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Processo n.º 44/2010
 
 3.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A., arguido em processo comum a correr termos no Tribunal Judicial da 
 comarca de Chaves, deduziu incidente de recusa de juiz nos termos do artigo 43.º 
 do Código de Processo Penal. 
 Por Acórdão datado de 3/6/2009 veio o Tribunal da Relação do Porto a decidir o 
 incidente, indeferindo o pedido de recusa. 
 Apresentou então A. requerimento, onde se dizia, a final: 
 
  
 Por mera cautela, dado o formalismo seguido na decisão, [vem o requerente] 
 arguir a inconstitucionalidade da interpretação do art. 97º n.° 5 do CPP, no 
 sentido de que a especificação dos motivos de facto não obriga à fixação prévia 
 dos factos provados e não provados e à explicitação do procedimento lógico 
 seguido pelo tribunal na formação dessa decisão, por violação do dever de 
 fundamentação previsto no art. 205.° n.° 1 da CRP e do direito ao recurso 
 consagrado no art. 32.° n.° 1 da CRP.
 
  
 Em relação a este requerimento, e por Acórdão datado de 16/9/2009, decidiu o 
 Tribunal da Relação: 
 
  
 
  
 No requerimento sob apreciação, surgem escritos vários comentários sobre o modo 
 de elaboração do Acórdão que indefere a pretensão do seu autor, a par de 
 explicações sobre como o requerente pensa que deveria ter sido elaborado, de 
 permeio com expressões depreciativas para com os Tribunais (que «têm dificuldade 
 em tomar posição sobre uma simples nulidade»), e comentários referentes à 
 conduta do advogado (subscritor do requerimento), em relação à Senhora Juíza 
 cuja recusa foi indeferida, num todo que extravasa claramente a órbita deste 
 Processo. 
 Em nenhum local desse requerimento se menciona ser um pedido de aclaração o que 
 se pretende, único caso em que o decidido poderia ser completado. 
 O Acórdão proferido por este Tribunal encontra-se devida e adequadamente 
 fundamentado tal como se alcança da sua leitura, nenhuma omissão existindo a 
 esse respeito. 
 O incidente suscitado não tem qualquer fundamento.
 
  
 Notificado desta decisão, veio o requerente apresentar ainda novo requerimento, 
 onde se dizia, a final: 
 
  
 Por mera cautela, atendendo às irregularidades patentes na decisão de Vs Exas e 
 ao que delas racionalmente se pode inferir, bem como à afirmação explícita de 
 que primeiramente decidido não pode ser completado ou alterado, aquando e por 
 causa da sanação dos vícios apontados, desde já, vem arguir a 
 inconstitucionalidade da interpretação das normas ínsitas nos arts. 425.°, n.°s 
 
 1 e 4 do CPP e 670.° e 671.° do CPC, quando interpretadas no sentido de que a 
 Relação não pode conhecer fundamentadamente os vícios inerentes a acórdão 
 inicial por si proferido, mas não passível de recurso, acórdão que foi objecto 
 de arguição de irregularidades várias e da inconstitucionalidade da 
 interpretação aí seguida de determinada norma, e não pode conhecer decisões 
 similares posteriores, por violação do art. 32.°, n.° 1 da CRP (Cf. acórdão 
 
 112/2007 do TC).
 
  
 Em relação a este novo requerimento, e em Acórdão datado de 14/10/2010, decidiu 
 desta feita o Tribunal da Relação: 
 
  
 O Acórdão deste Tribunal que indeferiu o pedido de recusa, é insusceptível de 
 recurso (art.° 45º, n.° 6 do CPP). 
 O incidente suscitado após o seu proferimento, foi considerado sem qualquer 
 fundamento, não se mostrando ser um pedido de aclaração, nem se mostrando que o 
 Acórdão proferido padecesse de alguma omissão – nomeadamente ao nível da sua 
 fundamentação – que carecesse de ser suprida. 
 Dispõe o art.° 677.° do CPC – aplicável subsidiariamente – que a decisão se 
 considera passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de 
 recurso ordinário ou de reclamação. 
 Consequentemente, o Acórdão proferido nestes autos, decidindo o pedido de 
 recusa, transitou em julgado, impondo-se que o decidido seja executado, e o 
 processo onde o incidente foi deduzido, retome os seus normais termos. 
 As “irregularidades” agora assacadas, já não apenas ao Acórdão proferido, mas 
 também àquele que as julgou inexistentes, não têm qualquer fundamento. 
 Igualmente o não têm “as inconstitucionalidades” que não se mostram, atempada, 
 ou adequadamente invocadas.
 
  
 
  
 
 2.  Notificado desta decisão, veio o requerente interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82. O 
 recurso foi interposto das duas últimas decisões atrás mencionadas (Acórdãos de 
 
 16/9/2009 e 14/10/2009) e nos termos seguinte: 
 
  
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação efectiva 
 feita nos autos do artigo 97º n.° 5 do CPP, no sentido de que a especificação 
 dos motivos de facto da decisão, num incidente de recusa, não obriga à fixação 
 prévia dos factos provados e não provados e à explicitação do procedimento 
 lógico seguido pelo tribunal na formação de tal decisão e dos artigos 45.° nº 6 
 do CPP e 677º do CPC interpretados no sentido de que transitou em julgado, não 
 podendo ser completado ou mesma alterada decisão atinente a incidente de recusa 
 a que se aponta deficiente fixação da matéria de facto e de fundamentação, por 
 não ser passível de recurso strictu sensu. 
 A interpretação efectuada do artigo 97º n.° 5 viola os artigos 205.° e 32.° n.° 
 
 1 da CRP. 
 A interpretação efectuada do artigo 45º n.° 6 do CPP e 677.° do CPC viola o 
 artigo 32.° n.° 1 da CRP.
 
  
 Mais se acrescentando: 
 
  
 A questão da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 97.° n.° 5 foi 
 suscitada anteriormente, quando e logo que, notificado do 1.° acórdão, constatou 
 que a factualidade articulada para fundamentar o pedido não só no tinha sido 
 ponderada especificadamente, como o impõe a lei, como se dava como apurada 
 factualidade que os autos demonstravam não ser verdadeira. Era de todo 
 impensável, antes, que tal viesse a ocorrer, face ao teor explícito da norma, 
 ordenando que os actos decisórios sejam sempre fundamentados, devendo ser 
 especificados os motivos de facto da decisão.
 A inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 45.º n.º 6 e 677.º do CPC 
 só agora pode ser levantada, não tendo havido oportunidade processual de o fazer 
 antes, apesar do exarado no anterior requerimento, porquanto a decisão de folhas 
 
 361 a 364 não tinha qualquer fundamentação de direito.
 
  
 
  
 
 3.  Por despacho datado de 4/11/2009, não foi o recurso admitido pelo tribunal a 
 quo, por se ter entendido que havia já transitado em julgado a decisão 
 recorrida. 
 A. reclama, então, para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no nº 4 
 do artigo 76.º da Lei nº 28/82. 
 São os seguintes, os fundamentos da reclamação: 
 
  
 Embora com uma linguagem extremamente confusa e tecnicamente muito deficiente só 
 se pode entender a decisão reclamada como um despacho que não admitiu o recurso 
 interposto por ser extemporâneo por terem transitado em julgado as decisões 
 objecto do recurso. 
 Porém, não é verdade que tenham transitado em julgado as decisões questionadas. 
 Efectivamente, as duas foram colocadas em crise, oportunamente, na forma legal. 
 
 (Cf. Acórdão 112/2007 do TC).
 Sendo que uma das questões objecto de recurso tem até a ver com o inaudito 
 conceito que o senhor juiz reclamado tem de trânsito em julgado.
 
  
 
  
 
 4.  O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional pugnou pelo 
 indeferimento da reclamação, embora com fundamentos diferentes dos invocados 
 pelo despacho reclamado. 
 Tendo em conta que o recurso para o Tribunal Constitucional se reporta às 
 decisões proferidas pelo Tribunal da Relação a 16 de Setembro e a 14 de Outubro 
 de 2009 (e não ao Acórdão de 6 de Junho, que decidiu o incidente de recusa de 
 juiz) e que o mesmo é interposto a 30 de Outubro, conclui o Ministério Público 
 que se não pode sustentar taxativamente a extemporaneidade do mesmo. No entanto, 
 acrescenta, será sempre de indeferir a reclamação, por não terem sido 
 efectivamente aplicadas, pelo tribunal a quo, as normas cuja 
 inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie. 
 Atento o visto do Ministério Público, ordenou-se no Tribunal Constitucional a 
 sua notificação ao reclamante, para que este, querendo, se pronunciasse sobre o 
 novo fundamento de não admissão do recurso de constitucionalidade que aí fora 
 aduzido.
 O reclamante respondeu do seguinte modo:
 
  
 A Reclamação foi tempestiva porquanto, estando nós no processo penal e sendo a 
 notificação feita nos termos do artigo 113º nº 2 do CPP, a notificação ocorreu 
 no dia 20 de Outubro e não no dia 19, como por lapso se parece ter entendido, já 
 que 17 e 18 de Outubro foram, respectivamente, sábado e Domingo. 
 A decisão recorrida aplicou a norma na dimensão questionada já que a 
 fundamentação crime, excluindo as decisões finais, deve obediência ao disposto 
 no artigo 97º n° 5 do CPP, portanto o único normativo que pode ser chamado à 
 discussão.
 Não tinha que arguir a Nulidade do decidido sobre o trânsito em julgado, 
 porquanto do anteriormente decidido já se percebia claramente como o Tribunal da 
 Relação entendia o dever de fundamentação e a possibilidade de o questionar. 
 Assim, a aplicação das normas ocorreu nos precisos termos do questionado pelo 
 que a reclamação deve ser DEFERIDA.
 
  
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 5.  De acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 280.º da Constituição, replicada 
 pela alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem normas cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. 
 No caso, vem o requerente pedir que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade 
 de duas normas, a saber: (i) a norma constante do artigo 97.º, nº 5, do CPP, 
 interpretada no sentido segundo o qual a especificação dos motivos de facto da 
 decisão, num incidente de recusa, não obriga à fixação prévia dos factos 
 provados e não provados e à explicitação do procedimento lógico seguido pelo 
 tribunal na formação de tal decisão; (ii) a norma que se retira das disposições 
 conjugadas dos artigos 45.º, nº 6, do CPP e 677.º do CPC, segundo a qual 
 transitou em julgado, não podendo ser completada ou mesmo alterada decisão 
 atinente a incidente de recusa a que se aponta deficiente fixação da matéria de 
 facto e de fundamentação, por não ser possível [a mesma decisão] de recurso 
 stricto sensu. 
 No entanto, e como decorre dos excertos transcritos supra, nº 1, nenhuma destas 
 normas foi efectivamente aplicada pelo Tribunal da Relação nas decisões de que 
 se recorre. 
 Assim, é manifesto que o recurso não pode ser admitido no Tribunal 
 Constitucional, pois que não estão reunidos, no caso, os pressupostos 
 necessários para a sua interposição. 
 Nestes termos, é de indeferir a reclamação apresentada. 
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide indeferir a reclamação 
 apresentada. 
 
  
 
  
 Custas pelo reclamante, fixadas em 20 ucs. da taxa de justiça
 
  
 
  
 Lisboa, 14 de Abril  de 2010
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão