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Processo n.º 212/10
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A - Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no n.º 3 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual 
 versão (LTC), do despacho do Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, 
 de 9 de Fevereiro de 2010, que não lhe admitiu o recurso que interpôs para o 
 Tribunal Constitucional do despacho proferido, na fase instrutória, que lhe 
 indeferiu a arguição de várias nulidades e a pronunciou pelos factos acusados.
 
  
 
             2 – A reclamante foi acusada pelo Ministério Público, em processo 
 comum e com tribunal colectivo, da prática, em co-autoria material, de um crime 
 de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 
 n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
 
             Notificada da acusação, a arguida veio requerer a instrução, 
 invocando a nulidade da acusação por conter factos em relação aos quais não 
 havia sido confrontada e por ter sido ordenada a separação de processos, 
 questões essas já colocadas anteriormente em outro requerimento apresentado já 
 depois de ter tomado conhecimento da acusação.
 
  
 
             3 – Na decisão instrutória, o Juiz de Instrução Criminal julgou 
 improcedentes as duas nulidades e pronunciou a arguida pelos factos constantes 
 da acusação.
 
  
 
             4 – Notificada desta decisão, a reclamante interpôs recurso para o 
 Tribunal Constitucional, sob invocação do disposto na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade da 
 interpretação efectiva feita nos autos, no que à primeira questão diz respeito, 
 dos artigos 272.º, n.º 1, 120.º, n.º 2, alínea d), 141.º, n.º 4, alínea c) e 
 
 144.º, todos do CPP, no sentido de que não é obrigatório interrogar o arguido em 
 inquérito sobre todos os factos imputados que se pretendam levar à acusação”, e, 
 no tocante à segunda questão, “da interpretação feita do artigo 30.º do CPP no 
 sentido de que o M.º P.º pode ordenar a separação de processos atinentes a 
 crimes conexos, invocando exclusivamente razões de organização interna”.
 
  
 
             5 – O recurso não foi admitido pelo tribunal a quo, com o fundamento 
 de que as concretas questões de inconstitucionalidade não haviam sido suscitadas 
 no processo.
 
  
 
             6 – É desta decisão que a arguida reclama, argumentando do seguinte 
 jeito:
 
  
 
 «1. A lei impõe, efectivamente, que a inconstitucionalidade da norma aplicada 
 haja sido suscitada durante o processo. (artigo 790º nº 1, alínea b) da Lei do 
 TC)
 
  
 
 2. Porém, a Jurisprudência é uniforme no sentido de tal não ser necessário «…em 
 casos em que o interessado, antes de proferida a decisão, não havia disposto de 
 oportunidade processual para levantar a questão…», como nos casos de decisão 
 surpresa.
 
  
 
 3. Como ocorreu no caso concreto.
 
  
 
 4. Efectivamente, no que concerne à interpretação dos artigos 272.º, n.º 1, 
 
 120.º, n.º 2, alínea d), 141.º, n.º 4, alínea c) e 144º do CPP, para evitar 
 interpretações menos correctas, o legislador de 2007 fez questão de precisar que 
 os interrogatórios dos arguidos incluem os «…factos que lhe são concretamente 
 imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, 
 modo e lugar…» que ficam todos a constar do auto, exactamente para se permitir o 
 controlo efectivo da factualidade com o arguido foi confrontado e, pois, pela 
 qual poderá vir a ser responsabilizado. É, assim, impensável, surpresa absoluta, 
 a consideração de que alguém possa ser acusado por factos que não constam desses 
 interrogatórios; é a subversão absoluta do direito de defesa.
 
  
 
 5. Da mesma forma é impensável que num processo onde até já tinha havido 
 intervenção judicial, o Mº Pº ordene, em caso de crimes conexos, a separação de 
 processos aduzindo, exclusivamente, a organização interna do Mº Pº para 
 investigar este ou aquele tipo de crimes; seria o administrativar da justiça 
 penal e a anulação da estrutura acusatória do processo penal.
 
  
 
                           Termos em que,
 
  
 Deve ser ordenado que o recurso interposto seja admitido, por a decisão 
 recorrida, na parte questionada, se apresentar como uma decisão com carácter de 
 surpresa e imprevista».
 
  
 
             7 – O Procurador-Geral Adjunto respondeu sustentando o indeferimento 
 da reclamação, por, no caso dos autos, não se estar perante nenhuma 
 interpretação imprevisível, insólita ou inesperada, mas antes «a interpretação 
 levada a cabo é “a normal”, “a corrente”, a “lógica” e a absolutamente 
 previsível».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
 8.1 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea 
 b) do n.º 1 do art. 280º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na 
 alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que a 
 questão de inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada como ratio 
 decidendi da decisão recorrida tenha sido suscitada durante o processo.  
 O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este 
 Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no 
 Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse 
 requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a 
 inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas 
 
 “num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita 
 em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de 
 constitucionalidade) respeita”. 
 Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário 
 da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal 
 cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da 
 questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma 
 secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal 
 recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o 
 Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da 
 questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão». 
 Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a 
 intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da 
 questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter 
 apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o 
 Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 
 
 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 
 
 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 (sobre o 
 sentido de um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, A Jurisdição 
 Constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e actualizada, pp. 76 e segs.).
 A suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se, assim, numa 
 alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por 
 inconstitucional e se problematize a questão de validade constitucional da norma 
 
 (dimensão normativa) através da alegação de um juízo de antítese entre a 
 norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, 
 pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola 
 ou afronta.
 
 É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º 
 
 354/94, mas isso apenas acontece em situações excepcionais ou anómalas, nas 
 quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a 
 questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o 
 fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo 
 insólita e imprevisível. 
 Usando os termos do Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem pretenda 
 recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de uma norma 
 que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a questão de 
 constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido o acórdão 
 da conferência de que recorre...”. 
 E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa 
 oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa 
 decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s) 
 articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear 
 juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por 
 antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se 
 poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados 
 pelo juiz. 
 Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, 
 as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas 
 poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa 
 das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em 
 face da lei fundamental. 
 Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito 
 plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade 
 constitucional. 
 
             O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e 
 pela forma adequada enquadra-se, assim, dentro destes parâmetros acabados de 
 definir.
 
  
 
 8.2 – Ora, no caso dos autos, a reclamante dispôs de duas oportunidades para 
 suscitar a questão de constitucionalidade dos preceitos cuja aplicação era 
 convocável para decidir as questões de nulidades colocadas ao tribunal de 
 instrução criminal: no requerimento apresentado logo que foi notificada da 
 acusação contra ela deduzida e, mais tarde, na dedução do pedido de instrução.
 Tendo a reclamante colocado à apreciação do tribunal a quo as duas referidas 
 questões de nulidade e podendo/devendo elas ser decididas com base na aplicação 
 dos referidos preceitos legais, cuja apreciação de constitucionalidade agora se 
 pretende ver efectuada, demandava o mais elementar dever de prudência técnica, 
 para mais exigível de quem exerce profissionalmente o mandato forense, que 
 suscitasse as questões de validade constitucional dessas normas no requerimento 
 de abertura da instrução.
 O certo é que a reclamante não o fez, não cumprindo assim o ónus de adequada 
 suscitação da questão de constitucionalidade.
 E, ao contrário do que pretende, não se pode considerar a mesma dispensada desse 
 cumprimento, porquanto o sentido emprestado aos preceitos não pode, de modo 
 algum, ter-se como imprevisível, insólito ou inesperado, em termos de dever 
 ter-se como desrazoável exigir da reclamante a sua antecipação.
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir 
 a reclamação e condenar a reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 
 UCs.
 Lisboa, 14/04/2010
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos