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Processo n.º 446/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A., vem reclamar para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), da decisão sumária do relator, de 21 de Junho de 2005, que decidira, no 
 uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do 
 objecto do presente recurso.
 
  
 
                         1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
 
  
 
 “1. A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (TC) – ao abrigo do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC) –, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 10 de Março de 
 
 2005, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, «por violação dos 
 princípios constitucionais da confiança, da proporcionalidade, do acesso à 
 justiça e da igualdade de armas, consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 202.º 
 e 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)», «da norma criada pelo 
 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, decorrente da sua interpretação do 
 disposto nos artigos 655.º, n.º 1, e 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil 
 
 (CPC), de onde é extraído o sentido que os princípios da liberdade de 
 julgamento e da livre apreciação da prova, assim como a análise crítica das 
 provas que foram decisivas para a convicção do julgador, ínsitos naquelas 
 disposições legais, não tornam necessária a reapreciação da matéria de facto 
 pelo tribunal de 2.ª instância», questão de inconstitucionalidade esta que 
 teria sido suscitada nas conclusões 7.ª, 8.ª e 10.ª das alegações de revista.
 O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STJ, decisão que não vincula 
 o TC (artigo 76.º, n.º 3, da LTC). E, com efeito, entende‑se que o presente 
 recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não 
 conhecimento do seu objecto, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
 2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao TC cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou 
 seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas 
 jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve 
 indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa 
 inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas 
 directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou a condutas ou 
 omissões processuais. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que 
 
 é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese 
 
 é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, 
 e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
  
 
 3. A questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente nas alegações 
 do recurso de revista por ela interposto encontra‑se sintetizada nas 
 respectivas conclusões 1.ª a 10.ª, do seguinte teor:
 
  
 
 «1 – O regime de efectiva implementação do duplo grau de jurisdição na 
 apreciação da matéria de facto, implementado pelo Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 
 de Fevereiro, veio a ser apurado na posterior reforma da nossa lei adjectiva, 
 consagrada no Decreto‑Lei n.° 329‑A/95, de 12 de Dezembro, e diplomas 
 subsequentes.
 
 2 – Na sequência da consagração legislativa de um duplo grau de jurisdição 
 sobre o resultado da prova, confiou a ré que tinha o direito de recorrer da 
 decisão sobre a matéria de facto. E, consequentemente, tinha o direito de ver 
 apreciadas e decididas as questões quanto à matéria de facto que colocou para 
 serem conhecidas e decididas no tribunal a quo.
 
 3 – Também o tribunal de 2.ª instância, ao exercer o seu poder/dever de 
 apreciar e decidir sobre a prova produzida em audiência de julgamento e 
 designadamente a que se encontra registada e gravada, deve observar os 
 propalados princípios da imediação, oralidade (reduzido à sua actual dimensão), 
 concentração e livre apreciação da prova.
 
 4 – Dado o que é disposto de forma actual e reformadora pelos citados 
 Decretos‑Leis n.ºs 39/95 e 329‑A/95, não podemos aceitar que o tribunal de 2.ª 
 instância abandone o exercício daquele seu poder/dever e não se pronuncie 
 directa e concretamente sobre a razão ou fundamento que conduziu a ser 
 atribuída maior credibilidade ao depoimento de umas testemunhas que ao de 
 outras.
 
 5 – Ao actuar desse modo, o tribunal a quo, a nosso ver e salvo o devido 
 respeito, violou, em primeiro lugar, as imposições legais decorrentes das 
 normas, reformadoras, contidas nos supra citados Decretos‑Leis n.ºs 39/95 e 
 
 329‑A/95 e diplomas complementares.
 
 6 – Incorreu, por isso, também salvo o devido respeito, na nulidade cominada 
 pelo artigo 668.°, n.° 1, alínea b), aplicável ex vi artigos 716.°, n.° 1, e 
 
 726.° do CPC. 
 
 7 – Violou ainda, sempre salvo o devido respeito e mais douta opinião, os 
 próprios princípios constitucionais subjacentes à ideia de Estado de direito 
 democrático, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e da 
 obediência ao disposto na lei em vigor, consagrados nos artigos 2.º, 20.°, 
 
 202.° e 205.° da Constituição.
 
 8 – Até porque foi exactamente confiando na possibilidade da realização 
 efectiva desta garantia de a prova produzida poder ser reapreciada, pelo menos 
 nos pontos que lhe merecessem discordância, que a apelante requereu a integral 
 gravação da prova a produzir na audiência de julgamento.
 
 9 – Daqui resulta que o acórdão recorrido, ao não dar integral e efectivo 
 cumprimento à sua obrigação de reapreciar, em verdadeiro e também efectivo 2.° 
 grau de jurisdição, a matéria de facto impugnada pela apelante, padece do vício 
 de nulidade que aqui expressamente se invoca nos termos da aplicação conjugada 
 das supra citadas normas legais.
 
 10 – Bem como a norma criada pelo Acórdão recorrido na sequência da sua 
 particular interpretação do disposto no artigo 655.°, n.° 1, e 653.°, n.° 2, do 
 CPC padece de flagrante inconstitucionalidade, por violação dos princípios e 
 normas constitucionais supra citadas, designadamente os artigos 2.°, 18.°, 
 
 20.°, 202.° e 205.° da Constituição (princípios da confiança, da 
 proporcionalidade e da igualdade de armas).»
 
  
 O acórdão ora recorrido desatendeu esta argumentação, com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 «Não corresponde também à realidade a afirmação de que a Relação não se 
 pronunciou directamente sobre as questões relativas à matéria de facto 
 colocadas pela recorrente na alegação respectiva e deixou, por isso, de “dar 
 efectivo e integral cumprimento à sua obrigação de reapreciar, em verdadeiro e 
 também efectivo 2.º grau de jurisdição, a matéria de facto impugnada pela 
 recorrente”. (Teria assim incorrido em nulidade – omissão de pronúncia – 
 prevenida na alínea d), que não na invocada alínea b), do n.º l do artigo 
 
 668.° do CPC). 
 Como de imediato elucidado no preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 de 
 Fevereiro, citado pela recorrente, a instituição de um 2.° grau de jurisdição 
 na apreciação da matéria de facto veio ampliar a possibilidade de reacção 
 contra “eventuais e seguramente excepcionais” erros do julgador na livre 
 apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução 
 jurídica do pleito.
 A pretendida plenitude do 2.° grau de jurisdição na apreciação da matéria de 
 facto sofre, em todo o caso, naturalmente, a limitação que a inexistência de 
 imediação necessariamente acarreta.
 
 “O princípio da imediação”, ensinava Anselmo de Castro, “é consequencial dos 
 princípios da verdade material e da livre apreciação das provas, na medida em 
 que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto 
 directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao 
 julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma 
 alegação” (são nossos os dois últimos destaques).
 Daí que, como bem assim se pode extrair do preâmbulo referido, mais se não deva 
 esperar do tribunal superior que a sindicância de erro manifesto na livre 
 apreciação das provas. E foi tal que a Relação julgou não constatar‑se no caso 
 dos autos.
 
 É, por fim, ponto assente na doutrina e na jurisprudência que só ocorre a 
 nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.° (aplicável à 2.ª 
 instância por força do artigo 716.°, n.º 1) do CPC quando de todo em todo, 
 absolutamente, falte a fundamentação de facto ou de direito. É à fundamentação 
 de facto que esta arguição vem referida (cfr. também o n.º 3 do predito artigo 
 
 668.°).
 Em vista do que já ficou notado, tem‑se por claro o despropósito da invocação a 
 este respeito dos “próprios princípios constitucionais, subjacentes à ideia de 
 Estado de direito democrático, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional 
 efectiva e da obediência ao disposto na Lei em vigor, consagrados nos artigos 
 
 2.°, 18.°, 20.°, 202.° e 205.° da Constituição”.
 Que se vislumbre, o acórdão recorrido não fez “particular interpretação” 
 alguma “do disposto nos artigos 655.°, n.º 1, e 653.º, n.º 2, do CPC” 
 
 (limitando‑se quanto a este último a julgar que foi correctamente observado na 
 instância recorrida).»
 
  
 Como resulta da leitura das transcritas conclusões da alegação do recurso de 
 revista da recorrente, aí nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa se 
 suscita, sendo antes reportada directamente a uma actuação do Tribunal da 
 Relação, simultaneamente, a violação de normas e princípios da lei ordinária e 
 de princípios constitucionais, desrespeito esse que seria gerador de nulidade da 
 decisão judicial. Jamais a recorrente identificou, com o mínimo de precisão e 
 clareza, uma determinada interpretação normativa que o Tribunal da Relação 
 tivesse erigido em critério abstracto de decisão, a que depois teria subsumido 
 o caso concreto sub judicio. Pelo contrário, o que se critica é uma concreta 
 actuação processual do tribunal, indissociável do caso concreto.
 Acresce que a dimensão normativa posteriormente identificada no requerimento 
 de interposição de recurso de constitucionalidade – a «norma» supostamente 
 criada pelo Tribunal da Relação de Lisboa segundo a qual «os princípios da 
 liberdade de julgamento e da livre apreciação da prova, assim como a análise 
 crítica das provas que foram decisivas para a convicção do julgador, ínsitos 
 naquelas disposições legais, não tornam necessária a reapreciação da matéria de 
 facto pelo tribunal de 2.ª instância» – não foi, manifestamente, aplicada como 
 ratio decidendi pelo acórdão recorrido. O que neste acórdão se constatou foi que 
 a Relação, de acordo com as disposições legais pertinentes, entendeu que, no 
 caso concreto, não ocorria qualquer erro manifesto na apreciação das provas.
 Em suma: nem a recorrente suscitou, de forma processualmente adequada, perante 
 o STJ, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, nem o acórdão 
 recorrido fez aplicação, como sua ratio decidendi, do critério normativo 
 identificado no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, 
 razões pelas quais este recurso é inadmissível, não havendo que conhecer do seu 
 objecto.
 
  
 
 4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do recurso.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação apresentada pela recorrente contra a 
 decisão sumária do relator desenvolve a seguinte fundamentação:
 
  
 
 1.º – O M.mo Juiz Conselheiro Relator proferiu a fls. ... dos autos douta e 
 sábia decisão sumária, nos termos da qual decidiu não tomar conhecimento do 
 objecto do presente recurso.
 
 2.º – Salvo o devido e, no caso, muito merecido respeito, a recorrente não se 
 pode conformar com tal douta decisão, e pretende que sobre a mesma se pronuncie 
 a conferência – artigo 78.º‑A, n.º 3, da Lei Orgânica do Tribunal 
 Constitucional.
 
 3.º – Fundamenta a presente reclamação, desde logo, no teor do seu requerimento 
 de interposição de recurso para este Alto Tribunal, bem como no teor do seu 
 requerimento de aperfeiçoamento desse mesmo anterior requerimento de 
 interposição de recurso os quais se encontram a fls. ... e ... dos autos e que, 
 por isso, por brevidade e economia processual, aqui se devem ter por 
 integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
 
 4.º – Aqui se assinalando, como pertinente e, no muito modesto entender da 
 recorrente, que a norma cuja constitucionalidade deve ser apreciada nestes autos 
 de recurso é a constante do n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, 
 ao menos no segmento interpretativo que lhe foi dado, quer pelo Tribunal da 
 Relação de Guimarães – no Acórdão que se encontra a fls. ... dos autos –, quer 
 pelo Supremo Tribunal de Justiça – no Acórdão proferido a fls. ... dos autos, e 
 através do qual criaram uma nova norma – alegadamente extraída da aplicação 
 conjugada desse mesmo n.º 1 do dito artigo 655.º com o n.º 2 do artigo 653.º, 
 ambos do CPC –, 
 
 5.º – E em que se estribaram os Acórdãos recorridos para afastar de facto a 
 reapreciação em 2.ª instância da prova testemunhal gravada na audiência de 1.ª 
 instância, e desse modo afastaram a reapreciação da decisão produzida, quanto à 
 matéria de facto, por no respectivo dizer e apesar do julgamento ter sido 
 realizado pelo juiz singular, se ter o entendimento que a efectiva 
 reapreciação da prova e a instituição de um segundo grau de jurisdição na 
 apreciação da matéria de facto por parte do tribunal superior se dever 
 restringir a uma mera sindicância de eventual «erro manifesto na livre 
 apreciação das provas».
 
 6.º – A norma ou, melhor dito, o «complexo normativo» assim criado pelas 
 instâncias viola os princípios constitucionais da confiança e da 
 proporcionalidade, tal como o princípio do acesso à justiça em toda a sua 
 plenitude e, ainda, o próprio principio da igualdade de armas – «due process 
 
 [of] law» – e sobretudo viola, de uma forma flagrante, a «tutela jurisdicional 
 efectiva» da recorrente, consagrados, mesmo que apenas genericamente, nos 
 artigos 2.º, 18.º, 20.º, 202.º, e 205.º da CRP.
 
 7.º – Os autos e aquela concreta vertente da decisão recorrida evidenciam que o 
 Tribunal da Relação de Guimarães e o Supremo Tribunal de Justiça, lançando mão 
 deste particular «critério normativo», que extraíram dos supra citados 
 preceitos legais, validaram o mesmo e tornaram‑no susceptível de ser 
 generalizado.
 
 8.º – Ou seja, daqui para o futuro, e desconhecemos nós se tal já alguma vez 
 antes terá ocorrido..., aquele enunciado critério normativo que foi extraído – 
 
 bem ou mal ... e nós pensamos que mal ... – permite que o julgador do tribunal 
 de 2.ª instância, não avistando o aludido erro manifesto na livre apreciação das 
 provas por parte do tribunal de 1.ª instância, logo deixe de apreciar e 
 dilucidar as concretas e especificas divergências colocadas para a sua 
 apreciação no que concerne à decisão sobre a matéria de facto por quem tenha 
 interposto recurso dirigido à decisão da questão de facto.
 
 9.º – Por tudo isto e pelo muito que nos falta saber, se reafirma o 
 entendimento que, quer o Tribunal da Relação de Guimarães, quer o Supremo 
 Tribunal de Justiça, ao validar tal decisão do Tribunal de 2.ª Instância, 
 criaram uma «nova norma» ou complexo normativo com o assinalado sentido.
 
 10.º – Parecendo até que, com tal sentido normativo dado àquelas atacadas 
 normas, e com o fundamento na defesa do «principio da imediação» se veio revogar 
 por via interpretativa a norma legal e também a norma constitucional que 
 consagra quer a «tutela jurisdicional efectiva» dos cidadãos de que faz parte o 
 direito ao recurso, em segundo grau de jurisdição, da matéria/questão de facto.
 
 11.º – O que, por esse lado, significa, in extremis, a violação do princípio 
 também constitucionalmente consagrado da separação de poderes.
 
 12.º – Como parece ser entendimento maioritário, «aos tribunais – aqui se 
 incluindo o Tribunal Constitucional – compete não somente a verificação dos 
 pressupostos de aplicação da norma, ou do respectivo sentido normativo, mas 
 também a correcção da interpretação da norma e a observância do principio da 
 proporcionalidade nessa aplicação, expressa não apenas no respeito do fim da 
 norma mas também na correcção da adequação do meio ao resultado, ou seja, do 
 
 “iter” lógico seguido ... na valoração da situação concreta e da correcção 
 interna dos raciocínios lógico‑discursivos que presidiram à sua aplicação ao 
 caso» – in Acórdão n.º 233/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 27.º, 
 pág. 595).
 
 13.º – Cumprindo ainda assinalar que, quando é essencial à resolução da questão 
 de constitucionalidade, o tribunal não pode deixar de conhecer de certos 
 aspectos do direito infraconstitucional.
 Designadamente, 
 
 14.º – «... não pode deixar de verificar a justeza das qualificações feitas pelo 
 tribunal recorrido, quando tal for indispensável para resolução da questão de 
 constitucionalidade, ou, talvez melhor dizendo, quando a questão de 
 constitucionalidade coincidir, em maior ou menor dimensão, com a questão da 
 qualificação feita à luz do direito ordinário» – Ac. do TC n.º 279/2000, de 16 
 de Maio de 2000 – in BMJ, ano 2000, n.º 497, pág. 83.
 
 15.º – Assim, e tendo em conta que a Constituição da República especificamente 
 comete ao Tribunal Constitucional a função de administrar a justiça em matérias 
 de natureza jurídico‑constitucional,
 
 16.º – Em nosso entendimento, sempre salvo o devido e merecido respeito, este 
 alto tribunal deverá pronunciar‑se sobre a supra aludida questão normativa, que 
 se vem generalizando nos nossos tribunais superiores, e que padece do vício de 
 inconstitucionalidade que se lhe assinalou.
 
 17.º – Daí que, e ainda salvo o devido e merecido respeito, defende a recorrente 
 que, mau grado alguma menor clareza na invocação da questão da 
 inconstitucionalidade apresentada nos autos, cumpriu atempadamente os 
 pressupostos bastantes e suficientes à interposição do recurso – ao qual tem 
 inalienável direito – para este colendo Tribunal – artigos 70.º, n.º 1, a1íneas 
 b) e g), 72.º, n.º 2, e 75.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual 
 redacção.
 
 18.º – Tal como defende a recorrente que este Tribunal, conhecendo do objecto do 
 recurso e permitindo que a recorrente melhor explane a sua posição e respectiva 
 tese, a propósito da questão da inconstitucionalidade colocada, no âmbito das 
 pertinentes alegações de recurso, melhor contribuirá para a plenitude do 
 respeito pelos direitos e garantias dos cidadãos e para o acesso dos mesmos à 
 
 «tutela jurisdicional efectiva» que a consagração do direito de recurso 
 alargado ao conhecimento da matéria de facto em 2.º grau de jurisdição lhes 
 confere.
 
 19.º – Por tudo isto, e sendo de um ou de outro modo, defende ainda a recorrente 
 que a douta decisão reclamada deverá ser reformada e ou alterada por forma a que 
 seja determinado o conhecimento do objecto do recurso por este Tribunal 
 Constitucional nos termos do disposto nos artigos 76.º, 77.º e 78.º da dita Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro.”
 
  
 
                         1.3. Notificada da apresentação desta reclamação, a 
 recorrida não apresentou resposta.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão sumária reclamada assenta em dois 
 fundamentos: (i) não ter a recorrente suscitado, de forma processualmente 
 adequada perante o tribunal recorrido (o STJ) qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, designadamente a que identificou no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional; e (ii) 
 não ter o acórdão recorrido feito aplicação, como ratio decidendi, do critério 
 normativo acusado de inconstitucional.
 
                         Quanto ao primeiro fundamento, basta ler as conclusões 
 
 9.ª e 10.ª das alegações do recurso de revista para se constatar que o que aí 
 se afirma é que o acórdão da Relação padece de nulidade por não ter cumprido, na 
 extensão considerada legalmente exigida pela recorrente, o dever de reapreciação 
 da decisão da matéria de facto. Neste contexto, é manifestamente inadmissível 
 transformar uma pretensa actuação ilegal do tribunal na criação ficcionada de 
 uma norma pelo tribunal em conformidade com o procedimento adoptado.
 
                         E, em todo o caso, é manifesto que o acórdão do STJ, 
 objecto do presente recurso, não adoptou o entendimento de que “os princípios 
 da liberdade de julgamento e da livre apreciação da prova, assim como a análise 
 crítica das provas que foram decisivas para a convicção do julgador, ínsitos 
 naquelas disposições legais, não tornam necessária a reapreciação da matéria 
 de facto pelo tribunal de 2.ª instância'. Como se assinalou na decisão sumária 
 ora reclamada, “o que neste acórdão [do STJ] se constatou foi que a Relação, de 
 acordo com as disposições legais pertinentes, entendeu que, no caso concreto, 
 não ocorria qualquer erro manifesto na apreciação das provas”.
 
                         Resta acrescentar que é inadmissível fazer derivar de 
 decisões judiciais pretensamente ilegais a criação de normas jurídicas de 
 conteúdo contrário (ou, pelo menos, diverso) ao das normas legais. As decisões 
 judiciais alegadamente ilegais não se transformam em normas jurídicas de 
 sentido conforme à pretensa ilegalidade cometida, desde logo porque destituídas 
 de força vinculativa fora do processo, não vigorando em Portugal o sistema do 
 precedente judiciário.
 
                         Assim, sem necessidade de considerações complementares, 
 
 é manifesta a improcedência da presente reclamação
 
  
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 4 de Outubro de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos