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Processo n.º 330/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 20 de 
 Junho de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com seis unidades 
 de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
 
 «1. Por acórdão tirado em conferência, a 25 de Outubro de 2004, o Tribunal da 
 Relação de Guimarães decidiu negar provimento ao recurso interposto por A. do 
 despacho do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga 
 que, no âmbito do processo de inquérito instaurado contra B., não pronunciou a 
 arguida pelo crime de que vinha acusada. Consequentemente, confirmou a decisão 
 recorrida. Pode ler-se nesse aresto:
 
 «(...)
 Como se sabe, o juiz profere despacho de pronúncia se tiverem sido recolhidos 
 indícios suficientes da prática de um crime pelo arguido (cfr. art.º 308.°, n.º 
 
 1, do CP), ou seja, se dos autos resultar uma possibilidade razoável de ao 
 arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma 
 medida de segurança (art.º 283.°, n.º 2).
 Pois bem, o Mm.º Juiz a quo considerou não existir essa possibilidade. E bem, 
 como passaremos a demonstrar.
 Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob 
 a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua 
 honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada 
 pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, 
 ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e 
 esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, 
 o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade 
 objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a 
 sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública - cfr. ac. da Relação 
 de Lisboa, de 6.2.96, CJ, I, 156.
 No entanto, vem-se entendendo, unanimemente, que nem todo o facto que envergonha 
 e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos art.ºs 180.° e 181.° do 
 Código Penal, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa 
 
 (uma vez que os crimes de difamação e de injúria são crimes de perigo).
 Como escreveu Beleza dos Santos “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à 
 dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria 
 punível (...)” – v. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 92.°, pág. 
 
 167.
 Com efeito, aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou 
 do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo 
 país e no ambiente em que se passaram os factos não pode considerar difamação ou 
 injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena - ob. 
 cit., págs. 165 e 166.
 Aliás, nesta linha, decidiu o Ac. da Relação de Évora, de 02/07/96, onde se 
 escreveu: “Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e 
 consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com 
 objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique 
 indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse 
 comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético – necessário à 
 salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração” - (negrito 
 nosso). cfr., CJ, 96, IV, 295.
 Pois bem, no caso em apreço, e sufragando, aliás, o entendimento do Ex.m.º 
 Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, entendemos que a 
 afirmação/pergunta em causa [Sabe que o assistente foi condenado num processo 
 por difamação?] colocada pela arguida, na sua veste de defensora, a uma 
 testemunha de acusação, a cuja instância então procedia, no interior de uma sala 
 de audiências e no decurso de um julgamento crime, em que o ora recorrente tinha 
 a veste de assistente, ainda que se tratando de uma condenação ainda sem 
 trânsito em julgado, não constitui uma conduta eticamente reprovável, no sentido 
 supra assinalado, a reclamar a tutela penal.
 Na verdade, face ao específico ambiente em que foi proferida, a mencionada 
 afirmação/pergunta não tem idoneidade para atentar contra a honra e consideração 
 do recorrente, e isto sem prejuízo de se tratar ou não de uma pergunta 
 pertinente para o objecto do processo, designadamente para a estratégia da 
 defesa. Mas isso já é outra coisa, e a respectiva aferição competia ao Sr. 
 Juiz-Presidente, nos termos do art.º 323.°, al. f), do CPP.
 De resto, ainda que assim não fosse, como se nos afigura ser, não resulta sequer 
 indiciado, como bem refere o Sr. Juiz a quo, que a arguida tivesse agido 
 dolosamente, isto é com consciência de que a formulação da pergunta, noticiando 
 a condenação do recorrente, nas aludidas condições de tempo e lugar, atentasse 
 contra a honra e consideração do recorrente. De facto a pergunta em causa 
 noticiava um facto objectivamente verdadeiro. O próprio recorrente aceita que 
 tinha sofrido uma condenação por crime de injúria em 1.ª instância, embora a 
 respectiva sentença ainda não tivesse transitado em julgado, sendo certo, por 
 outro lado, que a ausência do trânsito, tudo o indicia, como bem salienta o 
 Ex.mo Sr. Juiz a quo, era do desconhecimento da arguida.
 Concluindo, não resultando dos factos indiciados ter ocorrido ilicitude 
 relevante para efeitos do tipo legal de crime de difamação agravado imputado à 
 arguida (180.°, n.º 1, e 183.°, n.º 1, al. a), ambos do CP), nenhum reparo nos 
 merece o despacho recorrido, e, por isso, o recurso tem de improceder.»
 
 2. Notificado deste acórdão, o recorrente veio arguir a sua nulidade, nos 
 seguintes termos:
 
 «Como bem se transcreve no Venerando Acórdão aqui posto em causa nas conclusões 
 h) e i) do recurso apresentado a este Colendo Tribunal para apreciação 
 suscita-se ad cautelam a inconstitucionalidade interpretativa dos normativos 
 contidos nos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 2, ambos do Código de Processo 
 Penal.
 Uma tal questão de eventual inconstitucionalidade da interpretação feita por 
 este Tribunal Superior a essas normas adjectivas não foi apreciada no Acórdão, 
 devendo sê-lo.
 Facto que fere capitalmente o referido Acórdão por necessário se tornar conhecer 
 a douta posição deste Tribunal nessa matéria para, em consciência, se poder 
 aceitá-la ou sindicá-la em sede constitucional.
 De resto, requisito legal para o próprio recurso para o Tribunal Constitucional.
 Sabe-se, pela atenta leitura, a interpretação deste Tribunal quanto aos citados 
 normativos processuais mas desconhece-se como são eles enquadrados na necessária 
 submissão aos imperativos constitucionais invocados, os dos art.ºs 26.º, n.º 1, 
 e 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental.
 Termos em que o Acórdão resulta nulo por omissão de pronúncia cabendo sanar tal 
 nulidade adequadamente, o que se requer, sob pena de, em interpretação diversa, 
 se violar os imperativos dos art.ºs 202.º, n.ºs 1 e 2, e 204.º da aludida 
 Constituição da República Portuguesa.»
 Por acórdão tirado em conferência, a 28 de Fevereiro de 2005, o Tribunal da 
 Relação de Guimarães indeferiu o pedido do recorrente, com os seguintes 
 fundamentos:
 
 «O recorrente A. invoca a nulidade do acórdão desta Relação, nos termos do art.º 
 
 379.°, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, uma vez que no recurso que 
 interpôs suscitou “a inconstitucionalidade interpretativa dos normativos 
 contidos nos art.ºs 308.°, n.º 2, e 283.°, n.º 2, ambos do Código de Processo 
 Penal”, sendo que tal questão não foi apreciada.
 Vejamos...
 No recurso não se levanta qualquer verdadeira questão de inconstitucionalidade.
 O recorrente fala em violação do artigo 32.°, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa - princípio da presunção de inocência até ao trânsito em 
 julgado -, e do art.º 26.°, n.º 1, da mesma Lei Fundamental - direito ao bom 
 nome e reputação.
 Ao que se percebe, aquele teria sido violado na consideração de que o recorrente 
 teria cometido um crime de difamação, mas sem que estivesse a sentença 
 respectiva transitada em julgado.
 Mas, a decisão recorrida não levou sequer em consideração a questão de o 
 recorrente ter ou não ter sido condenado por crime de difamação. Limitou-se a 
 afirmar a insuficiência de indícios da existência do dolo por parte da arguida.
 E o acórdão desta Relação tão pouco teve em conta o facto de o recorrente ter ou 
 não sido condenado por crime de difamação. O que decidiu foi que a expressão 
 proferida pela arguida não é objectivamente ofensiva da honra ou consideração do 
 recorrente.
 O facto onde o recorrente vê violação da presunção de inocência não foi, 
 repete-se, considerado, isto é, não é fundamento, quer da decisão recorrida, 
 quer do acórdão desta Relação. É completamente alheia àquela e a este.
 Assim, com a linha de pensamento definida no acórdão agora posto em causa, fica 
 prejudicado o conhecimento da pretensa violação da presunção de inocência. Na 
 verdade, para a decisão a que se chegou é indiferente que tivesse ou não 
 transitado a sentença que terá condenado o recorrente por crime de difamação.
 A argumentação desenvolvida pelo recorrente com vista a demonstrar a violação da 
 presunção de inocência ficou afastada com o sentido da decisão do acórdão desta 
 Relação, que decidiu por outra via.
 Tudo isso está prejudicado com a nossa decisão de que objectivamente a expressão 
 não é ofensiva.
 Relativamente à violação do art.º 26.° da CRP também a questão da violação deste 
 preceito ficou prejudicada, com o entendimento expresso no acórdão da Relação de 
 que a expressão proferida não ofende o bom nome.
 Termos em que se decide desatender a arguida nulidade.»
 
 3. O recorrente interpôs então o presente recurso de constitucionalidade ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento 
 e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo 
 no requerimento de recurso:
 
 «A., Recorrente melhor identificado com os sinais dos autos em referência, 
 notificado do Venerando Acórdão neles proferido e subsequente decisão sobre a 
 sua nulidade, não podendo com ele concordar, muito menos conformar-se, face à 
 errada interpretação dada aos art.ºs 283.º, n.º 1, e 308.º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal, devidamente conjugados com a norma ínsita no art.º 180.º, n.º 1, 
 do Código Penal, no sentido de que “(...) ao fazer a pergunta em questão à 
 testemunha que inquiria (...) a arguida estava convencida, face à data da 
 condenação, que a sentença tinha transitado; pelo que, mesmo que se considerasse 
 preenchido o elemento objectivo do crime de difamação, nunca estaria preenchido 
 o elemento subjectivo de tal crime, pois é exigido dolo em qualquer das suas 
 formas; e está fortemente indiciado que a arguida agiu de forma simplesmente 
 negligente, ao não ter confirmado se a sentença teria ou não transitado.”, 
 considera uma tal interpretação das sobreditas normas adjectivas contrária à 
 necessária salvaguarda dos direitos de personalidade do recorrente e, assim, 
 violado o princípio constitucional do direito ao bom nome e reputação previsto 
 no n.º 1 do art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa, devidamente 
 conjugada com o princípio basilar da presunção de inocência contido no seu art.º 
 
 32.º, n.º 2, tendo a questão sido invocada expressamente na alínea h) do 
 requerimento de interposição do aludido recurso para esta Relação, corolário das 
 demais, pelo que vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na sua actual redacção, requerendo a sua admissão para os subsequentes 
 termos processuais.»
 
 4. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não 
 vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional. E, entendendo-se que não é de tomar conhecimento do recurso, 
 lavra-se a presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 
 
 78.º-A do mesmo diploma.
 
 5. Com efeito, e como se notou já no acórdão da conferência do Tribunal da 
 Relação de Guimarães, tirado em 28 de Fevereiro de 2005, nenhuma “verdadeira 
 questão de inconstitucionalidade” de norma(s) foi suscitada perante si. É que a 
 alínea h) das conclusões da motivação de recurso, onde o ora recorrente pretende 
 ter suscitado tal questão, é manifestamente insuficiente para tal, ao limitar-se 
 a imputar à “Decisão Instrutória sob recurso” violação das normas que, agora, o 
 recorrente entende padecerem de desconformidade constitucional. Ora, ainda que 
 uma destas alegações não precluda a outra, uma coisa é uma norma ser invocada 
 como parâmetro (da desconformidade da decisão) e outra ser objecto da apreciação 
 
 (de desconformidade constitucional). Só da segunda apreciação, quando está em 
 causa a conformidade com a Constituição, pode cuidar o Tribunal Constitucional: 
 se é a norma, ou a sua interpretação, que contradizem a Constituição, pode este 
 intervir; se, alegadamente, são as decisões dos tribunais que, em si mesmas, 
 contradizem a lei (e apenas indirectamente a Constituição, que a lei respeita), 
 cumpre aos outros tribunais corrigir tal erro, e não ao Tribunal Constitucional. 
 Da forma que o recorrente abordou a questão, todavia, o mínimo que se pode dizer 
 
 é que não resulta claro se a desconformidade constitucional é imputada às normas 
 ou à violação destas pela decisão.
 Aliás, por um lado, no requerimento de nulidade da decisão do Tribunal da 
 Relação de Guimarães de 28 de Fevereiro de 2005, o recorrente escreveu que a 
 inconstitucionalidade que “não foi apreciada no Acórdão, devendo sê-lo” era a 
 das “normas adjectivas” – “art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 2, ambos do Código 
 de Processo Penal”, mas, por outro lado, a questão de constitucionalidade foi 
 expressamente apartada das normas do Código de Processo Penal – na medida em que 
 na alínea i) de tais conclusões a inconstitucionalidade foi imputada à “errada 
 interpretação da lei penal”.
 Transcrevem-se as duas únicas conclusões em que o recorrente fez radicar a 
 suscitação da questão de constitucionalidade, para melhor apreciação do que está 
 em causa:
 
 “h) – Razão pela qual a douta Decisão Instrutória sob recurso viola o 
 dispositivo do art.º 308.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi 
 art.º 283.º, n.º 1, e maxime, os imperativos dos art.ºs 26.°, n.º 1, e 32.°, n.º 
 
 2, da Constituição da República Portuguesa;
 i) – Violação constitucional resultante de errada interpretação da lei penal que 
 se invoca expressamente para todos os fins legalmente previstos ;”
 Perante esta forma de suscitar a questão de constitucionalidade, mesmo admitindo 
 que durante o processo se impugnaram normas processuais penais – as dos artigos 
 
 283.º, n.º 1, e 308.º, n.º 2, únicas que foram trazidas à apreciação deste 
 Tribunal –, o que tem de se concluir é que é totalmente irrelevante para as 
 
 “sobreditas normas adjectivas” o sentido que o recorrente para elas enunciou, no 
 requerimento de interposição de recurso – e não antes, note-se, o que, só por 
 si, logo obstaria a que se pudesse tomar conhecimento do recurso. Por um lado, 
 porque tal interpretação se prende manifestamente com a concreta situação em que 
 ocorreu o evento que originou a queixa-crime ou, quando muito, com o concreto 
 
 (não) preenchimento dos elementos do tipo de crime em causa (previsto na norma 
 do artigo 180.º do Código Penal, pela primeira vez referida pelo recorrente no 
 requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e por isso também 
 não podendo integrar o seu objecto), e nada tem a ver com as normas processuais 
 que regem a prolação do despacho de pronúncia. Por outro lado, porque, como o 
 Tribunal da Relação de Guimarães explicou na sua decisão de 28 de Fevereiro de 
 
 2005, o parâmetro constitucional invocado, a violação da presunção de inocência, 
 
 “não é fundamento, quer da decisão recorrida, quer do acórdão da Relação. É 
 completamente alheia àquela e a este.”
 Quer isto dizer, em suma, que o recorrente não suscitou adequadamente uma 
 qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, 
 como havia de ter feito para que o Tribunal Constitucional dela pudesse agora 
 conhecer. Ao que acresce que dirigiu a este Tribunal um pedido de apreciação da 
 conformidade constitucional em que, a mais de as normas impugnadas não 
 corresponderem ao sentido normativo que para elas foi identificado e impugnado, 
 o parâmetro constitucional convocado para as aferir não tinha correspondência 
 nem com umas, nem com outro.
 Não pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso.»
 
 2.Diz-se na reclamação apresentada:
 
 «A doutíssima decisão sustenta o não conhecimento do recurso, em suma, nos 
 factos de a questão da inconstitucionalidade da norma não ter [sido] suscitada 
 de forma adequada perante o tribunal recorrido, vindo a fazê-lo apenas no 
 requerimento de interposição para este Tribunal Constitucional e por as normas 
 impugnadas não corresponderem ao sentido normativo que para elas foi 
 identificado e impugnado, não podendo ser por tudo isso admitido.
 Salvo o devido e merecido respeito terá o recorrente de discordar porquanto é 
 perceptível que a questão da inconstitucionalidade por si arguida na alínea h) 
 das conclusões recursivas indicando a norma cuja interpretação é imputada de 
 inconstitucional na alínea i) seguinte, mais não é que o corolário das 
 anteriores alíneas dessas conclusões, cuja leitura traduz na perfeição o sentido 
 que o recorrente considera correcto, qual seja, em súmula, o de que a invocação 
 pela arguida de uma condenação penal do ora reclamante sem ter cuidado de saber 
 se a aludida condenação penal havia passado em julgado (al. a, c, d e e) 
 aderindo, pelo mínimo, ao perigo de ofender (al. f), até por não necessitar de 
 tais afirmações para bem defender a causa que lhe estava confiada (al. b), o que 
 seria matéria indiciária suficiente para a submeter a julgamento (al. g), 
 preceito adjectivo esse que saía violado com o douto despacho de não pronúncia 
 
 (al. h), carecendo de revogação e substituição por outra decisão que a 
 pronunciasse pela prática de um crime de difamação (al. j).
 Esta súmula efectuada por outras palavras traduz, na essência, o conjunto das 
 conclusões do recurso em apreço, perceptível ao comum dos cidadãos, ao bonus 
 paterfamilias, melhor ainda a tão subidos juristas como os Ex.m.ºs Juízes 
 daquele e deste Tribunais.
 Ou seja − ainda de outro modo expresso –, que a inutilidade de invocação de uma 
 condenação, ainda por mais não definitiva, sem cumprimento prévio do dever de 
 informação, constituía matéria indiciária bastante para pronunciar a arguida por 
 um crime de difamação, segundo as regras dos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 
 
 1, do CPP, pelo que outra interpretação destas regras, conduzindo à não 
 pronúncia, violava os invocados direitos constitucionais do aqui reclamante.
 O certo é que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães entendeu a questão e 
 decidiu, ainda que em sentido contrário do pugnado pelo reclamante.
 Com esse entendimento perfeito fica sanada uma qualquer questão de inadequação 
 formal naquela instância que prejudique neste Tribunal o conhecimento do recurso 
 constitucional interposto, salvo melhor opinião e ciência jurídica.
 Outrossim, no que tange à pretensa inadequação do texto recursivo nesta 
 instância, sempre se dirá que, a havê-lo – e nisto se discorda do Ex.m.º Juiz 
 Conselheiro Relator, data venia –, sempre o reclamante teria o direito a ver-se 
 convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de interposição do recurso, indicando 
 com melhor precisão os necessários elementos adjectivos, segundo a estrita 
 observância do peremptório dispositivo processual previsto no n.º 5 do art.º 
 
 75.°-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 Norma esta que se destaca do edifício processual garantindo que não seja um mero 
 descuido formal que obste à administração da boa justiça, princípio basilar, 
 meta última de todo a estrutura legal, a sujeição do Direito à Justiça.
 Termos em que se requer que, em conferência, se aprecie o recurso interposto, 
 admitindo-o ou convidando o reclamante à submissão formal adequada, conforme o 
 supra invocado preceito.
 Assim se fará, na óptica do reclamante, a sempre almejada JUSTIÇA.»
 
 3.O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 respondeu pela seguinte forma à referida reclamação:
 
 “1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2 – Na verdade – e como bem refere a decisão reclamada – o reclamante não 
 suscitou, durante o processo e em termos processualmente adequados, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de objecto ao 
 recurso interposto.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.Adianta-se desde já que a presente reclamação é improcedente, pois a 
 argumentação aduzida pelo recorrente não abala os fundamentos da decisão 
 reclamada.
 Na verdade, a decisão sumária reclamada concluiu pela impossibilidade de tomar 
 conhecimento do presente recurso com fundamento na falta de suscitação adequada, 
 por parte do recorrente, de qualquer questão de constitucionalidade normativa 
 perante o tribunal recorrido (referindo, ainda, que as normas por ele impugnadas 
 não correspondiam ao sentido normativo que para elas foi identificado e 
 impugnado).
 Ora, como se sabe, e se afirmou na decisão reclamada, o objecto do recurso de 
 constitucionalidade no direito português não pode ser a apreciação da 
 conformidade com a Constituição da decisão judicial recorrida em si mesma, mas 
 apenas de normas, ou dimensões normativas, sendo que, tratando-se do recurso 
 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 
 é necessário, para que se possa tomar conhecimento do recurso, que o recorrente 
 haja suscitado essa questão da inconstitucionalidade normativa perante o 
 tribunal a quo. E, para isso, é indispensável que se identifique a norma em 
 questão e se enuncie, ou se indique com um mínimo de precisão, o sentido 
 normativo impugnado.
 
 5. O reclamante invoca que teria suscitado adequadamente a inconstitucionalidade 
 dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 resultando essa conclusão de uma leitura global das alegações de recurso 
 dirigidas ao Tribunal da Relação de Guimarães, e, mais especificamente, das 
 alíneas h) e i) das conclusões dessa alegação.
 Ora, o que se retira da leitura das alegações de recurso perante o tribunal a 
 quo,  transcritas na decisão reclamada na única parte em que se referem a 
 questões de constitucionalidade, é que o recorrente suscitou, sim, uma 
 inconstitucionalidade, mas que a reportou, não a qualquer norma ou interpretação 
 normativa, e antes à própria decisão judicial – à “douta decisão instrutória sob 
 recurso” que “viola o dispositivo do art.º 308.°, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal, aplicável ex vi art.º 283.º, n.º 1, e maxime, os imperativos dos art.ºs 
 
 26.°, n.º 1, e 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”, sendo que 
 tal violação constitucional resultaria “de errada interpretação da lei penal”.
 Como se pode ver pelas transcrições efectuadas, a desconformidade com a 
 Constituição foi imputada pelo recorrente à decisão judicial em si mesma 
 considerada.
 Por isso mesmo, tal questão foi objecto da seguinte apreciação por parte do 
 Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 28 de Fevereiro de 2005:
 
 “O facto onde o recorrente vê violação da presunção de inocência não foi, 
 repete-se, considerado, isto é, não é fundamento, quer da decisão recorrida, 
 quer do acórdão desta Relação. É completamente alheia àquela e a este.
 Assim, com a linha de pensamento definida no acórdão agora posto em causa, fica 
 prejudicado o conhecimento da pretensa violação da presunção de inocência. Na 
 verdade, para a decisão a que se chegou é indiferente que tivesse ou não 
 transitado a sentença que terá condenado o recorrente por crime de difamação.
 A argumentação desenvolvida pelo recorrente com vista a demonstrar a violação da 
 presunção de inocência ficou afastada com o sentido da decisão do acórdão desta 
 Relação, que decidiu por outra via.
 Tudo isso está prejudicado com a nossa decisão de que objectivamente a expressão 
 não é ofensiva.
 Relativamente à violação do art.º 26.° da CRP também a questão da violação deste 
 preceito ficou prejudicada, com o entendimento expresso no acórdão da Relação de 
 que a expressão proferida não ofende o bom nome.”
 E a conclusão a que se chegou na decisão sumária reclamada em nada é posta em 
 causa pelas razões aduzidas pelo reclamante na presente reclamação – antes sai 
 delas reforçada. Na verdade, do texto da reclamação resulta novamente de forma 
 clara que aquilo que o reclamante, verdadeiramente, traz à apreciação deste 
 Tribunal é apenas a questão da constitucionalidade de uma operação de 
 qualificação e de subsunção efectuada na decisão recorrida, que confirmou a 
 decisão instrutória de não pronúncia, do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal 
 Judicial da Comarca de Braga, e não normas, ou uma dimensão normativa. Diz, na 
 verdade, o reclamante, em termos que deixam claro que está em causa a 
 qualificação de um conjunto de factos e sua recondução a um tipo legal:
 
 “Salvo o devido e merecido respeito terá o recorrente de discordar porquanto é 
 perceptível que a questão da inconstitucionalidade por si arguida na alínea h) 
 das conclusões recursivas indicando a norma cuja interpretação é imputada de 
 inconstitucional na alínea i) seguinte, mais não é que o corolário das 
 anteriores alíneas dessas conclusões, cuja leitura traduz na perfeição o sentido 
 que o recorrente considera correcto, qual seja, em súmula, o de que a invocação 
 pela arguida de uma condenação penal do ora reclamante sem ter cuidado de saber 
 se a aludida condenação penal havia passado em julgado (al. a, c, d e e), 
 aderindo, pelo mínimo, ao perigo de ofender (al. f), até por não necessitar de 
 tais afirmações para bem defender a causa que lhe estava confiada (al. b), o que 
 seria matéria indiciária suficiente para a submeter a julgamento (al. g), 
 preceito adjectivo esse que saía violado com o douto despacho de não pronúncia 
 
 (al. h), carecendo de revogação e substituição por outra decisão que a 
 pronunciasse pela prática de um crime de difamação (al. j).”
 E acrescenta:
 
 “Ou seja − ainda de outro modo expresso –, que a inutilidade de invocação de uma 
 condenação, ainda por mais não definitiva, sem cumprimento prévio do dever de 
 informação, constituía matéria indiciária bastante para pronunciar a arguida por 
 um crime de difamação, segundo as regras dos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 
 
 1, do CPP, pelo que outra interpretação destas regras, conduzindo à não 
 pronúncia, violava os invocados direitos constitucionais do aqui reclamante.”
 
 6. Conclui-se, pois, que o recorrente não suscitou, de forma clara e perceptível 
 
 (cfr. o artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional), a questão da 
 inconstitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa durante o 
 processo, como havia de ter feito para o Tribunal Constitucional poder agora 
 tomar conhecimento do presente recurso, antes tendo imputado sempre a 
 desconformidade constitucional à decisão judicial em si mesma considerada.
 A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar o 
 recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 12 de Outubro de 2005
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos