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Processo n.º 554/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.No processo de inquérito n.º 209/03.5JELSB do Tribunal Judicial de Sintra, o 
 Ministério Público requereu o julgamento, entre outros, do arguido A., 
 imputando-lhe a prática dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado, 
 previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 
 
 15/93, de 22 de Janeiro, de associação criminosa, previsto e punido no artigo 
 
 28.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo diploma, e de detenção de arma proibida, previsto e 
 punido no artigo 275.º, n.º 3, do Código Penal, com referência ao artigo 3.º, 
 n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril.
 O arguido requereu, então, a abertura da instrução e nela arguiu a nulidade das 
 escutas telefónicas, por violação dos princípios da necessidade e 
 excepcionalidade e do imediato controlo judicial da sua captação e 
 acompanhamento, consignados nos artigos 187.º, n.º 1, e 188.º, n.º 1, do Código 
 de Processo Penal, mas, por despacho de 14 de Janeiro de 2005, o Juiz de 
 Instrução Criminal indeferiu tal pretensão.
 Desse despacho recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 concluindo assim a sua motivação:
 
 «1.ª – Nos presentes autos verificou-se, no entender do recorrente, uma 
 intolerável violação dos princípios da necessidade e da 
 excepcionalidade/subsidiariedade que norteiam as intercepções telefónicas.
 
 2.ª - Com efeito, face ao nosso ordenamento processual penal e constitucional, o 
 recurso a intercepções telefónicas está subordinado aos princípios da 
 necessidade, da excepcionalidade e/ou subsidiariedade.
 
 3.ª - Assim, só quando for de todo impossível a obtenção de prova com recurso a 
 outros meios de prova será possível à investigação socorrer-se das intercepções 
 telefónicas, as quais são assim uma medida de “ultima ratio”.
 
 4.ª - A opinião do Mm.º Juiz “a quo”, plasmada no despacho recorrido ao 
 considerar que, sempre que existam dificuldades de investigação, com o recurso a 
 outros meios de prova, então deve-se partir para as intercepções, contraria, 
 frontalmente, os princípios supra referidos.
 
 5.ª - Sendo consabido que, na prática, as polícias, por uma questão de 
 facilidade e de comodismo, invocam sistematicamente dificuldades de 
 investigação, com o único intuito de obter autorização para as intercepções.
 
 6.ª - Importa pôr cobro a este procedimento e lembrar às polícias que 
 investigação com recurso a intercepções telefónicas é, segundo o art.º 187.º do 
 CPP e bem assim o art.º 34.º da CRP, excepcional.
 
 7.ª - O papel do Juiz de Instrução é fundamental pois é ele o garante do 
 cumprimento da lei.
 
 8.ª - Caso esse papel tivesse sido observado facilmente se teria constatado que 
 
 “in casu”, manifestamente, os princípios supra referidos não foram respeitados, 
 bem pelo contrário, foram violados.
 
 10.ª - Uma vez que na génese dos presentes autos, quanto ao recorrente temos os 
 relatórios de vigilâncias e após a informação elaborada pela PJ a fls. 197 a 
 
 199, na sequência da qual e pelos fundamentos nela enumerados, foi autorizada a 
 intercepção do n.° utilizado pelo recorrente.
 
 11.ª - Não consta do despacho a autorizar a intercepção, a fls. 209, nem 
 tão-pouco da informação que esteve na sua génese, fls. 197 a 199, e ao contrário 
 do que consta da decisão recorrida, que as vigilâncias já efectuadas ao 
 recorrente fossem insuficientes para a investigação do crime em apreço, e que só 
 com recurso a este meio excepcional fosse possível investigá-lo sendo desde 
 logo, e por esta via, ilegais as intercepções.
 
 12.ª - Cumulativamente entende o recorrente que as escutas são nulas uma vez 
 que, na prática, quem seleccionou a matéria transcrita foi a PJ e não a Mm.ª 
 JIC, como a lei impõe.
 
 13.ª - E a lei não é cumprida pelo facto de a Mm.ª JIC ter procedido à audição 
 das conversas transcritas, pois foi ordenada a transcrição “ipsis verbis” 
 conforme o sugerido pela PSP, o que significa uma mera homologação.
 
 14.ª - Muito embora o Juiz possa ser coadjuvado pelas polícias, só ele tem 
 competência para apreciar e valorar a matéria constante das escutas e relevante 
 para a investigação.
 
 15.ª - O meio que melhor garante que uma medida tão excepcional como as escutas 
 telefónicas (por contender com os direitos fundamentais) se contenha nas 
 apertadas margens fixadas pelo texto da Constituição – é a imediação entre o 
 Juiz e a recolha da prova por escutas telefónicas.
 
 16.ª - Além dos princípios anteriormente referidos, também mas de forma mais 
 flagrante, foi violado o princípio da imediatividade, sobre o qual a MM.ª Juiz 
 se pronunciou, apenas ao de leve.
 
 17.ª - Nos presentes autos entre o início da gravação e apresentação dos cd’s 
 dos diversos alvos ao JIC decorreu um período entre um e cinco meses. 
 
 18.ª - De acordo com o entendimento da jurisprudência referido na motivação, a 
 não apresentação atempada ao Mm.º Juiz de tais elementos significa 
 desconhecimento do teor das comunicações interceptadas, bem como falta de 
 acompanhamento próximo e falta de controlo judicial do modo como a escuta se 
 desenvolve. 
 
 19.ª - Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no presente 
 processo – atento o referido na conclusão 17.ª -, em que os autos de intercepção 
 e gravação de conversações telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só 
 foram levados ao conhecimento do juiz que as ordenou mais de 5 meses depois de 
 elas terem tido início – são ainda abrangidas pela expressão “imediatamente”, 
 colide frontalmente com os interesses que se pretendem acautelar com aquela 
 exigência, na medida em que impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz.
 
 20.ª - O entendimento por nós aqui defendido logrou acolhimento por inúmeras 
 decisões não só desta Relação, como também do Tribunal Constitucional 
 mencionadas, a título meramente exemplificativo, na motivação.
 
 21.ª - Deve portanto ser declarada a nulidade das intercepções nos presentes 
 autos, mas a questão não se limita aí.
 
 22.ª - É um princípio bem firmado em matéria de proibições de prova que a prova 
 obtida por métodos proibidos inquina a prova subsequente, mesmo que esta não 
 tenha assentado em actos probatórios em si proibidos.
 
 23.ª - Da prova proibida pode resultar um “efeito a distância”, isto é, uma 
 situação em que só a prova ilegalmente obtida torna possível a descoberta de 
 novos meios de prova.
 
 24.ª - Da prova proibida, escutas telefónicas, deve resultar um “efeito à 
 distância” quanto a todas as provas obtidas nos autos. É uma situação em que só 
 a prova ilegalmente obtida torna possível a descoberta de novos meios de prova 
 como foi o caso de todas as apreensões nos presentes autos.
 
 25.ª - Não declarando a nulidade das escutas o Tribunal “a quo” violou o 
 disposto nos art.º 187.º, 188.º e 189.º todos do C.P.P e ainda o art.º 34.º, n.° 
 
 1, da C.R.P».
 Por acórdão de 24 de Maio de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar 
 provimento ao recurso por entender não existir “qualquer violação dos art.ºs 
 
 187.º e 188.º do CPP”.
 
 2.O recorrente interpôs então o recurso de constitucionalidade ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo 
 logo na “motivação” que apresentou:
 
 «O douto acórdão decidiu que as intercepções telefónicas cuja nulidade havia 
 sido arguida, se não verificava, sendo, por conseguinte, as mesmas legais.
 Começa por referir:
 
 1.ª Quanto à questão dos princípios da necessidade e subsidiariedade que:
 
 “... constata-se que havia razões para crer que a diligência de escuta 
 telefónica ao recorrente A., que foi requerida e deferida por despacho judicial 
 de 14/10/2003, a fls. 209 e segs. dos autos, correspondendo a fls. 212 e segs. 
 destes autos, se revelaria de grande interesse para a descoberta da verdade ou 
 para a prova do crime de tráfico de estupefacientes de que está indiciado.
 Não seria possível outro meio menos gravoso de investigação desse crime, 
 
 ‘maxime’ por observação directa, relativamente aos contactos havidos entre os 
 seus agentes à distância por telemóvel, quanto às circunstâncias de tempo e modo 
 da sua actuação delitiva.
 Não se colhe assim ter havido violação do art.º 181.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal.”
 
 *
 Desde logo cumpre referir que o Tribunal da Relação, tal como o MM.º JIC, 
 olvidaram que, na génese dos presentes autos, quanto ao recorrente temos os 
 relatórios de vigilâncias de fls. 184 a 190 e após a informação elaborada pela 
 PJ a fls. 197 a 199, na sequência da qual e pelos fundamentos nela enumerados, 
 foi autorizada a intercepção, entre outros do alvo 1A564, correspondente ao n.º 
 
 9xx xxx xxx utilizado pelo requerente.
 Não consta do despacho a autorizar a intercepção a fls. 209 nem tão-pouco da 
 informação que esteve na sua génese fls. 197 a 199 e ao contrário do que consta 
 da decisão recorrida que as vigilâncias já efectuadas ao recorrente fossem 
 insuficientes para a investigação do crime em apreço, e que só com recurso a 
 este meio excepcional, fosse possível investigá-lo sendo desde logo, e por esta 
 via, inconstitucionais as intercepções.
 Ora, em matéria de intromissão na vida privada dos cidadãos, o legislador 
 consagrou uma série de requisitos, aos quais, sob pena de nulidade, as 
 intercepções têm que obedecer.
 
 À cabeça de tais requisitos temos o princípio da necessidade e 
 subsidiariedade/excepcionalidade, o qual logrou consagração, nos n.ºs 1 e 4 do 
 art.º 34.º da CRP.
 Sendo que, na hierarquia de valores, consagrada pelo legislador, a 
 inviolabilidade da vida privada, sobrepõe-se à eventual necessidade de 
 investigação, daí que, só em casos excepcionais, seja permitida a intromissão, 
 nomeadamente nas telecomunicações desde que respeitados, para cada sujeito, 
 todos os requisitos legais, o que conforme explanado, se não verificou nos 
 presentes autos.
 Princípios esses, que, “in casu”, no que tange ao recorrente não foram 
 manifestamente violados.
 A interpretação que foi dada pelo douto acórdão, de que se recorre, viola o 
 estatuído pelo menos nos artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, 
 da CRP, inquinada as normas supra referidas, na interpretação dada pelo tribunal 
 
 “a quo”, de inconstitucionalidade material.
 
 2.ª - Quanto à questão da selecção das escutas, referiu que:
 
 “o recorrente A. alega que quem seleccionou a matéria transcrita das escutas foi 
 a Polícia Judiciária, e não o MM.º Juiz de Instrução Criminal.
 No entanto, a este respeito, o art.º 188.º do Código de Processo Penal determina 
 que sejam indicadas ao juiz as passagens das gravações ou elementos análogos 
 considerados relevantes para a prova (n.º 1), cumprindo ao juiz ordenar a sua 
 transcrição em auto, se os entender como tal (n.º 3).
 Também por aqui se não colhe ter havido violação do art.º 188.º do Código do 
 Processo Penal.”
 Portanto o douto acórdão interpretou o artigo 188.°, n.° 3, do CPP, com o 
 sentido de que o Juiz não necessita de ouvir e ser ele a seleccionar os diálogos 
 constantes das escutas telefónicas.
 Sendo certo que, nos termos da Lei em vigor, o Juiz pode ser coadjuvado pelo 
 OPCs, todavia o respectivo papel não pode ser meramente passivo mas sim activo, 
 determinante e essencial.
 Acontece que “in casu” se verificou uma mera homologação do sugerido pela PJ, 
 quem na prática seleccionou a matéria a transcrever.
 Ora daqui resulta que não foi o Juiz que apreciou e valorou a matéria constante 
 das escutas e relevante para a investigação.
 Com efeito, na prática quem seleccionou a matéria transcrita foi a inspectora da 
 PJ, titular do processo.
 De facto e não obstante o MM.º JIC ter feito constar dos despachos a ordenar a 
 transcrição que tomou conhecimento do conteúdo das gravações, o facto é que foi 
 ordenada a transcrição “ipsis verbis” conforme o sugerido pela PJ, vide fls. 773 
 e 774, fls. 784, 1129, 1479, 2305; fls. 2305 e 2306 e fls. 2392.
 O meio que melhor garante que uma medida tão excepcional como as escutas 
 telefónicas (por contender com os direitos fundamentais) se contenha nas 
 apertadas margens fixadas pelo texto constituição – é a imediação entre o Juiz e 
 a recolha da prova por escutas telefónicas.
 Já o Acórdão 407/97 do Tribunal Constitucional, de 21/05/97, in B.J.M, 467-199, 
 refere que: “a intervenção do Juiz é vista como uma garantia que assegura a 
 menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados com as escutas 
 telefónicas, tal intervenção pressupõe o acompanhamento da operação de 
 intercepção telefónica, de modo a que o Juiz apenas ‘adquira como prova’ aquilo 
 que efectivamente o pode ser”.
 No caso dos Autos – foram violados tanto os art.ºs 187.º e 188.º do C.P.P., como 
 o 34.º, n.º 1, da C.R.P. pois que não houve o controlo judicial no 
 acompanhamento das operações de intercepção telefónica.
 Entendemos que é exclusivamente ao Juiz que incumbe a tarefa de seleccionar, 
 segundo o seu critério, do material gravado, aquele que é relevante para a 
 prova.
 A interpretação dada pelo douto acórdão é inconstitucional porquanto viola os 
 artigos 32.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da CRP.
 
 3.ª Finalmente quanto à questão do princípio da imediatividade refere, em 
 síntese:
 
 “... não se demonstra ... o alegado alheamento por parte do MM.º Juiz de 
 Instrução Criminal do acompanhamento e resultado das mesmas escutas, tanto mais 
 que, em várias ocasiões do processo, fixou à Polícia Judiciária prazos máximos 
 de apresentação dos autos de intercepção de escutas – verba gratia, 5 dias, a 
 fls. 1479 (fls. 1491 dos autos principais), e 10 dias a fls. 2382 (fls. 1392 dos 
 autos principais).”
 
 ... “o critério interpretativo neste campo não pode deixar de ser aquele que 
 assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela 
 escuta telefónica. Também já se assentou – e importa lembrá-lo de novo que a 
 intervenção do juiz é vista como uma garantia de que essa compressão se situe 
 nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, para que de uma 
 intervenção substancial se trate (e não de um mero tabelionato), pressupõe o 
 acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só 
 acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir 
 apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os e, assim, 
 transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser. 
 Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos – 
 que sabemos serem consideráveis – de uso desviado.”
 
 *
 Neste particular o Tribunal “a quo” andou muitíssimo mal, pois deveria ter 
 declarado a nulidade das intercepções, dada a ostensiva violação deste 
 princípio.
 Senão, vejamos, Colendos:
 Efectivamente tal princípio foi ostensivamente violado, senão vejamos:
 As escutas ao primeiro alvo 1A564, correspondente ao n.° 9xx xxx xxx, foram 
 autorizadas a 14/10/03, fls. 209, pelo período de 90 dias, tiveram início a 
 
 16/10/03, a fls. 245, a autorização após prorrogação a fls. 784 terminou a 
 
 13/03/04, fls. 1465, e apenas foram presentes ao JIC os respectivos suportes 
 técnicos, CD's, a 26/4/04, fls. 1495, por remissão para fls. 1479, OU SEJA 6 
 MESES E 12 DIAS, APÓS O Início DA INTERCEPÇÃO.
 Quanto ao Alvo 23014 correspondente ao n.º 9yy yyy yyy, a intercepção teve 
 início a 05/03/04, a fls. 1242, os suportes técnicos, CDs, foram presentes ao 
 MM.º Juiz a 16/06/04, fls. 2392, OU SEJA MAIS DE 3 MESES DEPOIS.
 Quanto ao Alvo 24276 correspondente ao n.º 9zz zzz zzz, a intercepção teve 
 início a 06/05/04, a fls. 1756, os suportes técnicos foram presentes ao MM.º 
 Juiz a 16/06/04, fls. 2392, OU SEJA MAIS DE 1 Mês DEPOIS.
 Finalmente quanto ao Alvo 24277 correspondente ao n.º 9ww www www, a intercepção 
 teve início a 06/05/04, a fls. 1757, e os suportes técnicos foram presentes ao 
 MM.º Juiz a 16/06/04, fls. 2392, OU SEJA MAIS DE 1 MÊS DEPOIS.
 
 *
 Na verdade já no acórdão n.° 407/97, este Tribunal decidiu julgar 
 inconstitucional, por violação do disposto no n.° 6 do artigo 32.° da 
 Constituição, a norma do n.° 1 do artigo 188.° do Código de Processo Penal, 
 quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação 
 de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado 
 ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a 
 junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, 
 e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de 
 novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que 
 ordenou as escutas.
 No acórdão n.° 347/01, em que se trouxe também à colação a jurisprudência do 
 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a problemática das escutas 
 telefónicas, escreveu-se que “cobrir” situações como a de o auto de transcrição 
 ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das 
 comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado 
 e a necessidade daquele meio de obtenção de prova, restringe despropositadamente 
 o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma 
 ingerência neste meio para além do que se considera ser constitucionalmente 
 admissível.
 Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das 
 comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo 
 judiciais do modo como a escuta se desenvolve.
 No acórdão n.° 528/03, salientando a evolução da jurisprudência mais recente do 
 TEDH, o Tribunal Constitucional considerou “inconstitucional a interpretação do 
 n.º 1 do artigo 188.° do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que 
 lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro.
 Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no presente processo em 
 que os autos de intercepção e gravação de conversações telefónicas que tinham 
 sido entretanto autorizadas só foram levados ao conhecimento do juiz que as 
 ordenou entre um hiato de tempo que vai de mais de 1 mês a mais de 6 meses 
 depois de elas terem tido início – são ainda abrangidas pela expressão 
 imediatamente, colide frontalmente com os interesses que se pretendem acautelar 
 com aquela exigência, na medida em que impede o seu acompanhamento próximo pelo 
 juiz”.
 E, na sequência desta fundamentação, decidiu-se julgar inconstitucional a norma 
 constante do n.º 1 do artigo 188.° do Código de Processo Penal, “por violação 
 dos mesmos preceitos da Constituição da República Portuguesa a citada norma, na 
 interpretação segundo a qual, a primeira audição, pelo juiz de instrução 
 criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses após o início 
 da intercepção e gravação das comunicações telefónicas”.
 Pelo que, V.ªs Ex.ªs devem julgar inconstitucional, por violação das disposições 
 conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, a norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo 
 Penal, quando interpretada no sentido de que a audição das gravações efectuadas 
 pode ocorrer mais de 6 meses e mais de um mês após o início da intercepção e 
 gravação das comunicações telefónicas».
 
 3.Uma vez que se não encontravam preenchidos os requisitos para o conhecimento 
 do objecto do recurso, foi proferida decisão sumária neste sentido, e condenando 
 o recorrente em custas, cuja fundamentação era do seguinte teor:
 
 «3. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas tal decisão não 
 vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), pelo que, entendendo-se 
 que não pode dele tomar-se conhecimento, é de proferir decisão sumária nos 
 termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
 
 4. Com efeito, no presente caso não foi adequadamente suscitada pelo recorrente, 
 durante o processo, a questão de constitucionalidade do n.º 1 do artigo 188.º do 
 Código de Processo Penal – única que ora se traz à apreciação deste Tribunal, 
 nos termos do último parágrafo da “motivação” do recurso de constitucionalidade 
 
 (que o recorrente logo apresentou em lugar de um mero requerimento de recurso). 
 Como sobejamente resulta das próprias transcrições da decisão recorrida 
 apresentadas pelo recorrente no seu requerimento/motivação, aquilo de que o 
 tribunal a quo cuidou foi a questão da conformidade da actuação instrutória em 
 face dos artigos 187.º e 188.º (e 189.º) do Código de Processo Penal. E fê-lo 
 porque, como também resulta da transcrição efectuada das conclusões da motivação 
 do recurso do recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi isso que lhe 
 foi requerido: antes mesmo de expor as suas conclusões, o recorrente indicara 
 como “Normas violadas” os “Artigos 187.º, 188.º e 189.º todos do C.P.P. e ainda 
 o art.º 34.º, n.º 1, da C.R.P.”, pondo em causa os procedimentos adoptados em 
 matéria de autorização, validação e implicações das escutas, e concluindo que “o 
 Tribunal a quo” violara “o disposto nos art.ºs 187.º, 188.º e 189.º todos do 
 C.P.P. e ainda o art.º 34.º, n.º 1, da C.R.P.”. Ora, no nosso sistema, as 
 decisões dos tribunais – ou a própria actividade policial –, em si mesmas, podem 
 ser sindicadas em recurso pelos restantes tribunais, quando a ele houver lugar, 
 mas não podem constituir objecto de apreciação por parte do Tribunal 
 Constitucional, em recurso de constitucionalidade.
 Foi, aliás, para fundamentar tais violações imputadas ao tribunal recorrido que 
 o recorrente invocou jurisprudência constitucional, e não para impugnar a 
 constitucionalidade de nenhuma das normas dos artigos 187.º, 188.º e 189.º do 
 Código de Processo Penal – coisa que só fez, e apenas em relação ao n.º 1 do 
 artigo 188.º desse Código, no requerimento/motivação do recurso de 
 constitucionalidade, já perante o Tribunal Constitucional.
 Falha, pois, em parte, logo o primeiro requisito do recurso de 
 constitucionalidade: ter, nos termos do respectivo requerimento, por objecto a 
 apreciação da constitucionalidade de uma norma (em si mesma ou numa determinada 
 interpretação, devidamente enunciada).
 
 5. Por outro lado, a adequada suscitação de uma questão de constitucionalidade 
 normativa acabou, assim, por ter lugar, não perante o tribunal recorrido, mas 
 apenas na apresentação do recurso de constitucionalidade, perante o Tribunal 
 Constitucional – posto que em acto processual inadequado, já que, em vez de um 
 requerimento com os elementos exigidos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 75.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, foi prematuramente apresentada uma “motivação” (que só 
 deveria ser entregue, no momento das alegações, após o recebimento do recurso no 
 Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 5, da sua Lei), a qual 
 se não pode considerar em tudo o que não corresponde aos elementos legalmente 
 exigidos para um requerimento do recurso de constitucionalidade.
 Só que, tendo aí sido adequadamente suscitada, tal questão de 
 constitucionalidade normativa foi também extemporânea, e consequentemente inepta 
 para dar por preenchidos os requisitos do tipo de recurso interposto (cfr., por 
 exemplo, o acórdão n.º 351/91, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 
 [ATC], 20.º vol., pp. 401, e o acórdão n.º 1144/96, ATC, 35.º vol., pp. 
 
 349-359), pois não tinha sido referida perante o tribunal recorrido.
 
 É o que resulta da lei (artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional) e 
 o que se vem uniformemente decidindo, dizendo-se, pelo menos desde o acórdão n.º 
 
 90/85 (ATC, vol. 5.º, pp. 663-672), que, para se suscitar adequadamente uma 
 questão de constitucionalidade normativa, é mister fazê-lo “antes de esgotado o 
 poder jurisdicional (…) sobre a matéria a que tal questão de constitucionalidade 
 respeita”, por parte do tribunal a quo. No caso, já se viu que, embora invocando 
 jurisprudência constitucional sobre a questão das escutas, perante os tribunais 
 com jurisdição sobre a matéria, tal ocorreu a propósito de artigos do Código de 
 Processo Penal que nunca foram, em si, alvo de censura, a qual se dirigiu, 
 perante esses tribunais, isso sim, à aplicação errada da lei: o que o recorrente 
 defendeu perante o tribunal recorrido foi a violação das normas legais, 
 infra-constitucionais, pela actuação instrutória e na aplicação que delas fez o 
 tribunal de 1.ª instância. Em consequência, o Tribunal da Relação de Lisboa veio 
 a emitir um juízo sobre a inexistência de “qualquer violação dos art.ºs 187.º e 
 
 188.º do C.P.P.”, mas não sobre a compatibilidade constitucional de quaisquer 
 normas, e isto muito embora tenha igualmente transcrito passagens do acórdão n.º 
 
 407/97 deste Tribunal (publicado em ATC, 37.º vol., pp. 245-269).
 Ora, sem que o tribunal recorrido tenha formulado anteriormente um juízo de 
 conformidade constitucional de normas, e sem que devesse tê-lo feito, por tal 
 questão não lhe ter sido suscitada, não pode a intervenção, em recurso, do 
 Tribunal Constitucional servir o seu único propósito: reapreciar tal juízo. Não 
 pode, pois, considerar-se adequadamente suscitada durante o processo qualquer 
 questão de constitucionalidade normativa, nem já atempadamente suscitada a 
 questão de constitucionalidade que foi colocada perante este Tribunal, pelo que 
 não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.»
 
 4.Inconformado veio o arguido apresentar reclamação para a conferência nos 
 seguintes termos:
 
 «Nos presentes autos o recorrente interpôs recurso do acórdão proferido pelo 
 Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento ao seu recurso sobre a 
 arguição de nulidade das intercepções telefónicas, ao mesmo tempo que confirmou 
 a decisão de primeira instância, fê-lo ao abrigo do disposto no artigo 70.°, n.º 
 
 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações que lhe 
 introduziu a Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
 Em vez de se limitar a um mero requerimento de interposição de recurso, à 
 cautela, caso se entendesse ser o Acórdão que decide o recurso intercalar 
 irrecorrível, desde logo, apresentou a respectiva motivação, indicando: 
 
 “A) A interpretação que foi dada pelo douto acórdão, de que se recorre, viola o 
 estatuído pelo meno[s] nos artigos 26.º, n.º 1, 32.°, n.º 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, 
 da CRP, inquinando as normas supra referidas, na interpretação dada pelo 
 tribunal “a quo”, de inconstitucionalidade material. 
 B) A interpretação dada pelo douto acórdão é inconstitucional porquanto viola os 
 artigos 32.°, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da CRP. 
 C) Inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.°, 
 n.º 8, e 18.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante 
 do n.º 1 do artigo 188.° do Código de Processo Penal, quando interpretada no 
 sentido de que a audição das gravações efectuadas pode ocorrer mais de 6 meses e 
 mais de um mês após o início da intercepção e gravação das comunicações 
 telefónicas.”
 Assim, e ao contrário do que consta do pontos 4.° e 5.° da decisão de que ora se 
 reclama, o recorrente cumpriu todos os requisitos para a interposição de recurso 
 para este Tribunal e justificou o porquê da apresentação antecipada das 
 respectivas alegações.
 De resto, a apresentação antecipada de alegações, sob pena de violação do n.º 1 
 do art.º 32.º da CRP, jamais pode dar lugar à rejeição de recurso. 
 Por outro lado, e conforme resulta da motivação do recurso interposto da 
 primeira instância para a Relação, a questão da inconstitucionalidade das normas 
 foi logo suscitada, e apreciada por aquela instância, conforme resulta, 
 expressamente, entre outras, da página 12 daquela decisão. 
 O presente recurso cumpriu todos os requisitos legais para o efeito, e deveria 
 ter ido conhecido.»
 Notificado o Ministério Público para responder, considerou a presente reclamação 
 manifestamente improcedente, por o reclamante não ter suscitado “durante o 
 processo e em termos processualmente adequados, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso 
 interposto”.
 II. Fundamentos
 
 5.Na presente reclamação são invocados três argumentos: o de que a questão de 
 constitucionalidade foi adequadamente suscitada na motivação do recurso de 
 constitucionalidade apresentada perante o Tribunal Constitucional; o de que a 
 produção antecipada de alegações não pode levar ao não conhecimento do recurso; 
 e o de que a questão da inconstitucionalidade das normas foi suscitada perante o 
 Tribunal da Relação de Lisboa e por ele apreciada, invocando-se em abono, “entre 
 outras”, a “página 12 daquela decisão”.
 A primeira afirmação é verdadeira, mas irrelevante para a sorte do recurso. Como 
 se explicou na decisão reclamada, não é só perante o Tribunal Constitucional que 
 a questão da inconstitucionalidade das normas tem de ser suscitada em termos 
 adequados: é também, e desde logo, perante o tribunal recorrido – e foi por não 
 o ter sido feito perante este que o recurso não foi admitido.
 O segundo argumento é igualmente irrelevante: mau grado o ora reclamante ter 
 apresentado alegações de recurso em vez de um requerimento de recurso, 
 aproveitaram-se daquelas os elementos necessários a substanciar este 
 requerimento, não tendo sido essa produção antecipada de alegações que teve 
 qualquer interferência na decisão (como poderia ter tido se se tivessem mandado 
 desentranhar).
 O terceiro argumento seria relevante se fosse exacto. Porém, como se explicou na 
 decisão recorrida, uma coisa é invocar a violação de normas legais por parte dos 
 actos que concretamente as aplicam, outra é invocar violação de normas 
 constitucionais (inconstitucionalidade) pelas normas aplicadas em tais actos. A 
 diferença é, desde logo, que o objecto de censura no primeiro caso não é uma 
 norma – e, por isso, escapa ao controlo do Tribunal Constitucional – e no 
 segundo já é – e, por isso, já compete ao Tribunal Constitucional aferir a sua 
 compatibilidade com a Constituição (verificados que estejam os restantes 
 requisitos do recurso). Ou, numa formulação alternativa, a diferença é que no 
 primeiro caso as normas legais servem de parâmetro de censura, enquanto que, 
 para poderem constituir objecto do recurso de constitucionalidade teriam de ser 
 objecto de tal censura. Ora, embora estes dois aspectos não sejam incompatíveis, 
 no caso concreto o que a página citada da decisão do Tribunal da Relação 
 documenta é a transcrição de uma decisão do Tribunal Constitucional invocada a 
 propósito “da violação do art.º 188.º do Código de Processo Penal” e da “análise 
 do acompanhamento das escutas telefónicas por parte do M.mo Juiz de Instrução” 
 
 (cfr. p. 11 da decisão ora reclamada). E foi apenas nestes termos que, perante o 
 tribunal a quo, a questão (dita de inconstitucionalidade) foi posta.
 Improcedendo assim as razões do reclamante, há que confirmar a decisão 
 recorrida.
 
  
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação, condenando o 
 reclamante em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 13 de Setembro de 2005
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura ramos