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Processo n.º 670/05
 Plenário
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I - Relatório
 
  
 
 1. No Tribunal Judicial de Mira, por despacho de 17 de Agosto de 2005, foi 
 rejeitada a lista de candidatura à Assembleia de Freguesia de Mira apresentada 
 por um grupo de cidadãos sob a denominação “Movimento Rumo ao Futuro”. Tal 
 decisão fundamentou-se na circunstância de aquelas listas terem dado entrada no 
 referido Tribunal, via fax, às vinte horas e quarenta e nove minutos do dia 16 
 de Agosto de 2005, ou seja, fora do prazo estabelecido no artigo n.º 229º, n.º 
 
 3, da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das Autarquias Locais, 
 aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto.
 
  
 
 2. Notificada de tal decisão, veio Edite Domingues Custódio, na qualidade de 
 
 “mandatária eleitoral da candidatura do grupo de cidadãos independentes 
 denominado «Movimento Rumo ao Futuro»”, reclamar, nos termos do disposto no 
 artigo 29º da referida Lei Orgânica n.º 1/2001. Alegou, então, que “salvo melhor 
 opinião, entendemos humildemente que tal horário [o fixado no artigo 229º, n.º 
 
 3, da mencionada Lei] apenas se aplica à entrega pessoal das candidaturas, não 
 impedindo que a remessa das mesmas seja feita por fax ou e-mail fora desse 
 horário, nos termos gerais da lei processual civil aplicável por força do artigo 
 
 231º do disposto legal, ao qual já se aludiu”. Notificados para o efeito, nenhum 
 dos mandatários e representantes das restantes listas se pronunciou.
 
  
 
 3. A reclamação foi indeferida, com os seguintes fundamentos:
 
 “[...] O art. 231° da Lei Orgânica n.º 1/2001 prescreve efectivamente a 
 aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em tudo o que não estiver 
 regulado naquela lei.
 Sucede que, no caso, inexiste caso omisso a que seja subsidiariamente aplicável 
 a lei processual civil, resultando antes claramente do art. 229°, n.ºs 2 e 3, da 
 Lei Orgânica n.º 1/2001, conjugado com o art. 20° da mesma lei, que a 
 apresentação das candidaturas deve forçosamente ser efectuada dentro do horário 
 de funcionamento das secretarias judiciais para este efeito.
 Vejamos.
 O art. 20°, n.º1, prescreve que as listas de candidatos são apresentadas perante 
 o Juiz do tribunal da comarca competente em matéria civil com Jurisdição na sede 
 do município respectivo até ao 55° dia anterior à data do acto eleitoral.
 O art. 229°, n.º 2, estabelece que quando qualquer acto processual previsto na 
 presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo 
 dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos 
 competentes serviços ou repartições.
 Por fim, o n.º 3 do art. 229° dispõe que para efeitos do disposto no artigo 20°, 
 as secretarias judiciais terão o seguinte horário, aplicável a todo o País: Das 
 
 9 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos; Das [1]4 às 18 horas.
 Assim, constituindo a apresentação das candidaturas um acto processual que 
 envolve a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo do respectivo 
 prazo considera-se referido ao termo do horário normal da secretaria judicial, 
 ou seja, 18 horas.
 Consequentemente, conclui-se ser extemporânea a apresentação da lista de 
 candidaturas efectuada depois das 18 horas do último dia do respectivo prazo, ou 
 seja, dia 16 de Agosto de 2005. [...]”
 
  
 
 4. Inconformada com esta decisão, veio a mandatária da referida lista recorrer 
 para o Tribunal Constitucional, concluindo a motivação da seguinte forma:
 
 “I - Por motivo de demora na organização final do processo referente à 
 candidatura à Assembleia de Freguesia de Mira do grupo de cidadãos eleitores 
 denominado “Movimento Rumo ao Futuro”, tal candidatura chegou ao aludido 
 Tribunal alguns minutos depois das 18h00 do dia 16 de Agosto de 2005.
 II – Por tal motivo, e apesar de o Tribunal ainda estar em funcionamento e os 
 respectivos funcionários judiciais ainda se encontrarem ao serviço na respectiva 
 secretaria do Tribunal, a entrega presencial das candidaturas não foi aceite.
 III – Na sequência da Recusa de recebimento acima explanada, o grupo de cidadãos 
 eleitores em causa procedeu à remessa da candidatura através de envio por FAX, 
 ainda no dia 16/08/2005, pelas 20h49, e, portanto, dentro do prazo estabelecido 
 no artigo 20º da Lei Orgânica acima mencionada.
 IV - Tal candidatura à Assembleia de Freguesia foi rejeitada pelo Exmo. Senhor 
 Juiz do Tribunal de Mira, por despacho de 17/08/2005, com o fundamento de que a 
 apresentação da mesma havia sido extemporânea.
 V – Do despacho que rejeitou liminarmente a Candidatura em apreço, foi 
 apresentada reclamação, a qual veio a ser indeferida por Despacho de 23 de 
 Agosto de 2005, que também concluiu pela extemporaneidade da aludida 
 apresentação e do qual foi notificada a mandatária eleitoral, por FAX em 
 
 24/08/2005.
 VI – Salvo melhor opinião, entendemos humildemente que o horário previsto no já 
 aludido artigo 22º da Lei Orgânica 1/2001 apenas se aplica à entrega presencial 
 das candidaturas.
 VII – Dispõe o artigo 20º da Lei Orgânica 1/2001 que as candidaturas devem ser 
 apresentadas perante o juiz do Tribunal da comarca competente em matéria cível 
 com jurisdição na sede do município até ao 55º dia anterior à data do acto 
 eleitoral, sendo omisso no que respeita ao meio de entrega ou ao horário da 
 mesma.
 VIII – O artigo 231º da Lei Orgânica 1/2001 prescreve a aplicação subsidiária do 
 Código de Processo Civil em tudo o que não estiver regulado naquela Lei.
 IX – Entendemos assim que era admissível, nos termos gerais do Direito 
 Processual Civil, a entrega das candidaturas por meio de Fax, desde que tal 
 envio fosse feito com respeito pelo prazo estabelecido no artigo 20º da Lei 
 Orgânica 1/2001, como efectivamente aconteceu.
 X – Foi aceite a candidatura do mesmo grupo de cidadãos independentes relativa à 
 Câmara Municipal de Mira.
 XI – Conforme já anteriormente se referiu, a candidatura referente à Assembleia 
 de Freguesia foi remetida no dia 16 de Agosto de 2005, e portanto até ao 55º dia 
 anterior à data do acto eleitoral.
 XII – Pelo que foi cumprido o prazo de apresentação estipulado no artigo 20º da 
 Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto.
 XIII – A apresentação da lista de candidaturas à Assembleia de Freguesia do 
 grupo de cidadãos eleitores denominado “Movimento Rumo ao Futuro” não foi 
 extemporânea, pelo que deverá ser admitida. [...]
 
  
 Tudo visto cumpre decidir.
 
  
 
  
 II - Fundamentação
 
  
 
 5. A questão que é colocada ao Tribunal Constitucional é semelhante à que este 
 Tribunal teve já ocasião de decidir no acórdão n.º 427/2005.
 
  
 Na verdade, o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional confirma que a lista foi remetida ao Tribunal Judicial de Mira, 
 via fax, no dia 16 de Agosto de 2005, às 20h49. Assim - independentemente da 
 questão de saber se é ou não admissível recorrer à telecópia para a apresentação 
 das listas de candidaturas -, o certo é que está demonstrado que a sua expedição 
 ocorreu após o encerramento da secretaria judicial no dia 16 de Agosto. Desse 
 modo, só é possível considerar o dia 17 de Agosto como data de entrada no 
 Tribunal Judicial de Mira da lista de candidatura à Assembleia de Freguesia de 
 Mira, apresentada por um grupo de cidadãos, sob a denominação “Movimento Rumo ao 
 Futuro”.
 
  
 Ora, como se afirmou no referido acórdão 427/2005:
 
 “[...] Esta conclusão não é posta em causa pela existência da norma do artigo 
 
 143º do Código de Processo Civil, nomeadamente o seu n.º 4, aditado pelo 
 Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, o qual veio excepcionar da regra 
 formulada no n.º 3 do mesmo preceito os actos processuais praticados por 
 telecópia e correio electrónico também para o efeito do momento de entrada dos 
 actos processuais na secretaria. 
 A questão já foi tratada na jurisprudência deste Tribunal, podendo citar-se, a 
 este propósito, o Acórdão n.º 287/02 (in AcTC, vol. 53, pp. 751ss, e, mais 
 recentemente, o Acórdão n.º 41/2005 (disponível in www.tribunalconstitucional). 
 E, como aí se concluiu, deixando expressamente em aberto o problema de saber se 
 
 é admissível a utilização de telecópia para a apresentação de candidaturas 
 eleitorais, a existência de uma clara e inequívoca regra especial afasta a 
 aplicação das regras gerais previstas no Código de Processo Civil. No Acórdão 
 n.º 287/02 explicitou-se claramente a razão de ser deste entendimento:
 
 «Já por diversas vezes o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de frisar 
 que a celeridade do contencioso eleitoral exige uma disciplina rigorosa no 
 cumprimento dos prazos legais, sob pena de se tornar inviável o calendário 
 fixado para os diversos actos que integram o processo eleitoral; e que essa 
 celeridade implica a impossibilidade de aplicação de diversos preceitos contidos 
 no Código de Processo Civil, directa ou indirectamente relacionados com prazos 
 para a prática de actos pelas partes. Note-se, aliás, que a aplicação 
 subsidiária do Código de Processo Civil tem, como se sabe, de ter em conta as 
 especialidades decorrentes da própria Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias 
 Locais, que prevalece sempre que a mesma contenha, ou disposição expressa, ou 
 regime globalmente incompatível com qualquer preceito do Código de Processo 
 Civil.
 Assim, e a título de exemplo, o Tribunal Constitucional já teve a ocasião de 
 afirmar que aquelas especialidades afastam a possibilidade de invocação do justo 
 impedimento (cfr. Acórdão n.º 479/2001, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 28 de Novembro de 2001), ou do regime previsto no n.º 1 do artigo 150º 
 do Código de Processo Civil (redacção anterior à resultante do Decreto-Lei n.º 
 
 183/2000, ainda vigente) segundo o qual, em caso de utilização do correio, os 
 actos se consideram praticados na data em que foi efectuado o registo postal 
 
 (cfr. Acórdãos nºs 510/2001, 1/2002, 6/20002 ou 17/2002, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 19 de Dezembro de 2001, 29 de Janeiro 
 de 2002, 30 de Janeiro de 2002 e 22 de Fevereiro de 2002)).
 Ora a matéria relativa ao termo dos prazos encontra-se expressamente regulada no 
 artigo 229º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. De acordo com 
 este preceito, sempre que haja de ser praticado um acto que “envolva a 
 intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos 
 encontra-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou 
 repartições” (n.º 2). E, segundo o n.º 3, as secretarias judiciais, justamente 
 para o efeito de receberem as listas de candidatos – cfr. artigo 20º, para o 
 qual se remete –, têm um horário de funcionamento alargado, que termina às 18 
 horas. 
 Assim sendo, nenhuma dúvida existe de que nunca poderia ser considerada uma 
 entrada na secretaria judicial posterior às 18 horas do dia 20 de Maio de 2002, 
 fosse qual fosse a via de comunicação utilizada.
 Sempre se acrescenta, todavia, que nem é necessário considerar que este regime é 
 posterior ao actualmente constante do n.º 4 do artigo 143º do Código de Processo 
 Civil, acrescentado pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, ou que sobre ele 
 prevalece por constar da própria Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. 
 
 É que, além do mais, o que aquele n.º 4 estabelece é que os actos podem ser 
 praticados a qualquer hora, se for utilizado o correio electrónico ou a 
 telecópia; não regula a questão de saber quando se consideram entrados os actos, 
 nomeadamente actos abrangidos pelo n.º 3 do mesmo artigo 143º, segundo o qual, 
 se forem actos que “impliquem a recepção pelas secretarias judiciais de 
 quaisquer articulados, requerimentos ou documentos devem ser praticados durante 
 as horas de expediente dos serviços”.
 Note-se, aliás, que, no âmbito do processo eleitoral, é especialmente 
 justificada a exigência de que só possa ser considerada a data em que o acto foi 
 praticado se tiver dado entrada no Tribunal dentro do horário de funcionamento 
 da secretaria, já que os prazos que o tribunal tem de respeitar na sua 
 apreciação são particularmente curtos. No que toca à apresentação de 
 candidaturas, é de cinco dias o tempo de que o juiz dispõe para proferir a 
 decisão prevista no artigo 25º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias 
 Locais».
 Presentemente, o n.º 3 do artigo 229º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias 
 Locais não oferece dúvidas: «3 – Para efeitos do disposto no artigo 20º [local e 
 prazo de apresentação de candidaturas], as secretarias judiciais terão o 
 seguinte horário, aplicável a todo o País: Das 9 horas e 30 minutos às 12 horas 
 e 30 minutos; Das 14 às 18 horas». 
 Esta norma, por ser uma norma especial aplicável ao processo eleitoral 
 autárquico, afasta a aplicação, a título subsidiário ou a qualquer outro, das 
 normas gerais contidas no Código de Processo Civil.
 No caso concreto, o certo é que a recepção dos documentos expedidos por 
 telecópia, de acordo com os dados constantes do processo, teve lugar a partir 
 das 22:46 horas e, por isso mesmo, na falta de prova do momento exacto da 
 expedição, sempre haverá que presumir (e o recorrente não o contesta) que ela só 
 ocorreu após as 18 horas. E é este, de acordo com a legislação especial 
 aplicável, o termo final para apresentação das listas, seja por que meio for.
 Desse modo – e, repete-se, independentemente de saber se é legítimo o recurso à 
 telecópia para o envio de listas de candidaturas a actos eleitorais –, 
 apresenta-se como inquestionável a conclusão de que não foi respeitado o prazo 
 previsto na lei que regula especificamente o processo eleitoral autárquico, a 
 Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto. [...]”
 
  
 Esta jurisprudência é inteiramente aplicável ao presente caso, pelo que há que 
 decidir em conformidade.
 
  
 
  
 III – Decisão 
 
  
 Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, 
 confirmar a decisão judicial de rejeição, por extemporânea, da lista de 
 candidatura à Assembleia de Freguesia de Mira, apresentada por um grupo de 
 cidadãos sob a denominação “Movimento Rumo ao Futuro”.
 
  
 Lisboa, 30 de Agosto de 2005
 
  
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria Helena Brito
 Maria João Antunes
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Artur Maurício