendo este, aliás, o entendimento que melhor se 
 articula com a ideia subjacente ao CE de que o valor real e corrente de mercado 
 do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização normal, 
 ou seja, não apenas a ponderação do valor relativo ao destino efectivo do bem, 
 mas também do valor correspondente ao seu destino possível numa utilização 
 económica normal.
 
 8. Por outro lado, a norma do artigo 26°, n° 10, do CE, na  interpretação que 
 lhe foi dada no recorrido acórdão, corresponde também a uma disposição 
 manifestamente inconstitucional, por violadora do princípio da igualdade (artigo 
 
 13° da CRP) e do princípio da justa indemnização (artigo 62°, n° 2 da CRP).
 
 9. Ao considerar que a impugnada norma determina a aplicação de um factor 
 correctivo máximo de 15% sobre o valor do solo apto para construção em virtude 
 da inexistência de riscos e esforço construtivo que o expropriado em condições 
 normais supostamente teria de suportar num hipotético aproveitamento urbanístico 
 do imóvel, o douto acórdão em apreço assume como correcta e aceitável face aos 
 princípios inscritos na Lei Fundamental a presunção de que com a concretização 
 da expropriação o expropriado ficaria 'favorecido' por receber uma indemnização 
 pelo bem imóvel em causa sem ter que arcar com os custos de uma eventual 
 iniciativa construtiva.
 
 10. Esta é, no entanto, uma presunção claramente desprovida de sustentáculo, o 
 que logo se alcança se se pensar na realidade que emerge da experiência 
 quotidiana das expropriações determinadas por razões de utilidade pública, 
 revelando, além de mais, uma deformada e desequilibrada ponderação valorativa 
 dos interesses em presença.
 
 11. Nesta perspectiva a discutida norma do CE (artigo 26°, n.° 10) ofende 
 abertamente o princípio da igualdade plasmado no artigo 13° da CRP, na medida em 
 que é geradora de uma discriminação entre os cidadãos expropriados e os não 
 expropriados, em desfavor dos primeiros.
 
 12. Isto porque um cidadão expropriado, além de obrigado a alienar o bem 
 requerido por motivo de utilidade publica, vê-lhe ser subtraída uma percentagem 
 de até 15% do valor indemnizatório atribuído pressupostamente em função do valor 
 real e corrente do bem imóvel, enquanto um cidadão não expropriado nas mesmas 
 circunstâncias e relativamente a um bem com idênticas características pode 
 optar, entre outras coisas, por vender esse bem no mercado, sem qualquer risco 
 ou esforço construtivo e sem ter de suportar a dedução de qualquer tipo de 
 percentagem.
 
 13. Por identidade de razões, a citada norma do CE viola também o princípio da 
 justa indemnização ínsito no n.° 2 do artigo 62° da CRP, já que nas 
 circunstâncias resultantes da aplicação daquele preceito o valor indemnizatório 
 obtido em sede de expropriação não corresponderá nunca ao valor real e corrente 
 do bem.
 
 14. Todavia, ainda que se entendesse que no tocante aos enunciados aspectos o 
 versado preceito (artigo 26°, n.° 10 do CE) era susceptível de ser 
 compatibilizado com a CRP, o que não se concede nem aceita, sempre a 
 interpretação e aplicação que dessa norma é feita no acórdão recorrido 
 continuaria enredada no vício de inconstitucionalidade, pois que aí se 
 estabelece e determina a aplicação do discutido factor correctivo pelo valor 
 máximo legalmente previsto (15%), como se se tratasse de uma taxa fixa e 
 invariável que apenas cumprisse aplicar de forma indiscriminada e automática a 
 todo e qualquer processo de expropriação em que estivesse em causa a valoração 
 de solo apto para construção.
 
 15. Ora, é perfeitamente claro que o legislador ao estatuir o normativo do n.° 
 
 10 do artigo 26° do CE e ao abrir a possibilidade de introdução no cálculo do 
 valor da parcela expropriada daquele factor correctivo pretendeu apenas 
 estabelecer, em termos percentuais, a dimensão ou amplitude máxima da variação 
 desse factor, quantificado em função do valor de avaliação atribuído ao solo 
 apto para construção.
 
 16. Assim sendo, não faz qualquer sentido encarar a referida norma como uma 
 espécie de via para a aplicação de uma dedução fixa e invariável e não 
 dependente da demonstração ou prova de que o expropriado obteve com a 
 concretização do processo expropriativo um benefício ou vantagem económica – 
 maxime, sob a forma de uma pretensa 'poupança' de custos –, quando em cotejo com 
 os resultados patrimoniais de uma virtual sujeição do imóvel expropriado a uma 
 iniciativa construtiva da parte do próprio proprietário.
 
 17. Por conseguinte, a interpretação que no douto acórdão em crise é efectuada 
 da mencionada norma implicaria a subsistência do vício de inconstitucionalidade, 
 por violação dos já citados princípios da igualdade e da justa indemnização, não 
 apenas porque estaria em causa um tratamento não diferenciado de situações 
 desiguais – maior ou menor 'poupança' em função da inexistência de risco ou 
 esforço construtivo em caso de expropriação, consoante as características do 
 imóvel e os demais factores que intervêm na determinação do valor de mercado dos 
 bens imobiliários, mas também porque corresponderia a privar o expropriado de 
 forma desproporcionada e injusta de uma parte do real valor do bem objecto de 
 expropriação.
 
 18. Nesta conformidade, forçoso se torna que seja reconhecida e declarada a 
 inconstitucionalidade das indicadas normas do CE, na interpretação que lhes foi 
 dada pelo Tribunal da Relação de Guimarães na referenciada apelação, uma vez que 
 a mesma viola o princípio da igualdade e o princípio da justa indemnização 
 consagrados na CRP, impondo-se por isso que seja afastada e recusada a sua 
 aplicação ao caso em apreço nos autos.»
 
  
 
  
 
             Com as alegações, a recorrente juntou um parecer jurídico, no qual 
 igualmente se sustenta a inconstitucionalidade da norma em apreciação, por 
 violação do princípio da igualdade e, nesta medida, do princípio da justa 
 indemnização, consagrados nos artigos 13.º, n.º 1, e 62.º, n.º 2, da 
 Constituição.
 
  
 
             Quanto ao Ministério Público, formulou estas conclusões: 
 
  
 
 «1 – Não viola o princípio constitucional da justa indemnização o 
 estabelecimento legislativo de critérios ou regras técnicas que facilitem a 
 actividade do juiz a determinação do valor dos bens imóveis expropriados, com 
 vista à determinação do que corresponde a um aproveitamento económico normal de 
 terrenos aptos para construção.
 
 2 – No caso dos autos, tais critérios técnicos auxiliares não foram tidos pela 
 Relação como absolutamente fixos ou rígidos – e portanto insusceptíveis, em 
 absoluto, de adequação à especificidade da situação concreta em litígio – apenas 
 se entendendo, face à matéria de facto provada no processo, que se não 
 justificava a sua derrogação.
 
 3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.»
 
  
 
  
 
             4. Colocando-se a hipótese de não conhecimento parcial do recurso, 
 foi notificado às partes o seguinte despacho, constante de fls. 659, no qual, 
 depois de se identificar o recurso, se escreveu o seguinte:
 
  
 
 «(...)
 
 2. É, todavia, plausível que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do 
 presente recurso no que toca à questão de constitucionalidade referida aos 
 artigos 23º, n.º 1, 4 e 5, e 26º, n.º 1 e 5, do Código das Expropriações, por 
 falta dos necessários pressupostos.
 Na verdade, a recorrente afirma que a interpretação das normas contidas naqueles 
 preceitos adoptada pela decisão recorrida, e, já antes, pelo tribunal de 
 primeira instância, foi aquela segundo a qual “na determinação do valor do 
 imóvel expropriado há que proceder à aplicação de forma rígida, fixa e taxativa 
 do referencial correspondente aos valores administrativamente fixados para 
 efeitos dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, 
 sem ter em conta aquilo que é o destino efectivo ou potencial desse bem – 
 consagrado em Plano Director Municipal válido e vigente à data da publicação da 
 DUP (implantação de equipamento hospitalar)”. 
 Já nas alegações produzidas no âmbito do recurso de apelação por si interposto a 
 recorrente havia insistido que o indicador apontado no n.º 5 do artigo 26º do 
 Código das Expropriações “não era mais do que um referencial” (cfr. fls. 144). 
 Simplesmente, é também esse, afinal, o entendimento adoptado pela decisão da 
 primeira instância, quando nela se afirma que “o n.º 5 do artigo 26º não impõe 
 uma correspondência do preço por metro quadrado de construção fixado 
 administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos 
 controlados ou de renda condicionada mas apenas uma obrigação de consideração 
 destes preços como padrão de referência ou como factor indiciário do custo do 
 metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação”; e 
 o mesmo se diga quanto à decisão recorrida.
 Parece, assim, que o que a recorrente verdadeiramente contesta é a concreta 
 aplicação dos critérios constantes dos artigos 23º, n.º 1, 4 e 5, e 26º, n.º 1 e 
 
 5 do Código das Expropriações e não os critérios em si mesmos considerados. De 
 resto, na conclusão sétima das suas alegações apresentadas no âmbito do recurso 
 de apelação interposto para a Relação de Guimarães, a recorrente afirma que “a 
 concreta aplicação (e a interpretação a ela conducente) que na recorrida 
 sentença é feita daqueles critérios legais, muito em particular dos constantes 
 dos artigos 23º, n.º 1, 4 e 5, e 26º, n.º 1 e 5, ofende abertamente os 
 princípios constitucionais estruturantes do ordenamento jurídico em matéria de 
 expropriações por utilidade pública, designadamente, os princípios da igualdade 
 
 (artigo 13º da CRP) e da justa indemnização (artigo 62º, n.º 2, da CR)”. 
 Uma vez que a recorrente não questiona os critérios constantes das normas em 
 causa e que o respectivo carácter referencial é expressamente assumido pela 
 decisão da primeira instância e pela decisão recorrida, conclui-se que a sua 
 censura não vai dirigida a normas, mas às decisões judiciais proferidas nos 
 autos.
 Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas 
 destina-se a que este tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, 
 ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão 
 recorrida e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da 
 Constituição e da lei e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal 
 
 (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados 
 no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 
 
 1995 e 16 de Maio de 1996).
 Assim, notifiquem-se as partes, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 704º do 
 Código de Processo Civil, para se pronunciarem, querendo, sobre a hipótese de 
 não conhecimento parcial do recurso.»
 
  
 
  
 
             Respondendo, a recorrente observou, fundamentalmente, que a questão 
 de direito que está a colocar a este Tribunal “se prende precisamente com o 
 facto de no acórdão recorrido as citadas normas serem materialmente 
 interpretadas” em termos que apontam para a aplicação rígida, fixa e taxativa 
 dos valores administrativamente fixados para efeitos de habitação a custos 
 controlados ou de renda condicionada, ainda que apelidando formalmente  o índice 
 em causa – em conformidade com a literalidade do enunciado legal – como um mero 
 critério referencial a utilizar na determinação do valor dos imóveis objecto de 
 expropriação”.
 
  
 
             O Ministério Público não se pronunciou.
 
  
 
             
 
 5. Discutido o memorando elaborado pela relatora inicial e tendo-se verificado 
 mudança de relator, cumpre formular a decisão.
 
  
 
  
 
             6. Pelas razões constantes do despacho de fls. 659, não pode 
 conhecer-se do recurso no que toca à questão de constitucionalidade referida aos 
 artigos 23.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 26.º, n.ºs 1 e 5, do Código das Expropriações, 
 uma vez que, como nesse despacho se demonstra, este recurso não pode versar 
 sobre a alegada inconstitucionalidade de decisões judiciais, nem sobre alegada 
 contradição ou incongruência das mesmas, como parece pretender a recorrente.
 
  
 
  
 
             7. Assim, o Tribunal Constitucional apenas vai conhecer da 
 inconstitucionalidade atribuída à norma do n.º 10 do artigo 26.º do Código das 
 Expropriações de 1999, cujo texto é o seguinte: 
 
  
 
 “10. O valor resultante dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 será objecto de um 
 factos correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade 
 construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação”.
 
  
 
  
 
             Esta norma foi já objecto de apreciação por este Tribunal, aliás em 
 recurso igualmente interposto pela ora recorrente. No Acórdão n.º 505/2004 
 
 (Diário da República, II série, de 3 de Novembro de 2004), o Tribunal julgou que 
 a norma em causa não viola o disposto nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da 
 Constituição, nos seguintes termos: 
 
             
 
 «3 - A questão de constitucionalidade que a recorrente sujeita à apreciação 
 deste Tribunal está em saber se a norma ínsita no artigo 26º n.º 10 do CE ofende 
 os artigos 62º n.º 2 (princípio da justa indemnização) e 13º (princípio da 
 igualdade) da CRP.
 O artigo 26º do CE dispõe sobre o cálculo do valor do solo apto para a 
 construção.
 Depois de, no seu n.º 1, estabelecer que o valor do solo apto para construção se 
 calcula 'por referência à construção que nele seria possível efectuar se não 
 tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de 
 acordo com as leis e regulamentos em vigor', o artigo 26º do CE adopta dois 
 critérios de cálculo daquele valor, o primeiro - que se pode qualificar como 
 principal - regulado nos n.ºs 2 e 3 e o segundo - subsidiário - aplicável no 
 caso de se não revelar possível a aplicação do primeiro, com a disciplina 
 prevista nos n.ºs 4 e segs. Isto, sempre sem prejuízo do disposto no n.º 5 do 
 artigo 23º do mesmo Código que, assinalando o fim visado pelas regras que 
 regulam o cálculo do valor dos bens expropriados (fazer corresponder este valor 
 
 'ao valor real e corrente dos bens numa situação normal de mercado'), prevê a 
 possibilidade de a entidade expropriante e o expropriado requererem, ou o 
 tribunal decidir oficiosamente, que a avaliação se faça de acordo com outros 
 critérios, quando, no caso, a que viesse a ser feita em conformidade com os 
 critérios enunciados nos artigos 26º e segs. não permitisse a referida 
 correspondência - é o que Alves Correia qualifica como 'válvula de escape' ou 
 
 'cláusula de segurança' ('A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre 
 expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999', ed. 
 Coimbra Editora, 2000, separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, pág. 
 
 128).
 No caso, o critério adoptado para calcular o valor do solo, qualificado como 
 apto para a construção, foi o que consta dos n.ºs 4 e segs. do artigo 26º, ou 
 seja, o que se define pelas seguintes regras:
 
 - o valor do solo calcula-se em função do custo da construção em condições 
 normais de mercado;
 
 - este custo é determinado tendo em conta, como referencial, os montntes fixados 
 administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos 
 controlados ou de renda condicionada;
 
 - o valor do solo varia até 15 % do custo de construção;
 
 - nesta variação atender-se-á a vários factores, nomeadamente, localização, 
 qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona;
 
 - a percentagem fixada (até 15 % do custo de construção) pode, ainda, ser 
 acrescida até ao limite de percentagens legalmente estabelecidas para diversos 
 factores, que aumentam o valor do solo, referidos nas alíneas a) a i) do n.º 7 
 do artigo 26º;
 
 - o custo de construção pode ainda ser acrescido ou diminuído se, pelas 
 especiais condições do local, ele for substancialmente reduzido ou agravado;
 
 - quando o aproveitamento urbanístico que serviu de base à avaliação implicar 
 uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, deverá ter-se 
 em conta (abater-se) no cálculo do montante indemnizatório as despesas 
 necessárias ao reforço dessas infra-estruturas;
 
 - o valor determinado pelas regras enunciadas será corrigido (diminuído) com a 
 aplicação de uma percentagem máxima de 15 % daquele valor, 'pela inexistência de 
 risco e do esforço inerente à actividade construtiva' - sendo esta a regra cuja 
 constitucionalidade vem questionada.
 Como se deixou relatado, a recorrente invoca a violação dos artigos 62º n.º 2 e 
 
 13º da Constituição.
 Cabe, no entanto, evidenciar que tal invocação resulta da mesma base 
 argumentativa, qual seja a de que a redução do montante indemnizatório coloca o 
 expropriado numa posição de desigualdade face aos não expropriados; isto é, 
 desde logo, patente na conclusão 6ª das alegações onde a recorrente, depois de 
 nas conclusões anteriores se reportar à situação de suposto de desfavor dos 
 expropriados relativamente aos não expropriados, diz 'Por identidade de razões, 
 a citada norma do CE viola também o princípio da justa indemnização ínsito no 
 n.º 2 do artigo 62º da CRP...'.
 Compreende-se, aliás, este entendimento, tendo em conta o que o Tribunal 
 Constitucional tem vindo a expender sobre o princípio constitucional consagrado 
 no artigo 62º n.º 2 da Constituição.
 Escreveu-se, a propósito no Acórdão n.º 210/93, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 24º vol., págs. 549 e segs.: 
 
 '9. O artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, ao estabelecer que a expropriação 
 por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o 
 pagamento de 'justa indemnização', consagra claramente o princípio da 
 indemnização como um pressuposto de legitimidade do acto expropriativo (cfr. F. 
 Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 
 Coimbra, 1982, p. 120-122 e 156-162) ou, por outras palavras, como 'um elemento 
 integrante do próprio acto de expropriação' (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, vol., I, 2ª Ed., Coimbra, Coimbra 
 Editora, 1984, p. 337. Cfr. também F. Alves Correia, Formas de Pagamento da 
 Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública - Algumas Questões, Separata 
 do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 'Estudos em 
 Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia', 1984, Coimbra, 
 
 1991, p. 15,16, nota 4).
 Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação 
 deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação 
 directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo 
 de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica 
 legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário 
 
 (cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 
 Almedina, 1990, p. 532,546).
 Apesar disso, a expressão 'justa indemnização', inserta no artigo 62º, nº 2, da 
 Lei Fundamental, não pode ser considerada como uma fórmula vazia. É, antes, uma 
 fórmula carregada de sentido, na qual podem ser colhidos importantes limites à 
 discricionaridade do legislador ordinário.
 
 10. Em obra recente, F. Alves Correia (cfr. O Plano Urbanístico e o Princípio da 
 Igualdade, cit., p. 532 e ss.) defende que o conceito constitucional de 'justa 
 indemnização' leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização 
 meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da 
 igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.
 Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões - aquelas que têm a ver com o 
 princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado -, 
 dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai 
 implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os 
 critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse 
 Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a 
 uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização 
 meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério 
 abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor 
 segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa 
 compensação adequada do dano infligido ao expropriado.
 Além disso, no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a 
 observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos 
 cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa (na perspectiva do 
 expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade 
 violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado 
 pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja 
 equitativamente repartida entre todos os cidadãos.
 Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo 
 inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por 
 expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de 
 comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da 
 igualdade no domínio da relação externa da expropriação.
 
 (...) No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados 
 com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num 
 montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A 
 observância do 'princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos 
 públicos' na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada 
 de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação 
 integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a 
 indemnização por expropriação possua um 'carácter reequilibrador' em benefício 
 do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se 
 traduzir numa 'compensação séria e adequada' ou, noutros termos, numa 
 compensação integral do dano suportado pelo particular'.
 
 É, pois, neste domínio da relação externa da expropriação, que a recorrente 
 situa a violação do princípio da igualdade, princípio este que - como se viu - 
 vai implicado naqueloutro da 'justa indemnização'.
 Ora, deve dizer-se, em primeiro lugar, que a tese sustentada pela recorrente não 
 
 é nova na doutrina. Ela foi defendida com argumentação muito semelhante à da 
 recorrente por Melo Ferreira In “Código das Expropriações Anotado”, 2ª ed., p. 
 
 126. Mas não deixa, também, de assinalar-se que Alves Correia, no ponto 3 do 
 estudo citado, 'A jurisprudência do Tribunal Constitucional...', epigrafado como 
 
 'A questão de constitucionalidade de algumas normas relativas ao conteúdo da 
 indemnização' não refere a norma em causa como sendo uma das que, no Código de 
 
 99, merecem um juízo de inconstitucionalidade.
 Entende o Tribunal que a norma não enferma de inconstitucionalidade.
 Qualificado o solo expropriado como apto para a construção e exigindo a lei 
 
 (artigo 23º n.º 5 do CE) que o resultado da avaliação corresponda ao valor  real 
 e corrente, numa situação normal de mercado, daquele bem, os critérios impostos 
 para tal avaliação - que, tem como referencial, o custo de construção possível  
 
 - assentam necessariamente em factores concretos que permitam alcançar tal 
 resultado, ou seja, nem uma sub-avaliação, nem uma sobre-avaliação do bem 
 expropriado.
 E é por isso que ao lado de factores que determinam aumentos à percentagem 
 máxima do custo de construção, outros há que vão implicar uma redução do 
 montante indemnizatório.
 Nestes últimos se incluem, nomeadamente, o reforço das infra-estruturas 
 necessário para o aproveitamento urbanístico que serviu de base ao cálculo do 
 valor do solo (n.º 8 do artigo 26º do CE) e o risco e esforço inerente à 
 actividade construtiva, encargos que o expropriado, em ambos os casos, não teve 
 que suportar, mas que suportaria se não fosse expropriado e pretendesse o mesmo 
 aproveitamento.
 Quer um, quer outro dos factores significam a concretização da pretensão de 
 igualar a situação de expropriados e não expropriados, de modo a evitar um 
 benefício ilegítimo dos primeiros.
 Ora, tal como Alves Correia (estudo citado, pág. 143) se refere ao primeiro 
 factor ('A consideração das despesas necessárias ao reforço das infra-estruturas 
 existentes, nas situações referidas nesta norma, no cálculo do montante da 
 indemnização é perfeitamente compreensível, pois sem o seu custeamento pelo 
 expropriado não seria possível a realização do aproveitamento urbanístico que 
 serviu de base à determinação do montante da indemnização', também se poderá 
 dizer, no caso, que, para obter no mercado normal, o preço equivalente ao valor 
 por que bem idêntico é avaliado para efeitos de expropriação (de acordo com a 
 sua aptidão edificativa e tendo como referencial o custo de construção) um não 
 expropriado teria que suportar o risco e o esforço inerente à actividade 
 construtiva.
 
 É evidente que nos situamos, como não podia deixar de ser, num campo de 
 prognose; mas trata-se de um juízo plausível e sem arbítrio de que não decorre 
 um tratamento discriminatório entre expropriados e não expropriados.
 Por outro lado, importa, ainda. ter em conta que a correcção a efectuar ao valor 
 da avaliação, nos termos da norma em causa, se dimensiona em termos flexíveis 
 
 (até 15 %), o que sempre permitirá a ponderação de circunstâncias particulares 
 do caso, de modo a, tanto quanto possível, ajustar a previsão dos referidos 
 custos ou encargos à realidade hipotética.
 Em suma, pois, a norma do artigo 26º n.º 10 do CE não viola o princípio da 
 igualdade e, nesta medida, o princípio da justa indemnização, consagrados nos 
 artigos 13º e 62º n.º 2 da CRP.»
 
  
 
             Subscreve-se esta fundamentação, por manter inteira validade, não 
 tendo a recorrente aduzido razões que não tenham sido já ponderadas ou que 
 convençam da necessidade de rever a análise efectuada.
 
  
 
             Acrescentar-se-á apenas que a circunstância de, actualmente e na 
 maioria dos casos, pelo menos em zonas urbanas, o agente da construção ser um 
 promotor imobiliário, com a consequência de o proprietário do terreno, se não 
 fosse expropriado, poder optar por vendê-lo a um promotor imobiliário em vez de 
 construir ele mesmo, não torna arbitrária, na vertente externa do princípio da 
 igualdade, a consideração dos elementos a que a norma em causa manda atender. Os 
 componentes de risco e de esforço com tradução no factor em causa são os mesmos 
 que um potencial comprador, suposto agente económico racional, levaria em conta 
 na determinação do preço por que se disporia a adquirir o terreno. Portanto, o 
 proprietário não expropriado, para aproveitar da aptidão edificativa reconhecida 
 ao terreno, pode eximir-se pessoalmente no “risco e esforço” inerentes à 
 actividade construtiva, mas já não aos reflexos negativos desses factores na 
 determinação do valor do bem em condições normais de mercado, que é o que releva 
 para a ponderação.
 
  
 
             Por outro lado, não se vislumbram razões para afirmar que, por se 
 traduzir em abater uma parcela ao montante que foi encontrado por aplicação dos 
 critérios resultantes dos n.ºs 5 a 9 do mesmo artigo 26.º, a aplicação da norma 
 conduz sistematicamente a uma indemnização abaixo do valor real e corrente dos 
 bens num aproveitamento económico normal. A norma em causa prevê factores que, 
 de modo geral, são influentes na determinação do valor de transacção dos 
 terrenos aptos para construção em condições normais de mercado, e em relação aos 
 quais não há evidência de que se trate de elementos já anteriormente 
 considerados na determinação da base sobre que a dedução nela estabelecida vai 
 operar, designadamente que a sua ponderação já esteja incorporada nos n.ºs 5 e 6 
 do artigo 26.º.  
 
  
 
             Finalmente, não é exacto que a norma em causa tenha sido 
 interpretada pelo acórdão recorrido como impondo “uma dedução fixa e 
 invariável”. Por remissão para a sentença de 1.ª instância, a decisão recorrida 
 considerou que o factor correctivo em causa é de “aplicar nos casos em que tal 
 se justifique e para que partindo-se do custo da construção se alcance aquele 
 valor” [o valor real e corrente do bem, numa situação normal de mercado]. 
 Interpretou-se a norma como permitindo a adequação à situação concreta. Não cabe 
 nos poderes cognitivos do Tribunal apreciar se o coeficiente foi depois aplicado 
 em conformidade com essa interpretação e a matéria de facto apurada no processo.
 
             
 
  
 
 8. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se:
 a)      não tomar conhecimento do recurso, no que toca à questão de 
 constitucionalidade das normas dos artigos 23.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 26.º, n.ºs 1 e 
 
 5, do Código das Expropriações de 1999;
 b)      não julgar inconstitucional a norma do n.º 10 do artigo 26.º do Código 
 das Expropriações e, consequentemente, negar provimento ao recurso;
 c)      condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte 
 e cinco) unidades de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 4 de Outubro de 2005
 
  
 
  
 Vítor Gomes
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, conforme declaração junta)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 Votei vencida, no essencial, porque penso que vale aqui a razão que me levou a 
 votar vencida no acórdão n.º 422/2004 (Diário da República, II série, de 4 de 
 Novembro de 2004), no qual estava em causa a norma do n.º 4 do artigo 23º do 
 mesmo Código. Considerei então, na parte que agora releva, que “o efeito da 
 aplicação da norma (...) se traduz em retirar uma parcela ao montante da 
 indemnização que foi encontrado por corresponder ao «valor de mercado ‘normal’ 
 ou ‘habitual’», valor esse que o Tribunal Constitucional tem considerado 
 adequado à exigência constante do n.º 2 do artigo 62º da Constituição (...), 
 assim se fixando para a indemnização um montante assumidamente abaixo desse 
 valor «normal»”.
 
             Em síntese, suponho que, se é exacto que o montante a reduzir nos 
 termos do n.º 10 é o valor que o expropriado teria de suportar a título de 
 
 “risco e esforço inerente à actividade construtiva” (acórdão 505/2004), e que a 
 sua dedução se destina a colocá-lo em situação de igualdade com os outros 
 proprietários, então tal montante há-de ter sido já tido em conta para se poder 
 chegar ao “valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9” 
 do artigo 26º.
 
             Considero, assim, tal como votei no acórdão n.º 422/2004, que a 
 norma aqui em apreciação viola os princípios da justa indemnização em caso de 
 expropriação por utilidade pública, constante do n.º 2 do artigo 62º, e da 
 igualdade, consagrado no artigo 13º, ambos da Constituição.
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza