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Processo n.º 611/09
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
                         «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., S.A. e recorridas B., S.A. e 
 outra, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da 
 Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, 
 em conferência, pela 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 21 de Maio de 
 
 2009 (fls. 3354 a 3432), que concedeu provimento parcial ao recurso interposto 
 pelas recorridas e que rejeitou provimento ao recurso interposto subordinado 
 interposto pela recorrente, para que seja apreciada a constitucionalidade da 
 norma extraída dos artigos 113º, n.º 1, do Código Penal, e 49º, n.º 3, do Código 
 de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que “a queixa-crime 
 apresentada pela ora Recorrente […] (queixa-crime esta que viria a ser 
 arquivada) foi justa causa para que a outra parte pudesse resolver o contrato”, 
 ou seja, “que a apresentação de uma queixa-crime, por uma das partes contra a 
 outra, constituiu de imediato fundamento para a segunda poder resolver o 
 contrato, por alegada quebra de confiança, imputável à primeira” (fls. 3345 e 
 
 3346).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. 
 fls. 3454), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não 
 vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito 
 legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 
 
 2, da LTC.
 
  
 Se o Relator verificar que algum ou alguns deles não foram preenchidos, pode 
 proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do 
 artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
 3. Antes de mais, note-se que a jurisprudência consolidada neste Tribunal aceita 
 a possibilidade de fiscalização da constitucionalidade de interpretações 
 normativas – e não apenas de normas, em sentido estrito –, desde que aquelas 
 tenham sido efectivamente aplicadas pelas decisões recorridas e constituam a 
 razão determinante da respectiva decisão.
 
  
 Ora, nos presentes autos, afigura-se evidente que a interpretação normativa 
 extraída dos artigos 113º, n.º 1, do Código Penal, e 49º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal, não pode ser configurada como a “ratio decidendi” da decisão 
 recorrida.
 
  
 Com efeito, aquelas normas limitam-se a consagrar o direito de apresentação de 
 queixa, no âmbito de um processo-crime, não servindo de fundamento jurídico à 
 constatação – pela decisão recorrida – de que o exercício de tal direito 
 configura uma causa justificada para rescisão de um contrato de natureza 
 jurídico-privada (v.g., contrato de gestão hoteleira). Ainda que este Tribunal 
 não se possa pronunciar sobre a justeza da interpretação acolhida pela decisão 
 recorrida, certo é que aquela considerou que a apresentação de uma queixa-crime 
 contra os legais representantes de uma das partes constitui uma quebra de 
 confiança entre as partes num contrato de âmbito privado, que, “in limine”, 
 justificaria a resolução unilateral do referido contrato, por iniciativa da 
 parte alvo da queixa-crime.
 
  
 A decisão recorrida entendeu que o facto concreto resultante da apresentação de 
 queixa-crime permite sustentar a resolução lícita de um contrato privado, com 
 fundamento em quebra de confiança. Ou seja, entendeu que as normas do Código 
 Civil que prevêem a possibilidade de resolução de um contrato, em caso de 
 violação da confiança entre as partes contraentes (entre as quais, se podem 
 apontar os artigos 432º, n.º 1, 762º, n.º 2, 798º, 801º, n.º 1, todos do Código 
 Civil) podiam ser interpretadas no sentido de que a apresentação de uma 
 queixa-crime, por uma das partes contra outra delas, constitui fundamento 
 legítimo para a resolução de um contrato.
 
  
 Nesse sentido, depõem alguns extractos da decisão ora recorrida, que passamos a 
 transcrever:
 
  
 
 “A «justa causa» integra-se [no] regime típico das relações contratuais 
 duradouras, mormente nas de execução continuada, às quais não se ajusta 
 directamente o regime admonitório previsto no art. 808º C. Civil, pois que o que 
 está em causa não é, em regra, a perda de interesse numa concreta prestação, 
 
 «mas a justificada perda de interesse na continuação da relação contratual» 
 
 (BAPTISTA MACHADO, RLJ 118º-280, cit. no ac. desta Secção de 09/01/2007 – proc. 
 
 06A4416), podendo a cessação do vínculo resultar da quebra de confiança entre as 
 partes quando, ponderados os motivos no contexto global, seja de formular um 
 juízo de perda de confiança justificada assente no de prognose de inviabilidade 
 de prossecução da relação contratual” (fls. 3414);
 
  
 
 “Assim, estes negócios de confiança postulam, desde logo, condutas em que os 
 deveres de informação ou de esclarecimento (revelando a outra parte as 
 circunstâncias susceptíveis de lhe interessar) e de correcção (mediante uma 
 conduta diligente e leal e proba) se colocam num patamar de maior exigência que 
 a decorrente do respeito pelo princípio da boa fé genericamente consagrado no 
 n.º 2 do art. 762º C. Civil.
 Nas palavras do citado Autor [CARNEIRO DA FRADA], «a fasquia do comportamento 
 exigível apresenta-se como qualificada em relação àquilo que ordinariamente se 
 reclama no seu âmbito. (…) Se desaparece, por facto imputável a um dos 
 contraentes, o clima que (todas) as relações de confiança exigem para o adequado 
 decurso, pode tornar-se inexigível para a outra a manutenção dessa relação, 
 conferindo-se então a esta o poder de a resolver», como forma de «reagir à sua 
 frustração, pondo termo a uma relação que postula confiança» (…)” (fls. 3415)
 
  
 
 “Não poderiam as Recorridas deixar de prever que, ao procederem criminalmente em 
 semelhantes termos, inviabilizavam totalmente a continuação da execução do 
 programa contratual, ferindo de morte o contrato e, como tal, destruindo, só por 
 isso, qualquer efeito útil à interpelação admonitória.
 
 (…)
 Crê-se, pois, que a participação criminal em causa é de considerar um acto de 
 destruição irreversível do relacionamento entre as Partes, afectando 
 definitivamente [a] futura viabilidade de continuação e desenvolvimento do 
 programa de execução contratual, tornando inexigível, face ao princípio da boa 
 fé, a manutenção do contrato.” (fls. 3422)
 
  
 De todos estes extractos – e da decisão recorrida, tomada enquanto todo 
 homogéneo – resulta que a verdadeira “ratio decidendi” da mesma assentou na 
 natureza jus-privada do contrato celebrado e no regime jurídico aplicável à 
 resolução de contratos privados livremente celebrados pelos particulares. 
 
  
 Em bom rigor, a decisão recorrida não aplicou efectivamente os artigos 113º, n.º 
 
 1, do Código Penal, e 49º, n.º 3, do Código de Processo Penal – até por ter sido 
 proferida no âmbito de recurso não sujeito à jurisdição criminal – enquanto 
 fundamento determinante da decisão tomada. Claro está que a decisão recorrida 
 nunca afirmou que a recorrente estaria privada de recorrer ao mecanismo da 
 queixa-crime, tendo apenas concluído que tal recurso – quando ocorrido em 
 circunstâncias em que tal apenas contribuiria para degradar as relações 
 contratuais entre as partes – permitiria a prova da quebra de confiança entre as 
 partes contraentes e, consequentemente, legitimaria a resolução do referido 
 contrato.
 
  
 Como tal, conclui-se que a decisão recorrida não aplicou efectivamente a 
 interpretação normativa reputada de inconstitucional pela recorrente, enquanto 
 razão determinante da decisão jurisdicional adoptada, pelo que, por força do 
 artigo 79º-C, da LTC se decide não tomar conhecimento do objecto do recurso 
 interposto.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 
             Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, veio o recorrente apresentar reclamação, que 
 se pode sintetizar nos seguintes termos:
 
  
 
 «(…)
 
  
 III - DA DECISÃO SUMÁRIA E DA “RATIO DECIDENDI”  DA DECISÃO RECORRIDA 
 
  
 Na Decisão Sumária, de que ora se reclama, entendeu a Exma. Juíz Cons.ª Relatora 
 que, 
 
  
 
 “nos presentes autos, afigura-se evidente que a interpretação normativa extraída 
 dos artigos 113°, n.º 1, do Código Penal, e 49º, n.º 3, do Código de Processo 
 Penal, não pode ser configurada com a «ratio decidendi» da decisão recorrida. 
 Com efeito, aquelas normas limitam-se a consagrar o direito de apresentação de 
 queixa, no âmbito de um processo-crime, não servindo de fundamento jurídico à 
 constatação — pela decisão recorrida — de que o exercício de tal direito 
 configura uma causa justificada para rescisão de um contrato de natureza 
 jurídico-privada (v.g. contrato de gestão hoteleira)” — sublinhado nosso.
 
  
 Ora, não se poderia estar mais de acordo com a Exma. Juíz Cons.ª Relatora. Na 
 verdade, também a ora Reclamante é da mesma opinião e concorda inteiramente que 
 os citados artigos 113. °, n.º 1, CP e 49°, n.º 3, CPP não fundamentam a 
 constatação de que o seu direito legal de apresentar uma queixa-crime configura 
 uma justa causa para a resolução do contrato celebrado. 
 
  
 A questão é o que o STJ extraiu esta mesma conclusão. Como, aliás, a Exma. Juíz 
 Cons.ª Relatora não deixa de reconhecer, ao relembrar que a decisão recorrida 
 
 (do STJ) “considerou que a apresentação de uma queixa-crime contra os legais 
 representantes de uma das partes constituiu uma quebra de confiança entre as 
 partes num contrato de âmbito privado, que, «in limine», justificaria a 
 resolução unilateral do referido contrato, por iniciativa da parte alvo da 
 queixa-crime”, pelo que “a decisão recorrida entendeu que o facto concreto 
 resultante da apresentação de queixa-crime permite sustentar a resolução lícita 
 de um contrato privado, com fundamento em quebra de confiança”.(sublinhado 
 nosso).
 
  
 De seguida, a Exma. Juíz Cons.ª Relatora transcreve alguns extractos da decisão 
 recorrida, para posteriormente concluir que a verdadeira “ratio decidendi” da 
 decisão recorrida “assentou na natureza jus-privada do contrato celebrado e no 
 regime jurídico aplicável à resolução de contratos provados livremente 
 celebrados pelos particulares”, pelo que “em bom rigor, a decisão recorrida não 
 aplicou efectivamente os artigos 113°, n.º 1, do Código Penal, e 49°, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal — até por ter sido proferida no âmbito de recurso não 
 sujeito à jurisdição criminal — enquanto fundamento determinante da decisão 
 tomada” (sublinhado nosso).
 
  
 E é aqui que, com o devido respeito, se nota uma certa incoerência na Decisão 
 Sumária. Na verdade, já antes a Exma. Juíz Cons.ª Relatora havia transcrito o 
 entendimento da decisão recorrida, segundo o qual, 
 
  
 
 “Não poderiam as Recorridas deixar de prever que, ao procederem criminalmente em 
 semelhantes termos, inviabilizavam totalmente a continuação da execução do 
 programa contratual, ferindo de morte o contrato e, como tal, destruindo, só por 
 isso, qualquer efeito útil à interpelação admonitória”; 
 
 “Crê-se, pois, que a participação criminal em causa é de considerar um acto de 
 destruição irreversível do relacionamento entre as Partes, afectando 
 definitivamente (ai futura viabilidade de continuação e desenvolvimento do 
 programa de execução contratual, tornando inexigível, face ao princípio da boa 
 fé, a manutenção do contrato” (sublinhado nosso)
 
  
 Este dois extractos da decisão recorrida, só por si, dão-nos conta de que, ao 
 contrário da conclusão extraída pela Exma. Juiz Cons.ª Relatora, para o STJ a 
 queixa-crime feriu “de morte o contrato”, devendo considerar-se “um acto de 
 destruição irreversível do relacionamento entre as Partes”, afectando a 
 continuação do contrato celebrado e tornando inexigível a manutenção do mesmo. 
 
  
 Aliás, já antes se chamou a atenção (cfr. capítulo II da presente Reclamação) de 
 que, quanto às referidas duas ordens de razões que motivaram a resolução, o STJ 
 havia entendido “ter sido ilícita a declaração resolutiva pelos fundamentos 
 identificados com os incumprimentos denunciados na carta de 22/11/2000,
 
  
 Pelo que foi a queixa-crime apresentada pela ora Reclamante que levou o STJ a 
 entender “ter havido justa causa de resolução”, razão pela qual “reconhecida a 
 justa causa, resulta a licitude da resolução e, consequentemente, a inexistência 
 da obrigação de indemnizar com tal fundamento, que é o único que suporta a 
 condenação das Recorrentes B. e C. relativamente aos danos por lucros 
 cessantes”.
 
  
 A apresentação da queixa-crime pela Reclamante, nos termos dos artigos 113°, n.º 
 
 1, do CP e 49°, n.º 3, do CPP, foi assim a razão determinante para o STJ ter 
 tomado a decisão que tomou, no sentido de reconhecer a justa causa da resolução 
 e, consequentemente, de não existir qualquer obrigação de indemnizar. 
 
  
 Sucede, porém, que, tal como se salientou no requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, a mencionada interpretação feita pelo 
 STJ viola o artigo 20. ° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, 
 consequentemente, o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela 
 jurisdicional efectiva. 
 
  
 A este respeito, salienta ainda a Decisão Sumária que “claro está que a decisão 
 recorrida nunca afirmou que a recorrente estaria privada de recorrer ao 
 mecanismo da queixa-crime, tendo apenas concluído que tal recurso (...) 
 permitiria a prova da quebra de confiança entre as partes contraentes e, 
 consequentemente, legitimaria a resolução do referido contrato”
 
  
 Ora, é claro que a decisão recorrida não afirmou “que a recorrente estaria 
 privada de recorrer ao mecanismo da queixa-crime”. Nem poderia fazê-lo! 
 
  
 Mas a decisão recorrida chega a esse mesmo resultado, ou seja, a decisão 
 recorrida sufraga o entendimento de que, com a queixa-crime, se quebra a 
 confiança e se dá razão à outra parte para resolver o contrato. 
 
  
 Quer dizer, qualquer pessoa que tenha o direito de apresentar uma queixa-crime, 
 mas que, ao mesmo tempo, saiba que se o fizer será condenada por frustração da 
 confiança e consequente quebra contratual, fica seriamente condicionada naquele 
 seu direito, pelas consequências gravemente negativas a que conduzirá, contra si 
 mesma, o exercício desse direito. 
 
  
 Ora, não pode sufragar-se este entendimento, ou seja, não pode aceitar-se que a 
 apresentação de uma queixa-crime legitime e justifique que a outra parte possa, 
 por isso mesmo, resolver licitamente o contrato, por alegada quebra de confiança 
 resultante da apresentação da queixa-crime. 
 
  
 
 É óbvio que, aceitar este entendimento, fará com que o queixoso veja gravemente 
 comprometido o seu direito de apresentar uma queixa-crime, nos termos dos 
 artigos 113. °, n.º 1, do CP e 49°, n.º 3, do CPP e, consequentemente, verá 
 também gravemente afectado o seu direito, constitucionalmente consagrado, de 
 
 “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses 
 legalmente protegidos” (artigo 20.° da CRP). 
 
  
 Esta questão, e posição que defendemos aqui, não é nova. Na verdade, e como já 
 dissemos na presente Reclamação (cfr. capítulo II), o próprio Tribunal Arbitral 
 
 (presidido pelo Dr. Armindo Ribeiro Mendes), bem como o Professor Pinto Monteiro 
 no Parecer junto aos autos, já nos haviam chamado a atenção para esta mesma 
 questão. 
 
  
 Sendo que, e conforme já se mencionou no requerimento de interposição de recurso 
 para o Tribunal Constitucional, a ora Reclamante sucessivamente foi defendendo 
 que o exercício da queixa-crime não pode configurar, por si só, justa causa de 
 resolução contratual de um contrato, sob pena de se estar a condicionar e a pôr 
 em causa o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais. 
 
  
 Em suma, o vínculo contratual existente entre as partes não pode impedir, nem 
 condicionar, qualquer uma delas de exercer o seu direito de apresentar uma 
 participação criminal contra a outra. 
 
  
 Não se pode assim subscrever o entendimento do STJ, sob pena de se estar a 
 condicionar gravemente o direito de acesso aos tribunais. Isto porque a 
 apresentação de uma queixa-crime configura um direito processual de natureza 
 pública, devendo a denúncia constante de uma queixa-crime ser vista como o 
 exercício do direito fundamental de acesso aos tribunais, direito que se deve 
 poder exercer livre e incondicionalmente.» (fls. 3467 a 3476)
 
  
 
  
 
 3. As recorridas B., S.A., e C., Lda., notificadas do referido requerimento, 
 vieram responder-lhe nos termos seguintes: 
 
  
 
  
 
 «1.       O passo do acórdão do STJ dos autos que vai de fls. 63 a 70 (numeração 
 das págs. do acórdão) esclarece, maxime a fls. 69, último parágrafo, concluído a 
 fls. 70, que, in casu, fundamento lícito da resolução contratual foi esta — a 
 dos autos — queixa, e não uma qualquer. 
 
  
 
 2.         Mas ainda que assim não fosse, muito surpreende que a Reclamante se 
 não tenha apercebido que o acórdão do STJ dos autos não faz qualquer 
 interpretação dos art°s 113°, nº 1, do CP, e 49°, no 1, do CPP. O que poderia 
 dizer-se — mas não foi dito, arguido ou reclamado — é que o mesmo acórdão, 
 quando considera uma queixa-crime temerária como fundamento legal de resolução 
 por quebra do dever de lealdade tal como deve desenhar-se em contrato intuitu 
 personae, faria interpretação inconstitucional do art° 432°, nº 1, do CCivil, 
 por restringir, fundado na interpretação deste preceito, o direito de queixa, 
 com a dignidade constitucional que comporta. Não faria, mas convir-se-á que, 
 liminarmente, não era nenhum disparate. 
 
  
 
 3.         Termos em que deve ser indeferida a reclamação.» (fls. 3478 e 3479)
 
             
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Os argumentos convocados pela reclamante não logram abalar, de modo algum, o 
 sentido da decisão ora reclamada.
 
  
 Desde logo, importa esclarecer que o Tribunal Constitucional apenas pode 
 sindicar a constitucionalidade das normas efectivamente aplicadas pelos 
 tribunais recorridos – e nos exactos sentido e extensão em que o foram –, 
 conforme lhe está expressamente imposto pelo artigo 79º-C da LTC. 
 
  
 As interpretações normativas aplicadas pelas decisões recorridas cristalizam e 
 formatam o objecto de cada recurso de constitucionalidade.
 
  
 Ora, ainda que dela discordasse, o reclamante estava onerado a indicar, precisa 
 e fielmente, a interpretação normativa efectivamente aplicada pela decisão 
 recorrida, sob pena de impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso por 
 parte deste Tribunal. 
 
  
 Conforme já se demonstrou na decisão reclamada, o tribunal recorrido não aplicou 
 efectivamente a interpretação normativa reputada de inconstitucional pela 
 reclamante. Ao invés, entendeu que as normas do Código Civil que prevêem o 
 fundamento de resolução de um contrato privado, em caso de violação da confiança 
 entre as partes contraentes (podendo-se intuir as que resultam dos artigos 432º, 
 n.º 1, 762º, n.º 2, 798º, 801º, n.º 1, todos do Código Civil), podiam ser 
 interpretadas no sentido de que a apresentação de uma queixa-crime, por uma das 
 partes contra outra delas, constitui fundamento legítimo para a resolução de um 
 contrato. 
 
  
 Aliás, ao reportar-se ao artigo 113º, n.º 1, do Código Penal e ao artigo 49º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, o próprio reclamante adoptou uma estratégia 
 processual que conduziu este Tribunal a reconhecer a impossibilidade legal de 
 tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
 
  
 Como tal, não se verifica qualquer fundamento para colocar em crise a decisão 
 sumária ora reclamada, antes sendo de mantê-la integralmente.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 9 de Novembro de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão