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Processo  n.º 619/09
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira  Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte decisão sumária:
 
  
 
                         «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério 
 Público, B., S.A., C., Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., Banco 
 D., S.A., E., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão 
 proferido, em conferência, pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de 
 Coimbra, em 28 de Janeiro de 2009 (fls. 5349 a 5470), posteriormente 
 complementado por acórdão, proferido pela mesma Secção e Tribunal, em 06 de Maio 
 de 2009, que indeferiu a arguição de diversas nulidades do anterior acórdão.
 
  
 O recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade das seguintes 
 interpretações normativas:
 
  
 i)                           “Artigos 97º, 277º, 374º, 379º, 340º, 358º, 359º, 
 
 368º, 425º, todos do CPP e os artigos 26º e 28º do Código Penal, quando 
 interpretados no sentido de que a alteração não substancial da qual resultou a 
 alteração dos factos contidos nos pontos 5.3., 5.7. e 7 da Acusação com a 
 consequente destruição da co-autoria, estabelecida na «história» descrita na 
 Acusação, entre Liquidatário e o ora Arguido, excluindo a aplicação do artigo 
 
 28º do C.P. não configura alteração do objecto do processo é inconstitucional na 
 medida em que violam os artigos 1º; 2º; 18º nº 2; 20º em especial nº 4; 32º; 
 
 202º nº 2 e 205º nº 1 da CRP” (fls. 5572);
 
  
 ii)                         “Artigos 26º e 28º, a alínea c) do artigo 386º, o 
 artigo 377º, todos do C.P., quando interpretados no sentido de que o Arguido tem 
 qualidade de funcionário para efeitos de enquadramento da sua conduta no crime 
 de Participação Económica em Negócio, quando o Tribunal destruiu a co-autoria 
 daquele com o Liquidatário Judicial e consequentemente afastou a aplicabilidade 
 do artigo 28º do C.P., excluindo ainda a conduta dolosa dos Liquidatários, é 
 inconstitucional por violar os artigos 1º, 2º, 18º nº 2, 20º em especial nº 4; 
 
 32º nºs 1, 2, 4, 5; 202º nº 2 e 205º nº 1 da CRP” e ainda quanto decorre do 
 princípio da legalidade criminal (fls. 5573);
 
  
 iii)                       “Artigos 26º e 28º, a alínea c) do artigo 386º, o 
 artigo 377º, todos do C.P., quando interpretados no sentido de que é possível 
 condenar o Arguido pelo crime p.p. no artigo 377º do C.P., sem que este seja 
 funcionário, sem que este assuma uma intervenção verdadeiramente activa para 
 efeitos da al c) do artigo 386º do C.P. é inconstitucional por violar os artigos 
 
 1º, 2º, 18º nº 2, 20º em especial nº 4; 29º nº 1, 32º;nºs 1, 2, 4, 5; 202º nº 2 
 e 205º nº 1 da CRP e ainda em quanto decorre do princípio da legalidade 
 criminal, o que se deixa desde já arguido” (fls. 5579);
 
  
 iv)                       “A interpretação efectuada pelos Acórdãos recorridos 
 do Princípio da Imediação entendido no sentido de que o Julgador pode formar a 
 sua própria convicção na ausência de prova e desta feita suprir este ónus a 
 cargo da Acusação é inconstitucional por violadora dos preceitos constitucionais 
 consagrados nos artigos 1º, 2º, 18º nº 2, 20º em especial nº 4; 32º; 202º nº 2 e 
 
 205º nº 1 da CRP” (fls. 5574);
 
  
 v)                         “A interpretação efectuada pelos Acórdãos recorridos 
 do Princípio da Imediação entendido no sentido de que o Julgador pode afirmar a 
 inexistência de validade e credibilidade do Contrato de Mútuo dos Autos, quando 
 nada foi investigado no sentido de apurar se o mesmo corresponde à verdade 
 material, é de igual modo violadora das garantias e direitos de defesa do 
 Arguido e do princípio do contraditório, mormente os nºs 1 e 5 do artº 32º da 
 CRP, o nº 7 do artº 327º, a alínea c) do nº 3 do artº 328º e o nº 2 do artº 121º 
 todos do CPP” (fls. 5575);
 
  
 vi)                       “A interpretação efectuada pelos Acórdãos recorridos 
 do Princípio da Imediação entendido no sentido de que o Julgador pode proferir 
 decisão condenatória contra o ora Arguido sem que se verifique prova suficiente 
 de todos os elementos do crime e da responsabilidade criminal, quer os de ordem 
 objectiva, quer os de ordem subjectiva, é inconstitucional por violar os artigos 
 
 1º, 2º, 18º nº 2, 20º em especial nº 4; 29º nº 1, 32º;nºs 1, 2, 4, 5; 202º nº 2 
 e 205º nº 1 da CRP e por violar, de igual modo, o princípio da culpa” (fls. 
 
 5577).
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. 
 fls. 5582), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não 
 vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito 
 legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 
 
 2, da LTC.
 
  
 Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos algum ou alguns 
 daqueles pressupostos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, 
 conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
 3. Em primeiro lugar, importa notar que as interpretações normativas relativas à 
 condição de “funcionário” do recorrente [cfr. alíneas i), ii) e iii) supra 
 identificadas], para efeitos da sua condenação, nos autos recorridos, por crime 
 específico impróprio, entendidas como alegadamente inconstitucionais pelo 
 recorrente, não foram efectivamente aplicadas pela decisão recorrida.
 
  
 Sucede que o recorrente, em sede de recurso de constitucionalidade, insiste numa 
 tese perfilhada por Faria Costa (através de parecer, junto aos autos), segundo a 
 qual a condição de “funcionário” atribuída a outros arguidos – in casu, por 
 força da sua qualidade de liquidatários judiciais – não poderia comunicar-se ao 
 ora recorrente – que não era liquidatário judicial, na medida em que aqueles 
 tinham sido absolvidos da acusação promovida pelo Ministério Público. Ora, 
 apesar de o recorrente insistir, nos presentes autos, nesta tese, a verdade é 
 que a decisão recorrida não adoptou a tese contrária.
 
  
 Em boa verdade, o que aconteceu foi que a decisão recorrida sufragou 
 favoravelmente o entendimento de Faria Costa, considerando que, com efeito, a 
 qualidade de “funcionário” que recaía sobre os liquidatários judiciais não era 
 comunicável ao ora recorrente. Porém, a mesma decisão recorrida considerou que, 
 ainda assim, o recorrente detinha essa mesma qualidade de “funcionário”, não por 
 força dessa comunicabilidade, mas antes por via directa, na medida em que o 
 recorrente detinha uma agência de leilões, que colaborou directamente no 
 processo de negociação particular tendente à venda de diversos imóveis da massa 
 falida.
 
  
 A fundamentação do acórdão recorrido é claríssima nesse ponto:
 
  
 
 “Cremos que não merece contestação que só pode ser comparticipante quem, por 
 alguma forma participa na prática do crime. Não tendo ficado demonstrada a 
 participação dos liquidatários judiciais nos actos praticados, não pode, para 
 efeitos de comunicabilidade da qualidade de funcionário dar-se qualquer 
 relevância à indiciada mas não provada comparticipação destes.
 Como conclui o Professor Faria Costa no parecer junto aos autos:
 
                                    «(…)
 
             O artigo 28º, n.º 1, primeira parte, importa como consequência 
 jurídica a punição de um “extraneus” ou “extranei” em situações de 
 comparticipação com “intraneus” ou “intranei”. Ora, uma vez que os liquidatários 
 judiciais (“intranei”) foram absolvidos da prática do crime de peculato inexiste 
 qualquer situação de comparticipação.
 
 (…)»
 
             
 Afastada a tese sustentada no acórdão recorrido, importa averiguar se o 
 Recorrente A., por força das funções que desempenhava, pode ser considerado 
 funcionário, para efeitos do art. 386º do Código Penal, como sustenta o 
 Ministério Público na sua resposta.
 
 (…)
 Transpondo o supra exposto para os autos, não restam dúvidas que quando o 
 Recorrente A., como máximo responsável da Agência de Leilões da Covilhã foi 
 incumbido, conjuntamente com o liquidatário judicial, no âmbito dos processos de 
 falência em causa, de negociações particulares e directas para venda dos imóveis 
 que faziam parte das massas falidas, assumiu a qualidade de funcionário para 
 efeitos jurídico-penais, nos termos do art. 386º nº 1 a. c) do Código Penal.
 
 (…)
 A qualidade de funcionário para efeitos jurídico-penais que o Recorrente A. 
 assume, comunica-se ao Recorrente Alberto Gomes que conhecia as funções que este 
 exercia, por força do disposto no nº 1 do art. 28º do Código Penal, já que tanto 
 o crime de peculato como o de participação económica em negócio prevista no nº 1 
 do art. 377º do Código Penal são crimes específicos impróprios e verificam-se as 
 condições de comunicabilidade.” (fls. 5462 a 5465).
 
  
 Da fundamentação da decisão recorrida resulta, então, que: i) nunca se associou 
 a qualidade de “funcionário” dos liquidatários judiciais ao recorrente, antes se 
 tendo concluído que aquele assume, por via directa, a qualidade de 
 
 “funcionário”; ii) nunca se concluiu que o recorrente não fosse “funcionário” – 
 antes pelo contrário, conforme já supra demonstrado.
 
  
 Consequentemente, por não terem sido efectivamente aplicadas pela decisão 
 recorrida, não pode este Tribunal conhecer da alegada inconstitucionalidade das 
 interpretações normativas melhor identificadas supra nas alíneas i), ii) e iii), 
 por força do disposto no artigo 79º-C da LTC.
 
  
 
 4. Quanto à pretendida inconstitucionalidade de diversas interpretações 
 normativas do princípio da imediação [cfr. alíneas iv), v) e vi) supra 
 identificadas], importa, desde logo, frisar que o Tribunal Constitucional apenas 
 sindica da conformidade de normas jurídicas com a Constituição, conforme 
 determina o n.º 1 do artigo 277º da CRP. Ainda assim – e apesar de o recorrente 
 não o indicar expressamente – é possível concluir-se que o princípio da 
 imediação, enquanto comando orientador que exige o contacto imediato do julgador 
 com a prova em processo penal, mediante a sua exclusiva produção em audiência de 
 julgamento, encontra-se consagrado no n.º 1 do artigo 355º do CPP.
 
  
 Como tal, deve entender-se como arguida de inconstitucional a norma extraída do 
 n.º 1 do artigo 355º, do CPP, em qualquer das interpretações normativas que o 
 recorrente elegeu como objecto do presente recurso [cfr. alíneas iv), v) e vi) 
 supra identificadas].
 
  
 Porém, importa notar que este Tribunal apenas dispõe de poderes para controlar a 
 constitucionalidade de normas jurídicas (ou interpretações normativas) que 
 tenham sido efectivamente aplicadas pelas decisões recorridas, conforme decorre 
 do artigo 79º-C da LTC. Ora, compulsados os autos, verifica-se que a mesma: i) 
 nem concluiu que era possível condenar o recorrente, por força da formação de 
 uma “convicção na ausência de prova”; ii) nem tão pouco considerou “a 
 inexistência de validade e credibilidade do Contrato de Mútuo dos Autos, quando 
 nada foi investigado no sentido de apurar se o mesmo corresponde à verdade 
 material”; iii) nem muito menos julgou bastante condenar o recorrente “sem que 
 se verifique prova suficiente de todos os elementos do crime e da 
 responsabilidade criminal, quer os de ordem objectiva, quer os de ordem 
 subjectiva”.
 
  
 Pelo contrário, a decisão recorrida – neste caso, o acórdão de fundo, proferido 
 em 28 de Janeiro de 2009 – considerou suficientemente provados os factos que 
 eram imputados ao recorrente pela Acusação. Vejam-se os seguintes extractos:
 
  
 
 “Como já se afirmou repetida e explicadamente não houve ausência de prova e, 
 consequentemente, no sentido que o Recorrente parece querer emprestar ao 
 princípio da imediação, não se observa a violação deste princípio, já que a 
 convicção do julgador se formou tendo em atenção a sua própria análise da prova 
 documental e testemunhal com que se deparou directamente. (…)
 Porém, em audiência, os arguidos e as testemunhas pertinentes foram confrontadas 
 com o teor do documento em causa e com as perplexidades que o mesmo suscitava, 
 na confluência com outros elementos probatórios, foram permitidas amplas 
 instâncias por parte da defesa e realizadas todas as diligências de prova 
 consideradas pertinentes. O Recorrente não suscitou em audiência a necessidade 
 de realização de qualquer outra diligência de prova que considerasse fundamental 
 para a descoberta da verdade, nada tendo sido indeferido. Aparece, assim, 
 desprovida de sentido a afirmação de que nada foi investigado no sentido de 
 apurar se o documento que pretendia titular a existência de um mútuo 
 correspondia à realidade.” (fls. 5458 e 5449).
 
  
 Em suma, conclui-se que a decisão recorrida não aplicou qualquer das 
 interpretações reputadas de inconstitucionais, relativamente à norma extraída do 
 n.º 1 do artigo 355º, do CPP, que consagra o princípio da imediação da prova em 
 processo penal, pelo que mais não resta a este Tribunal que decidir pela 
 impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso, também quanto a esta 
 parte, conforme imposto pelo artigo 79º-C da LTC.
 
  
 
                         
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos 
 termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, veio o recorrente apresentar reclamação, que 
 se pode sintetizar nos seguintes termos:
 
  
 
 «(…)
 
 2. Não pode o ora Reclamante/Arguido concordar com a presente decisão, na medida 
 em que, este não é, como erradamente se refere no citado Despacho, o objecto do 
 Recurso dirigido ao Tribunal Constitucional. 
 
  
 
 3. O objecto do desse Recurso assenta na inconstitucionalidade normativa 
 constante na decisão recorrida, arguida em sede própria, com os seguintes 
 fundamentos: 
 
  
 a) Que a interpretação efectuada pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação 
 de Coimbra sobre o Principio da Imediação ao interpretá-lo no sentido de que o 
 Julgador pode proferir decisão condenatória contra o ora Arguido sem que se 
 verifique a prova suficiente de todos os elementos do crime e da 
 responsabilidade criminal, quer os de ordem objectiva, quer os de ordem 
 subjectiva, é Inconstitucional por violadora dos artigos 1°, 2°, 18° nº 2, 20º 
 em especial nº 4, 29° nº 1, 32° nºs 1,2,4,5; 202° nº 2 e 205°, nº 1 da CRP e por 
 violadora, de igual modo, do principio da culpa. 
 
  
 b) Que a interpretação efectuada pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação 
 de Coimbra sobre os artigos 26° e 28°, alínea c) do artigo 386°, o artigo 377º, 
 todos do C.P., quando interpretados no sentido de que é possível condenar o 
 Arguido pelo crime p.p. no artigo 377° do C.P., sem que este seja funcionário, 
 sem que este assuma uma intervenção verdadeiramente activa para efeitos da al. 
 c) do artigo 386° do C.P, sem que subsista a co-autoria com o Liquidatário 
 Judicial por via da regra consagrada no artigo 28° do C.P., é inconstitucional 
 por violar os artigos 1°, 2°, 18º nº 2, 20° em especial nº 4, 29° nº 1, 32° nºs 
 
 1,2,4,5, 202° nº 2 e 205°, nº 1 da CRP e ainda em tudo quanto decorre do 
 princípio da legalidade criminal. 
 
  
 
 4. Pelo que, o objecto do presente Recurso não se reconduz, única e 
 exclusivamente à apreciação da conformidade constitucional dos artigos 26° e 
 
 28°, a alínea c) do artigo 386°, o artigo 377°, todos do C.P., quando 
 interpretados no sentido de que o Arguido têm qualidade de funcionário para 
 efeitos de enquadramento da sua conduta no crime de Participação Económica em 
 Negocio, por via da comunicabilidade operada pela citada norma.
 
  
 
 5. É, de igual modo, objecto do aludido Recurso, a apreciação das 
 inconstitucionalidades normativas na interpretação e aplicação que a decisão 
 recorrida fez às normas legais supra indicadas e em especial à norma contida no 
 artigo 386° do C.P., em confronto com o Parecer junto aos Autos da autoria do 
 Professor Doutor Faria Costa, e que se reconduz ao preenchimento objectivo e 
 subjectivo das previsões normativas contidas nas diversas alíneas do artigo 386° 
 do C.P. e em especial ao conceito alargado de funcionário. 
 
  
 
 6. A decisão recorrida interpreta e aplica a alínea c) do artigo 386° do C.P. no 
 sentido de que é possível condenar o Reclamante/Arguido por um crime de 
 participação económica em negócio. 
 
  
 
 7. Esta interpretação efectuada pela decisão recorrida redunda em norma 
 materialmente inconstitucional, porquanto a mesma não permite atribuir a 
 qualidade de funcionário ao Reclamante/Arguido por via directa assente no facto 
 de este deter uma Agência de Leilões que colaborou directamente no processo de 
 negociação particular tendente á venda dos imóveis. 
 
  
 
 8. Desde logo porque o agente do tipo legal do crime de Peculato e/ou 
 Participação Económica em Negócio, para efeitos de enquadramento nas duas 
 primeiras alíneas do artigo 386° do C.P., é um funcionário, mas um funcionário 
 que, em razão das suas funções, tenha a posse do bem objecto do crime. 
 
  
 
 9. Ora, o Reclamante/Arguido A., não detém esta qualificação pois não é 
 funcionário, não foi contratado pelo Tribunal, não é um oficial de justiça, não 
 faz parte dos quadros da Administração da Justiça, nem por qualquer deles foi 
 contratado ou exerceu quaisquer funções. 
 
  
 
 10. E não pode ser considerado como funcionário, para efeitos do disposto no nº 
 
 1 alínea c) do artigo 386° da CP., uma vez que o sentido da norma permite 
 integrar, neste conceito alargado, quem colabore pontualmente com a função 
 jurisdicional, sem deter qualquer relação orgânica com a Administração da 
 Justiça, mas desde que a intervenção do agente seja uma intervenção activa e não 
 meramente passiva. 
 
  
 
 11. Ora, a Agência de Leilões no âmbito de um processo de Insolvência, não tem 
 uma intervenção activa uma vez que limita-se a cumprir o que lhe for indicado 
 pelo Liquidatário Judicial, mediante comando emitido pela Comissão de Credores. 
 
  
 
 12. Não é a Agência de Leilões quem determina a modalidade da venda, mas a 
 Comissão de Credores, não é a Leiloeira quem aceita as propostas mediante carta 
 fechada, mas a Comissão de Credores. 
 
  
 
 13. Consequentemente, não estão reunidos os requisitos objectivos exigidos pela 
 norma contida na alínea c) do artigo 386° do C.P., que permita interpretá-la em 
 conformidade com a CRP no sentido de atribuir a qualidade de funcionário ao 
 Reclamante/Arguido através do conceito alargado de ‘funcionário” contido na 
 citada norma, nem essa qualidade pode advir das alíneas a) e b) do mesmo 
 preceito legal porquanto estas dirigem-se a quem é agente da administração”. 
 
  
 
 14. O Parecer do Professor Doutor Faria e Costa é claro quando afirma que deve 
 existir alguma manifestação de cuidado na interpretação e aplicação do conceito 
 alargado de funcionário para efeitos penais e que o mesmo só deve valer para os 
 para os crimes cometidos no exercício de funções públicas. Fora «do âmbito deste 
 capítulo, todos os crimes que exijam a qualidade de funcionário para o agente 
 activo (...) referem-se ao conceito tradicional e específico do Direito Público, 
 de Agente da Administração (ou então, no sentido da CRP, a funcionários e 
 agentes do Estado e das demais entidades públicas)»” 
 
  
 
 15. A aplicabilidade da qualidade de funcionário ao Reclamante/Arguido por via 
 directa só pode ser aferida perante a interpretação que a decisão recorrida faz 
 do artigo 386° do C.P., a qual como se afere não é conforme à CRP, porquanto 
 essa qualidade não lhe advém por nenhuma das alíneas do citado preceito legal. 
 
  
 
 16. Como se demonstra, o objecto do presente Recurso não se reconduz à mera 
 apreciação das interpretações feitas pela decisão recorrida da qualidade de 
 funcionário ao Reclamante/Arguido mas de igual modo à interpretação que a 
 decisão recorrida fez das citadas normas no sentido de ter concluído que o mesmo 
 assume, por via directa, essa qualidade. 
 
  
 
 17. Em causa está, assim, a apreciação da conformidade constitucional da 
 interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao Artigo 386° do C.P. 
 
  
 
 18. E, são as interpretações que o Acórdão recorrido faz das diversas alíneas do 
 artigo 386° do C.P. que, em parte, configuram o objecto do presente Recurso, 
 porquanto, no entender do Reclamante/Recorrente, as mesmas são desconformes com 
 a CRP. 
 
  
 
 19. Por fim, importa precisar, contrariando o douto Despacho da Exma. Sra. 
 Juíza. Conselheira Relatora, que a decisão recorrida aplicou, efectivamente, as 
 normas cuja apreciação da sua conformidade constitucional se suscita, e aplicou, 
 efectivamente, a norma contida no Artigo 386° do C.P., cuja conformidade 
 constitucional se pretende ver apreciada. 
 
  
 
 20. Já que o Arguido/Reclamante não detêm a qualidade de funcionário para 
 efeitos das alíneas a) e b) do Artigo 386° do C.P., na interpretação dada pela 
 decisão recorrida, nem a detêm por via do conceito alargado de funcionário 
 contido na alínea c) do mesmo artigo, na interpretação dada pela decisão 
 recorrida. 
 
  
 
 21. E incontestável é que não detém (o Reclamante/Recorrente) a qualidade de 
 funcionário por via da comunicabilidade contida no Artigo 28° do C.P. 
 
  
 
 22. Para além da apreciação da conformidade constitucional se pretende suscitar 
 perante o Tribunal Constitucional nas interpretações que a decisão recorrida faz 
 das supra citadas normas, visa o objecto do presente Recurso, ainda, a 
 apreciação dos artigos 97°, 277°, 374°, 379°, 340°, 358°,359°, 368°, 425° todos 
 do CPP e os artigos 26° e 28° do Código Penal, quando interpretados no sentido 
 de que a alteração não substancial da qual resultou a alteração dos factos 
 contidos nos pontos 5.3, 5.7. e 7 da Acusação com a consequente destruição da 
 co-autoria, estabelecida na” história descrita na Acusação, entre Liquidatário e 
 o ora Arguido não configura alteração do objecto do processo. 
 
  
 
 23. Porquanto se entende que a mesma é inconstitucional na medida em que viola 
 os artigos 1°; 2°; 18° nº 2; 20° em especial nº 4; 32°; 202° nº 2 e 205° nº 1 da 
 CRP. 
 
  
 
 24. Nesta sede, a apreciação da conformidade constitucional das normas citadas, 
 na interpretação contida na decisão recorrida, não se reconduz à questão da 
 comunicabilidade ou não da qualidade de funcionário, mas à interpretação que foi 
 dada às ditas normas para considerar que a expurgação da Acusação do acordo 
 firmado entre os Liquidatários Judiciais e o Arguido A., o qual, na óptica da 
 Acusação, sustentava o móbil do crime praticado por todos os Arguidos, inclusivé 
 os Liquidatários e que, assim, permitia enquadrar as condutas dos Arguido e em 
 particular, do Arguido A. (que não era funcionário judicial) nos tipos 
 objectivos e subjectivos do crime de Peculato e Participação Económica em 
 Negócio, reconduz-se a uma “alteração não substancial”. 
 
  
 
 25. Quando na verdade estamos perante uma verdadeira alteração do objecto do 
 processo, com repercussões gravíssimas para a decisão final e para os direitos 
 de defesa do Arguido. 
 
  
 
 26. Do exposto resulta que o objecto do presente Recurso é mais amplo e mais 
 complexo do que se afigura no Despacho proferido pela Exma. Sra. Juíza. 
 Conselheira Relatora, pelo que o mesmo deve ser substituído por outro que admita 
 o Recurso.» (fls. 5620 a 5625)
 
  
 
 3. O Ministério Público, notificado da referida reclamação, veio responder-lhe 
 nos termos seguintes: 
 
  
 
  
 
  
 
 «1º
 A Decisão Sumária de fls. 5599 a 5603, entendeu não conhecer do recurso quanto 
 
 às diversas questões levantadas pelo recorrente, que a Exma. Conselheira 
 Relatora concentrou em duas: uma respeitante à condição de “funcionário” do 
 recorrente, para efeitos penais, outra relacionada com o princípio de imediação 
 
             
 
 2°
 Quanto à condição de “funcionário”, o que se disse foi que o tribunal tinha 
 entendido que o recorrente fora considerado como tal, não por essa qualidade lhe 
 ter sido comunicado pelos liquidatários judiciais (não incriminados), mas sim, 
 por via directa, atendendo ás suas funções enquanto máximo responsável da 
 Agência de Leilões. 
 
  
 
 3º
 Nesta parte, o recorrente, na reclamação, vem sustentar que nessa qualidade de 
 responsável pela Agência e atendendo aos factos provados, não deveria ser 
 considerado “funcionário”. 
 
  
 
 4º
 Ora, esta é uma questão diferente da suscitada pelo recorrente e, além disso, 
 não tem qualquer carácter normativo, antes se situando ao nível da prova e da 
 sua valoração, competência que, obviamente, não está atribuída ao Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 
 5º
 Quanto à parte relacionada com a violação do princípio da imediação, o 
 reclamante nada diz. 
 
  
 
 6°
 No ponto 22 da reclamação levanta, no entanto, a seguinte questão: diversos 
 preceitos do CPP “quando interpretados no sentido de que a alteração não 
 substancial da qual resultou a alteração dos factos contidos nos pontos 5.3, 5.7 
 e 7 da acusação com a consequente destruição da co-autoria estabelecida na 
 história da Acusação, entre Liquidatário e o ora Arguido não configura 
 alterações do objecto do processo”.
 
  
 
 7°
 Ora, entendemos que não é sequer necessário averiguar se estamos ou não perante 
 uma questão de inconstitucionalidade normativa (que não estamos), ou se, sendo 
 esta uma questão nova, o recorrente teve ou não oportunidade de a suscitar 
 anteriormente. 
 
  
 
 8°
 Na verdade, parece-nos evidente, que a reclamação de uma Decisão Sumária, não é 
 a forma nem o momento processual próprio para suscitar novas questões de 
 constitucionalidade. 
 
  
 
 9º
 Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.» (fls. 5632 a 5634)
 
             
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Os argumentos convocados pela reclamante não logram abalar, de modo algum, o 
 sentido da decisão ora reclamada.
 
  
 Em primeiro lugar, importa recordar que o Tribunal Constitucional apenas pode 
 sindicar a constitucionalidade das normas ou interpretações normativas.  
 
  
 Ora, é, desde logo, patente que nenhum dos “objectos”, cuja constitucionalidade 
 o recorrente pretende ver apreciada, é efectivamente norma ou interpretação 
 normativa. Tanto bastaria para que o recurso não pudesse ser conhecido.
 
  
 Acresce que apenas pode sindicar as normas efectivamente aplicadas pelos 
 tribunais recorridos – e nos exactos sentido e extensão em que o foram –, 
 conforme lhe é expressamente imposto pelo artigo 79º-C, da LTC. Como tal, as 
 interpretações normativas aplicadas pelas decisões recorridas cristalizam e 
 formatam o objecto de cada recurso de constitucionalidade.
 
  
 Ora, nos presentes autos, o tribunal recorrido não aplicou efectivamente a 
 interpretação reputada de inconstitucional pelo recorrente (ora reclamante), 
 tendo antes considerado que este assumiu a condição de “funcionário”, por via 
 directa, para efeitos do preenchimento dos elementos típicos do crime de 
 participação económica em negócio. Aliás, permitimo-nos reiterar o já afirmado 
 pela decisão sumária:
 
  
 
             “Da fundamentação da decisão recorrida resulta, então, que: i) nunca 
 se associou a qualidade de “funcionário” dos liquidatários judiciais ao 
 recorrente, antes se tendo concluído que aquele assume, por via directa, a 
 qualidade de “funcionário”; ii) nunca se concluiu que o recorrente não fosse 
 
 “funcionário” – antes pelo contrário, conforme já supra demonstrado.”
 
  
 O ora reclamante é livre de discordar da qualificação jurídica, decidida pelo 
 tribunal recorrido, mas daí não decorre que possa pretender que o Tribunal 
 Constitucional aprecie uma interpretação que não foi efectivamente aplicada pela 
 decisão recorrida, uma vez que, por força do artigo 79º-C, da LTC, este Tribunal 
 apenas pode conhecer de interpretações normativas efectivamente aplicadas pelos 
 tribunais recorridos. Não tendo as interpretações identificadas no requerimento 
 de interposição de recurso sido efectivamente aplicadas pelo tribunal recorrido, 
 não sobrevivem quaisquer razões para reformulação da decisão sumária ora 
 reclamada.
 
  
 
 5. Em segundo lugar, deve notar-se que quanto à parte da decisão sumária 
 relativa ao princípio da imediação, o reclamante nada diz, vindo, no entanto, 
 colocar o Tribunal perante uma questão nova de inconstitucionalidade. 
 
  
 Ora, o objecto do recurso de inconstitucionalidade define-se no requerimento 
 inicial, não sendo, de todo, a reclamação da decisão sumária a forma nem o 
 momento processual adequado para o fazer.
 
  
 Acresce ainda que o modo como o recorrente coloca a questão de 
 constitucionalidade identificada na alínea i) do § 1. da decisão sumária ora 
 reclamada (relativa à alegada inconstitucionalidade dos artigos 97º, 277º, 374º, 
 
 379º, 340º, 358º, 359º, 368º, 425º, todos do CPP, e os artigos 26º e 28º do 
 Código Penal) a afasta de qualquer dimensão normativa cuja constitucionalidade 
 pudesse ser apreciada por este Tribunal, dado que a decisão recorrida nem sequer 
 admitiu que a alteração dos factos fosse não substancial, antes afirmando não se 
 ter verificado qualquer alteração de factos. Em boa verdade, o recorrente 
 limitou-se a demonstrar a sua discordância quanto à subsunção de factos à 
 qualificação jurídica de “alteração do objecto do processo”, levada a cabo pelo 
 tribunal recorrido. O que não lhe abre via de recurso para o Tribunal.
 
  
 Como tal, não se verifica qualquer fundamento para colocar em crise a decisão 
 sumária ora reclamada.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 16 de Novembro de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão