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Processo n.º 487/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         1.1. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 
 
 23 de Março de 2004 (fls. 2568 a 2621), negando provimento aos recursos por eles 
 interpostos, manteve as condenações, aplicadas em 1.ª instância, dos arguidos 
 A., B. e C., como co‑autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes 
 agravado, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alíneas b) e c), 
 do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nas penas de 8, 9 e 7 anos de 
 prisão, respectivamente, e, quanto aos dois primeiros, como autores de um crime 
 de detenção ilegal de arma de defesa, previsto e punível pelo artigo 6.º da Lei 
 n.º 22/97, de 27 de Junho, nas penas de 9 meses de prisão (em cúmulo jurídico 
 com a anterior, na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão) e de 100 dias de 
 multa à taxa diária de € 4, também respectivamente.
 
                         Esse acórdão foi anulado pelo acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça (STJ), de 17 de Junho de 2004 (fls. 2749 a 2778), para 
 ampliação da matéria de facto restrita ao ponto assim enunciado:
 
  
 
             “(...) a fundamentação de facto do acórdão recorrido, ao remeter em 
 larga medida, por mera remissão genérica, para os «documentos juntos aos autos», 
 mormente as transcrições das escutas, acabou por omitir um dado essencial, a 
 saber: tirando a única transcrição em que se diz que o juiz ouviu [previamente] 
 a gravação, as demais ordens de transcrição dadas foram ou não precedidas da 
 imprescindível escolha por aquele magistrado? E se não, foi, ao menos, tal 
 selecção, objecto das transcrições, deferida [pelo juiz], ainda que por 
 coadjuvação, solicitada ao órgão de polícia criminal, tal como o previsto no n.º 
 
 4 do artigo 188.º citado?
 
             Da resposta a estas perguntas vai uma distância grande que pode 
 oscilar – consoante as teses jurisprudenciais antagónicas em presença – entre a 
 validade e a nulidade ou, mesmo, inexistência, deste meio de prova em que se 
 baseia a deliberação recorrida.
 
             Mas que não tendo sido dada na fundamentação do acórdão recorrido, 
 coloca este sob a alçada dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, alínea a), do Código 
 de Processo Penal.”
 
  
 
                         1.2. Na sequência desta anulação e após realização de 
 audiência de julgamento (cfr. acta de fls. 2815), o Tribunal da Relação de 
 Guimarães proferiu o acórdão de 18 de Outubro de 2004, no qual, apesar de 
 julgar improcedentes todos os recursos, reformulou, por força da entrada em 
 vigor da Lei n.º 11/2004, de 27 de Maio (cujo artigo 54.º alterou, em sentido 
 mais favorável para os arguidos, a redacção do artigo 24.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 15/93, de 22 de Janeiro), as penas aplicadas aos arguidos A., B. e C., como 
 co‑autores materiais do aludido crime de tráfico de estupefacientes agravado, 
 para 7 anos e 6 meses, 8 anos e 6 meses e 6 anos e 7 meses de prisão, 
 respectivamente, mantendo, quanto aos dois primeiros arguidos, as condenações, 
 como autores do referido crime de detenção ilegal de arma de defesa, nas penas 
 de 9 meses de prisão (em cúmulo jurídico com a anterior pena, 7 anos e 10 meses 
 de prisão) e de 100 dias de multa à taxa diária de € 4, também respectivamente. 
 Nesse acórdão, a propósito da validade das escutas, o Tribunal da Relação de 
 Guimarães consignou o seguinte, após transcrever os artigos 187.º e 188.º do 
 Código de Processo Penal (CPP):
 
  
 
             “Não temos como necessário fazer‑se uma análise exaustiva destes 
 preceitos, bastando-nos algumas notas genéricas e as pertinentes para o fim em 
 causa, ou seja, demonstrar‑se a bondade dos procedimentos policiais e judiciais 
 do caso em apreço ou, pelo menos, que os actos respectivos não estão afectados 
 de qualquer nulidade insanável.
 
             Enquanto o artigo 187.° consagra a admissibilidade da intercepção e 
 gravação de conversações ou comunicações telefónicas, para valerem como meio de 
 prova, desde que ordenadas ou autorizadas por despacho judicial e relativamente 
 aos crimes taxativamente enunciados, o artigo 188.° estabelece as formalidades a 
 que estão sujeitos os actos de intercepção e de gravação.
 
             Estes normativos estabelecem um regime de autorização e de controlo 
 judicial e o «sistema de catálogo», em consonância com o disposto no artigo 
 
 34.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual o 
 domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação 
 privada são invioláveis, bem como com o disposto no n.º 4, que consagra que é 
 proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas 
 telecomunicações e nos demais meios de comunicação social salvo os casos 
 previstos na lei em matéria de processo penal.
 
             Do referido preceito constitucional se retira que só em matéria de 
 processo penal é admissível a limitação do direito fundamental relativo ao 
 sigilo da correspondência e telecomunicações pelas autoridades judiciais, 
 corporizando os artigos 187.° a 190.° do CPP precisamente a excepção indicada 
 no segmento final do comando constitucional.
 
             Como sublinha Costa Andrade (Sobre as Proibições de Prova em 
 Processo Penal, Coimbra, 1992, pág. 286), o teor particularmente drástico da 
 ameaça representada pela escuta telefónica explica que a lei tenha procurado 
 rodear a sua utilização das maiores cautelas. Daí que a sua admissibilidade 
 esteja dependente do conjunto de exigentes pressupostos materiais e formais 
 previstos nos artigos 187.° e seguintes da lei processual portuguesa.
 
             O legislador procurou, assim, inscrever o regime das escutas 
 telefónicas sobre a exigente ponderação de bens: por um lado, os sacrifícios ou 
 perigos que a escuta telefónica traz consigo e, por outro lado, os interesses 
 mais relevantes da perseguição penal.
 
             Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha de 
 provas através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que 
 uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens 
 fixadas no texto constitucional.
 
             Só que, apesar da singeleza dos textos legais e da clara definição 
 de princípios, a nossa jurisprudência tem sido em grande parte determinada por 
 interpretações que apenas satisfazem interesses de recurso e confundida sobre a 
 leitura integral daqueles princípios.
 
             Nos termos do artigo 189.°, todos os requisitos e condições 
 referidos nos artigos 187.° e 188.º  são estabelecidos sob pena de nulidade.
 
             As nulidades insanáveis são as que, taxativamente, são definidas nas 
 alíneas a) a f) do artigo 119.º, além das que como tal forem cominadas em 
 outras disposições legais.
 
             Ora, ao estabelecer o regime que estabeleceu no artigo 189.°, isto 
 
 é, sem qualquer adjectivação, o legislador deixou a possibilidade de, nesta 
 matéria, as nulidades serem enquadradas como insanáveis se houver violação das 
 regras materiais de recolha de prova e as outras, as que derivam de meros 
 aspectos formais, como dependentes de arguição ou meras irregularidades. Se o 
 legislador – que se deu ao trabalho de, em artigo próprio, esclarecer que a 
 violação daqueles requisitos e condições eram estabelecidos sob pena de 
 nulidade – quisesse que toda e qualquer violação fosse considerada nulidade 
 insanável, tinha-as qualificado como tal.
 
             O acto solene que põe em causa os direitos constitucionais tão 
 delicados como aqueles é o da autorização, compreendendo‑se, pois, que a sua 
 irregularidade afecte irremediavelmente a sua validade.
 
             Os demais actos, de audição, selecção e transcrição já nada têm a 
 ver com os direitos dos visados e apenas se destinam a garantir 
 confidencialidade, através de mecanismos apertados, nomeadamente a não exposição 
 a outras pessoas que não sejam o próprio juiz e os agentes do órgão de polícia 
 criminal que efectue a escuta.
 
             A operacionalidade desses mecanismos não vem estritamente definida e 
 a prática aconselha a que, as mais das vezes, seja o órgão de polícia criminal 
 quem previamente elabora um resumo das escutas, submetendo‑o ao juiz, sem que 
 com isso se viole qualquer regra.
 
             Por um lado, alguém daquele órgão tem acesso imediato ao conteúdo 
 das conversas e, por outro, esse resumo (que também se justifica por evidentes e 
 pesadas razões de economia processual) é controlado por decisão judicial que 
 chancela a escolha que foi feita de acordo com os critérios de quem investiga, 
 em especial os que resultam da conjugação de todos os elementos que interessam 
 e que só o «instinto policial» deve orientar.
 
             Este procedimento corrente, além de, como já se frisou, não violar 
 nenhum direito dos visados, está legalmente autorizado no n.º 2 do artigo 
 
 188.°, sendo preciso compreender‑se a elevada complexidade dos factos a 
 investigar e mal se aceitando que fosse um juiz, sozinho, a ouvir o conteúdo das 
 escutas e a seleccionar o que interessava ou não para o caso. E, ao mandar 
 proceder à transcrição daquilo que lhe foi sugerido como relevante e à 
 destruição do que é impertinente, o juiz está, afinal, a aceitar a coadjuvação 
 do órgão de polícia criminal que ele próprio poderia expressamente solicitar.
 
             No caso dos autos, os mapas de fls. 1 e 2 do Apenso 2, que aqui se 
 dá por reproduzido para todos os efeitos legais, condensam com perfeição todos 
 os actos e prazos que garantem, do ponto de vista substancial, a validade plena 
 das escutas em causa.
 
             Por seu lado, os autos que documentam os prévios resumos elaborados 
 pela Polícia Judiciária (cf. a coluna «Auto Fim» do mapa de fls. 2) e os 
 despachos judiciais que sobre eles recaíram não mostram qualquer 
 irregularidade, estando plenamente garantido o escopo a atingir, com a 
 particularidade de todos os suportes em papel e informáticos serem levados em 
 mão ao juiz por inspectores da Polícia Judiciária, conforme despachos expressos 
 do seu director.
 
             Nesta conformidade, embora se conclua dos teores respectivos que, no 
 caso das ordens de transcrição contidas nos despachos de fls. 146 v.º, 178 v.º, 
 
 200 v.º, 213 e 404, houve prévia audição das escutas pelos JIC's e que o mesmo 
 não se pode concluir no que concerne aos despachos de fls. 246, 288 e 589, ponto 
 assente é que em caso algum houve violação de quaisquer direitos, quiçá nestes 
 
 últimos casos, uma vez que foi sempre o Juiz quem avaliou do interesse das 
 passagens relevantes a transcrever, ainda que de encontro às sugestões da 
 Polícia Judiciária e do Ministério Público.”
 
  
 
                         1.3. Nos recursos que interpuseram desse acórdão para o 
 STJ os ora recorrentes suscitaram questões de inconstitucionalidade relativas à 
 validade das escutas nos termos sintetizados nas seguintes conclusões das 
 respectivas motivações:
 
  
 
                         A) O recorrente A.:
 
  
 
             “4. O douto acórdão julgou válidas as escutas telefónicas a que se 
 procedeu no âmbito do presente processo, considerando que:
 
             – o juiz não está obrigado a ouvir as gravações antes de ordenar a 
 respectiva transcrição; 
 
             – no caso concreto, o Juiz chancelou a selecção feita pela Policia 
 Judiciária do material gravado a transcrever;
 
             – o Juiz poderia expressamente solicitar a coadjuvação da Polícia 
 Judiciária, mas não o fez;
 
             – no que diz respeito aos despachos de fls. 246, 288 e 589, o JIC 
 não procedeu à prévia audição das escutas;
 
             – no que diz respeito aos demais despachos, o JIC procedeu à prévia 
 audição das escutas;
 
             – em todos os casos, foi sempre o Juiz quem avaliou do interesse das 
 passagens relevantes a transcrever.
 
             5. Tal decisão não pode manter‑se, desde logo devido à falta de 
 
 «indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do 
 tribunal» quanto aos factos à audição e selecção das escutas, provas essas que 
 não podem ser, nem são, os despachos em si próprios.
 
             6. O douto acórdão em mérito ofende a regra imposta pelo artigo 
 
 374.°, n.° 2, e está ferido de nulidade – artigo 379.°, n.° 1, alínea a).
 
             7. A não ser assim, é flagrante que existe contradição entre a 
 decisão e os respectivos fundamentos, estes a sublinharem que o JIC não está 
 obrigado a ouvir as gravações, nem a proceder à prévia selecção das escutas a 
 transcrever, nem a pedir a coadjuvação para este efeito dos órgãos de polícia 
 criminal, apesar de o poder fazer, e que, no caso vertente, houve apenas 
 
 «prévios resumos elaborados pela Polícia Judiciária», sem nenhuma solicitação 
 prévia do Juiz, aquela a considerar que, apesar disso, «houve prévia audição das 
 escutas».
 
             8. Esta contradição resulta do próprio texto da decisão impugnada e 
 configura o vício previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 410.°.
 
             9. No mínimo, está‑se perante um erro notório na apreciação da 
 prova, que também resulta do texto da decisão e integra o vício da alínea c) do 
 mesmo n.° 2.
 
             10. Ainda que assim não fosse, o certo é que o douto acórdão 
 reconhece que as escutas a que se reportam os despachos de fls. 246, 288 e 589 
 não foram precedidas de prévia audição e controlo pelo JIC.
 
             11. Pelo menos quanto a estas deveria o Tribunal ter declarado a 
 respectiva nulidade.
 
             12. Com efeito, a transcrição das escutas telefónicas sem a sua 
 prévia audição pelo JIC e sem despacho que declare a conveniência de coadjuvação 
 do órgão de polícia criminal para esse efeito, e ainda o facto de, como ocorreu 
 no caso vertente, o JIC não ter tido imediato conhecimento do conteúdo das 
 gravações, importam a nulidade insuprível deste meio de prova, ou mesmo 
 inexistência, por ofensa do disposto no artigo 188.°, n.ºs 1, 3 e 4, e no artigo 
 
 126.°, n.ºs 1 e 3 – cfr. artigo 189.°.
 
             13. A interpretar‑se estes preceitos de modo diverso, julgando 
 válidas as escutas processadas neste contexto, seriam os mesmos, assim 
 interpretados, inconstitucionais, por ofensa do disposto no artigo 32.°, n.° 8, 
 da CRP.”
 
  
 
                         B) O recorrente B.:
 
             
 
             “1. A intercepção e gravação de comunicações dependem de 
 autorização judicial (artigo 187.º, n.º 1, do CPP), daquelas devendo ser 
 lavrado auto que, juntamente com o suporte da gravação, serão levados àquele 
 juiz (artigo 188.º, n.º 1, do CPP) que, após respectiva audição e análise do seu 
 interesse probatório, ordenará a sua transcrição em auto ou, inversamente, a 
 respectiva destruição (n.º 3); nesta última função podendo requerer a 
 coadjuvação por órgão de polícia criminal (n.º 4).
 
             2. É o controlo judicial na realização da obtenção daquele meio de 
 prova – intercepções telefónicas – o garante da sua legalidade.
 
             3. No caso sub judice, a Polícia Judiciária – órgão de polícia 
 criminal a quem havia sido cometida a investigação – substituiu‑se ao Magistrado 
 Judicial competente na escolha das conversas telefónicas que, sozinha, 
 considerou revestidas de pertinência probatória e, sem prévio despacho 
 judicial, procedeu à respectiva transcrição em auto, só após o que as submeteu à 
 apreciação do juiz.
 
             4. Ou seja, o JIC que ordenou as intercepções telefónicas não 
 procedeu à audição dos suportes magnéticos que as continham, não procedeu à 
 selecção dos trechos considerados com relevância probatória, e não ordenou a 
 respectiva transcrição em auto.
 
             5. Na esteira do entendimento defendido no Acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça, de 17 de Janeiro de 2001, não resultando documentado que a 
 realização do meio de prova intercepções telefónicas tenha sido alvo de um 
 rigoroso e efectivo controlo judicial nos presentes autos, que é o garante da 
 sua legalidade, impõe‑se concluir que as intercepções telefónicas são absoluta e 
 inegavelmente nulas, porquanto na sua realização foi o Tribunal demitido de 
 efectivar o controlo da sua legalidade; entendimento perfilhado pela M.ma Juíza 
 Desembargadora Adjunta do Tribunal da Relação de Guimarães, Dra. D., com voto de 
 vencido no acórdão recorrido.
 
             6. As intercepções telefónicas realizadas com inobservância do 
 disposto nos artigos 187.º e 188.º do CPP, como tal nulas nos termos do disposto 
 no n.º 3 do artigo 126.º do mesmo diploma legal, directa, radical e 
 inelutavelmente colidem com o direito à inviolabilidade das comunicações, uma 
 vez que realizadas à revelia dos pressupostos que permitem a restrição de 
 direitos constitucionais.
 
             7. Pelo que a ilegalidade decorrente da violação dos artigos 187.º e 
 
 188.º do CPP consubstancia, simultânea e incontornavelmente, a violação directa 
 dos artigos 26.º, n.º 1, e 34.º, n.º 4, da Constituição da República 
 Portuguesa, cominada com nulidade, nos termos do seu artigo 32.º, n.º 6.
 
             8. «As nulidades resultantes da produção de prova proibida são 
 sempre de conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final», expressamente 
 se invocando aqui a nulidade de todas as intercepções telefónicas constantes dos 
 autos cuja validação decorreu sem a necessária audição prévia por Magistrado 
 Judicial, ou seja, por manifesta ausência de controlo judicial.
 
             9. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado por 
 valoração de prova proibida e nula.
 
             10. Mais devendo ser declarada inconstitucional a interpretação 
 daquele Tribunal da Relação de Guimarães segundo a qual o incumprimento dos 
 requisitos e violação das formalidades legais na realização do meio de obtenção 
 de prova «escutas telefónicas» previstos nos artigos 187.º e 189.º do Código de 
 Processo Penal consubstanciam nulidades sanáveis, por frontalmente violadora do 
 disposto no artigo 34.º, n.º 4, e 32.º, n.º 6, da Constituição da República 
 Portuguesa.”
 
  
 
                         C) O recorrente C.:
 
  
 
             “16.° Além dessa falta de fundamentação, a Relação cometeu um erro 
 notório na apreciação da prova, incorrendo no vício previsto no artigo 410.º, 
 n.º 2, alínea c), do CPP, pois, com excepção do despacho de fls. 200 v.º, em 
 nenhum dos restantes (146 v.º, 178 v.º, 213 e 404), tal como nos de fls. 246, 
 
 288 e 586, é referido que o JIC ouviu as escutas, como aliás este Tribunal já 
 constatou no acórdão anterior.
 
             17.º O teor dos despachos, com excepção do de fls. 200, em que a 
 Relação conclui que houve audição prévia das escutas e nos que conclui que não 
 houve é o mesmo, não se percebendo como é que se chega a conclusões diversas a 
 partir de textos semelhantes ou iguais, incorrendo aqui igualmente a Relação no 
 vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b).
 
             18.º O despacho de transcrição de fls. 213 não existe nos autos, 
 pois o que se encontra a fls. 213 é uma simples comunicação entre departamentos 
 da PJ, que nada tem a ver com «despacho de transcrição», e o despacho de fls. 
 
 404 não é de transcrição, mas sim ordena a destruição, não resultando, contudo, 
 que mesmo assim, o JIC o tenha ouvido previamente, incorrendo também aqui a 
 Relação em erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, alínea c), 
 do CPP).
 
             19.º Não houve qualquer controlo jurisdicional das escutas. De 
 facto, com excepção do despacho de fls. 200 v.º, não existe qualquer auto ou 
 escrito demonstrando terem sido as gravações ouvidas, seleccionadas e mandadas 
 transcrever por um magistrado judicial; e bem assim não existe evidência da 
 apresentação em juízo das fitas magnéticas, mas tão-somente das suas alegadas 
 transcrições.
 
             20.º Quem seleccionou e ouviu previamente as escutas telefónicas foi 
 o órgão de polícia criminal, limitando‑se o JIC a acreditar nas sugestões da PJ, 
 ordenando a sua transcrição sem as ouvir e seleccionar previamente.
 
             21.º Tais procedimentos e omissões violam o preceituado na lei. E 
 designadamente o disposto no artigo 188.º, n.ºs 3 e 1, do CPP, acarretando 
 nulidade absoluta e/ou inexistência por constituir método proibido de prova; do 
 mesmo passo se desrespeita o artigo 32.°, n.ºs 8 e 4, da Constituição; são 
 ofendidas as regras da competência exclusiva dos tribunais (artigos 269.°, n.º 
 
 1, alíneas e) e d), 187.°, 190.° e 188.º, n.ºs 1 e 3, do CPP), invasão que 
 constitui nulidade insanável (artigo 119.º, alínea e), do CPP); foi infringido 
 o artigo 188.º, n.º 1, também porque ocorreu excessivo lapso de tempo entre a 
 escuta e a sua transcrição.
 
             22.º A nulidade resultante da violação de proibições de prova é 
 insanável, devendo ser julgada inconstitucional qualquer interpretação dos 
 artigos 187.° e 188.º, n.ºs 1 e 3, do CPP que conclua ser sanável tal nulidade, 
 dependente de arguição, por violação dos citados preceitos da Constituição da 
 República.”
 
  
 
                         1.4. Por acórdão de 17 de Março de 2005, o STJ reduziu 
 as penas aplicadas aos referidos arguidos, pelo crime de tráfico de 
 estupefacientes, para, respectivamente, 6 anos e 6 meses, 7 anos e 6 meses e 5 
 anos e 8 meses de prisão (passando para 6 anos e 9 meses a pena única aplicada 
 ao primeiro). Sobre a questão da validade das escutas telefónicas, o STJ 
 expendeu o seguinte:
 
  
 
             “Suscitam os recorrentes a existência de nulidades e de vícios da 
 decisão recorrida.
 
             Aquelas consistem no não cumprimento das formalidades previstas nos 
 artigos 187.° e 188.° do Código de Processo Penal e da falta de indicação e 
 exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
 
             Por seu lado, os vícios apontados são a contradição entre a decisão 
 e os respectivos fundamentos e o erro notório na apreciação da prova.
 
             Embora os recorrentes tenham alegado a existência da violação do 
 disposto nos artigos 187.° e 188.° do CPP, o certo é que o primeiro desses 
 artigos apenas se refere à necessidade de autorização judicial para as escutas 
 telefónicas e aos casos em que estas são admissíveis.
 
             Ora, não se põe em dúvida que as escutas efectuadas referentes ao 
 presente processo foram devidamente autorizadas e eram admissíveis (artigo 
 
 187.°, n.º 1, alínea a), do CPP).
 
             O que os recorrentes alegam como constituindo nulidade é a falta do 
 cumprimento das normas previstas no artigo 188.° do CPP, nomeadamente a escolha 
 e a transcrição das conversas telefónicas pela Polícia Judiciária e não pelo 
 juiz de instrução.
 
             O acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Junho de 2004, ordenou a 
 ampliação da matéria de facto referente à escolha e transcrição das escutas 
 telefónicas, visando apenas se foi dado ou não cumprimento ao disposto no n.º 3 
 do citado artigo 188.° do CPP.
 
             O acórdão recorrido, sobre essa matéria, regista o seguinte:
 
  
 
             «No caso dos autos, os mapas de fls. 1 e 2 do Apenso 2, que aqui se 
 dá por reproduzido para todos os efeitos legais, condensam com perfeição todos 
 os actos e prazos que garantem, do ponto de vista substancial, a validade plena 
 das escutas em causa.
 
             Por seu lado, os autos que documentam os prévios resumos elaborados 
 pela Polícia Judiciária (cf. a coluna “Auto Fim” do mapa de fls. 2) e os 
 despachos judiciais que sobre eles recaíram não mostram qualquer irregularidade, 
 estando plenamente garantido o escopo a atingir, com a particularidade de todos 
 os suportes em papel e informáticos serem levados em mão ao juiz por inspectores 
 da Polícia Judiciária conforme despachos expressos do seu director.
 
             Nesta conformidade, embora se conclua dos teores respectivos que, no 
 caso das ordens de transcrição contidas nos despachos de fls. 146 v.º, 178 v.º, 
 
 200 v.º, 213 e 404, houve prévia audição das escutas pelos JIC 's e que o mesmo 
 não se pode concluir no que concerne aos despachos de fls. 246, 288 e 589, 
 ponto assente é que em caso algum houve violação de quaisquer direitos, quiçá 
 nestes últimos casos, uma vez que foi sempre o Juiz quem avaliou do interesse 
 das passagens relevantes a transcrever, ainda que de encontro às sugestões da 
 Polícia Judiciária e do Ministério Público.»
 
                        
 
             O Tribunal recorrido deu, assim, como provado que todas as 
 transcrições dos elementos colhidos nas escutas telefónicas foram ordenadas 
 pelo juiz após prévia escolha sua, umas vezes por audição pessoal e outras vezes 
 
 (a que se referem os despachos de fls. 246, 288 e 589) pela leitura dos textos 
 reproduzidos que lhe foram apresentados pela Polícia Judiciária, ou seja 
 recorrendo à cooperação desta Polícia como é autorizado pelo n.º 4 do citado 
 artigo 188.°.
 
             O recorrente A. sustenta que o acórdão recorrido, ao julgar válidas 
 as escutas telefónicas não procedeu «à indicação e exame crítico das provas que 
 serviram para formar a convicção do Tribunal (no que toca) à audição e 
 selecção das escutas, provas essas que não podem ser, nem são, os despachos em 
 si próprios», o que violaria o disposto no artigo 374.°, n.º 2, e constituiria 
 a nulidade do artigo 379.°, n.º 1, alínea a), do CPP.
 
             Porém, aqueles requisitos exigidos pelo artigo 374.°, n.º 2, do CPP 
 visam a matéria de facto dada por provada na sentença e não as decisões 
 relativas às nulidades invocadas.
 
             Ao decidir a questão da validade das escutas telefónicas o Tribunal 
 recorrido tinha o dever de fundamentar as suas conclusões, bastando para tanto 
 indicar os meios de prova em que se baseou.
 
             Deste modo, não se verifica a existência das invocadas nulidades 
 previstas no artigo 189.° do CPP ou no artigo 379.°, n.º 1, alínea a), do mesmo 
 diploma.”
 
  
 
                         O arguido C. arguiu a nulidade desse acórdão, por 
 omissão de pronúncia (fls. 3133 a 3136), o que foi indeferido por acórdão de 5 
 de Maio de 2005 (fls. 3171 a 3173).
 
  
 
                         1.5. Os referidos três arguidos interpuseram recursos 
 para o Tribunal Constitucional:
 
                         1.º – O arguido A. (cfr. requerimento de fls. 3137), ao 
 abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 
 
 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do STJ, de 17 de Março de 2005, 
 pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do disposto no 
 artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma 
 contida nos artigos 126.º, n.ºs 1 e 3, e 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de 
 Processo Penal (CPP), “na interpretação adoptada que considera desnecessária a 
 prévia audição das escutas telefónicas pelo JIC e a prolação de despacho que 
 declare a conveniência de coadjuvação do órgão de polícia criminal para esse 
 efeito e, bem assim, que considera válidas as escutas sem que o conteúdo das 
 respectivas gravações tenha sido levado de imediato ao conhecimento do JIC”, 
 questões de inconstitucionalidade estas que teriam sido suscitadas na motivação 
 do recurso interposto para o STJ;
 
                          2.º – O arguido B. (cfr. requerimentos de fls. 
 
 3144‑3146 e 3152‑3153‑A, com esclarecimentos a fls. 3201‑3205), ao abrigo das 
 alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC:
 
                         A) contra o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 
 de 18 de Outubro de 2004, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por 
 violação dos artigos 34.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 8, da CRP, da norma do 
 artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, interpretada “com o sentido de que, não 
 obstante não ter sido o juiz a previamente ouvir as escutas (despachos de fls. 
 
 246, 288 e 589), não houve violação de quaisquer direitos, até porque 
 recorreu‑se à cooperação da polícia”, questão de inconstitucionalidade que 
 teria sido suscitada na motivação e conclusões do recurso interposto do acórdão 
 final da 1.ª instância, e interpretação normativa esta já julgada 
 inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 407/97, 347/2001 e 379/2004 do Tribunal 
 Constitucional;
 
                         B) contra o já referido acórdão do STJ, de 17 de Março 
 de 2005, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos 
 artigos 34.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 8, da CRP, da norma do artigo 188.º, 
 n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, interpretada “com o sentido de que a cooperação policial 
 
 (neste caso pelo resumo de algumas conversas gravadas elaborado pela PJ), não 
 obstante não ter sido o juiz a previamente ouvir as escutas (despachos de fls. 
 
 246, 288 e 589), prevista no n.º 4 do artigo 188.º do CPP, pode substituir a 
 competência exclusiva do JIC (artigo 188.º, n.ºs 1 e 3, do CPP) em tomar 
 conhecimento do conteúdo gravado, antes de ordenar a prorrogação, transcrição 
 ou o cancelamento de uma intercepção telefónica”, questão de 
 inconstitucionalidade que teria sido suscitada na motivação e conclusões do 
 recurso interposto do acórdão da Relação, e interpretação normativa esta já 
 julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 407/97, 347/2001 e 379/2004 do 
 Tribunal Constitucional;
 
                         3.º – O arguido C. (cfr. requerimento de fls. 3179, com 
 esclarecimentos a fls. 3199‑3200), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC:
 
                         A) contra o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 
 de 23 de Março de 2004, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade:
 
                         (i) da interpretação dos artigos 187.º e 188.º, n.ºs 1 e 
 
 3, do CPP, “que considera ser sanável a nulidade, dependente de arguição”, por 
 violação do artigo 32.º, n.ºs 4 e 8, da CRP, questão de inconstitucionalidade 
 que teria sido suscitada “nas conclusões 15.ª e 16.ª das alegações de recurso, 
 apresentadas em 13 de Abril de 2004”;
 
                         (ii) da interpretação do artigo 127.º do CPP, “no 
 sentido de o julgador poder livremente dar como provados factos delituosos a que 
 ninguém assistiu ou diz ter assistido ou que não tenham sido discutidos em 
 audiência”, por violação do artigo 32.º, n.º 2, da CRP, questão de 
 inconstitucionalidade que teria sido suscitada “nas conclusões 17.ª a 20.ª das 
 alegações de recurso, apresentadas em 13 de Abril de 2004”;
 
                         B) contra o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 
 de 18 de Outubro de 2004, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade:
 
                         (i) da interpretação dos artigos 187.º e 188.º, n.ºs 1 e 
 
 3, do CPP, “que considera ser sanável a nulidade, dependente de arguição”, por 
 violação do artigo 32.º, n.ºs 4 e 8, da CRP, questão de inconstitucionalidade 
 que teria sido suscitada “nas conclusões 21ª, 22.ª e 23.ª das alegações de 
 recurso, apresentadas em 8 de Novembro de 2004”;
 
                         (ii) da interpretação do artigo 127.º do CPP, “no 
 sentido de o julgador poder livremente dar como provados factos delituosos a que 
 ninguém assistiu ou diz ter assistido ou que não tenham sido discutidos em 
 audiência”, por violação do artigo 32.º, n.º 2, da CRP, questão de 
 inconstitucionalidade que teria sido suscitada “nas conclusões 25.ª e 26.ª das 
 alegações de recurso, apresentadas em 8 de Novembro de 2004”;
 
                         C) contra o já referido acórdão do STJ, de 17 de Março 
 de 2005, porquanto “faz uma errada interpretação dos artigos 127.º, 187.º e 
 
 188.º, todos do Código de Processo Penal, subscrevendo na prática a mesma 
 interpretação das instâncias, violando, assim, o disposto no artigo 32.º, n.ºs 
 
 2, 4 e 8, da CRP, sendo válid[o] também relativamente a este acórdão tudo quanto 
 se alegou e concluiu na motivação dos recursos supra mencionados”.
 
  
 
                         1.6. Por despacho do relator no Tribunal Constitucional, 
 de 4 de Julho de 2005 (fls. 3207 a 3224), após descrição das vicissitudes 
 processuais relevantes, consignou‑se:
 
  
 
 “3. Considerando que o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC tem como requisitos ter a decisão recorrida feito aplicação, como ratio 
 decidendi, de norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade fora 
 suscitada pelo recorrente, de modo processualmente adequado, perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a conhecer 
 dessa questão de constitucionalidade, parece sustentável, face às transcrições 
 feitas, que o objecto do presente recurso, no que concerne às escutas 
 telefónicas, se cinge à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 
 
 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, interpretado no sentido de que são válidas (ou, 
 pelo menos, não são insanavelmente nulas) as provas obtidas por escutas 
 telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, 
 não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos 
 contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela 
 Polícia Judiciária.
 
             Por outro lado, surge também como sustentável não ser admissível 
 recurso dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23 de Março de 
 
 2004 e de 18 de Outubro de 2004, o primeiro por ter sido anulado pelo acórdão do 
 STJ, de 17 de Junho de 2004, e o segundo por ter sido substituído pelo acórdão 
 do STJ, de 17 de Março de 2005.
 
             Quanto à questão de inconstitucionalidade relacionada com o artigo 
 
 127.º do CPP, também se afigura plausível que se venha a entender não ter sido 
 adequadamente suscitada, a esse propósito, pelo recorrente C., qualquer questão 
 de inconstitucionalidade normativa (mas antes de inconstitucionalidade de 
 decisão judicial, em si mesma considerada), nem terem as decisões recorridas 
 aplicado, como ratio decidendi, a dimensão normativa identificada no 
 complemento ao requerimento de interposição de recurso, a saber: “no sentido de 
 o julgador poder livremente dar como provados factos delituosos a que ninguém 
 assistiu ou diz ter assistido ou que não tenham sido discutidos em audiência”.
 
             Finalmente, quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pode vir a entender‑se inexistir coincidência entre 
 as dimensões normativas julgadas inconstitucionais nos Acórdãos n.ºs 407/97, 
 
 347/2001 e 379/2004 e a específica dimensão normativa em causa nestes autos.
 
  
 
             4. Nestes termos, fixa‑se em 10 (dez) dias o prazo para apresentação 
 de alegações (artigos 79.º, n.º 2, e 43.º, n.º 3, da LTC), devendo nelas 
 recorrentes e recorrido pronunciarem‑se, querendo, sobre as seguintes questões, 
 atendendo ao exposto no número precedente:
 
             – todos, sobre a delimitação do objecto do recurso, na parte 
 relativa às escutas telefónicas, atrás enunciada;
 
             – o recorrente B. sobre a eventualidade de não se conhecer do 
 recurso tendo por objecto o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18 
 de Outubro de 2004, nem do recurso interposto com base na alínea g) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC; e
 
             – o recorrente C. sobre a eventualidade de não se conhecer dos 
 recursos tendo por objecto os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 
 
 23 de Março de 2004 e de 18 de Outubro de 2004, nem da questão de 
 inconstitucionalidade reportada ao artigo 127.º do CPP.”
 
  
 
                         1.7. O recorrente A. apresentou alegações, no termo das 
 quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. A norma do artigo 188.°, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, interpretada no 
 sentido de que são válidas (ou, pelo menos, não são insanavelmente nulas) as 
 provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, 
 determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das 
 mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram 
 espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária, é inconstitucional por 
 violação do disposto no n.º 8 do artigo 32.° e no n.° 4 do artigo 34.° da CRP, 
 
             2. porquanto a audição das escutas é o único meio de assegurar a 
 imediação entre o Juiz e a recolha de provas através deste meio, de garantir 
 que a restrição nele implicada à liberdade e sigilo das telecomunicações se 
 contém dentro do estritamente indispensável aos fins do processo penal e de 
 assegurar o efectivo e permanente acompanhamento das escutas pelo Juiz que as 
 ordenou.”
 
  
 
                         1.8. O recorrente B. alegou, concluindo:
 
  
 
             “1 –  O douto Supremo Tribunal de Justiça interpretou a norma 
 contida no artigo 188.°, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP com o sentido de que as 
 intercepções telefónicas são válidas, mesmo quando a sua transcrição foi, em 
 parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição 
 pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe 
 foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária.
 
             2 – Interpretou aquela norma com o sentido de que são válidas as 
 provas obtidas por via de uma escuta telefónica, mesmo quando as intercepções 
 não sejam ouvidas pelo juiz, a fim de este avaliar da necessidade ou não da 
 continuação da intercepção e em consequência ordenar as transcrições com relevo 
 para os autos e a destruição das que se mostrem sem interesse.
 
             3 – A escuta telefónica envolve sempre uma intromissão na área dos 
 direitos fundamentais dos cidadãos, devendo, em consequência, o julgador 
 interpretar restritivamente as normas relativas a este meio de obtenção de 
 prova.
 
             4 – Foi esta a interpretação que foi sufragada pelo douto acórdão 
 proferido pelo Tribunal Constitucional – [Acórdão n.º] 407/97, de 21 de Maio de 
 
 1997, e ainda pelos Acórdãos n.ºs 347/2001, de 10 do Julho de 2001, e 379/2004, 
 de 1 de Junho de 2004.
 
             5 – No mesmo sentido, o recente Acórdão da Relação de Lisboa 
 proferido em 29 de Junho de 2005 pela sua 3.ª Secção, no processo n.º 5607/05.
 
             6 – Foi também assim que decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no 
 processo n.° 1145/98, da 5.ª Secção.
 
             7 – Pois as intercepções são nulas porquanto o critério de selecção 
 das transcrições foi da autoria da Polícia Judiciária enquanto que a lei impunha 
 que fosse o juiz que, depois de ouvir todas as sessões apresentadas, ordenasse a 
 transcrição das que entendesse relevantes.
 
             8 – Resulta assim claro que a interpretação dada pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça à norma constante no preceituado no disposto no artigo 
 
 188.°, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP é inconstitucional, por violação do disposto no 
 artigo 32.°, n.ºs 1 e 8, e 34.°, n.ºs 1 e 4, da CRP.
 
             9 – E, sendo assim, como consequência deverá a referida norma, 
 segundo aquela interpretação, ser declarada inconstitucional e em consequência 
 declararem‑se inválidos todos os actos que dependeram das intercepções 
 telefónicas realizadas, conforme artigos 122.° e 189.° do CPP.”
 
  
 
                         1.9. O recorrente C. apresentou alegações, no termo das 
 quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “A) É inconstitucional o artigo 188.º, n.°s 1, 3 e 4, [do CPP] por 
 violação do artigo 32.°, n.°s 4 e 8, da Constituição, se interpretado no 
 sentido de que são válidas (ou pelo menos, não insanáveis) as provas obtidas 
 por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz 
 de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura 
 de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados 
 pela Polícia Judiciária.
 
             B) Com efeito, verifica‑se, no caso concreto, que grande parte das 
 transcrições foi ordenada não com base na prévia audição pessoal do JIC, mas por 
 leitura dos textos contendo a sua reprodução que foram apresentados ao juiz de 
 instrução pela Policia Judiciária, o que consubstancia uma clara violação do 
 preceituado legal relativo às escutas telefónicas e prescrito no artigo 188.º, 
 n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal.
 
             C) A coadjuvação a que alude o n.º 4 do artigo 188.° do CPP não 
 pressupõe uma actividade autónoma por parte do órgão de polícia criminal, ou 
 outra autoridade judiciária, sem ser o juiz, na valoração do que é relevante 
 para investigação na recolha dos elementos probatórios das escutas telefónicas.
 
             D) De outra forma estar‑se‑ia a atribuir a outro órgão, que não o 
 juiz, cuja intervenção constitui uma garantia de que a compressão dos direitos 
 fundamentais afectados pela escuta telefónica se situe nos apertados limites 
 aceitáveis, ou seja, que assegure a menor compressão possível dos direitos 
 fundamentais afectados, para valorar substancialmente a aquisição probatória 
 obtida por tal meio de prova.
 
             E) E a imediação entre o juiz e recolha da prova através da escuta 
 telefónica aparece como meio que melhor garante que uma medida com tão 
 específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pela lei.
 
             F) O actuar desta imediação, garantia de um efectivo controlo 
 judicial, ocorre em vários planos, não só no que se pressupõe na obrigação de 
 levar imediatamente ao juiz o auto de intercepção e as fitas gravadas, mas 
 também na efectiva audição prévia das gravações.
 
             G) Constitui esta a única forma de, além de proceder à sua valoração 
 directamente para efeitos de manter ou levantar a escuta, garantir eficazmente 
 o direito ao segredo das comunicações privadas dos afectados, bem como, pelo 
 conteúdo concreto do conhecimento adquirido, outros direitos fundamentais, como 
 
 é o caso, principalmente, do direito à intimidade.
 
             H) Se a ratio legis do artigo 188.° do CPP fosse no sentido de 
 dispensar o juiz da audição prévia das escutas, na redacção do seu n.º 1 não 
 seria estabelecido que da intercepção e gravação, juntamente com o auto, teriam 
 que ser levadas imediatamente ao juiz as fitas gravadas.
 
             I) E se têm que ser levadas as fitas gravadas, naturalmente que é 
 para o juiz proceder à sua audição, de modo a analisar o seu conteúdo e 
 verificar de forma directa e imediata se as conversações gravadas têm a 
 importância ou a relevância para a prova que o órgão de polícia criminal lhes 
 deu.
 
             J) A não audição prévia pessoal do juiz de instrução constitui 
 nulidade insanável.
 
             K) As escutas telefónicas constituem derrogação ou compressão do 
 princípio constitucional da inviolabilidade das comunicações privadas 
 assegurado pelo artigo 34.º, n.°s 1 e 4, da Constituição.
 
             L) Daí que a sua admissibilidade esteja dependente do conjunto de 
 exigentes pressupostos materiais e formais previstos nos artigos 187.° e 
 seguintes do CPP.
 
             M) E a violação do formalismo respeitante a escutas telefónicas 
 constitui nulidade, conforme resulta do artigo 189.º do CPP.
 
             N) E, nos termos do artigo 126.° do CPP, são insanavelmente nulas, 
 não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em 
 geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas, sendo ainda nulas, nos 
 termos do n.° 3 do mesmo artigo, as provas mediante intromissão na vida 
 privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o 
 consentimento do respectivo titular.
 
             O) Assim, uma interpretação do artigo 189.° no sentido de que a 
 nulidade das escutas telefónicas é sanável e, portanto, não conduz à ineficácia 
 das mesmas, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º, n.°s 1 e 
 
 8, da Constituição.”
 
  
 
                         1.10. O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional contra‑alegou, concluindo:
 
  
 
             “1 – Realizada uma determinada intercepção telefónica da qual 
 resultou a relevância de elementos probatórios escutados, pode o juiz de 
 instrução ser coadjuvado por órgão de polícia criminal na respectiva selecção, 
 tendo em vista a sua transcrição e junção ao processo.
 
             2 – Na presença do auto e na posse dos suportes a que alude o n.° 1 
 do artigo 188.° do Código de Processo Penal, está no critério do juiz de 
 instrução ouvi‑los pessoalmente, ou não, a fim de aferir da sua conformidade com 
 o texto contendo a reprodução do escutado.
 
             3 – Não é inconstitucional uma interpretação do artigo 188.°, n.ºs 
 
 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual são válidas (ou pelo 
 menos, não são insanavelmente nulas) as provas por escutas telefónicas cuja 
 transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em 
 prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua 
 reprodução que lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária.
 
             4 – Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Do teor das alegações dos recorrentes resulta que 
 todos eles se conformaram com a delimitação do objecto dos recursos à questão 
 de inconstitucionalidade definida no despacho do relator, de 4 de Julho de 2005; 
 e, bem assim, por parte do recorrente B., com o não conhecimento do recurso 
 tendo por objecto o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18 de 
 Outubro de 2004, nem do recurso interposto com base na alínea g) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC; e, por parte do recorrente C., com o não conhecimento dos 
 recursos tendo por objecto os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 
 
 23 de Março de 2004 e de 18 de Outubro de 2004, nem da questão de 
 inconstitucionalidade reportada ao artigo 127.º do CPP.
 
  
 
                         2.2. Nas suas alegações, os recorrentes invocam, como 
 normas constitucionais violadas, os artigos 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 4 (o 1.º 
 recorrente), os artigos 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4 (o 2.º recorrente), 
 e os artigos 32.º, n.ºs 4 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4 (o 3.º recorrente), todos da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP).
 
                         A norma do n.º 1 do artigo 32.º não tem, no presente 
 caso, relevância específica, pois, neste contexto, assume exclusivamente a sua 
 natureza de “expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que 
 todas elas são, em última análise, garantias de defesa” (J. J. Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, 
 Coimbra, 1993, p. 202). Também não é directamente pertinente para o caso dos 
 autos – respeitante a escutas telefónicas efectuadas durante a fase de inquérito 
 
 – a invocação do n.º 4 desse preceito, que respeita exclusivamente à fase da 
 instrução, atribuindo a competência para a mesma a um juiz e limitando a 
 possibilidade de delegação noutras entidades da prática de actos instrutórios 
 apenas quando estes actos se não prendam directamente com os direitos 
 fundamentais. Adequada é a invocação do n.º 8 (segundo a numeração da revisão 
 constitucional de 1997; anteriormente era o n.º 6) do artigo 32.º da CRP, 
 enquanto considera “nulas todas as provas obtidas mediante (...) abusiva 
 intromissão (...) nas telecomunicações”. A nulidade das provas com este 
 específico fundamento é relativa (em contraposição à nulidade absoluta das 
 provas obtidas mediante ofensa da integridade pessoal), pois depende de a 
 intromissão ser efectuada fora dos casos previstos na lei, ser desnecessária ou 
 desproporcionada, ou ser aniquiladora do próprio direito, de acordo com os 
 critérios do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP (autores e obra por último citados, 
 p. 206).
 
                         Por seu turno, o artigo 34.º da CRP, após proclamar, no 
 n.º 1, a inviolabilidade do domicílio e do sigilo da correspondência e dos 
 outros meios de comunicação privada, considera, no n.º 4, “proibida toda a 
 ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e 
 nos demais meios de comunicação, salvo os demais casos previstos na lei em 
 matéria de processo criminal” (o inciso “e nos demais meios de comunicação” foi 
 aditado pela revisão constitucional de 1997, tendo em vista as modernas formas 
 de comunicação à distância, que não correspondem aos sentidos tradicionais de 
 correspondência ou de telecomunicações – cf. José Magalhães, Dicionário da 
 Revisão Constitucional, Lisboa, 1999, pp. 102‑103; e Jorge Miranda e Rui 
 Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 373). Da 
 formulação literal do n.º 4 do artigo 34.º da CRP resulta a limitação directa 
 da admissibilidade da “ingerência ... nas comunicações” ao âmbito do processo 
 criminal e a sua sujeição a reserva de lei. Mas desse preceito constitucional já 
 não resulta, ao menos de forma explícita e directa, a sujeição da “ingerência” a 
 reserva de decisão judicial, como, diversamente, o precedente n.º 2 faz 
 relativamente à entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade, que só 
 pode ser ordenada “pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as 
 formas previstas na lei”.
 
                         Representando a intercepção e gravação de conversações 
 telefónicas uma restrição a um direito fundamental, esta restrição deve 
 limitar‑se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do 
 conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da 
 CRP).
 
  
 
                         2.3. Assim definidos os parâmetros constitucionais tidos 
 por relevantes para a apreciação do mérito do presente recurso, interessará 
 recordar a evolução do quadro legal relativo à efectivação de escutas 
 telefónicas no âmbito do processo criminal, com menção da jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional sobre a matéria, da qual, apesar de nunca ter 
 enfrentado directamente a questão de constitucionalidade ora suscitada, é 
 possível extrair elementos úteis para a decisão.
 
                         Na versão originária do CPP, o artigo 187.º condicionava 
 a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas a: (i) 
 ordem ou autorização por despacho judicial; (ii) estarem em causa crimes: 1) 
 puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos; 2) relativos ao 
 tráfico de estupefacientes; 3) relativos a armas, engenhos, matérias explosivas 
 e análogas; 4) de contrabando; ou 5) de injúrias, de ameaças, de coacção e de 
 intromissão na vida privada, quando cometidos através de telefone (o Decreto‑Lei 
 n.º 317/95, de 28 de Novembro, substituiu a expressão “intromissão na vida 
 privada”, usada no artigo 180.º da versão originária do Código Penal, por 
 
 “devassa da vida privada e perturbação da paz e sossego”, em conformidade com as 
 designações dos ilícitos previstos nos artigos 192.º e 190.º, n.º 2, do Código 
 Penal revisto pelo Decreto‑Lei n.º 48/95, de 15 de Março); e (iii) haver razões 
 para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da 
 verdade ou para a prova (n.º 1). Proibia‑se, porém, a intercepção e a gravação 
 de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o 
 juiz tivesse fundadas razões para crer que elas constituíam objecto ou elemento 
 do crime (n.º 3). As formalidades das operações eram estabelecidas no artigo 
 
 188.º, que determinava que: (i) da intercepção ou gravação fosse lavrado auto, o 
 qual, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos, devia ser 
 imediatamente levado ao conhecimento do juiz que ordenara ou autorizara as 
 operações (n.º 1); (ii) o juiz, se considerasse os elementos recolhidos, ou 
 alguns deles, relevantes para a prova, fá‑los‑ia juntar ao processo, ou, caso 
 contrário, ordenava a sua destruição, ficando todos os participantes nas 
 operações ligados por dever de sigilo relativamente àquilo de que tivessem 
 tomado conhecimento (n.º 2); (iii) o arguido e o assistente, bem como as pessoas 
 cujas conversações tiverem sido escutadas, podiam examinar o auto para se 
 inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópia dos 
 elementos naquele referidos (n.º 3), excepto se, tratando‑se de operações 
 ordenadas no decurso do inquérito ou da instrução, o juiz tivesse razões para 
 crer que o conhecimento do auto ou das gravações pelo arguido ou pelo 
 assistente podia prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução (n.º 
 
 4). Nos termos do artigo 189.º, todos os requisitos e condições referidos nos 
 artigos 187.º e 188.º eram estabelecidos sob pena de nulidade, e o artigo 190.º 
 estendia o disposto nos três artigos anteriores às conversações ou comunicações 
 transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone.
 
                         As normas contidas nos referidos artigos 187.º, n.º 1, e 
 
 190.º foram apreciadas, em sede de fiscalização preventiva da 
 constitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional, que, no Acórdão n.º 7/87, não 
 se pronunciou pela sua inconstitucionalidade, por entender que, “face à natureza 
 e gravidade dos crimes a que se aplicam (...) se afigura que tais restrições [ao 
 direito à intimidade da vida privada e familiar”, consagrado no artigo 26.º, n.º 
 
 1, da CRP] não infringem os limites da necessidade e proporcionalidade exigidos 
 pelos citados números [n.ºs 2 e 3] do artigo 18.º da Constituição”.
 
  
 
                         2.4. A regulamentação legal da matéria em causa na 
 versão originária do CPP, pelo seu relativo laconismo, suscitou diversas 
 dúvidas de interpretação e de aplicação: qual o prazo de duração das escutas; 
 quem tem legitimidade para as requerer ao juiz; qual o relacionamento entre 
 
 órgão de polícia criminal, magistrado do Ministério Público e juiz de instrução; 
 se a proibição do n.º 3 do artigo 187.º é extensível a conversações com pessoas 
 que, para além do defensor, estejam legitimadas a recusar depoimento em nome de 
 outros tipos de sigilo profissional (artigo 135.º) ou que, em geral, possam 
 recusar‑se a depor como testemunhas (artigo 134.º); qual o conteúdo do auto de 
 intercepção e gravação; qual a oportunidade de efectivação da transcrição e da 
 destruição; como se efectiva o acesso do arguido, do assistente e das pessoas 
 escutadas ao auto e às gravações; se a nulidade referida no artigo 189.º 
 respeita a nulidade da prova ou a nulidade processual e se, neste caso, é 
 sanável ou insanável, etc.
 
                         Foi, porém, a propósito da questão de saber se a 
 expressão “em matéria de processo criminal”, usada no artigo 34.º, n.º 4, da 
 CRP, poderia abranger processos de prevenção criminal, designadamente na área da 
 segurança interna [o artigo 18.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho – Lei de 
 Segurança Interna –, no capítulo dedicado às medidas de polícia, previa que o 
 juiz de instrução criminal, para efeitos e nos termos do n.º 2 do artigo 187.º 
 do CPP, a requerimento da Polícia Judiciária (por iniciativa própria ou a 
 solicitação dos órgãos de polícia criminal), podia autorizar o controle das 
 comunicações, cuja execução era da exclusiva competência da Polícia Judiciária, 
 e que, se considerasse que os elementos recolhidos eram relevantes para a prova 
 ou detecção de casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente 
 organizada, podia ordenar o seu envio à força de segurança a cargo da qual 
 corriam as investigações], que o Conselho Consultivo da Procuradoria‑Geral da 
 República emitiu o Parecer n.º 92/91, de 30 de Março de 1992 (por vezes 
 mencionado como datado de 9 de Abril de 1992), concluindo, em suma, que a 
 obtenção de prova por meio de escutas telefónicas ou similares só é susceptível 
 de ser judicialmente autorizada a partir do início da fase processual de 
 inquérito, que tem de iniciar‑se logo que haja aquisição da notícia da 
 existência de uma infracção criminal idónea à formulação de um juízo objectivo 
 de suspeita sobre a sua verificação (cf. Circular n.º 7/92 da 
 Procuradoria‑Geral da República, em www.pgr.pt/circulares; e Pareceres da 
 Procuradoria‑Geral da República, vol. VI, Lisboa, 1997, pp. 526‑527).
 
                         Como, porém, nesse parecer incidentalmente se referisse 
 que do auto aludido no artigo 188.º, n.º 1, do CPP não tinha de constar o 
 conteúdo das conversas ou comunicações telefónicas interceptadas, e como era 
 conhecido o entendimento de juízes do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa 
 segundo o qual esse auto devia conter a transcrição do conteúdo da gravação e 
 ser‑lhes apresentado juntamente com as “cassetes”, sem que tivessem de proceder 
 
 à audição anterior à transcrição, foi solicitada a elaboração de parecer 
 complementar, que veio a ser aprovado em 17 de Setembro de 1992 e cuja doutrina 
 foi sintetizada nas seguintes conclusões [cf. Circular n.º 14/92 da 
 Procuradoria‑Geral da República, em www.pgr.pt/circulares; o texto integral 
 desse parecer complementar (CA00921991) foi inserido, por lapso, no documento 
 relativo ao primeiro parecer (P000921991) em www.dgsi.pt/pgrp.nsf]:
 
  
 
             “1.ª – Da intercepção e gravação das comunicações telefónicas ou 
 similares é lavrado um auto (artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – 
 CPP);
 
             2.ª – O referido auto deve inserir a menção do despacho judicial que 
 ordenou ou autorizou a intercepção e da pessoa que a ela procedeu, a 
 identificação do telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e 
 lugar da intercepção, bem como o conteúdo da gravação necessária à decisão 
 judicial sobre o que deverá ou não constar do processo penal respectivo;
 
             3.ª – A transcrição do conteúdo da gravação a que se refere a alínea 
 anterior deverá abranger a integralidade dos elementos da comunicação 
 telefónica ou similar interceptada que a entidade responsável pelas operações 
 considere de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes 
 previstos no artigo 187.º, n.º 1, do CPP;
 
             4.ª – O conteúdo da gravação, que àquela entidade se revelar 
 destituído de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes 
 referidos na conclusão anterior, deverá ser mencionado naquele auto, tão só de 
 modo genérico com a mera referência à sua natureza ou tema, sob a égide do 
 respeito do direito à intimidade da vida privada dos cidadãos;
 
             5.ª – Lavrado o referido auto, é imediatamente levado ao 
 conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica 
 ou similar (artigo 188.º, n.º 1, do CPP);
 
             6.º – O juiz, por despacho, ordenará a junção ao processo dos 
 elementos relevantes para a prova e a destruição dos irrelevantes, incluindo a 
 desmagnetização das «cassetes» ou bandas magnéticas (artigo 188.º, n.º 2, do 
 CPP);
 
             7.ª – O juiz, se o entender necessário à prolação da decisão 
 referida na conclusão segunda, poderá ordenar a transcrição mais ampla ou 
 integral da parte objecto da menção referida na conclusão 4.ª;
 
             8.ª – Os participantes nas operações de intercepção, gravação, 
 transcrição e eliminação de elementos recolhidos ficam vinculados ao dever de 
 sigilo quanto àquilo de que em tais diligências tomaram conhecimento (artigo 
 
 188.º, n.º 2, do CPP);
 
             9.ª – As «cassetes» ou as bandas magnéticas cujo conteúdo seja 
 inserido nos autos devem a estes ser apensos ou, se isso se tornar impossível, 
 guardadas depois de seladas, numeradas e identificadas com o processo respectivo 
 
 (artigos 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e 101.º, n.º 3, do CPP);
 
             10.ª – O arguido, o assistente e as pessoas escutadas podem examinar 
 o referido auto a fim de controlarem a conformidade dos elementos recolhidos e 
 objecto de aquisição processual com os registos de som respectivos, e desses 
 elementos constantes do auto obterem cópias (artigo 188.º, n.º 3, do CPP);
 
             11.ª – O arguido e o assistente não podem proceder ao exame referido 
 na conclusão anterior se a intercepção telefónica ou similar ocorrer no decurso 
 do inquérito ou da instrução e o juiz decidir que o conhecimento por eles do 
 auto ou das gravações é susceptível de prejudicar a respectiva finalidade 
 
 (artigo 188.º, n.º 4, do CPP).”
 
  
 
                         Apesar da sua extensão, interessa – atenta a sua directa 
 ligação ao tema central do presente recurso – transcrever a fundamentação do 
 citado parecer, na parte relativa à definição do conteúdo do auto referido no 
 artigo 188.º, n.º 1, do CPP e especialmente à extensão das menções ao conteúdo 
 das gravações. Lê‑se nesse parecer:
 
  
 
 “2.4. Na primeira parte do n.º 1 do artigo 188.º do CPP refere‑se que da 
 intercepção e gravação da conversação ou comunicações telefónicas é lavrado um 
 auto.
 A expressão «intercepção e gravação» significa, fundamentalmente, a captação das 
 conversações ou comunicações telefónicas e o seu registo em banda magnética ou 
 cassete. 
 
 2.4.1. O conceito de auto consta do artigo 99.º do CPP.
 No n.º 1 estabelece‑se a noção de auto através da sua finalidade e do seu 
 objecto.
 Trata‑se, nos termos da lei, de um instrumento de registo presencial de actos 
 processuais no respectivo circunstancialismo de tempo, modo e lugar, com vocação 
 para produzir fé pública.
 O oficial de justiça ou o funcionário de polícia criminal que haja assistido 
 aos actos processuais a documentar procede ao seu registo no referido 
 instrumento documental, em termos de perpetua rei memoria, com vista à 
 realização da prova do objecto material do processo.
 No n.º 2 particulariza‑se o auto de registo da actividade processual de 
 audiência de julgamento e do debate instrutório em termos de o designar por 
 acta.
 
             Dir‑se‑á que os instrumentos de registo dos actos processuais 
 abrangem o tipo geral designado auto e o especial designado acta.
 
             No n.º 3 elencam‑se os elementos que devem constar do auto, 
 incluindo os requisitos previstos para os actos descritos nos artigos 94.º e 
 
 95.º deste diploma.
 
             Os artigos 94.º e 95.º do CPP reportam‑se à forma escrita dos autos 
 e à sua assinatura, respectivamente.
 
             É obrigatória a menção do dia, mês, ano e lugar da prática do acto, 
 e, tratando‑se de acto que afecte liberdades fundamentais das pessoas, da hora 
 da sua ocorrência, com referência ao momento do seu início e conclusão (artigo 
 
 94.º, n.º 6, do CPP).
 
             Dos elementos que devem constar do auto, salienta‑se, pelo seu 
 relevo, a identificação das pessoas que intervieram no acto, a descrição 
 especificada das operações praticadas e a intervenção de cada um dos 
 participantes processuais.
 
             O auto é, pois, o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos 
 em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigue e 
 a que tiver assistido quem o redige, e a recolher as declarações, requerimentos, 
 promoções e actos decisórios orais que perante quem assistiu tiverem ocorrido 
 
 (artigo 99.º, n.º 1, do CPP).
 
             2.4.2. Na segunda parte do n.º 1 do artigo 188.º do CPP 
 prescreve‑se, por seu turno, que o auto de intercepção e gravação e os 
 instrumentos de registo desta são imediatamente levados ao conhecimento do juiz 
 que haja ordenado ou autorizado a diligência de escuta.
 
             A actividade de intercepção e de gravação das comunicações 
 telefónicas é obviamente distinta daquela que concerne à transcrição do 
 conteúdo da gravação.
 
             Do referido auto deve constar, indubitavelmente, a identidade da 
 pessoa que procedeu à intercepção, a identificação do telefone interceptado e o 
 circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção e da gravação, e a 
 menção do despacho judicial através do qual a diligência foi ordenada ou 
 autorizada.
 
             No n.º 2 prescreve‑se, por um lado, que o juiz a quem os elementos 
 resultantes da intercepção telefónica forem apresentados decide sobre o seu 
 destino – junção ao processo ou a sua destruição –, e, por outro, o dever de 
 segredo das pessoas que em razão do procedimento em análise conheceram os 
 factos.
 
             O critério legalmente estabelecido com vista à junção ao processo ou 
 
 à destruição dos elementos resultantes da intercepção das comunicações 
 telefónicas releva da consideração pelo juiz respectivo da sua utilidade ou 
 inutilidade para a prova.
 
             A fim de determinar a relevância ou irrelevância do conteúdo das 
 gravações para a prova dos factos penalmente ilícitos que são objecto do 
 processo, tem o juiz, naturalmente, de o conhecer.
 
             O conhecimento do conteúdo das gravações pelo juiz implica 
 necessariamente a prévia realização das operações de audição das comunicações 
 telefónicas interceptadas.
 
             Do elemento literal das conjugadas disposições dos n.ºs 1 e 2 é 
 admissível o entendimento de que o juiz a quem for levado o auto e as fitas 
 gravadas ou elementos análogos é que deverá ouvir ou fazer ouvir aos 
 funcionários competentes o conteúdo das gravações e seleccionar os elementos a 
 inserir no processo ou a destruir, que este corpo consultivo adoptou no parecer 
 de que este é complementar. No excurso seguinte testaremos o bem ou mal fundado 
 desta asserção.
 
             No n.º 3 prescreve‑se a faculdade de o arguido, o assistente e as 
 pessoas cujas conversações hajam sido escutadas examinarem o auto a fim de 
 controlarem a conformidade das gravações e de obterem cópia dos elementos nele 
 referidos.
 
             Esta disposição parece, de algum modo, contrariar o entendimento 
 possível do disposto nos n.ºs 1 e 2 que se deixou enunciado. É que a referência 
 ao exame do auto parece reportar-se ao auto previsto no n.º 1, e se tal exame é 
 susceptível de proporcionar ao arguido, ao assistente e às pessoas cujas 
 conversações hajam sido escutadas o controlo da conformidade das gravações, 
 então é porque o auto previsto no n.º 1 deve inserir a transcrição das 
 gravações.
 
             O n.º 4 contém normação excepcional em relação ao disposto no n.º 3 
 quanto à faculdade de exame do auto de registo do conteúdo das gravações pelo 
 arguido e pelo assistente no caso de a diligência de escuta haver sido ordenada 
 no decurso do inquérito e haver motivos de índole objectiva que permitam 
 concluir que o conhecimento do conteúdo das gravações por aqueles sujeitos 
 processuais é susceptível de prejudicar os fins de descoberta da verdade dos 
 factos com relevância penal objecto do inquérito ou da instrução.
 
             2.4.3. Passemos aos elementos lógicos de interpretação – histórico, 
 sistemático e finalístico.
 
             No plano histórico não se conhecem subsídios úteis de interpretação. 
 Com efeito, o artigo 210.º do Código de Processo Penal de 1929, única 
 disposição relativa à intercepção, gravação ou impedimento das comunicações, 
 limitava‑se a prescrever que o juiz e qualquer oficial de justiça ou agente de 
 autoridade por sua ordem podiam ter acesso, para aquele fim, aos correios e 
 estações de telecomunicações.
 
             Dos trabalhos preparatórios do CPP que são conhecidos, isto é, dos 
 da Lei de autorização legislativa n.º 43/86, de 26 de Setembro, não consta 
 qualquer referência específica ao conteúdo que actualmente integra o artigo 
 
 188.º do CPP.
 
             No entanto, na exposição de motivos da proposta de lei da 
 autorização legislativa, a propósito da apreensão de correspondência refere-se, 
 que «o projecto quis reforçar mais ainda o seu sistema de garantias, fazendo 
 para tanto constar do seu articulado uma norma ao abrigo da qual o juiz que 
 tiver ordenado ou autorizado a diligência de apreensão é a primeira pessoa a 
 tomar conhecimento do conteúdo da correspondência respectiva», e no que 
 concerne às escutas telefónicas salientou‑se que seriam tomadas, «quanto às 
 formalidades da operação, especiais cuidados para que fiquem a pertencer aos 
 autos a transcrição do teor da gravação ou intercepção conjuntamente com as 
 fitas gravadas ou elementos análogos que lhe serviram de base e também para que 
 seja assegurado o sigilo quanto aos elementos recolhidos que eventualmente não 
 venham a ser objecto de utilização processual».
 
             2.4.4. No plano sistemático releva a disposição paralela do n.º 3 do 
 artigo 179.º do CPP relativa à apreensão de correspondência em que se 
 prescreve: «o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira 
 pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a 
 considerar relevante para a prova, fá‑la juntar ao processo; caso contrário, 
 restitui‑a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, 
 e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado 
 conhecimento e não tiver interesse para a prova».
 
             Não se justificava, considerando a natureza do suporte material da 
 comunicação interceptada, o prévio conhecimento desta por outrem que não o juiz 
 que ordenou a diligência, e a solução legal de ser este o primeiro a tomar 
 conhecimento do conteúdo da correspondência constitui garantia de violação 
 mínima do direito à inviolabilidade da correspondência previsto no artigo 34.º, 
 n.º 1, da CRP.
 
             Mas a propósito do conteúdo dos registos das comunicações 
 telefónicas ou similares, já a lei não impõe que o juiz que ordenou ou autorizou 
 a intercepção seja o primeiro a dele tomar conhecimento.
 
             Parece que o legislador pretendeu, quanto às autoridades que devem 
 tomar primeiramente conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida e 
 das conversações ou comunicações telefónicas ou similares, consagrar soluções 
 diferentes.
 
             Essa diversidade de solução legal é, aliás, compreensível se 
 tivermos em conta a complexidade do processo de intercepção conducente ao 
 conhecimento do conteúdo das comunicações telefónicas ou similares em causa, 
 seja no plano da tecnologia respectiva seja na área dos meios humanos 
 necessários para o efeito.
 
             A diversidade de formulação legal quanto ao referido aspecto de quem 
 deve tomar conhecimento em primeiro lugar do conteúdo da correspondência 
 apreendida e das comunicações telefónicas ou similares é susceptível de 
 favorecer a leitura do n.º 1 do artigo 188.º do CPP no sentido de que o auto a 
 que se reporta aquela disposição deve inserir o conteúdo das comunicações 
 interceptadas.
 
             2.4.5. O fim da lei é, sobretudo, no sentido de que fique integrada 
 no processo a transcrição do teor útil da gravação ou intercepção conjuntamente 
 com as respectivas cassetes ou bandas magnéticas e haja sigilo quanto aos 
 elementos que não sejam objecto de aquisição processual.
 
             A actividade de transcrição do conteúdo das cassetes ou bandas 
 magnéticas é, por seu turno, instrumental em relação à respectiva aquisição 
 processual, a qual é essencial, além do mais, à consulta e exame do respectivo 
 instrumento documental.
 
             E tal consulta, com a excepção prevista no n.º 4, é que permite às 
 pessoas previstas no n.º 3 ajuizarem da conformidade das gravações, o que 
 naturalmente também pressupõe a audição dos registos de som originais, e a 
 aquisição daquelas para o processo.
 
             Noutra sede, estabelece a lei, relativamente aos crimes previstos no 
 artigo 187.º, n.º 2, do CPP, a exclusiva competência da Polícia Judiciária para 
 proceder à execução do controlo das comunicações telefónicas ou similares 
 
 (artigo 18.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho).
 
             Subjaz a estas normas a constatação da eficiência e da capacidade 
 técnica para aquele fim da Polícia Judiciária, em razão dos meios técnicos e 
 humanos de que dispõe.
 
             Por outro lado, na determinação do sentido e alcance da lei, deve o 
 intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais ajustadas.
 
             Os serviços judiciais não dispõem de meios técnicos e humanos 
 adequados à optimização da actividade de recolha de prova por audição e 
 transcrição do conteúdo das cassetes e bandas magnéticas.
 
             A audição pelo juiz do conteúdo dos registos de som, não raro 
 envolvendo várias cassetes ou bandas magnéticas, e a subsequente actividade de 
 transcrição, implicaria longo trabalho daquele magistrado em funções meramente 
 executivas de eventual recolha de prova, em prejuízo do exercício das outras 
 funções que lhe são próprias.
 
             O sigilo relativamente ao conteúdo das gravações que não venha a ser 
 objecto de aquisição processual é legalmente imposto a todos os que dele 
 conheceram, seja aquando da intercepção-gravação seja aquando da transcrição.
 
             Da conjugação dos referidos elementos lógico‑interpretativos 
 parece‑nos resultar que o auto de intercepção e gravação a que alude o n.º 1 do 
 artigo 188.º do CPP deve conter a transcrição do conteúdo das cassetes ou 
 bandas magnéticas.
 
             Tal sentido encontra, com efeito, na letra da lei, o mínimo de 
 expressão necessário a que se reporta o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.
 
             Na verdade, o termo «gravação» inserto no n.º 1 do artigo 188.º do 
 CPP é susceptível de ser entendido com o significado do conteúdo da gravação.
 
             Parece, aliás, ser esse o sentido que resulta do termo «gravações» a 
 que se reporta o n.º 3 daquele artigo, enquanto se prescreve a faculdade de o 
 arguido, o assistente e as pessoas escutadas examinarem o auto para se 
 inteirarem da conformidade das gravações.
 
             Ademais, a referência naquela disposição à faculdade de exame do 
 auto, através da expressão «podem examinar o auto», o qual contém 
 indubitavelmente o conteúdo das gravações, parece aludir ao mesmo auto a que 
 alude o n.º 1.
 
             Assim, repensando a solução proposta no parecer de que este é 
 complementar, inclinamo‑nos agora para entender que o auto a que alude o n.º 1 
 do artigo 188.º do CPP deve incluir a transcrição do conteúdo das comunicações 
 telefónicas ou similares interceptadas.
 
             3.1. A lei não determina o âmbito da transcrição do conteúdo das 
 gravações e é susceptível de colocar‑se a questão de saber se ela deverá ou não 
 ser integral.
 
             Trata‑se, sem dúvida, de uma questão de particular relevância no 
 domínio do processo penal, face aos princípios da economia e celeridade, se 
 tivermos em conta que as intercepções telefónicas ou similares são susceptíveis 
 de envolver várias cassetes e, consequentemente, enorme quantidade de folhas de 
 processos com a respectiva transcrição, eventualmente em língua estrangeira, 
 nem sempre suficientemente conhecida pela generalidade dos operadores do registo 
 ou transcrição em apreço, o que implica a intervenção da perícia de tradução.
 
             Por outro lado, configurada a eventual complexidade do procedimento 
 global da referida actividade de intercepção telefónica ou similar, não pode 
 deixar de se considerar a situação em que dela não resulte qualquer elemento 
 relevante para a descoberta da verdade sobre a prática de crimes ou para a prova 
 ou em que o interesse de tais elementos se restringe a determinada parte do 
 conteúdo das cassetes ou bandas magnéticas.
 
             Inexistindo, como inexiste, normação de processo penal ou civil que 
 se reporte directamente à estatuição sobre a transcrição integral ou não 
 integral do conteúdo das conversações telefónicas ou similares interceptadas, 
 impõe‑se apelar aos princípios que resultam da Constituição e da lei processual 
 penal (artigo 4.º do CPP).
 
              Deve‑se começar por considerar que a intercepção e gravação das 
 comunicações telefónicas ou similares visa a descoberta da verdade sobre a 
 prática de certos crimes ou a sua prova (artigos 187.º, n.º 1, e 190.º do CPP).
 
             Nesta conformidade, é admissível o entendimento de que o órgão de 
 polícia criminal judicialmente autorizado a realizar a intercepção telefónica ou 
 similar, constatando que a mesma não assume qualquer relevo para a descoberta 
 da verdade sobre a prática de crimes ou para a prova, dispensado estaria de a 
 transcrever no auto previsto no artigo 188.º, n.º 1, do CPP.
 
             Se fosse de adoptar este entendimento, o órgão de polícia criminal 
 que realizasse as operações de gravação limitar‑se‑ia a inscrever no auto o 
 número do telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da 
 intercepção e da gravação telefónica ou similar, o despacho que a ordenou ou 
 autorizou, e que do procedimento nada resultou com interesse para a 
 investigação em causa, e a propor ao juiz que ordenou ou autorizou as operações 
 a destruição do próprio auto e das cassetes ou bandas ou a sua desmagnetização, 
 naturalmente sem prejuízo de aquele magistrado poder controlar aquela 
 informação, ouvindo as cassetes ou bandas magnéticas.
 
             Esta solução respeitaria os princípios da simplicidade, economia e 
 celeridade processual e assumiria a lógica que resulta do facto de ser de 
 presumir que os órgãos de polícia criminal encarregados de realizar as operações 
 de intercepção telefónica ou similar dispõem de informação adequada a ajuizar 
 do seu relevo probatório, e de se impor solidariedade e confiança que deve 
 envolver a actuação de todos os operadores judiciários nesta área de 
 investigação criminal de tanto melindre.
 
             Só que a referida solução de não transcrição, pelos órgãos de 
 polícia criminal encarregados das operações, de qualquer conteúdo das gravações, 
 colide, de algum modo, com o disposto no artigo 188.º, n.º 2, do CPP, em que se 
 prescreve ser o juiz que ordenou ou autorizou as operações quem ajuíza e decide 
 do relevo, para a descoberta da verdade sobre os crimes ou para a sua prova, dos 
 elementos de informação que resultaram da intercepção.
 
             Daí que haja de encontrar‑se a solução desta problemática por apelo 
 a outra ordem de considerações que releva dos princípios a que já se fez 
 referência.
 
             3.2. A excepcionalidade no âmbito da recolha de prova em processo 
 penal das escutas telefónicas ou similares, face à garantia dos direitos 
 fundamentais constitucionalmente consagrados de liberdade de comunicação e de 
 intimidade da vida privada, aponta no sentido de adopção de uma solução que, sem 
 afectar o fim daquele meio de obtenção da prova, limite os efeitos nefastos da 
 violação daqueles direitos.
 
             A transcrição do conteúdo das gravações telefónicas ou similares, 
 pelos meios materiais e humanos que envolve, aumenta o risco da devassa da 
 intimidade da vida privada dos cidadãos.
 
             Não é justificável e, consequentemente, admissível, que, gravadas 
 comunicações telefónicas com informações da vida íntima dos cidadãos, sem a 
 mínima conexão com o objecto material do processo em causa, devam ser objecto 
 de transcrição integral no auto em apreço.
 
             Atenta a finalidade da permissão excepcional das escutas telefónicas 
 ou similares – descoberta da verdade sobre a existência de certos crimes ou a 
 sua prova –, e a proporcionalidade que deve existir entre aquele fim e os meios 
 instrumentais conducentes à sua realização, em que prepondera o princípio da 
 necessidade ou da mínima intervenção possível na esfera jurídica dos cidadãos, 
 bem como o princípio da utilidade processual, de que são corolários os 
 princípios da simplicidade e celeridade, impõe‑se a solução de transcrição, no 
 auto a que alude o n.º 1 do artigo 188.º do CPP, do conteúdo das gravações que 
 seja estritamente necessário à realização do fim a que serve de instrumento.
 
             Face à finalidade prevista na lei do meio excepcional de recolha de 
 prova que são as escutas telefónicas ou similares, não pode deixar de se 
 considerar a proibição de praticar no processo penal actos inúteis, que resulta 
 do disposto nos artigos 4.º do CPP e 137.º do CPC.
 
             A propósito da prova documental em processo penal, que consista em 
 registo fonográfico, insere o artigo 166.º, n.º 3, do CPP, no tocante à sua 
 transcrição, o princípio da necessidade.
 
             Deverá, assim, ser transcrito, no auto a que se refere o n.º 1 do 
 artigo 188.º do CPP, o conteúdo da gravação através do qual o juiz possa ajuizar 
 e decidir sobre o que de tais elementos tem de mandar inserir no processo por 
 relevarem para a descoberta da verdade ou prova dos crimes enumerados no artigo 
 
 187.º, n.º 1, do CPP, ou destruir por não relevaram para tal efeito.
 
             E o primeiro juízo de valor, provisório embora, sobre a questão da 
 relevância ou irrelevância dos aludidos elementos probatórios para os fins 
 aludidos compete ao órgão de polícia criminal que superintenda nas operações de 
 intercepção e escuta das comunicações telefónicas ou similares.
 
             Esta entidade, naturalmente qualificada na área da investigação 
 criminal, fará transcrever na íntegra, no aludido auto, o que considerar 
 relevante para os fins previstos no artigo 187.º, n.º 1, do CPP.
 
             No que concerne às comunicações telefónicas ou similares, ou à parte 
 delas, que ao aludido órgão de polícia criminal pareça não relevarem para os 
 mencionados fins, bastará mencionar no auto o genérico e resumido conteúdo das 
 comunicações objecto da gravação.
 
             Este resumo possibilitará ao juiz, entidade superiormente 
 vocacionada para a decisão do que é ou não relevante para os fins consagrados no 
 artigo 187.º, n.º 1, do CPP, a pertinente decisão.
 
             E se eventualmente o juiz considerar necessário, a fim de 
 fundamentar a aludida decisão, que a transcrição tenha maior amplitude, 
 naturalmente que poderá ordená‑la na extensão julgada necessária, ou 
 confrontá‑la com os registos fonográficos, através da própria audição.
 
             As cassetes ou as bandas magnéticas cujo conteúdo haja sido 
 transcrito e aproveitado para o processo deverão ser‑lhe apensas ou, se tal não 
 for possível, guardadas depois de seladas, numeradas e identificadas com o 
 processo respectivo (artigos 101.º, n.º 3, do CPP e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código 
 Civil).
 
             4. Aqui chegados, é altura de responder à questão que nos é 
 colocada, com base nos elementos fáctico‑jurídicos recenseados.
 
             O auto a que se reporta o artigo 188.º, n.º 1, do CPP deve incluir 
 não só a menção do despacho judicial que autorizou ou ordenou a diligência, a 
 identidade da pessoa que procedeu à intercepção, a identificação do telefone 
 interceptado e o circunstancialismo de tempo, modo e lugar de intercepção, como 
 também o conteúdo das gravações que seja necessário à decisão judicial sobre os 
 elementos que deverão ou não constar do processo penal em causa.
 
             A transcrição da gravação deverá abranger a integralidade do 
 conteúdo das comunicações telefónicas ou similares interceptadas considerado de 
 interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes a que alude o 
 artigo 187.º, n.º 1, do CPP pela entidade responsável pelas respectivas 
 operações.
 
             No caso de aquela entidade constatar que o conteúdo das gravações 
 não tem qualquer relevo para os aludidos fins, bastará mencioná‑lo no auto de 
 forma genérica, com referência à mera natureza ou tema das conversações, com o 
 respeito devido ao direito à intimidade da vida privada.
 
             O referido auto é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que 
 tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica ou similar, o qual, por 
 despacho ordenará a junção ao processo dos elementos transcritos relevantes 
 para a prova dos factos penalmente ilícitos acima mencionados, e a destruição 
 dos irrelevantes, designadamente mediante desmagnetização.
 
             Se o juiz entender necessário, com vista à prolação da decisão de 
 junção ao processo do conteúdo das gravações ou à sua destruição, a transcrição 
 integral dos elementos resumidos no auto, naturalmente que a poderá ordenar. E 
 se carecer de controlar a própria gravação pelo confronto com o conteúdo da 
 transcrição, certo é que pode proceder à respectiva audição.
 
             Os participantes nas operações de intercepção, gravação, transcrição 
 e eliminação do conteúdo das bandas magnéticas ou «cassetes» ficam legalmente 
 vinculados ao dever de sigilo sobre tudo quanto no âmbito de tais operações veio 
 ao seu conhecimento.
 
             O arguido, o assistente e as pessoas eventualmente escutadas têm a 
 faculdade de examinar o aludido auto a fim de poderem controlar a conformidade 
 dos elementos recolhidos e adquiridos para o processo com o que consta do 
 suporte material de registo do som, e deles obter cópia.
 
             O arguido e o assistente, se a intercepção telefónica ou similar 
 ocorreu no decurso do inquérito ou da instrução, não têm a faculdade de conhecer 
 do auto nem das gravações, se o juiz de instrução decidir que tal conhecimento é 
 susceptível de prejudicar o fim das referidas fases processuais.”
 
  
 
                         2.5. Foi ainda na vigência da redacção originária do 
 artigo 188.º do CPP que o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 407/97, 
 que constitui a sua primeira decisão sobre questão de constitucionalidade 
 suscitada a propósito dessa norma, embora centrada (como os posteriores Acórdãos 
 n.ºs 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005) na interpretação do conceito de 
 
 “imediatamente” reportado à apresentação, ao juiz que tiver ordenado ou 
 autorizado a operação, do auto de intercepção e gravação, juntamente com as 
 fitas gravadas ou elementos análogos. Após referências aos parâmetros 
 constitucionais pertinentes e ao direito comparado, o Acórdão n.º 407/97 fundou 
 o seu juízo de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 6 (actual 
 n.º 8) do artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP “quando 
 interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de 
 conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao 
 conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção 
 ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem 
 assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo 
 auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou 
 as escutas” nas seguintes considerações:
 
  
 
             “Trata‑se aqui de precisar o conteúdo constitucionalmente viável do 
 trecho do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, onde surge a expressão «imediatamente». 
 Ora, partindo do pressuposto consubstanciado na proibição de ingerência nas 
 telecomunicações, resultante do n.º 4 do artigo 34.º da Lei Fundamental, a 
 possibilidade de ocorrer diversamente (de existir ingerência nas 
 telecomunicações), no quadro de uma previsão legal atinente ao processo 
 criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser 
 compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, 
 subjacente ao artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do 
 direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta 
 telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao 
 estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta 
 de um concreto crime e punição do seu agente.
 
             Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova 
 através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma 
 medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens 
 fixadas pelo texto constitucional.
 
             O actuar desta imediação, potenciadora de um efectivo controlo 
 judicial das escutas telefónicas, ocorrerá em diversos planos, sendo um deles o 
 que pressupõe uma busca de sentido prático para a obrigação de levar 
 
 «imediatamente» ao juiz o auto da intercepção e «fitas gravadas ou elementos 
 análogos», de que fala a lei.
 
             13. Vejamos, a este propósito, o discurso interpretativo subjacente 
 
 à decisão recorrida. De sublinhar nesta, desde logo, a afirmação de que o 
 artigo 188.º, n.º 1, do CPP, ao não fixar um prazo certo, «acaba por relativizar 
 muito as coisas». Há que reter esta ideia que torna patente a existência de um 
 espaço aberto à procura de um sentido, enfim, de um espaço aberto à 
 interpretação.
 
             Não obstante, mais adiante, a decisão recorrida parece apontar para 
 uma impossibilidade de alcançar o sentido da expressão «imediatamente» no 
 contexto normativo em causa (ao dizer a fls. 102: «Não sabemos. Não dispomos de 
 qualquer critério para decidir sobre isso. Nem sequer é possível estabelecer e 
 assentar num critério de razoabilidade a tal propósito»).
 
             Ora, já se indicou que o critério interpretativo neste campo não 
 pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos 
 fundamentais afectados pela escuta telefónica. Também já se assentou – e 
 importa lembrá‑lo de novo – que a intervenção do juiz é vista como uma garantia 
 de que essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal 
 intervenção, para que de uma intervenção substancial se trate (e não de um mero 
 tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção 
 telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse 
 método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir 
 surgindo, resolvendo‑os e, assim, transformando apenas em aquisição probatória 
 aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca 
 a escuta a coberto dos perigos – que sabemos serem consideráveis – de uso 
 desviado.
 
             Com isto, não se quer significar que toda a operação de escuta tenha 
 de ser materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal visão 
 maximalista, do que aqui se trata é, tão‑só, de assegurar um acompanhamento 
 continuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato, na terminologia 
 legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de em função do 
 decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou.
 
             14. Refere‑se ainda o Acórdão a dificuldades práticas que a situação 
 
 é susceptível de criar («Sabemos, isso sim, que a Polícia Judiciária como muitos 
 outros departamentos do Estado, nos quais se incluem os tribunais, seguramente 
 carece, cronicamente, de meios técnicos e humanos que lhe não permitem cumprir, 
 muitas vezes, as suas tarefas em tempo normal»), moldando, no que não deixa de 
 ter um certo sentido correctivo, o conceito de «imediatamente» («usado por um 
 legislador excessivamente preocupado com a aceleração processual, porém 
 esquecido das grandes lacunas e dos grandes estrangulamentos do sistema») ao 
 que qualifica de entendimento «em termos hábeis». A saber: aquele em que 
 
 «imediatamente» equivale a «no tempo mais rápido possível». Ora, o «mais rápido 
 possível» significou aqui longos períodos de tempo em que as escutas não foram 
 acompanhadas (igual a controladas) pelo juiz e, mais ainda, espaços muito 
 significativos de tempo em que as escutas já haviam terminado e o processo 
 continuava sem ter qualquer conhecimento do seu teor (vejam‑se as conclusões 
 
 2.ª e 4.ª de fls. 4 verso, tendo‑se presente que as datas aí indicados obtêm 
 confirmação nos autos).
 
             É a teorização interpretativa que sufraga esta situação que de modo 
 algum se pode ter por conforme ao disposto no artigo 34.º, n.º 4, da 
 Constituição, lido à luz do princípio da proporcionalidade. Se é certo que se 
 não podem ignorar, pura e simplesmente, os aspectos práticos de uma situação, 
 designadamente as dificuldades técnicas que esta ou aquela opção interpretativa 
 possa ocasionar, não é menos verdade que o ónus dessas dificuldades técnicas, 
 num processo crime, sempre correrá por conta do Estado (a quem compete 
 ultrapassá‑las), jamais por conta do arguido.
 
             Poder‑se‑ia aqui relembrar o dilema, já relatado, do Juiz Holmes, 
 sobre o «mal maior» e o «mal menor». Obviamente que no processo criminal de um 
 Estado de direito democrático, face a «dificuldades técnicas», o «mal menor» 
 sempre será a hipotética impunidade de eventuais criminosos.
 
             15. Trata‑se, pois, de fixar a interpretação constitucionalmente 
 conforme do artigo 188.º, n.º 1, do CPP no segmento em que se insere a 
 expressão «imediatamente», sendo certo ser tal expediente possível ainda nos 
 limites da interpretação.
 
             Assim sendo, «imediatamente» não poderá, desde logo, reportar‑se 
 apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria 
 aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à 
 escuta sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos, 
 
 «imediatamente», no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um 
 efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, 
 enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma 
 
 «imediatamente» poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse 
 acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que 
 essa actividade do juiz não resulte do processo.
 
             Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela 
 exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar‑se 
 inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, uma 
 interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do CPP que não imponha que o auto de 
 intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de 
 imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir 
 atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos 
 recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, 
 antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, 
 sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
 
             É esta, exposta com a minúcia possível, a interpretação conforme à 
 Constituição. A ela importa vincular o intérprete – «juiz incluído» como este 
 Tribunal tem repetidamente referido em situações onde faz uso deste recurso 
 interpretativo.
 
             Sublinhar‑se‑á apenas, como nota final, que as consequências a 
 retirar da interpretação da norma com o sentido apontado se encontram já fora do 
 
 âmbito da intervenção do Tribunal Constitucional, situando‑se claramente no 
 domínio de intervenção do Tribunal recorrido.”
 
  
 
                         Cumpre desde já salientar que a questão de 
 inconstitucionalidade apreciada nesse Acórdão n.º 407/97 se prendia com a demora 
 considerada admissível para a apresentação ao juiz do auto de intercepção e 
 gravação acompanhado das fitas gravadas ou elementos análogos, que é questão 
 diversa da que constitui objecto do presente recurso. No entanto, sublinhe-se 
 que, tendo o Tribunal Constitucional considerado que a especial danosidade da 
 intromissão traduzida pela intercepção telefónica impunha uma intervenção 
 substancial do juiz no decurso da mesma, através de um acompanhamento contínuo e 
 próximo temporal e materialmente da fonte, acompanhamento esse que comportasse a 
 possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou alterada a 
 decisão que a determinou, em parte alguma afirmou que o único método 
 constitucionalmente admissível de realizar esse controlo fosse o da escuta 
 pessoal, pelo juiz, da integralidade das gravações; pelo contrário, 
 explicitamente enunciou que o exigente critério assumido não significava “que 
 toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz”, 
 posição que corresponderia a uma “visão maximalista”, que o Tribunal não 
 subscreveu.
 
  
 
                         2.6. A nível legislativo, a primeira alteração a 
 assinalar foi a levada a cabo pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que alterou a 
 redacção, entre outros, dos artigos 188.º e 190.º do CPP.
 
                         Estas alterações não constavam da Proposta de Lei n.º 
 
 157/VII, que esteve na génese daquela Lei, antes resultaram de propostas de 
 alteração apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (cf. Código 
 de Processo Penal – Processo Legislativo, vol. II, tomo II, ed. Assembleia da 
 República, Lisboa, 1999, pp. 114‑115), que viriam a ser aprovadas por 
 unanimidade (obra citada, p. 107), tendo as relativas ao artigo 188.º sido 
 justificadas, na Declaração de Voto dos Deputados do Partido Socialista relativa 
 
 à votação final global dessa iniciativa legislativa, nos seguintes termos (obra 
 citada, p. 153):
 
  
 
             “As alterações levam em conta o parecer da Procuradoria‑Geral da 
 República n.º 92/91 (complementar), as dificuldades práticas da «vida 
 judiciária», o n.º 4 do artigo 18.º da Lei de Segurança Interna e o acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 407/97 (Diário da República, II Série, de 18 de 
 Julho de 1997), que anulou as escutas porque a transcrição não foi imediata.
 
             Tornava‑se necessário clarificar: quem selecciona os elementos a 
 transcrever; se o agente de investigação pode ter contacto com a conversa (uma 
 vez que a operação é feita por técnico de telecomunicações, mas não pode 
 excluir‑se a presença da polícia, sob pena de a diligência não ter sentido ou 
 eficácia); o que é que o juiz ouve (sabendo‑se que, não ouvindo, manda 
 transcrever a totalidade dos registos, o que é excessivamente moroso, oneroso e 
 inútil); e esclarecer o procedimento.
 
             O n.º 1 do artigo refere que da intercepção é lavrado auto (mas não 
 distingue entre auto de intercepção e auto de transcrição, sendo certo que 
 importa clarificar que são duas coisas diferentes). Assim, fica claro que uma 
 coisa é o auto de intercepção (n.º 1) e outra o auto de transcrição (n.º 3).
 
             O n.º 2 permite que a polícia ouça e possa intervir de imediato, por 
 exemplo, para fazer uma apreensão de droga combinada telefonicamente e «apanhar 
 o flagrante».
 
             Os n.ºs 3 e 4 tornam claro que é o juiz quem selecciona, que é o 
 responsável pelo conteúdo da transcrição, mas que é auxiliado materialmente 
 pela polícia, o que é importante em termos de execução.”
 
  
 
                         As modificações operadas pela Lei n.º 59/98 no artigo 
 
 188.º do CPP consistiram:
 
                         – no aditamento de um novo n.º 2, do seguinte teor: “O 
 disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que 
 proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da 
 comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários 
 e urgentes para assegurar os meios de prova”;
 
                         – na passagem do primitivo n.º 2 a n.º 3, dispondo 
 agora, na sua primeira parte, que “Se o juiz considerar os elementos recolhidos, 
 ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e 
 fá-lo juntar ao processo ...”, enquanto anteriormente apenas dizia que o juiz 
 
 “... fá‑los juntar ao processo ...”;
 
                         – no aditamento de um novo n.º 4, do seguinte teor: 
 
 “Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando 
 entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se 
 necessário, intérprete. À transcrição aplica‑se, com as necessárias adaptações, 
 o disposto no artigo 101.º, n.ºs 2 e 3.”;
 
                         – na passagem do primitivo n.º 3 a n.º 5, com 
 especificação de que o auto cujo exame é facultado ao arguido, ao assistente e 
 
 às pessoas escutadas é “o auto de transcrição a que se refere o n.º 3” (a 
 redacção referia‑se a “examinar o auto”, sem mais); e
 
                         – na eliminação do primitivo n.º 4.
 
  
 
                         2.7. A segunda alteração legislativa com especial 
 relevância para a questão que constitui objecto do presente recurso resultou do 
 Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, que aditou ao n.º 1 do artigo 
 
 188.º do CPP (“Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é 
 lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é 
 imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as 
 operações”) a expressão: “com a indicação das passagens das gravações ou 
 elementos análogos considerados relevantes para a prova”.
 
                         Este inciso final corresponde à utilização da 
 autorização legislativa concedida pela Lei n.º 27‑A/2000, de 17 de Novembro, que 
 autorizou o Governo a rever o Código de Processo Penal, com o sentido e extensão 
 definidos nos artigos seguintes (artigo 1.º), entre os quais, segundo o artigo 
 
 4.º: “Permite‑se que o juiz possa limitar a audição das gravações às passagens 
 indicadas como relevantes para a prova, sem prejuízo de as gravações efectuadas 
 lhe serem integralmente remetidas”. Esta norma não constava da Proposta de Lei 
 n.º 41/VIII (Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 1.ª Sessão 
 Legislativa, II Série‑A, n.º 59, de 15 de Julho de 2000, pp. 1891‑1898), tendo 
 surgido no texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos 
 Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e aí aprovada por unanimidade 
 
 (Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, 
 II Série‑A, n.º 10, de 23 de Outubro de 2000, pp. 218‑224), tal como no Plenário 
 
 (Diário citado, I Série, n.º 13, de 20 de Outubro de 2000, p. 498).
 
  
 
                         2.8. Foi já no domínio dessa redacção – que se manteve 
 intocada até ao momento actual – que o Tribunal Constitucional proferiu os 
 Acórdãos n.ºs 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005, todos incidindo sobre a 
 questão da “imediatividade” da apresentação ao juiz do auto de intercepção e 
 gravação prevista no artigo 188.º, n.º 1, do CPP (o primeiro Acórdão reportado à 
 redacção anterior à Lei n.º 59/98, o segundo à redacção dada por esta Lei, e os 
 dois últimos quer à redacção anterior quer à posterior ao Decreto‑Lei n.º 
 
 320‑C/2000), e ainda os Acórdãos n.ºs 411/2002 (que julgou inconstitucional, por 
 violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação normativa que torna 
 inaplicável ao prazo de arguição de nulidade respeitante a escutas telefónicas 
 ocorrida durante o inquérito o que vem consagrado no artigo 120.º, n.º 3, alínea 
 c), do CPP [até ao encerramento do debate instrutório] e aplicável o 
 estabelecido no artigo 105.º do mesmo Código [dez dias a contar da notificação 
 da acusação, terminando antes do fim do prazo para requerer a instrução]) e 
 
 198/2004 (que não julgou inconstitucional a norma do artigo 122.º, n.º 1, do 
 CPP, entendida como autorizando, face à nulidade/invalidade de intercepções 
 telefónicas realizadas, a utilização de outras provas, distintas das escutas e 
 a elas subsequentes, quando tais provas se traduzam nas declarações dos próprios 
 arguidos, designadamente quando tais declarações sejam confessórias).
 
                         Nos três primeiros Acórdãos citados (o quarto – Acórdão 
 n.º 223/2005 – incidiu sobre uma situação de incumprimento do Acórdão n.º 
 
 379/2004), o Tribunal Constitucional reiterou o critério decisório definido no 
 Acórdão n.º 407/97, que conduziu, nos casos em cada um desses arestos 
 apreciados, à emissão de similares juízos de inconstitucionalidade.
 
                         No Acórdão n.º 347/2001 – que julgou inconstitucional, 
 por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 
 
 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na 
 redacção anterior à que foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando 
 interpretada no sentido de não impor  que o auto da intercepção e gravação de 
 conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao 
 conhecimento do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado 
 período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome 
 conhecimento do resultado da anterior –, após se sumariarem as ideias‑chave do 
 Acórdão n.º 407/97, consignou‑se:
 
  
 
 “Ora, no caso dos autos, a norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, com a 
 interpretação acolhida no acórdão impugnado, não se isenta do mesmo vício de 
 inconstitucionalidade.
 
             Na verdade, fazer equivaler o inciso «imediatamente» ao «tempo mais 
 rápido possível», em termos de «cobrir» situações como a de o auto de 
 transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e 
 gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do 
 crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção da prova, restringe 
 desproporcionadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação 
 privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser 
 constitucionalmente admissível.
 
             Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor 
 das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o 
 controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve, o que se entendeu no 
 citado Acórdão n.º 407/97 – como aqui se entende – colidir com os interesses 
 acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz. E impede, ainda, 
 a destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem 
 interesse relevante para a prova, a que, só por si, não obsta a fixação pelo 
 juiz de um prazo para a intercepção, no termo da qual esta deve findar.
 
             Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero 
 requerimento do Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do 
 conhecimento judicial do resultado da intercepção anterior, continua a 
 significar a mesma ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz, 
 o que pode até traduzir‑se em longos períodos (um dos postos telefónicos foi 
 interceptado desde 3 de Novembro de 1995 a 15 de Novembro de 1996 e o outro 
 desde 3 de Abril de 1996 a 12 de Novembro de 1996 e de novo entre 31 de Março de 
 
 1997 a 5 de Setembro de 1997) de utilização deste meio de obtenção de prova na 
 disponibilidade total dos órgãos de investigação.
 
             É certo que, tal como a decisão recorrida no Acórdão n.º 407/97, o 
 acórdão impugnado faz apelo às dificuldades práticas – a reconhecida carência de 
 meios técnicos e humanos – para justificar o entendimento dado ao referido 
 inciso «imediatamente», num quadro de exigências de repressão da criminalidade 
 grave, praticada por redes altamente organizadas.
 
             A esse argumento se respondeu, ainda no Acórdão n.º 407/97, em 
 termos que também aqui se acolhem, que tais dificuldades constituem, num 
 processo crime, ónus do Estado de Direito democrático, ónus que não pode estar 
 a cargo do arguido, ainda que, no limite, isso signifique deixar impunes alguns 
 criminosos. Não é de todo admissível num Estado de Direito democrático, 
 caracterizado pela publicização do ius puniendi, fazer reverter contra o 
 arguido o ónus da escassez de meios e dificuldades na obtenção de prova para o 
 condenar.
 
             Note‑se que na nova redacção dada ao artigo 188.º (em especial, no 
 n.º 3) pela Lei n.º 59/98 (actualmente pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de 
 Dezembro) se procurou obviar às alegadas dificuldades de transcrição imediata 
 dos elementos recolhidos, pois esta só será judicialmente ordenada depois de o 
 juiz considerar tais elementos relevantes para a prova.
 
             Resta acrescentar que o Tribunal Constitucional tem apenas poderes 
 para verificar a constitucionalidade de normas, pelo que lhe está vedado 
 
 «declarar inválidos todos os actos que dependerem das intercepções telefónicas 
 realizadas, conforme os artigos 122.º e 189.º do CPP», como o recorrente 
 pretende.
 Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete reformar a sua decisão em 
 conformidade com o presente juízo de constitucionalidade, extraindo dele as 
 consequências pertinentes ao nível do direito infraconstitucional e do concreto 
 processo crime em causa.”
 
  
 
                         A validade da jurisprudência assim definida foi 
 reafirmada no Acórdão n.º 528/2003 – que julgou inconstitucional, por violação 
 das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, 
 n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção 
 anterior à que foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, 
 quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação 
 de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado 
 ao conhecimento do juiz –, o qual, após transcrição da fundamentação relevante 
 dos Acórdãos n.ºs 407/97 e 347/2001, acrescentou:
 
  
 
 “Agora apenas se referirá que, mais recentemente, o Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem voltou a ter oportunidade para reiterar a sua jurisprudência 
 em matéria de escutas telefónicas. Tal aconteceu, nomeadamente, nos casos PG e 
 JH v. Reino Unido (acórdão de 25 de Setembro de 2001) e Prado Bugallo v. Espanha 
 
 (acórdão de 18 de Fevereiro de 2003). Neste último acórdão, aquele Tribunal 
 voltou a sublinhar a necessidade de preenchimento, pelas legislações nacionais, 
 das condições exigidas pela sua jurisprudência, designadamente nos acórdãos 
 Kruslin v. França e Huvig v. França, para evitar os abusos a que podem conduzir 
 as escutas telefónicas. Referiu‑se, então, nomeadamente, à necessidade de 
 definição das infracções que podem dar origem às escutas, à fixação de um 
 limite à duração de execução da medida, às condições de estabelecimento dos 
 autos das conversações interceptadas, bem como às precauções a tomar para 
 comunicar intactas e completas as gravações efectuadas, de modo a permitir um 
 possível controlo pelo juiz e pela defesa.
 
             Assim sendo, verifica‑se que a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional atrás referida, que, como se salientou já, mantém inteira 
 validade e a que aqui integralmente se adere, conduz a que, também no caso dos 
 autos, tenha de considerar‑se inconstitucional a interpretação do n.º 1 do 
 artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe foi 
 dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida pela 
 decisão recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no 
 presente processo – em que os autos de intercepção e gravação de conversações 
 telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao 
 conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início – 
 são ainda abrangidas pela expressão imediatamente, colide frontalmente com os 
 interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que 
 impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz.
 
             Resta apenas acrescentar, de modo semelhante ao que se fez nos 
 acórdãos deste Tribunal citados supra, que o Tribunal Constitucional somente 
 tem poderes para verificar a constitucionalidade de normas, situando‑se já fora 
 do âmbito da sua intervenção retirar as consequências da interpretação da norma 
 com o sentido apontado. Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete 
 reformar a sua decisão em conformidade com o presente juízo de 
 constitucionalidade, extraindo dele as consequências pertinentes ao nível do 
 direito infraconstitucional e do concreto processo crime em causa.”
 
  
 
                         Por seu turno, o Acórdão n.º 379/2004 – que julgou 
 inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 
 
 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, 
 n.º 1, do CPP, quer na redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, quer quando interpretada no 
 sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, 
 poder continuar a processar‑se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que 
 de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do 
 conteúdo das conversações, quer na interpretação segundo a qual a primeira 
 audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer 
 mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações 
 telefónicas –, após sumariar as três decisões anteriormente referidas, 
 acrescentou:
 
  
 
             “Ora, verifica‑se que esta jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida, 
 mantém inteira validade para o caso em apreço, o que leva a que se considere 
 inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, interpretada no sentido de a intercepção telefónica, 
 inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar‑se, sendo 
 prorrogada por dois novos períodos (de 30 dias cada um), sem que previamente o 
 juiz de instrução controle e tome conhecimento do conteúdo das conversações, por 
 violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da 
 Constituição, bem como a mesma norma, na interpretação segundo a qual a primeira 
 audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz de instrução pode ocorrer 
 durante o aludido segundo período de prorrogação.”
 
  
 
                         Da explanação da jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional (o texto integral dos Acórdãos anteriormente citados está 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt), cujos traços essenciais foram logo 
 desenhados pelo Acórdão n.º 407/97, resulta que se entendeu constitucionalmente 
 justificado que a admissibilidade da intromissão nas comunicações telefónicas 
 fosse não só alvo de prévia autorização judicial, mas também objecto de 
 acompanhamento judicial ao longo da sua execução. Porém, em caso algum o 
 Tribunal Constitucional teve de enfrentar a questão de saber se o único método 
 constitucionalmente admissível era o da audição, feita pessoalmente pelo juiz, 
 da totalidade das gravações. Nesse sentido, e para além do já enunciado no final 
 do anterior n.º 2.5, a propósito daquele Acórdão, o que se exige é um 
 
 “acompanhamento próximo” e um “controlo do conteúdo” das conversações, com uma 
 dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se 
 venham a revelar injustificadas ou desnecessárias; e (ii) submeter a um “crivo” 
 judicial prévio a aquisição processual das provas obtidas por esse meio (cf. 
 José Manuel Damião da Cunha, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional em 
 matéria de escutas telefónicas”, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, 
 Janeiro‑Março 2004, pp. 50‑56). Mas em parte alguma se afirmou que o único 
 método possível de efectuar esses acompanhamento e controlo fosse o da audição 
 pessoal, pelo juiz, da totalidade das escutas, com postergação, por exemplo, da 
 possibilidade de o órgão de polícia criminal coadjuvar o juiz, facultando‑lhe a 
 reprodução, na íntegra ou por súmula, das conversações tidas por 
 processualmente relevantes e juntando sempre as fitas gravadas ou elementos 
 análogos (ou mesmo o acesso on line às escutas), em ordem a assegurar a 
 efectividade do controlo e a possibilitar uma decisão autónoma do juiz. Só no 
 Acórdão n.º 379/2004 se refere a “audição” das gravações pelo juiz, mas essa 
 menção respeita à caracterização da situação de facto ocorrida nesse processo 
 
 (em que o juiz optou por ouvir pessoalmente as gravações mas só o fez, pela 
 primeira vez, mais de três meses após o início da intercepção e gravação das 
 comunicações telefónicas), não envolvendo, nem explícita nem implicitamente, a 
 erecção desse método como único constitucionalmente admissível.
 
  
 
                         2.9. Da exposição precedente já resultam claramente 
 evidenciadas as dúvidas e perplexidades que o regime legal das escutas 
 telefónicas tem suscitado. Mas se, ao nível da jurisprudência constitucional, 
 elas incidiram quase exclusivamente sobre o tempo (que não sobre o modo) de 
 acompanhamento judicial da execução da operação, já a nível da doutrina e da 
 prática judiciária elas têm também incidido sobre os requisitos da autorização 
 da operação, reportados ao artigo 187.º do CPP, quer na perspectiva da 
 adequação do “catálogo” de crimes enunciado no seu n.º 2, quer no que concerne a 
 uma clara definição das pessoas cujas conversações podem ser colocadas sob 
 escuta, quer quanto à ausência de uma definição legal da duração das escutas. 
 Designadamente no que respeita à execução da operação, é indefinida a forma de 
 articulação entre órgão de polícia criminal, Ministério Público e juiz, 
 registam‑se oscilações quanto à definição do conteúdo do auto (ou dos autos) a 
 elaborar e tem sido salientado o inconveniente da imediata destruição das 
 gravações que o juiz reputou irrelevantes, por assim se eliminar 
 irreversivelmente o aproveitamento de passagens que eventualmente seriam 
 consideradas importantes quer pela acusação, quer pela defesa. [Sobre esta 
 temática, cfr. Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo 
 Penal, Coimbra, 1992, pp. 272‑318, “Sobre o regime processual penal das 
 escutas telefónicas”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, fasc. 3, 
 Julho‑Setembro 1991, pp. 369‑408, e “As escutas telefónicas como meio de 
 obtenção de prova no novo Código de Processo Penal de Macau”, Revista Jurídica 
 de Macau, vol. IV, n.º 1, Janeiro‑Abril 1997, pp. 75‑92; José António Mouraz 
 Lopes, Garantia Judiciária no Processo Penal – Do Juiz e da Instrução, Coimbra, 
 
 2000, pp. 40‑44, e A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal 
 Português, Coimbra, 2005, pp. 141‑151; Maria de Fátima Mata‑Mouros, Sob Escuta – 
 Reflexões sobre o Problema das Escutas Telefónicas e as Funções do Juiz de 
 Instrução Criminal, Cascais, 2003; Manuel Monteiro Guedes Valente, Escutas 
 Telefónicas – Da Excepcionalidade à Vulgaridade, Coimbra, 2004; Pedro do Carmo, 
 
 “Acesso ao auto de transcrição das conversas telefónicas interceptadas e 
 segredo de justiça – Sentido e alcance do disposto pelo artigo 188.º, n.º 5, do 
 Código de Processo Penal”, Revista do Ministério Público, ano 24.º, n.º 94, 
 Abril‑Junho 2003, pp. 141‑148; Cristina Ribeiro, “Escutas telefónicas: pontos de 
 discussão e perspectivas de reforma”, Revista do Ministério Público, ano 24.º, 
 n.º 96, Outubro‑Dezembro 2003, pp. 67‑89; e André Lamas Leite, “As escutas 
 telefónicas – algumas reflexões em redor do seu regime e das consequências 
 processuais derivadas da respectiva violação”, Revista da Faculdade de Direito 
 da Universidade do Porto, ano I, 2004, pp. 9-58. Embora tendo por objecto 
 imediato a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, contêm elementos pertinentes ao 
 regime geral das escutas telefónicas os textos de Mário Ferreira Monte, “O 
 registo de voz e de imagem no âmbito do combate à criminalidade organizada e 
 económico‑financeira” e “A intercepção e gravação de conversações e 
 comunicações. O registo de voz e de imagem. Alguns aspectos relevantes do 
 actual sistema processual penal”; de Carlos Rodrigues de Almeida, “O registo de 
 voz e de imagem – notas ao artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro”; e de 
 Rui do Carmo, “Registo de voz e imagem”, todos em Centro de Estudos 
 Judiciários, Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e 
 Económico‑Financeira, Coimbra, 2004, pp. 79‑90, 91‑106, 107‑117 e 169‑172, 
 respectivamente.]
 
                         Em resultado dessas perplexidades e reflexões, as 
 iniciativas legislativas relativas à revisão do Código de Processo Penal 
 apresentadas na última Legislatura – Projecto de Lei n.º 424/IX, apresentado 
 pelo Bloco de Esquerda, Proposta de Lei n.º 149/IX e Projecto de Lei n.º 519/IX, 
 apresentado pelo Partido Socialista (Diário da Assembleia da República, II 
 Série‑A, IX Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, n.º 50, de 3 de Abril de 2004, 
 pp. 2214‑2219, e 3.ª Sessão Legislativa, n.º 17, de 20 de Novembro de 2004, pp. 
 
 21‑40, e n.º 20, de 3 de Dezembro de 2004, pp. 6‑118, respectivamente) – 
 propugnam, designadamente: (i) a elevação de 3 para 5 anos do máximo da pena de 
 prisão aplicável aos crimes que consentem a autorização de escutas; (ii) a 
 restrição da admissibilidade destas apenas quando não existir outro meio lícito 
 para atingir a descoberta da verdade ou se revelar de superior interesse, face 
 aos demais meios de prova, para esse objectivo; (iii) a definição das pessoas 
 cujas conversações podem ser interceptadas; (iv) a instauração de regimes 
 especiais atenta a qualidade dos escutados; (v) a exigência de especial 
 fundamentação do despacho autorizador das escutas; (vi) o estabelecimento de 
 limites temporais para a execução das escutas e respectivas prorrogações; (vii) 
 o alargamento dos casos de proibição de transcrições.
 
                         No que especificamente respeita ao acompanhamento 
 judicial da operação, o Projecto de Lei n.º 424/IX propõe: (i) a fixação do 
 prazo máximo de 24 horas para ser levado ao conhecimento do juiz o auto de 
 intercepção e gravação, com as fitas gravadas e a indicação das passagens 
 consideradas relevantes para a prova; (ii) a supervisão de todo o processo, 
 especialmente a transcrição em auto, pelo Ministério Público; (iii) a 
 conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão 
 final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de 
 recurso para contextualizar as conversações transcritas. A Proposta de Lei n.º 
 
 150/IX estabelece, designadamente, que: (i) os autos de intercepção e gravação, 
 com as fitas, são levados ao conhecimento do juiz, de 15 em 15 dias, com 
 indicação por parte do Ministério Público das passagens consideradas relevantes 
 para a prova; (ii) o Ministério Público é ouvido pelo juiz antes de este 
 seleccionar os elementos a consignar em suporte autónomo e a transcrever em 
 auto; (iii) as fitas e elementos análogos são conservados até ao trânsito em 
 julgado da decisão final, tendo a eles acesso o arguido para efeitos de 
 selecção de mais excertos que entenda relevantes. Por último, o Projecto de Lei 
 n.º 519/IX prevê que seja o juiz o fixar o período findo o qual o auto com as 
 fitas é levado ao seu conhecimento, acompanhado ou da indicação das passagens e 
 dos dados considerados relevantes para a prova ou mesmo da respectiva 
 transcrição provisória, cabendo ao juiz determinar a transformação desta 
 transcrição provisória em definitiva ou, se não considerar os elementos nela 
 contidos como relevantes, determinar a sua eliminação.
 
  
 
                         2.10. Grande parte das questões referenciadas no 
 precedente número têm por suporte a apreciação da adequação do sistema legal 
 actualmente vigente entre nós com as exigências que nesta matéria têm sido 
 estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 
 face ao disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que 
 proclama o direito de qualquer pessoa ao respeito da sua vida privada e 
 familiar, do seu domicílio e da sua correspondência (n.º 1) e proíbe ingerências 
 da autoridade pública no exercício desse direito, excepto se essa exigência 
 estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade 
 democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança 
 pública, para o bem‑estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das 
 infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos 
 e das liberdades dos outros (n.º 2).
 
                         Na síntese apresentada por Ireneu Cabral Barreto (“A 
 Investigação criminal e os direitos humanos”, Polícia e Justiça – Revista do 
 Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, III Série, n.º 
 
 1, Janeiro‑Junho de 2003, pp. 43‑85, em especial pp. 57‑63; e “A jurisprudência 
 do novo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Sub Judice – Justiça e 
 Sociedade, n.º 28, Abril‑Setembro 2004, pp. 9‑32, em especial pp. 20‑21; cf. 
 ainda, do mesmo autor, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 2.ª 
 edição, Coimbra, 1999, anotações I-5.2 e II‑4. e 6.4. ao artigo 8.º, a pp. 184, 
 
 193‑194 e 196; e João Ramos de Sousa, “Escutas telefónicas em Estrasburgo: O 
 activismo jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Sub 
 Judice, citada, pp. 47‑55 ):
 
  
 
 “A jurisprudência de Estrasburgo, tendo em conta a gravidade da ingerência na 
 vida das pessoas que representa a escuta telefónica, precisou que não basta uma 
 lei a prever essa possibilidade.
 Para prevenir o risco de arbítrio que o uso desta medida poderia acarretar, 
 entende‑se que uma tal lei deve conter uma série de garantias mínimas:
 
 – definir as categorias de pessoas susceptíveis de serem colocadas em escutas 
 telefónicas;
 
 – a natureza das infracções que podem permitir essa escuta;
 
 – a fixação de um limite de duração dessa medida;
 
 – as condições do estabelecimento de processos verbais de síntese consignando 
 as conversas interceptadas;
 
 – as precauções a tomar para comunicar, intactos e completos, os registos 
 realizados, para o controlo do juiz e da defesa;
 
 – as circunstâncias nas quais pode e deve proceder‑se ao apagamento ou 
 destruição das fitas magnéticas, nomeadamente após uma absolvição ou o 
 arquivamento do processo.”
 
  
 
                         Como refere Gérard Cohen‑Jonathan (“La Cour européenne 
 des droits de l’homme et les écoutes téléphoniques”, Revue Universelle des 
 Droits de l’Homme, vol. 2, n.º 5, 31 de Maio de 1990, pp. 185–191), impõe‑se a 
 existência de uma lei que preveja a possibilidade de autorização de escutas, 
 lei que deve ser acessível e precisa, e que se estabeleçam garantias adequadas, 
 desde logo definindo com precisão quais as autoridades competentes para ordenar 
 ou autorizar as escutas, quais os crimes cuja gravidade justifica o uso deste 
 meio de produção de prova e o grau de suspeita exigível, não podendo a 
 ingerência ser meramente exploratória. Depois, o acompanhamento da operação 
 há‑de ocorrer em três estádios: no momento da ordem ou da autorização, no 
 decurso da operação e após o seu termo, possibilitando às pessoas colocadas sob 
 escuta o direito de acesso às gravações e respectivas transcrições, o direito à 
 eliminação das passagens irrelevantes ou interditas e o direito à destruição ou 
 restituição dos respectivos suportes.
 
                         Mas para além das “escutas judiciárias”, são ainda 
 admissíveis “escutas administrativas”, determinadas pelo poder executivo 
 visando objectivos de segurança interna e externa, as quais devem oferecer 
 igualmente garantias adequadas que afastem o risco de utilização abusiva, 
 garantias que serão naturalmente diferentes das previstas para as “escutas 
 judiciárias”, mas que sempre exigirão a possibilidade de recurso aos tribunais, 
 embora apenas a posteriori. Essas garantias passam, nalguns países, pela 
 intervenção de entidades independentes, por vezes de origem parlamentar, que 
 acompanham a actuação do executivo (cf. o Acórdão Klass, de 1978, em que o 
 Tribunal Europeu considerou suficientes os recursos judiciais a posteriori 
 previstos no direito alemão em caso de intercepção de conversações determinada 
 pelo Governo alemão, para defesa da ordem e segurança numa sociedade democrática 
 e para evitar infracções, sem controlo judicial prévio, e a decisão da Comissão 
 Europeia dos Direitos do Homem, de 10 de Maio de 1985, relativa ao Luxemburgo, 
 ambos citados no artigo de Gérard Cohen‑Jonathan). 
 
                         
 
                         2.11. A análise de ordenamentos jurídicos de países 
 cujas normas constitucionais relevantes na matéria são similares às portuguesas 
 revela que o legislador ordinário tem moldado de modo diversificado o regime das 
 escutas telefónicas, designadamente no que respeita à intervenção do juiz, quer 
 na fase de autorização, quer na fase de acompanhamento da operação (cf. Mario 
 Chiavario e outros, Procedure Penali d’Europa, 2.ª edição, Milão, 2001).
 
                         Na Bélgica, de acordo com as Leis de 10 de Junho de 1998 
 e de 10 de Janeiro de 1999, a regra é a da autorização pelo juiz de instrução, 
 mas, em casos de urgência, a escuta pode ser determinada pelo Ministério 
 Público, embora sujeita a validação judicial. Só se procede à transcrição das 
 passagens consideradas relevantes, mas mantêm‑se intactas as gravações, podendo 
 as partes consultá‑las e requerer a transcrição de passagens inicialmente tidas 
 por irrelevantes (ob. cit., pp. 75‑76).
 
                         Na França, segundo os artigos 100.º e seguintes do 
 Código de Processo Penal, alterados pela Lei de 10 de Julho de 1991, a ordem de 
 intercepção é dada pelo juiz de instrução, o qual, porém, pode delegar num 
 oficial de polícia judiciária o acompanhamento da operação. As gravações só são 
 destruídas no termo de prescrição do procedimento criminal (ob. cit., pp. 
 
 139‑140).
 
                         Na Alemanha também é de regra a autorização pelo juiz, 
 mas, em caso de urgência, a intercepção pode ser determinada pelo Ministério 
 Público, sujeita a validação judicial. A ordem de intercepção implica o poder 
 de registo. No julgamento, o juiz pode optar entre a audição das gravações ou a 
 leitura das transcrições (ob. cit., p. 204).
 
                         Diversamente, na Inglaterra, as escutas são determinadas 
 pelo Ministro do Interior ou pelas autoridades policiais, com mandado 
 ministerial, não tendo o juiz qualquer poder de controlo sobre as intercepções, 
 existindo possibilidade de recurso para uma comissão integrada por advogados 
 nomeados pelo Governo, que verifica o cumprimento das condições legais da 
 intercepção (ob. cit., pp. 258‑259).
 
                         Na Itália, também a regra é a de que compete ao juiz de 
 instrução autorizar as intercepções, mas em caso de urgência elas podem ser 
 ordenadas pelo Ministério Público, com subsequente validação judicial (ob. cit., 
 pp. 321‑322). As comunicações interceptadas são registadas em acta, aí sendo 
 transcrito, ainda que sumariamente, o conteúdo da comunicação interceptada 
 
 (artigo 268.º do Código de Processo Penal italiano). O registo da intercepção e 
 a acta são transmitidos imediatamente ao Ministério Público, que os deposita na 
 secretaria, sendo de seguida dado conhecimento ao defensor, que pode escutar os 
 registos e examinar os actos, e só então, face às posições assumidas pelas 
 partes interessadas quanto à admissibilidade e relevância das comunicações 
 interceptadas, é que o juiz de instrução manda suprimir os registos cuja 
 utilização é legalmente vedada e admite os que não são manifestamente 
 irrelevantes (artigo 266.º, n.º 6, do mesmo Código) – cf. José António Mouraz 
 Lopes, “A tutela da imparcialidade ...”, citado, pp. 145‑146, nota 388.
 
  
 
                         2.12. Recortado o parâmetro constitucional atendível 
 
 (2.2.), historiada a evolução legislativa do regime das escutas e perplexidades 
 que suscitou e suscita (2.3., 2.4., 2.6., 2.7. e 2.9.), recordada a pertinente 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional (2.5. e 2.8.) e do Tribunal Europeu 
 dos Direitos do Homem (2.10.) e feita sumária referência a sistemas jurídicos 
 próximos (2.11.), cumpre, finalmente, enfrentar o problema de 
 constitucionalidade que vem suscitado no presente recurso.
 
                         Importa, desde já, salientar que não está em causa a 
 correcção, ao nível da interpretação e aplicação do direito ordinário, da 
 interpretação normativa acolhida pelo acórdão recorrido, mas tão‑só apurar se 
 essa interpretação, assumida como um dado da questão, é constitucionalmente 
 conforme.
 
                         Do relato da evolução legislativa resulta uma oscilação 
 quanto ao número e conteúdo do “auto de intercepção e gravação”. A circunstância 
 de a versão originária do artigo 188.º do CPP aludir a um único auto e de ser o 
 exame desse auto pelo arguido, pelo assistente e pelas pessoas escutadas que 
 lhes possibilitaria inteirarem‑se da conformidade das gravações e obterem cópia 
 dos elementos referidos no auto, levou a que se entendesse (supra, 2.3.), 
 designadamente no parecer n.º 92/91 (complementar), de 17 de Setembro de 1992, 
 do Conselho Consultivo da Procuradoria‑Geral da República, que esse auto não 
 devia conter apenas o registo do acto de intercepção, mas inclusivamente o 
 conteúdo das conversações interceptadas, por transcrição das tidas por 
 relevantes e menção genérica das consideradas destituídas de interesse (cf. 
 supra, 2.4.).
 
                         A intervenção legislativa consumada pela Lei n.º 59/98 
 
 (cf. supra, 2.6.) visou afastar esse entendimento, tornando clara a existência 
 de dois autos – um relativo ao acto de intercepção e gravação e outro de 
 transcrições –, sendo ao auto de transcrição que é facultado o acesso por parte 
 do arguido, do assistente e das pessoas escutadas, para efeitos de controlo da 
 fidelidade das mesmas. Simultaneamente veio prever‑se, de forma expressa, a 
 possibilidade de conhecimento, a título excepcional, do conteúdo das 
 comunicações por parte do órgão de polícia criminal antes do seu conhecimento 
 pelo juiz, e a possibilidade de o juiz, na sua tarefa de selecção dos elementos 
 que, por considerados relevantes para a prova, deviam ser transcritos, ser 
 coadjuvado por órgão de polícia criminal.
 
                         Finalmente, a alteração operada pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 320‑C/2000 veio de novo alterar o conteúdo do auto de intercepção e de gravação. 
 Ele deixou de ser mero auto de registo da efectivação da operação, para dever 
 sempre conter, não a transcrição das passagens que o órgão de polícia criminal 
 reputasse relevantes (como entendera o parecer n.º 92/91 da Procuradoria‑Geral 
 da República), mas a indicação dessas passagens, com o objectivo, que resulta do 
 artigo 4.º da Lei n.º 27‑A/2000, de limitar o dever de o juiz ouvir as gravações 
 
 às passagens indicadas (cf. supra. 2.7.). A atribuir‑se importância decisiva a 
 esta menção da lei de autorização legislativa, não será eventualmente o mais 
 correcto o entendimento de que o juiz também se pode dispensar de ouvir as 
 gravações relativas às passagens indicadas como relevantes. No entanto – 
 repete‑se – não está em causa a correcção, ao nível da interpretação do direito 
 ordinário, do critério normativo acolhido no acórdão recorrido, mas antes saber 
 se este critério viola, ou não, normas ou princípios constitucionais.
 
                         Ora, nesta perspectiva, e atendendo a que, como 
 inicialmente se salientou (cf. supra, 2.2), o n.º 4 do artigo 34.º da CRP 
 permite, embora com carácter de excepcionalidade, a ingerência das autoridades 
 públicas nas telecomunicações, impondo directamente como limitação tratar‑se de 
 matéria de processo criminal e submetendo‑a a reserva de lei (mas não a 
 sujeitando explicitamente a reserva de decisão judicial, como fizera no 
 precedente n.º 2 quanto à entrada no domicílio dos cidadãos), requisitos estes 
 que se mostram no caso preenchidos, a eventual inconstitucionalidade da 
 interpretação normativa impugnada apenas pode assentar em violação do princípio 
 da proporcionalidade aplicável às restrições dos direitos, liberdades e 
 garantias (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP).
 
                         No citado Acórdão n.º 407/97 e posterior jurisprudência 
 deste Tribunal que reiterou a doutrina nele definida, sustentou‑se que a 
 especial danosidade social desta intromissão nas comunicações implicava, não 
 apenas um controlo judicial do desencadear da operação (não estando ora em causa 
 saber se esse controlo tem de ser sempre prévio ou pode ser de validação de 
 determinação do Ministério Público ou de órgãos de polícia criminal, como é 
 admitido noutros ordenamentos jurídicos (cf. supra, 2.11)), mas um 
 acompanhamento judicial da própria execução da operação. Acompanhamento este que 
 deve ser contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte, mas que não 
 implica necessariamente “que toda a operação de escuta tenha de ser 
 materialmente executada pelo juiz”, como uma “visão maximalista” exigiria.
 
                         Há que fazer uma interpretação desse requisito 
 jurisprudencial funcionalmente adequada à sua razão de ser. E os propósitos 
 visados consistem, como se assinalou, em propiciar que seja determinada a 
 interrupção da intercepção logo que a mesma se revele desnecessária, 
 desadequada ou inútil, e, por outro lado, fazer depender a aquisição processual 
 da prova assim obtida a um “crivo” judicial quanto ao seu carácter não proibido 
 e à sua relevância.
 
                         Ora, o critério normativo adoptado satisfaz minimamente 
 esses objectivos. Com base nas referências, por transcrição ou por resumo, das 
 passagens das conversações que o órgão de polícia criminal (que está sujeito a 
 especiais obrigações de objectividade) considera relevantes – indicações essas 
 que, porque necessariamente acompanhadas do envio ao juiz das fitas gravadas ou 
 elementos análogos, merecem, à partida, um juízo de fidedignidade, atenta a 
 possibilidade efectiva de controlo da sua correspondência ao material gravado – 
 pode o juiz quer determinar de imediato a interrupção da intercepção revelada 
 desnecessária, quer formular juízo próprio sobre a admissibilidade e a 
 relevância dos elementos a transcrever.
 
                         Acresce que, em rigor, essa selecção dos elementos a 
 transcrever é necessariamente uma primeira selecção, dotada de provisoriedade, 
 podendo vir a ser reduzida ou ampliada. Assiste, na verdade, ao arguido, ao 
 assistente e às pessoas escutadas o direito de examinarem o auto de 
 transcrição, exame que se deve entender não ser apenas destinado a conferir a 
 conformidade da transcrição com a gravação e exigir a rectificação dos erros de 
 transcrição detectados ou de identificação das vozes gravadas, mas também para 
 reagir contra transcrições proibidas (por exemplo, de conversações do arguido 
 com o defensor) ou irrelevantes. Inversamente, deve ser facultado à defesa (e 
 também à acusação) a possibilidade de requerer a transcrição de mais passagens 
 do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem que as 
 mesmas assumem relevância própria, quer por se revelarem úteis para esclarecer 
 ou contextualizar o sentido de passagens anteriormente seleccionadas.
 
                         No presente caso, os recorrentes não questionam a 
 admissibilidade e a relevância das transcrições seleccionadas pelo juiz com 
 base nas indicações fornecidas pelo órgão de polícia criminal, indicações com as 
 quais o Ministério Público manifestou plena concordância. O que, no fundo, os 
 recorrentes acabam por considerar inconstitucional é a circunstância de essa 
 forma de coadjuvação dos órgãos de polícia criminal ter sido prestada sem ter 
 sido previamente solicitada, por forma expressa, pelo juiz de instrução. No 
 entanto, a inequívoca aceitação, por parte deste, dessa coadjuvação, torna 
 puramente formal a pretensa irregularidade, que, de modo algum, pode ser 
 considerada como pondo em risco os valores prosseguidos pela exigência, feita 
 pela jurisprudência constitucional, de acompanhamento judicial contínuo e 
 próximo, temporal e materialmente, da fonte.
 
                         Conclui‑se, assim, que, independentemente de ser essa, 
 ou não, a melhor interpretação do regime legal vigente, não é 
 constitucionalmente imposto que o único modo pelo qual o juiz pode exercitar a 
 sua função de acompanhamento da operação de intercepção de telecomunicações seja 
 o da audição, pelo próprio, da integralidade das gravações efectuadas ou sequer 
 das passagens indicadas como relevantes pelo órgão de polícia criminal, bastando 
 que, com base nas menções ao conteúdo das gravações, com possibilidade real de 
 acesso directo às gravações, o juiz emita juízo autónomo sobre essa relevância, 
 juízo que sempre será susceptível de contradição pelas pessoas escutadas quando 
 lhes for facultado o exame do auto de transcrição.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, 
 n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que são 
 válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em 
 parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição 
 pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que 
 lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados 
 das fitas gravadas ou elementos análogos; e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento aos recursos, confirmando a decisão 
 recorrida na parte impugnada.
 
                         Custas pelos recorrentes, fixando‑se a taxa de justiça 
 em 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 25 de Agosto de 2005.
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos