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Processo n.º 69/10
 
 2.ª Secção
 Relator:  Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no n.º 3 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual 
 versão (LTC), do despacho do Conselheiro relator, no Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (STJ), que decidiu não admitir o recurso de constitucionalidade interposto pela 
 reclamante do acórdão do mesmo STJ, de 5 de Novembro de 2009, que negou 
 provimento ao recurso interposto pela mesma recorrente de acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto.
 
  
 
             2 – O despacho reclamado tem o seguinte teor:
 
  
 
             «1. Notificada do acórdão de fls. 927, A. veio recorrer para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 
 
 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. 
 O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta falta de fundamento 
 do recurso, “na sua totalidade” e sustentou que, a não ser indeferido, lhe 
 deveria ser mantido o efeito meramente devolutivo. 
 
  
 
             2. A recorrente afirma ter “suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade nas suas alegações de recurso apresentadas junto do 
 Tribunal da Relação do Porto bem como no Supremo Tribunal da Justiça e do seu 
 requerimento de fls. 893 junto aos autos” e define quais as questões que 
 pretende ver apreciadas. 
 
             O presente recurso não é, todavia, admissível. 
 
             O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70° da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que o Tribunal 
 Constitucional aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de 
 interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão 
 recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade “durante 
 o processo” (al. b) citada), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim 
 resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo 
 Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, 
 publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro 
 de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
             É, ainda, necessário que tais normas tenham sido aplicadas com o 
 sentido acusado de ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., 
 nomeadamente, os acórdãos nºs 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 
 
 1995 e de 10 de Maio de 1996); e que a inconstitucionalidade haja sido 
 
 “suscitada durante o processo” (citada al. b) do nº 1 do artigo 70°), como se 
 disse, o que significa que há-de ter sido colocada “de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 estar obrigado a dela conhecer” (nº 2 do artigo 72° da Lei nº 28/82). 
 
             Para além disso, e como o Tribunal Constitucional também já observou 
 inúmeras vezes, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o 
 que implica que é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade 
 de repercussão do julgamento que nele venha a ser efectuado na decisão recorrida 
 
 (ver, por exemplo, o acórdão deste Tribunal com o nº 463/94, publicado no Diário 
 da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994). 
 
             Ora, no caso presente, verifica-se que: 
 
  
 
             a) – Não foi suscitada “durante o processo “, ou seja, nas alegações 
 de revista, a inconstitucionalidade de nenhuma norma contida no artigo 185° da 
 OTM (ponto 1) do requerimento de interposição de recurso); 
 
  
 
             b) – Nos pontos 2), 3) 4), 5), 6), 7) e 8) do requerimento de 
 interposição de recurso, a recorrente não define quaisquer normas, susceptíveis 
 de apreciação pelo Tribunal Constitucional; a recorrente antes manifesta 
 discordância com o conteúdo do que entende ter sido decidido pelo Supremo 
 Tribunal da Justiça. 
 
             Acresce que em relação aos mesmos pontos não foi suscitada “durante 
 o processo” – nem nas alegações da revista, nem no requerimento de fls. 893 – 
 nenhuma inconstitucionalidade normativa, o que toma inútil convidar a 
 recorrente, ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 75°-A da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, a indicar 28/82, de 15 de Novembro, a indicar quais as normas cuja 
 apreciação pretende. 
 
             E acresce ainda que: 
 
 – quanto ao ponto 2) – conceito de perigo – Não é exacto que o Supremo Tribunal 
 da Justiça tenha afirmado “expressamente (...) que «se não mostram 
 perspectivados ‘perigos de ordem psíquico psíquica’ resultantes do regresso da 
 menor», como se vê no respectivo ponto 7. O que o Supremo Tribunal da Justiça 
 observou foi que o acórdão recorrido fez essa afirmação e que, portanto, “não 
 tem pois cabimento afirmar que [o acórdão da Relação] desatendeu a «situação de 
 perigo efectivo em que incorre a criança (...)»“, como a recorrente tinha dito; 
 
 – quanto ao ponto 3), que não está provado “que ocorra o risco” em causa, como 
 se escreve no ponto 9. do acórdão; 
 
 – quanto ao ponto 4), que o Supremo Tribunal da Justiça nem apreciou a decisão 
 de não audição da menor, como resulta do ponto 10 do acórdão; 
 
 – quanto ao ponto 5), que não tem qualquer expressão no acórdão a “concepção 
 autoritária [de] poder paternal” (responsabilidades parentais) ou a “noção 
 restritiva de guarda” que a recorrente lhe atribui; 
 
 – quanto aos pontos 7) e 8), e como se observa no ponto 13. do acórdão, que “não 
 está em causa neste processo – nem poderia estar – nenhuma decisão sobre a 
 guarda da menor “, mas tão somente a garantia da “eficácia de uma decisão 
 judicial”. 
 
  
 
             c) No ponto 9), a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional 
 aprecie a “inconstitucionalidade da norma contida no art. 11°, n° 4 do 
 Regulamento (CE) n°2201/2003 do Conselho de 27-11-2003, a qual pressupõe que as 
 medidas adequadas a promover a segurança da criança têm de ser levadas a cabo 
 após o seu regresso “, norma que, em seu entender, viola o disposto no artigo 
 
 69° da Constituição. 
 
             Não curando agora de se tratar de uma norma constante de um 
 regulamento comunitário, e para além de não ter sido suscitada “durante o 
 processo” a sua inconstitucionalidade, a verdade é que tal norma não foi 
 aplicada no acórdão recorrido, como se verifica no respectivo ponto 9. Nenhuma 
 repercussão poderia assim no acórdão do Supremo Tribunal da Justiça ter uma 
 eventual apreciação. 
 
  
 
             3. Não sendo admissível o recurso, não se coloca a questão de saber 
 se deveria ser alterado o efeito – meramente devolutivo – que lhe é atribuído 
 pelo nº 1 do artigo 78° da Lei n°28/82, conjugado com o nº 1 do artigo 185° da 
 OTM. 
 
 4. Assim, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto a 
 fls. 949. Lisboa, 10 de Dezembro de 2009».
 
  
 
             3 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante discorre do 
 seguinte jeito:
 
  
 
 «1°
 Foi a recorrente notificada do despacho de não admissão do seu pedido de recurso 
 para o Tribunal Constitucional. 
 
 2°
 No referido despacho alega o Venerando Supremo Tribunal de Justiça que a 
 Recorrente no requerimento de interposição de recurso solicitou apenas que fosse 
 apreciada a inconstitucionalidade da própria decisão proferida. 
 
 3°
 Para além do mais, alegou que a Recorrente não suscitou durante o processo a 
 inconstitucionalidade. 
 No entanto, tal não corresponde à verdade.
 
  
 Senão vejamos, 
 
 4º
 A Recorrente não suscita a inconstitucionalidade da decisão recorrida. 
 
 5º
 A Recorrente o que faz é suscitar a violação da lei e princípios fundamentais 
 decorrente do entendimento e da interpretação que os Tribunais “a quo” fizeram 
 de alguns conceitos e normas. 
 
  
 
 6°
 
 É óbvio que tais interpretações influenciaram a decisão final, daí que a mesma 
 tenha de vir a ser reformulada – mas daqui só decorre o interesse processual do 
 presente recurso, porquanto se torna útil e relevante que o mesmo venha a ser 
 admitido. 
 
 7º
 Em suma, a interpretação e aplicação das normas e conceitos questionadas pela 
 Recorrente, com o sentido que lhes foi imputado pelas decisões recorridas 
 
 (decisões do Tribunal de 1ª Instância, Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de 
 Justiça – e não só deste último), viola a Lei fundamental – e é isso que se 
 pretende discutir em sede de alegações. 
 
 8°
 Tentemos assim decompor, de forma simples e objectiva, aquilo que – em suma – 
 foi alegado pela Recorrente no seu requerimento de interposição de recurso: 
 
  
 No ponto 1) a Recorrente alegou a violação do superior interesse da criança 
 
 (implícito na Constituição Portuguesa através do art. 69° - artigo decorrente 
 dos arts 25° e 26° da CRP - e art. 2° da Declaração dos Direitos da Criança de 
 
 1959 e art. 3°, n.º 2 e 19° da Convenção dobre os Direitos da Criança) devido à 
 interpretação e aplicação que fizeram os Tribunais “a quo” da norma contida no 
 art. 185° da OTM. – vide ponto 1 do requerimento de interposição de recurso para 
 o tribunal constitucional a fls.. dos presentes autos. 
 
  
 No ponto 2) a Recorrente alegou a forma como foi, no decorrer de todo processo, 
 interpretado e aplicado o conceito de perigo – tendo esta interpretação desde o 
 inicio sido aquela que relevou mais para a decisão final, porquanto se tivesse o 
 conceito de perigo sido interpretado de forma constitucionalmente admissível a 
 decisão teria sido contrária àquela que foi proferida pelos Tribunais “a quo” – 
 vide ponto 2 do requerimento de interposição de recurso para o tribunal 
 constitucional a fls.. dos presentes autos onde se expõe de forma mais detalhada 
 o nosso entendimento quanto à forma como deveria ter sido interpretado o 
 conceito de perigo de forma a não serem violados os arts. 69° da CRP (artigo 
 decorrente dos arts 25° e 26° da CRP), art. 2° da Declaração dos Direitos da 
 Criança de 1959 e art. 3°, n.º 2 e 19° da Convenção sobre os Direitos da 
 Criança. 
 
  
 No ponto 3) a Recorrente alegou que, em consequência da interpretação que 
 reiteradamente fizeram os tribunais “a quo” quanto ao conceito de perigo, foram 
 também mal aplicados os art.s 11°, n.º 4 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do 
 Conselho de 27 de Novembro de 2003 e art. 13° al. b) da Convenção de Haia de 
 
 1980 sobre os aspectos civis do rapto de menores, tendo assim a aplicação destes 
 artigos violado o art. 69° da CRP (artigo decorrente dos arts 25° e 26° da CRP), 
 art. 2° da Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e art. 3°, n.º 2 e 19° da 
 Convenção sobre os Direitos da Criança. – vide ponto 3 do requerimento de 
 interposição de recurso para o tribunal constitucional a fls.. dos presentes 
 autos. 
 
  
 No ponto 4) a Recorrente alegou que desde o inicio do processo foi preterida a 
 audição obrigatória da criança, violando assim os Tribunais um direito basilar 
 da criança em causa, porquanto as normas que prevêem a obrigação de audição da 
 criança, ao admitirem que esta pode não ser ouvida devido à sua idade ou 
 imaturidade, tem de ser interpretada de maneira a que o Tribunal não possa 
 partir do princípio que a criança em questão não tem maturidade suficiente para 
 ser ouvida sem antes a conhecer, pois só a conhecendo é que poderá aferir do seu 
 grau efectivo de maturidade. A interpretação das normas sobre a audição da 
 criança devem assim ser interpretadas no sentido de que o tribunal tem o “ónus 
 de provar” o contrário, tem de demonstrar e fundamentar porque razão aquela 
 criança não deve ser ouvida, não remetendo somente para a sua idade ou grau de 
 maturidade. 
 
  
 Por outro lado, mesmo que a criança não tenha maturidade suficiente, o princípio 
 enunciado no art. 12° da Convenção sobre os direitos da criança assegura que as 
 suas intenções deverão ser transmitidas por um seu representante, pelo que não 
 interpretando assim o princípio da audição obrigatória da criança os Tribunais 
 violaram através destas sucessivas decisões o direito fundamental da criança em 
 ser ouvida sobre os processos que a ela digam respeito, violando desta forma o 
 art. 69° da CRP – vide ponto 4 do requerimento de interposição de recurso para o 
 tribunal constitucional a fls.. dos presentes autos. 
 
  
 No ponto 5) a Recorrente alegou a interpretação que foi dada ao conceito de 
 
 “guarda” no decurso das decisões recorridas, tendo este conceito sido 
 reiteradamente restringido aos direitos do pai, em detrimento dos direitos 
 fundamentais da criança em causa, violando assim o art. 69° (decorrente do 25° e 
 
 26° da CRP) e 36° da CRP – vide ponto 5 do requerimento de interposição de 
 recurso para o tribunal constitucional a fls.. dos presentes autos. 
 
  
 No ponto 6) a Recorrente alegou que foi violado o princípio da actualidade e o 
 princípio do inquisitório. Estando estes princípios subjacentes aos processos 
 desta natureza têm obrigatoriamente de ser levados em conta na ponderação da 
 decisão final. Só que na verdade estes princípios não foram de todo aplicados, 
 porquanto se tivessem sido devidamente aplicados não teriam violado o art. 69 da 
 CRP (decorre do 25 e 26° da CRP), art. 2° da DDC e arts. 30, n.º 2 e 19° da CDC 
 
 – vide requerimento de interposição de recurso para o tribunal constitucional a 
 fls.. dos presentes autos. 
 
  
 No ponto 7) a Recorrente alegou que decorrente da não aplicação do princípio do 
 inquisitório o Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal da Relação, e o Supremo 
 decidiram contra a lei fundamental, por omitirem as formalidades que constam do 
 art. 8° g) da Convenção de Haia de 1980, em inequívoca violação do art. 69 da 
 CRP (decorre do 25 e 26° da CRP), 2° da DDC e 3°, n.º 2 e 19° da CDC – vide 
 ponto 7 do requerimento de interposição de recurso para o tribunal 
 constitucional a fls.. dos presentes autos. 
 
  
 No ponto 8) a Recorrente alega que foram violados os princípios básicos do 
 Superior Interesse da Criança e da Figura primária de referência na 
 interpretação que foi dada ao art. 1411°, n.º 2 do CPC. Estes princípios básicos 
 encontram resguardo no art. 69° da CRP (aqui decorrente dos arts 17º, 18° e 25 
 da CRP) – vide ponto 8 do requerimento de interposição de recurso para o 
 tribunal constitucional a fls.. dos presentes autos. 
 
  
 No ponto 9) a Recorrente alega a inconstitucionalidade da norma contida no art. 
 
 11°, n.º 4 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27-11-2003 tal como 
 foi interpretada pelos Tribunais “a quo”, em clara violação do que decorre do 
 art. 69° da CRP –vide ponto 9 do requerimento de interposição de recurso para o 
 tribunal constitucional a fls.. dos presentes autos. 
 
  
 Por outro lado, 
 
  
 
 9°
 As interpretações inconstitucionais dos conceitos, princípios e normas acima 
 invocados foram efectivamente aplicados nas decisões recorridas, tanto pelo 
 Tribunal da Relação como pela 1ª Instância e pelo Supremo Tribunal de Justiça. 
 
 10°
 Desde sempre, no decorrer de todo o processo, a Recorrente invocou tais 
 inconstitucionalidades, no entanto nunca as mesmas foram atendidas pelos 
 Tribunais “a quo”, apesar de constarem de forma clara e perceptível das suas 
 peças processuais – conforme facilmente se constata através de uma leitura 
 atempada das mesmas. 
 
 11º
 A título de exemplo veja-se que estas questões foram suscitadas no recurso 
 intentado pela Recorrente no Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente através 
 dos artigos 60º, 61º, 63°, 64º, 66°, 67°, 70° 71º, 73°, 76°, 78°, 79º, 81°, 82°, 
 
 88°, 89°, 90°, 100°, 101°, 102°, 126°, 127°, 128°, 143º. 
 
 12°
 Mas mais se pode ler através do recurso interposto para o Tribunal da Relação do 
 Porto e no requerimento de fls. 893 dos presentes autos, 
 
 13°
 Tudo o que vai de encontro àquilo que se volta a afirmar no requerimento de 
 interposição de recurso para o este Tribunal Constitucional como fundamento e 
 admissibilidade do recurso. 
 
 14°
 A Recorrente, nas suas peças processuais anteriores e no próprio requerimento de 
 interposição de recurso já vem indicando qual a interpretação que julga dever 
 ser de maneira a que possa ser reformular a decisão, e para que os respectivos 
 destinatários possam saber com precisão o sentido que não pode ser usado por ser 
 constitucionalmente inadmissível. 
 
 15º
 Pelo que o presente recurso de constitucionalidade tem de ser admitido, com 
 vista a que possa vir a influenciar a questão de fundo do processo em causa e 
 fazer-se assim a devida justiça. 
 
 ******
 NESTES TERMOS E NOS MAIS QUE V.AS EX.AS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, Requer se dignem 
 admitir o presente Recurso, ao abrigo do art. 70°, n.º 1, al. b) da LTC, com 
 efeitos suspensivos de acordo com o disposto no art. 78, n.º 5 da LTC a 
 contrario sensu (conforme se requereu no requerimento de interposição de 
 recurso), notificando a Recorrente nos termos do art. 79° da LTC com vista à 
 apresentação das suas alegações». 
 
  
 
  
 
             4 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – O despacho reclamado entendeu que, não sendo admissível o 
 recurso, não havia que fixar-lhe o efeito, se suspensivo ou devolutivo, sendo 
 que este é o que decorre da conjugação do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da 
 LTC, com o artigo 185.º, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores (OTM). E assim 
 
 é, na verdade: a questão da fixação do efeito do recurso apenas se pode colocar 
 em relação a recurso que seja admitido, pois visa estabelecer a eficácia 
 imediata ou não dos efeitos estatuídos na Ordem Jurídica pela decisão judicial 
 que fique sob censura do tribunal ad quem.
 
             Deste modo, trata-se de questão cuja abordagem também aqui só terá 
 sentido se a reclamação for deferida.
 
  
 
             6 – O despacho reclamado abona-se numa fundamentação que 
 inteiramente se acompanha, não se vislumbrando qualquer utilidade em a adensar, 
 face à sua clareza.
 
             No recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, o único 
 julgamento que o Tribunal Constitucional faz é o da validade constitucional da 
 norma jurídica impugnada de cuja concreta aplicação tenha resultado a estatuição 
 judiciária do caso (a decisão do caso), estando esse recurso subordinado a 
 pressupostos ou requisitos de admissibilidade, sendo que, no caso concreto, não 
 ocorrem os analisados pela decisão ora reclamada.
 
             Na verdade, estabelecem os artigos 280º, n.º 1, al. b), da CRP e 
 
 70º, n.º1, al. b), da LTC que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de 
 decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo.            
 
             Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, 
 constituem pressupostos específicos do recurso interposto ao abrigo destes 
 preceitos que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal 
 Constitucional aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão ou o 
 fundamento normativo do seu próprio conteúdo, nisso se traduzindo a aplicação em 
 concreto da norma, e que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada 
 em tempo e por modo funcionalmente adequado para que o tribunal recorrido 
 pudesse conhecer dela. 
 
             A exigência daquele requisito encontra a sua razão de ser na própria 
 natureza da função jurisdicional (aqui constitucional), dado que lhe cumpre 
 apenas conhecer e decidir de controvérsias concretas e não de situações apenas 
 académicas: se a norma cuja validade constitucional se questiona não serviu de 
 fundamento à decisão, nunca a pronúncia sobre a sua eventual 
 inconstitucionalidade poderia ter quaisquer reflexos jurídicos sobre a decisão, 
 permanecendo-lhe estranha. 
 
             Já relativamente ao ónus de suscitação, a questão tem que vem com o 
 sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade das normas que a nossa 
 Lei Fundamental adoptou, de controlo difuso por via do recurso. 
 
             Como nota José Manuel M. Cardoso da Costa (A jurisdição 
 constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e actualizada, p. 40), «quanto ao 
 controlo concreto – ao controlo incidental da constitucionalidade (…), no 
 decurso de um processo judicial, de uma norma nele aplicável – não cabe o mesmo, 
 em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas ao tribunal do processo. Na 
 verdade, não obstante a instituição de uma jurisdição constitucional autónoma, 
 manteve-se na Constituição de 1976, mesmo depois de revista, o princípio, vindo 
 das Constituições anteriores (…), segundo o qual todos os tribunais podem e 
 devem, não só verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis aos 
 feitos em juízo, como recusar a aplicação das que considerarem inconstitucionais 
 
 (…). Este allgemeinen richterlichen Prüfungs - und Verwerfungsrecht encontra-se 
 consagrado expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente 
 permanece fiel ao princípio, tradicional e característico do direito 
 constitucional português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). 
 Quando, porém, se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é 
 ainda necessário que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo, em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). 
 Compreende-se, na verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente 
 ex post factum (depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o 
 recurso para o Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter 
 num mero expediente processual dilatório)».
 
             Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade 
 tenha sido suscitada durante o processo. A suscitação durante o processo tem 
 sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em 
 momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse 
 dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional.
 
              É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o 
 tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que 
 convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional que 
 conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à 
 instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da 
 via de recurso. 
 
             É por isso que se entende que não constituem já momentos 
 processualmente idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição 
 de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a 
 obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento 
 ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia 
 ter pronunciado (cf., entre muitos outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no 
 Diário da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 33.º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499.º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 47.º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República 
 II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492.º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 45.º vol., p.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46.º 
 vol., p. 821). 
 
             Excepção a tal regra são apenas aquelas hipóteses ditas de 
 excepcionais em que o recorrente é confrontado com a utilização insólita e 
 imprevisível por parte da decisão da norma, ou seja, naqueles casos em que seria 
 desrazoável e inadequado exigir do interessado um prévio juízo de prognose 
 relativo a tal aplicação em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, 
 suscitando antecipadamente assim a questão de inconstitucionalidade (cf., entre 
 outros, os acórdãos n.º 489/94, publicado no Diário da República II Série, de 16 
 de Dezembro de 1994, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28.º, p. 415; n.º 
 
 310/00, publicado no Diário da República II Série, 17 de Outubro de 2000, e 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47.º vol., p.853 e n.º 120/02, publicado no 
 Diário da República II Série, de 15 de Maio de 2002, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 52.º, p. 575).
 
             Mas o ónus de suscitação da constitucionalidade durante o processo 
 tem ainda uma outra vertente. É que a questão de constitucionalidade da norma 
 cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional por via do recurso tem de 
 ser colocada ao tribunal recorrido em termos de este saber que tem que apreciar 
 e decidir essa concreta questão de constitucionalidade, ou seja, que a questão 
 seja colocada ao tribunal recorrido em termos perceptíveis (cf., acórdão n.º 
 
 178/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p. 1118). 
 A este respeito, escreveu-se no acórdão n.º 560/94 (publicado no Diário da 
 República II Série, de 10 de Janeiro de 1995) que «a exigência de um cabal 
 cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da 
 questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma 
 secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal 
 recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o 
 Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da 
 questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
 
              Deste modo, a questão de constitucionalidade tem de ser colocada ao 
 tribunal recorrido em termos de este saber que tem essa concreta questão de 
 constitucionalidade para resolver. 
 
             Donde resulta que o questionante tenha de colocar, em termos 
 perceptíveis, qual a concreta questão de normatividade jurídica cuja validade 
 constitucional controverte. E note-se que os termos em que essa questão é 
 colocada se tornam verdadeiramente essenciais na perspectiva do recurso de 
 constitucionalidade para o Tribunal Constitucional. 
 
             É que se é certo que este pode conhecer da questão de 
 inconstitucionalidade normativa, já não tem competência para conhecer da 
 inconstitucionalidade da decisão judicial em si própria. A violação directa das 
 normas e princípios constitucionais pela decisão judicial apenas pode ser 
 conhecida no plano dos recursos previstos na respectiva ordem de tribunais.
 
             A decisão reclamada fez inteira aplicação desta doutrina, razão pela 
 qual merece ser confirmada.
 
  
 
             7 – A reacção da reclamante só se compreende, por esta ter do 
 recurso de constitucionalidade uma concepção próxima dos recursos de instância 
 em que o tribunal ad quem sindica (aliás, oficiosamente até) a correcção da 
 determinação do direito infraconstitucional aplicado pela decisão recorrida e, 
 em alguns casos, até do julgamento probatório com base no qual se fixou a 
 matéria factual da causa.
 
             É, aliás, dentro dessa concepção que a reclamante se continua a 
 mover como decorre das suas afirmações feitas logo nos artigos 5.º a 7.º do 
 articulado da reclamação, que aqui se relembram:
 
    “5º
 
    A Recorrente o que faz é suscitar a violação da lei e princípios fundamentais 
 decorrente do entendimento e da interpretação que os Tribunais “a quo” fizeram 
 de alguns conceitos e normas. 
 
 6°
 
 É óbvio que tais interpretações influenciaram a decisão final, daí que a mesma 
 tenha de vir a ser reformulada – mas daqui só decorre o interesse processual do 
 presente recurso, porquanto se torna útil e relevante que o mesmo venha a ser 
 admitido. 
 
 7º
 Em suma, a interpretação e aplicação das normas e conceitos questionadas pela 
 Recorrente, com o sentido que lhes foi imputado pelas decisões recorridas 
 
 (decisões do Tribunal de 1ª Instância, Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de 
 Justiça – e não só deste último), viola a Lei fundamental – e é isso que se 
 pretende discutir em sede de alegações”. 
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas custas, fixando a taxa 
 de justiça em 20 UCs.
 Lisboa, 14/04/2010
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos