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Processo n.º 22/10
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
  
 
        Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 
 Relatório
 O Ministério Público, no inquérito n.º 622/06.6TAOLH, do Tribunal de Faro, 
 deduziu acusação contra A., imputando-lhe a prática, na forma continuada, de um 
 crime de usurpação de funções, p.p. pelo artigo 358.º, b), do Código Penal.
 
  
 O arguido requereu a realização de instrução.
 
  
 Após debate instrutório, em 24-11-2009, foi proferida decisão que pronunciou o 
 arguido pela prática de um crime de usurpação de funções, na forma continuada, 
 p.p. pelos artigos 358.º, b) e 30.º, do Código Penal.
 
  
 O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, pedindo a apreciação da 
 inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 1, a), do Regulamento de Inscrição de 
 Advogados e Advogados Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos 
 Advogados em 7/7/1989 (Regulamento n.º 29/2002) e do artigo 156.º, n.º 1, alínea 
 a), do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violarem os artigos 165.º, n.º 1, 
 b), 47.º, 58.º, 26.º, 30.º, n.º 4, 32.º, n.º 1 e 2 e 18.º, n.º 2 e 3, da C.R.P.
 
  
 Em 26 de Janeiro de 2010 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do 
 recurso, com a seguinte fundamentação:
 No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas.
 Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 
 
 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), 
 e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 Relativamente a este último requisito, o mesmo resulta da natureza instrumental 
 do recurso de constitucionalidade, que obriga a que o mesmo só seja apreciado 
 quando o seu resultado possa ter repercussão no sentido da decisão recorrida, 
 não podendo o mesmo ser utilizado para dirimir questões com mero interesse 
 académico.
 Ora, da leitura da decisão recorrida constata-se que apesar da mesma ter 
 apreciado as questões de constitucionalidade colocadas pelo recorrente no 
 requerimento de abertura de instrução, remetendo para acórdão proferido pelo 
 Tribunal Central Administrativo Sul, e que incluem as que agora são colocadas a 
 este Tribunal, ela não aplicou as normas aqui questionadas como sua ratio 
 decidendi.
 O artigo 7.º, n.º 1, a) do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados 
 Estagiários n.º 29/2002, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 139, 
 de 19 de Junho de 2002, com as alterações publicadas no Diário da República, 2.ª 
 série, n.º 282, de 6 de Dezembro de 2003, dispunha o seguinte:
 
 “1. Deve ser negada a inscrição, o levantamento da sua suspensão ou a 
 reinscrição: 
 a. Quando os requerentes não possuam idoneidade moral para o exercício da 
 profissão e, em especial, quando tenham sido condenados por qualquer crime 
 gravemente desonroso.”
 E o artigo 156.º, n.º 1, a), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, dispunha igualmente:
 
 “1. Não podem ser inscritos: 
 a. Os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão e, em 
 especial, os que tenham sido condenados por qualquer crime gravemente 
 desonroso.”
 Essas normas foram efectivamente aplicadas pelo Conselho de Deontologia de Faro 
 da Ordem dos Advogados para fundamentar o Acórdão proferido em 13 de Março de 
 
 2007, que considerou o Recorrente inidóneo para o exercício profissional da 
 advocacia não podendo por tal facto ser inscrito nesta Ordem como advogado.
 Contudo, o tribunal recorrido entendeu pronunciar o arguido pela prática de um 
 crime de usurpação de funções, na forma continuada, p.p. pelos artigos 358.º, b) 
 e 30.º, do Código Penal, por ter considerado suficientemente indiciado que este 
 em 15-6-2005, 10-1-2006 e 15-5-2006, assumiu a qualidade de advogado estagiário 
 quando ainda não havia sido aprovada a sua inscrição na Ordem dos Advogados, não 
 tendo, porém, ponderado, nem valorado a posterior decisão do Conselho de 
 Deontologia de Faro acima referida de não aceitar a inscrição do Recorrente na 
 Ordem dos Advogados, ao abrigo das normas cuja fiscalização de 
 constitucionalidade é pedida a este Tribunal.
 A decisão de pronúncia recorrida baseia-se na indiciação do facto do pedido de 
 inscrição deste na Ordem dos Advogados não ter ainda sido aprovado quando este 
 praticou actos em que se intitulou advogado estagiário e não na indiciação de 
 ter sido recusada a inscrição do Recorrente pelo facto deste ter sido 
 considerado inidóneo, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, a), do Regulamento de 
 Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral da 
 Ordem dos Advogados em 7/7/1989 (Regulamento n.º 29/2002) e do artigo 156.º, n.º 
 
 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados.
 Não integrando as normas questionadas a ratio decidendi do despacho recorrido, 
 falta um requisito essencial ao seu conhecimento, pelo que, nos termos do artigo 
 
 78.º - A, n.º 1, da LTC, deve ser proferida decisão sumária nesse sentido.”
 
  
 O Recorrente reclamou, com os seguintes argumentos:
 
 “Segundo a douta decisão sumária, a decisão de pronúncia recorrida baseia-se na 
 indicação do facto do pedido de inscrição do arguido na Ordem dos Advogados não 
 ter ainda sido aprovado quando este praticou os actos em que se intitulou 
 advogado estagiário e não na indiciação de ter sido recusada a inscrição do 
 Recorrente pela facto deste ter sido consideração inidóneo, nos termos do artigo 
 
 7.º, n.º 1 alínea a) do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados 
 Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 7/7/1989 e 
 do artigo 156º, n.º 1 alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados. 
 Por sua vez, a decisão de pronúncia recorrida refere “do apurado resulta que a 
 inscrição definitiva do arguido como advogado estagiário nunca foi deferida pelo 
 Conselho Geral da Ordem dos Advogados, pelo que o arguido não poderia ter 
 praticado os actos próprios de advogado em apreço” (cfr. fls. 17). 
 Na verdade, até à presente data o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não 
 deferiu a inscrição do recorrente como advogado estagiário. 
 Mas também não revogou a inscrição preparatória de advogado estagiário, 
 efectuada pelo Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados. 
 Com efeito, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não confirmou a inscrição do 
 recorrente como advogado estagiário. (exactamente) porque aplicou as normas do 
 artigo 7º, nº 1 alínea a) do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados 
 Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 7/7/1989 e 
 do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, arguidas de 
 inconstitucionais pelo arguido. 
 Resulta com clareza dos autos, que o Conselho Geral ao não confirmar a inscrição 
 do recorrente como advogado estagiário aplicou as normas dos artigos 7º, n.º 1 
 alínea a) do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, 
 aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 7/7/1989 e 156.º, n.º 1 
 alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados. 
 Por isso, sempre as normas que suportam as decisões da Ordem dos Advogados, 
 nomeadamente, a constante na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de 
 Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários e a prevista na alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 156º do Estatuto da Ordem dos Advogados, deviam de se considerar 
 inconstitucional a título consequencial.”
 
  
 O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 
                                         *
 Fundamentação
 O recurso constitucional tem uma natureza instrumental, pelo que só devem ser 
 conhecidas as questões de constitucionalidade cuja solução possa determinar uma 
 reformulação da decisão recorrida.
 A decisão recorrida é um despacho de pronúncia que considerou suficientemente 
 indiciado que o arguido em 15-6-2005, 10-1-2006 e 15-5-2006, assumiu a qualidade 
 de advogado estagiário quando ainda não havia sido aprovada a sua inscrição na 
 Ordem dos Advogados, não tendo, porém, ponderado, nem valorado a posterior 
 decisão do Conselho de Deontologia de Faro de 13-3-2007 que não aceitou a 
 inscrição do Recorrente na Ordem dos Advogados, ao abrigo das normas cuja 
 fiscalização de constitucionalidade é pedida a este Tribunal.
 Daí que uma eventual decisão de inconstitucionalidade destas normas não se 
 repercutiria sobre a decisão recorrida, uma vez que ela não as aplicou, nem 
 sequer valorou a decisão do Conselho de Deontologia de Faro que as aplicou, pelo 
 que nem a título consequencial, como pretende o reclamante, as mesmas 
 fundamentaram a decisão recorrida.
 Não integrando tais normas a ratio decidendi da decisão recorrida revela-se 
 acertado o não conhecimento do recurso, pelo que deve ser indeferida a 
 reclamação apresentada.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária 
 proferida nestes autos em 26 de Janeiro de 2010.
 
  
 
                                                     *
 Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 
                                        X
 Lisboa, 14 de Abril de 2010
 João Cura Mariano
 Catarina Sarmento e Castro
 Rui Manuel Moura Ramos