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Processo n.º 149/2010
 
 3.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal 
 Administrativo, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o 
 recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
 O despacho reclamado tem o seguinte teor:
 
  
 Tendo em consideração o teor da informação que antecede e o disposto no art. 
 
 75.º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15.11, a Lei de processo do TC, segundo o qual 
 o prazo para a interposição do recurso para aquele Tribunal é de 10 dias (é 
 idêntico ao do art. 685, n.º 1 do C.P.C.) não admito o recurso.
 
  
 
  
 
 2.  Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o 
 seguinte:
 
  
 I
 Por acórdão do Conselho Superior do Ministério Público de 22-11-04, foi punido 
 com a pena de um ano de inactividade, tendo impugnado tal deliberação perante o 
 STA.
 Por acórdão de 13-01-05, foi-lhe concedida a suspensão de eficácia do acto 
 administrativo punitivo.
 O CSMP requereu a revogação da suspensão de eficácia, tendo dito que o fazia com 
 base no disposto no art. 124º, nº 3, do CPTA. O requerimento foi deferido, tendo 
 sido revogada a providência.
 Na sua oposição, o reclamante arguiu de inconstitucionais as normas contidas nos 
 nºs 1 e 3 do citado art. 124º, quando interpretadas no sentido de a providência 
 poder ser revogada ou alterada sem ser necessária a verificação da alteração das 
 circunstâncias de facto que estiveram na base da concessão, por violação dos 
 princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º), da segurança jurídica (art. 
 
 2º), da igualdade (art. 13º), do excesso (art. 18º) e da intangibilidade do caso 
 julgado (arts. 2º, 111º, nº 1, 205º, nº 2, e 282º, nº 3), todos da Constituição.
 No despacho reclamado diz-se que não se admite o recurso porque o mesmo foi 
 interposto depois de ter expirado o prazo leal.
 Em poucas linhas se demonstrará que o recurso é tempestivo.
 Ora, o sobrescrito contendo a cópia do acórdão para notificação tem a data de 
 registo de 20 de Novembro, pelo que se presume recebido pelo destinatário no dia 
 
 23 seguinte (art. 254º, nº 3, do CPC).
 O dia da notificação não se inclui no prazo, o que bem se compreende, uma vez 
 que a distribuição postal nunca é efectuada antes do meio dia: “dies a quo non 
 congrutatur in termino” (arts. 279º, al. b), e 296º, ambos do CC).
 Sendo assim, o prazo de recurso para o Pleno da Secção, que é de 15 dias, 
 começou a correr no dia 24 e terminou no dia 9 de Dezembro, já que o dia 8 foi 
 feriado (art. 144º, nº 2, do CPP).
 Porém, o recurso podia ser interposto até ao 3º dia útil seguinte, mediante o 
 pagamento de multa, do que resultou um alongamento do prazo até ao dia 14 (2ª 
 feira) – art. 145º, nºs 5 e 6, do CPC.
 Se o recurso ordinário podia ser interposto até ao dia 14, o prazo de recurso 
 para o Trib. Constitucional só podia começar a correr no dia 15, pelo que 
 terminou no dia 24, sem se contar com os três dias úteis seguintes.
 Tendo o requerimento de interposição dado entrada no dia 22, o mesmo não pode 
 deixar de ser considerado tempestivo, pelo que se mostra violado o art. 70º, nºs 
 
 2 e 4, da LOTC.
 Mas ainda que tivesse dado entrada num dos três dias úteis seguintes ao termo do 
 prazo normal e o reclamante não pagasse a multa de imediato, deveria a 
 secretaria notificá-lo oficiosamente para o efeito (nº 6 do citado art. 145º).
 
  
 
  
 Se a secretaria não o fizesse oficiosamente, devia o relator, sem necessidade de 
 requerimento, proferir despacho a ordenar a notificação, não sendo caso de se 
 extinguir o direito, como é jurisprudência consolidada (entre muitos outros, 
 acs. do STJ de 21-10-99 e 09-12-99, da RL de 10-02-00, BMJ nºs 490-244, 492-395 
 e 494-388, e da RC de 24-10-06, sumariado em Abílio Neto, Código de Processo 
 Civil anot., 22ª ed., Lisboa, Ediforma, 2009, p. 289).
 
  
 II
 Outra questão é a do efeito que há-de ser atribuído ao recurso, já que se trata 
 de cumprir ou não cumprir uma sanção muito grave antes de ser conhecida a 
 decisão definitiva, eventualmente favorável ao reclamante, no processo 
 principal.
 Não se trata da revogação da suspensão de eficácia de uma deliberação que 
 ordenara, por exemplo, a demolição de uma obra, em que apenas estão em causa 
 valores patrimoniais e em que os prejuízos sofridos pelo interessado são 
 facilmente reparáveis por meio de uma compensação monetária.
 
 É violento ser obrigado a cumprir uma sanção que mais tarde pode vir a ser 
 anulada ou substituída por outra mais leve. Não podem deixar de se sentir com 
 intensidade o desgosto pelo afastamento da actividade que se exerce, a 
 auto-estima, a desconsideração por familiares, vizinhos e amigos, porque não é 
 possível ocultar a situação perante ninguém.
 No caso do reclamante a situação é mais grave. De facto, como ficou demonstrado 
 no pedido de suspensão de eficácia e na oposição ao requerimento de revogação da 
 mesma, tem uma filha que é estudante universitária, a sua mulher é aposentada 
 com a invalidez de 72% e o seu encargo com a habitação é de 840,00 euros 
 mensais, bastante superior ao valor da pensão de aposentação, que é inferior a 
 
 600,00 euros.
 Como se considerou no acórdão que concedeu a providência, são irreparáveis os 
 prejuízos que o reclamante sofrerá se ficar privado do seu vencimento, uma vez 
 que é o suporte económico do seu agregado familiar.
 A ofensa dos seus direitos é de tal ordem que é insusceptível de “desaparecer” 
 ou ficar “apagada” como mera consequência do julgamento no processo principal, 
 ficando a sua situação afectada de forma irreversível.
 No ac. nº 624/09, DR, 2ª Série de 18-01-2010, considerou-se que a não suspensão 
 de uma deliberação social que apenas diminuíra a remuneração de um gerente podia 
 causar-lhe prejuízos insusceptíveis de serem completamente compensados com 
 eventual procedência da acção de anulação, como sejam a não satisfação das 
 necessidades passadas do próprio e dos membros do seu agregado familiar.
 A lei diz que o efeito do recurso de constitucionalidade é aquele que teria o 
 recurso ordinário que não foi interposto, pelo que está em causa a interpretação 
 da lei processual administrativa (art. 78º, nº 2, da LOTC).
 O art. 105º da LPTA dizia que os recursos que subissem imediatamente tinham 
 efeito suspensivo, só não o tendo quando fossem impugnadas decisões que 
 suspendessem a eficácia de actos que tivessem sido impugnados contenciosamente.
 O art. 143º, nºs 1 e 2, diz que os recursos têm, em regra, efeito suspensivo, 
 excepcionando os que são interpostos de decisões respeitantes à adopção de 
 providências cautelares, que têm efeito meramente devolutivo.
 Verifica-se que entre os dois artigos apenas há uma diferença formal, não de 
 conteúdo. Na excepção apenas cabem as decisões que concedam providências, não 
 aquelas que as revoguem.
 Uma interpretação no sentido de a excepção do nº 2 abranger os recursos 
 interpostos destas últimas decisões não é admissível, já que se trata de um 
 pensamento legislativo que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência 
 verbal (art. 9º, nº 2, do CC).
 Por outro lado, e não menos importante, o nº 2, como norma excepcional que é, só 
 pode ser aplicado aos casos expressamente previstos, não comportando aplicação a 
 casos que possam parecer análogos (art. 11º do CC).
 A única interpretação conforme com a Constituição é aquela segundo a qual o 
 recurso da decisão que revogou a suspensão de eficácia de um acto administrativo 
 que aplicara uma sanção disciplinar, nomeadamente a pena de inactividade, cabe 
 na regra geral do nº 1, não no nº 2, tendo efeito suspensivo. De outro modo, o 
 recurso é inútil.
 No acórdão nº 442/00, em parte transcrito no citado acórdão nº 624/09, em que se 
 discutia se era admissível recurso de constitucionalidade de decisões relativas 
 a providências cautelares, refere-se que, sendo-o, o mesmo devia ter sempre 
 efeito suspensivo.
 Quando interpretadas no sentido de o recurso interposto de decisão que revogou a 
 suspensão de eficácia de acto punitivo em matéria disciplinar, ter efeito 
 meramente devolutivo, as normas contidas nos nºs 1 e 2 do citado art. 143º 
 violam os princípios da segurança jurídica e do Estado de direito democrático 
 
 (art. 2º), da proporcionalidade ou da proibição do excesso (art. 18º, nº 2), de 
 acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º, nº 5), do desenvolvimento da 
 personalidade (art. 26º, nº 1), do direito de defesa (art. 32º, nº 10) e da 
 tutela jurisdicional efectiva (art. 268º, nº 4), todos da Constituição, pelo que 
 não devem ser aplicadas com tal interpretação.
 
  
 Nestes termos, deve a presente reclamação ser deferida e, em consequência:
 a)  revogar-se o despacho reclamado e ordenar-se que o recurso seja admitido; e
 b)  ordenar-se que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso, recusando-se a 
 aplicação das normas contidas nos nºs 1 e 2 do art. 143º do CPTA, quando 
 interpretadas no sentido de o nº 2 abranger e excepcionar da regra geral do nº 1 
 o recurso interposto de decisão que revogou a suspensão de eficácia de acto 
 administrativo que aplicara sanção de natureza disciplinar, nomeadamente a pena 
 de inactividade.
 
  
 
 3.  O recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
 
  
 A., não se conformando com o teor do acórdão proferido a 19 de Novembro, que 
 revogou a suspensão de eficácia que lhe havia sido concedida, dele interpõe 
 recurso para o Tribunal Constitucional, para que sejam apreciadas as questões de 
 inconstitucionalidade suscitadas, fazendo-o ao abrigo do disposto no art.º 70.º, 
 n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com alterações posteriores.
 Porque tem legitimidade, está em tempo e a decisão é recorrível, requer a V. 
 Ex.ª que o recurso seja admitido com efeito suspensivo e a subir nos próprios 
 autos.
 
  
 
 4.  O requerido no tribunal a quo [Conselho Superior do Ministério Público], 
 notificado do despacho de indeferimento do recurso de constitucionalidade, 
 sustentou a intempestividade do mesmo.
 Já no Tribunal Constitucional foi ouvido o Ministério Público.
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 5.  O despacho reclamado indeferiu o recurso de constitucionalidade com 
 fundamento em intempestividade, atendendo o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da 
 LTC, nos termos do qual “[o] prazo de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional é de 10 dias e interrompe os prazos para a interposição de outros 
 que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de 
 cessada a interrupção”.
 
 É de reconhecer razão ao reclamante no que respeita à improcedência do 
 fundamento oferecido no despacho reclamado para a não admissão do recurso de 
 constitucionalidade.
 Com efeito, tendo o recorrente sido notificado do acórdão da secção do Supremo 
 Tribunal Administrativo (STA) a 23 de Novembro de 2009, o prazo de recurso para 
 o Pleno iniciou-se a 24 de Novembro e terminou a 9 de Dezembro de 2009 (face ao 
 feriado do dia 8 de Dezembro), só nessa data tendo o acórdão da secção 
 transitado em julgado e só então se iniciando a contagem do prazo, de 10 dias, 
 para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (a contagem desse 
 prazo inicia-se logo a 10 de Dezembro e não – como pretende o reclamante – 
 apenas a 14 de Dezembro em virtude de um alongamento resultante do disposto nos 
 n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º do CPC); prazo esse que terminou a 21 de Dezembro de 
 
 2009 (dado que dia 19 foi sábado).
 Assim, uma vez que o requerimento para a interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional deu entrada a 22 de Dezembro de 2009, i. é, dentro do prazo de 
 três dias úteis concedido pelo artigo 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, a secretaria 
 devia ter notificado o recorrente para efectuar o pagamento da multa.
 
  
 
 6.  Improcedendo o fundamento oferecido no despacho reclamado para a não 
 admissão do recurso de constitucionalidade, importa, no entanto, considerando o 
 disposto no n.º 4 do artigo 77.º do LTC, verificar se existe algum outro 
 obstáculo ao conhecimento do recurso por parte do Tribunal Constitucional.
 Resulta do teor do requerimento de interposição do recurso conjugado com o da 
 reclamação que o objecto do presente recurso de constitucionalidade é 
 constituído pelas normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 124.º do Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos, quando interpretadas no sentido de a 
 providência cautelar poder ser revogada ou alterada sem ser necessária a 
 verificação da alteração das circunstâncias de facto que estiveram na base da 
 concessão.
 Importa então verificar se tais normas foram efectivamente aplicadas in casu 
 precisamente com o sentido que, na perspectiva do recorrente, seria 
 inconstitucional (v. Acórdãos n.ºs 487/95 e 1/95).
 Afirmou-se então o seguinte:
 
  
 Portanto, o que temos nos autos é um pedido de reapreciação de uma providência 
 cautelar que foi deferida em 2005, com vista à sua revogação, mas agora à luz da 
 realidade actual, com as vicissitudes por que passou a acção principal. Hoje 
 sabemos que a acção foi julgada totalmente improcedente neste Tribunal, 
 prosseguindo o interessado a litigar no Tribunal Constitucional, mas, ao mesmo 
 tempo, reabrindo urna segunda frente, suscitando uma questão nova – a da 
 prescrição do procedimento disciplinar. Tendo visto essa sua pretensão decair na 
 Secção, por evidente falta de suporte legal (acórdão de Julho do corrente ano), 
 logo aí suscitou novas inconstitucionalidades e deduziu um novo recurso para o 
 Pleno do Tribunal. Conduta que repete, agora, invocando mais 
 inconstitucionalidades.
 Como é sabido o deferimento da providência, nos termos da alínea b) do n.° 1 do 
 art.° 120º do CPTA, está dependente da verificação cumulativa dos requisitos aí 
 previstos. Tendo havido um primeiro julgamento no sentido da improcedência da 
 acção, e um segundo que o confirmou, in casu tem de dar-se como inverificado o 
 fumus boni iuris, ou seja, que é já manifesta “a falta de fundamento da 
 pretensão formulada” nos autos principais. Trata-se de uma situação clara de 
 ostensivo indeferimento. Esta circunstância impediria a concessão da providência 
 neste momento e serve de suporte à revogação da concedida, face ao disposto no 
 art.° 124. n.° 3 do CPA.
 Na sua resposta diz o requerido que a interpretação do disposto no n.° 3 do 
 art.° 124 do CPTA, sob pena de inconstitucionalidade, só pode ser feita em 
 conjugação com o n.° 1 do mesmo artigo por forma a que a sua aplicação só possa 
 resultar de uma alteração dos pressupostos de facto que serviram de fundamento à 
 decisão que determinou a suspensão de eficácia. Ora, pelo que se disse atrás, 
 fica patente a inverificação das invocadas inconstitucionalidades porquanto a 
 revogação da providência concedida assenta, justamente, na alteração de um 
 pressuposto essencial: no momento da concessão não era “manifesta a falta de 
 fundamento da pretensão formulada ou a formular” e agora é manifesta essa falta 
 de fundamento, por existir já não só uma mas duas decisões a negá-la.
 Procede, pois, o pedido formulado pelo CSMP.
 
  
 Tendo sido essa a fundamentação da decisão do Tribunal a quo para efeitos de 
 revogação da suspensão da eficácia inicialmente concedida, não restam dúvidas de 
 que se deu como verificada uma alteração das circunstâncias inicialmente 
 existentes para o efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 124.º do Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos.
 Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um 
 juízo que tem por objecto uma norma tal como foi aplicada num caso 
 concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que 
 a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de 
 constitucionalidade suscitada seja susceptível de produzir algum efeito sobre a 
 decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC 
 n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Tal não sucederia, pelas razões expostas no presente caso.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide 
 indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não 
 admitiu o recurso.
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 28 de Abril de 2010
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão