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Processo n.º 656/05                
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
  
 
 1.         Em 4 de Agosto de 2005, um grupo de Deputados do Partido Social 
 Democrata veio requerer ao Tribunal Constitucional, através do requerimento de 
 fls. 1 a 10, a apreciação preventiva da constitucionalidade das seguintes normas 
 constantes do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, que “Altera a Lei 
 Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de realização 
 de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e o Decreto-Lei n.º 
 
 319-A/76, de 3 de Maio”:
 
  
 
             “a) Artigos 3º e 4º, por violação do disposto no artigo 168º n.º 5 
 da CRP;
 
  
 
             b) Artigo 5º, por violação do disposto no artigo 168º n.º 6 alínea 
 c) da CRP.”
 
  
 
             Os requerentes deduzem o pedido ao abrigo do disposto no artigo 
 
 278°, n.ºs 4, 6 e 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 
 
 51°, n.º 1, e 57°, n.º 1, da Lei sobre Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (LTC) e alegam ter sido notificados em 1 de Agosto de 
 
 2005 do envio ao Presidente da República do Decreto da Assembleia da República 
 n.º 6/X para ser promulgado como lei orgânica.
 
  
 
             No final do requerimento – que não junta qualquer documentação –, 
 encontram-se apostas assinaturas e rubricas, na maior parte dos casos ilegíveis, 
 de modo que não permitem apurar o número e a identidade dos subscritores. 
 
  
 
  
 
 2.         Os requerentes fundamentam assim o pedido:
 
  
 
 “1) As normas cuja apreciação da constitucionalidade ora se requer referem-se a 
 alterações à lei que estabelece o novo regime jurídico do recenseamento 
 eleitoral e à lei eleitoral do Presidente da República.
 
 2) Com efeito, as normas constantes dos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X 
 procedem, respectivamente, à alteração dos n.ºs 3 e 4 do artigo 5º da Lei n.º 
 
 13/99, de 22 de Março, e ao aditamento, nesta lei, de um novo artigo 59º-A; 
 enquanto que a norma constante do artigo 5º do Decreto ora em apreço introduz 
 alterações ao n.º 1 do artigo 11º da lei eleitoral do Presidente da República.
 
 3) Tais alterações legislativas inserem-se no processo legislativo iniciado pela 
 apresentação do Projecto de Lei n.º 122/X, da autoria do Partido Socialista 
 
 (PS), que «Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os 
 mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de 
 Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio», e resulta da aprovação desse 
 projecto de lei por parte da Assembleia da República.
 
 4) O Projecto de Lei n.º 122/X, do PS, foi discutido e aprovado na generalidade 
 na sessão plenária de 8 de Julho de 2005, com os votos a favor do PS e BE, e os 
 votos contra dos restantes Grupos Parlamentares [DAR I Série n.º 40, de 9 de 
 Julho, pág. 1782 e 1783].
 
 5) Na especialidade, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, 
 Liberdades e Garantias apreciou e votou o Projecto de Lei n.º 122/X, bem como as 
 propostas de alteração que foram, entretanto, apresentadas.
 
 6) A votação na especialidade na 1ª Comissão, efectuada em 20 de Julho de 2005, 
 foi definitiva em relação às normas dos artigos 3º e 4º do Projecto de Lei n.º 
 
 122/X e indiciária quanto às restantes normas da referida iniciativa, onde se 
 enquadra a norma do artigo 5º, por a Constituição impor a obrigatoriedade da sua 
 votação na especialidade pelo Plenário.
 
 7) Sublinhe-se que a proposta de substituição, apresentada pelo PS em sede de 
 Comissão, do artigo 4º do Projecto de Lei n.º 122/X, foi aprovada na 
 especialidade em Comissão, com os votos a favor do PS e BE, e os votos contra do 
 PSD, CDS-PP e PCP. Idêntica votação obteve o artigo 3º do Projecto de Lei n.º 
 
 122/X.
 
 8) Por sua vez, o artigo 5º do Projecto de Lei n.º 122/X foi aprovado na 
 especialidade, na sessão plenária de 28 de Julho de 2005, com os votos a favor 
 do PS e do BE, e os votos contra do PSD, PCP, CDS-PP e PEV.
 
 9) O texto resultante das propostas contidas no guião elaborado pela Comissão de 
 Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao Projecto 
 de Lei n.º 122/X – Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, 
 flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 
 
 13/99, de 22 de Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (PS), foi 
 aprovado, em votação final global, na sessão plenária de 28 de Julho de 2005, 
 com os votos a favor do PS e do BE, e os votos contra do PSD, PCP, CDS-PP e PEV, 
 dando, assim, origem ao Decreto da Assembleia da República n.º 6/X.
 
 10) Sucede que as votações referidas suscitam a inconstitucionalidade do Decreto 
 n.º 6/X, em resultado da violação das regras a que a sua votação devia estar 
 sujeita.
 Senão vejamos,
 
  
 a) Violação do n.º 5 do artigo 168º da Constituição
 
 11) Relativamente às normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 6/X, é de sublinhar que estas, porque versam sobre a 
 lei que estabelece o novo regime jurídico do recenseamento eleitoral, estão 
 sujeitas a um regime de aprovação por maioria simples.
 
 12) Na verdade, a matéria relativa ao recenseamento eleitoral enquadra-se no 
 
 âmbito da chamada competência legislativa concorrencial, revestindo, nos termos 
 do artigo 166º n.º 3, conjugado com o artigo 161º alínea c) da Constituição, a 
 forma de lei simples.
 
 13) Todavia, porque o Decreto n.º 6/X também versa sobre matérias que revestem a 
 forma de lei orgânica, as quais carecem de aprovação, na votação final global, 
 por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, é patente que as 
 normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto em apreço se viram sujeitas, em 
 votação final global, a uma maioria bem mais exigente que aquela que lhe é 
 constitucionalmente imposta.
 
 14) Com efeito, se as normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 6/X, por assumirem a forma de lei simples, devem ser 
 aprovadas por maioria simples dos Deputados, a verdade é que, neste processo 
 legislativo, foram sujeitas ao regime de aprovação exigido para as leis 
 orgânicas, a saber, maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
 
 15) Tudo porque os subscritores do Projecto de Lei n.º 122/X resolveram, de uma 
 só vez, alterar o Regime do Referendo, a Lei Eleitoral do Presidente da 
 República e o Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral.
 
 16) Ora, muito recentemente a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, 
 Liberdades e Garantias pronunciou-se, em parecer, sobre a situação de um acto 
 legislativo conter simultaneamente matéria de lei orgânica e de lei simples.
 
 17) Tal parecer, emitido a propósito dos recursos de admissão dos Projectos de 
 Lei n.º 39/X (BE) e n.º 42/X (PCP), ambos relativos a Lei Eleitoral para a 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, foi votado e aprovado em 
 Plenário [DAR I Série n.º 16, de 5 de Maio de 2005 – aprovado com os votos a 
 favor do PS, PCP, CDS, BE e Verdes], consolidando o seguinte entendimento:
 
 «(...) Perante este panorama constitucional, a iniciativa dois em um teria de 
 revestir uma única forma: ou lei orgânica, ou lei.
 Se revestisse a forma de lei orgânica. teria de ser submetida a uma votação 
 final global por maioria absoluta, abrangendo nessa votação normas próprias de 
 lei orgânica e normas de lei. Contudo, isso violaria a Constituição porque 
 sujeitaria matérias para as quais esta define a forma de lei a uma votação final 
 global diversa daquela que o texto constitucional estipula.
 Se revestisse a forma de lei, a votação final global seria por maioria simples 
 ou por dois terços, o que igualmente violaria a Constituição, na medida em que 
 esta estipula para as matérias de lei orgânica uma votação final global de 
 maioria absoluta.
 Esta é uma dificuldade intransponível para uma eventual pretensão de abranger 
 numa mesma iniciativa matéria de alteração do estatuto orgânico e matéria de 
 alteração da lei eleitoral.
 Note-se ainda que as leis orgânicas estão sujeitas a um regime de controlo 
 preventivo de constitucionalidade diverso das restantes leis. A opção por tal 
 forma ou por uma forma diferente traduzir-se-ia também em dificuldades a esse 
 nível. (...)» [DAR I Série A n.º 11, de 05/05/2005 – parecer em que foi relator 
 o Sr. Deputado Vitalino Canas do PS] – sublinhado nosso.
 
 18) Ora, tendo o Decreto da Assembleia da República n.º 6/X revestido a forma de 
 lei orgânica, verifica-se que foram sujeitas à regra da votação final global por 
 maioria absoluta, não só normas próprias de lei orgânica, mas também normas de 
 lei, como é o caso das normas constantes nos artigos 3º e 4º do referido 
 Decreto.
 
 19) Daí que, por terem as normas constantes nos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 
 
 6/X, que não revestem a forma de lei orgânica, sido sujeitas à aprovação, em 
 votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de 
 funções, nos parece ter sido violado o disposto no artigo 168º da Constituição.
 
  
 b) Da violação da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição
 
 20) No que diz respeito à norma do artigo 5º do Decreto da Assembleia n.º 6/X, 
 na medida em que introduz alterações à lei eleitoral do Presidente da República, 
 e mais concretamente ao n.º 1 do seu artigo 11º, está sujeita ao mais 
 qualificado regime de aprovação.
 
 21) Com efeito, dispõe a alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição que 
 
 «carecem de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde 
 que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções: ... a 
 lei que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º» 
 
 (sublinhado nosso).
 
 22) Ora, a lei que regula o exercício do direito de voto dos cidadãos 
 portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de 
 laços de efectiva ligação à comunidade nacional, corresponde, precisamente, à 
 lei eleitoral do Presidente da República.
 
 23) Na verdade, a lei reguladora a que se refere o artigo 121º n.º 2 da CRP está 
 hoje materializada na Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto, que alterou a 
 lei eleitoral do Presidente da República em moldes de passar a atribuir 
 capacidade eleitoral activa aos «cidadãos portugueses residentes no estrangeiro 
 que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia 
 da República à data da publicação da presente lei».
 
 24) Ora, estando o exercício do direito a que se refere o n.º 2 do artigo 121º 
 da Constituição regulado na lei eleitoral do Presidente da República, esta lei 
 está, por força da letra da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição, 
 sujeita à aprovação por maioria de dois terços.
 
 25) É que o n.º 6 do artigo 168º da Constituição distingue as situações em que 
 são as normas ou as disposições a estarem sujeitas à maioria de votação por dois 
 terços, daquelas em que é a lei, e não as normas ou as disposições que 
 materialmente lhes respeitem, que está submetida a esse regime de votação.
 
 26) E, atendendo à redacção da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da 
 Constituição, é perfeitamente claro e inequívoco que o legislador constitucional 
 sujeitou à aprovação por maioria de dois terços a lei, e não as normas ou as 
 disposições, que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º.
 
 27) Nesse sentido também apontam os trabalhos preparatórios subjacentes à 
 Revisão Constitucional de 1997, que esteve, aliás, na génese da norma em causa.
 
 28) Com efeito, na reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional 
 realizada em 20 de Junho de 1997, o então Deputado do PS José Magalhães refere: 
 
 «...acabámos de apresentar na mesa uma norma, com o n.º 7, que diz ‘a lei que 
 regula o exercício do direito de participação dos residentes no estrangeiro no 
 acto eleitoral tem valor reforçado e carece de aprovação também por maioria de 
 dois terços’. Tudo isto foi objecto de aprofundamento no quadro da discussão do 
 acordo político de revisão constitucional e visa reforçar as maiorias 
 necessárias para a aprovação de determinados diplomas ou, então, de determinadas 
 disposições de certos diplomas com valor especialmente relevante» [DAR II Série 
 n.º 107, de 21 de Junho de 1997, página 3147] (sublinhado nosso).
 
 29) Também o então Deputado do PS Jorge Lacão afirmou, na sessão plenária de 24 
 de Julho de 1997: «A última palavra nesta matéria é para sublinhar que também, 
 por esta via, a lei ontem aprovada nesta Câmara, relativamente ao artigo 124°, e 
 que regulará o exercício do direito de voto por parte dos cidadãos residentes no 
 estrangeiro no que à eleição do Sr. Presidente da República diz respeito, 
 carecerá de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados» [DAR I Série n.º 
 
 101, de 25 de Julho de 1997, página 3821].
 
 30) Assim sendo, decorre da letra da alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da CRP 
 que a lei eleitoral do Presidente da República, porque é a lei que regula o 
 exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º, exige uma maioria 
 qualificada de dois terços.
 
 31) Poderia não ser assim, caso o legislador tivesse optado por aprovar em lei 
 autónoma o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º.
 
 32) Mas não é o caso, e ao expressamente optar por inscrever a modulação desse 
 direito na própria lei eleitoral do Presidente da República, é todo este diploma 
 que passa a ficar sob a alçada da exigência constitucional de uma maioria de 
 votação por dois terços.
 
 33) Sucede, porém, que a norma do artigo 5º do Decreto n.º 6/X não alcançou, na 
 votação na especialidade, a maioria de dois terços constitucionalmente exigida.
 
 34) Acresce que o Decreto n.º 6/X não logrou atingir aprovação, em votação final 
 global, por maioria de dois terços.
 
 35) Está assim violada a alínea c) do n.º 6 do artigo 168º da Constituição.
 
  
 Nestes termos, e com base nos fundamentos que supra se aduziu, requer-se a 
 fiscalização preventiva abstracta da constitucionalidade das normas constantes 
 dos artigos 3º, 4º e 5º do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X.”.
 
  
 
  
 
 3.                Nos termos do artigo 51º, n.º 3, da LTC, o Presidente do 
 Tribunal Constitucional proferiu, em 5 de Agosto, o despacho de fls. 12 e 
 seguinte, convidando os requerentes a suprirem as deficiências do requerimento:
 
  
 
 “O requerimento de fls. 1 e segs. enferma das seguintes deficiências:
 O requerimento vem subscrito por um conjunto de deputados do PSD em termos tais 
 que, para além de dificultar o apuramento do número de subscritores, não 
 permite, em vários casos, a sua identificação;
 O requerimento não vem acompanhado de cópia do Decreto da Assembleia da 
 República n.º 6/X, de onde constarão as normas arguidas de 
 inconstitucionalidade, e o Tribunal não tem conhecimento oficial do referido 
 Decreto;
 Muito embora se refira que os subscritores foram notificados em 1/8/05 do envio 
 a Sua Excelência o Presidente da República do citado Decreto, não foi junto 
 qualquer documento comprovativo dessa notificação;
 Estando suscitadas questões relativas a aspectos procedimentais da aprovação do 
 Decreto, não é junta a pertinente documentação que habilite o juiz-relator, no 
 curtíssimo prazo que a lei lhe confere para elaborar memorando, a enunciar as 
 questões sobre que o Tribunal se deverá pronunciar e a apresentar as soluções 
 que para elas propuser.
 Assim, ao abrigo do disposto no artigo 51º n.º 3 da Lei do Tribunal 
 Constitucional, convido os requerentes a, no prazo fixado no artigo 57º n.º 3 da 
 mesma Lei, suprir as deficiências apontadas.”.
 
  
 
  
 
 4.                Em 8 de Agosto, o Presidente do Grupo Parlamentar do Partido 
 Social Democrata, invocando a qualidade de primeiro subscritor do pedido de 
 fiscalização preventiva da constitucionalidade, dirigiu ao Presidente do 
 Tribunal Constitucional o requerimento de fls. 15 e seguintes, em que respondeu:
 
 “[...]
 a) O requerimento foi subscrito por quarenta e oito Deputados do Grupo 
 Parlamentar do PSD, exactamente aqueles que con[s]tam da relação que se junta e 
 dá por reproduzida;
 b) Para habilitar o pedido formulado pelos Deputados peticionantes, junta 
 documento contendo o teor integral do Decreto da Assembleia n° 6/X;
 c) Ainda para habilitar o mesmo pedido, junta cópia do ofício enviado pelo 
 Senhor Presidente da Assembleia da República, Dr. Jaime Gama, ao Deputado 
 Signatário, datada de 1 de Agosto de 2005;
 d) Para suportar as questões de natureza procedimental que nortearam e 
 suportaram o pedido formulado pelos Deputados signatários do pedido de 
 fiscalização preventiva abstracta de constitucionalidade do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 6/X, junta folhas elaboradas pelos Serviços da 
 DAPLEN (Divisão de Apoio ao Plenário) que vão servir de base à elaboração do 
 Diário da Assembleia da República relativo à Sessão Plenária de 28 de Julho de 
 
 2005, bem como cópias de todos os Diários da Assembleia da República invocados 
 no requerimento, que constituem as anotações 1 a 5.
 
 [...]”.
 
  
 
  
 
                    Ao requerimento encontram-se juntos os documentos 
 mencionados, a saber:
 
  
 
                    – “Relação de Deputados signatários do requerimento 
 apresentado sobre o Decreto da Assembleia da República n.º 6/X” (fls. 18);
 
                    – texto do Decreto n.º 6/X – “Procede à primeira alteração à 
 Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de 
 realização de referendos, à segunda alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e 
 
 à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio” (fls. 19 a 
 
 24);
 
                    – cópia do ofício enviado pelo Presidente da Assembleia da 
 República ao Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata em 1 de 
 Agosto de 2005, comunicando que “na presente data, foi enviado a Sua Excelência 
 o Presidente da República o Decreto n.º 6/X, de 28 de Julho de 2005, que 
 
 «Procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, 
 flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, à segunda alteração à 
 Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 
 
 319-A/76, de 3 de Maio», para promulgação como Lei Orgânica” (fls. 25);
 
                    – cópia das “folhas elaboradas pelos Serviços da DAPLEN 
 
 (Divisão de Apoio ao Plenário), que vão servir de base à elaboração do Diário da 
 Assembleia da República relativo à Sessão Plenária de 28 de Julho de 2005” (fls. 
 
 26 a 31);
 
                    – cópias de “todos os Diários da Assembleia da República 
 invocados no requerimento” (fls. 32 a 54).
 
  
 
  
 
 5.                Em 5 de Agosto, o Vice-Presidente do Tribunal Constitucional 
 proferiu o seguinte despacho (fls. 55):
 
  
 
 “[...] Admito o pedido, sem prejuízo das dúvidas que eventualmente possam 
 subsistir quanto ao cabal preenchimento do requisito constante do artigo 278º, 
 número 4, da Constituição.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
                    Admitido o pedido, foram de imediato distribuídos os autos.
 
  
 
  
 
 6.                O Presidente da Assembleia da República, notificado nos termos 
 e para o efeito do preceituado nos artigos 54º e 55º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, respondeu através do requerimento de fls. 59 e seguintes.
 
  
 
                    Depois de fazer um resumo do pedido “subscrito por quarenta e 
 oito Deputados do PSD” e de referir os trâmites seguidos na aprovação do Decreto 
 da Assembleia da República n.º 6/X, o Presidente da Assembleia da República 
 analisa as duas questões de constitucionalidade suscitadas pelos requerentes, 
 formulando as seguintes conclusões (fls. 77 e seguinte):
 
  
 
 “[…]
 
 1) Carece de fundamento jurídico invocar a violação do n.º 5 do artigo 168º CRP, 
 pois que o acto praticado com excesso de forma, no caso em apreciação, não faz 
 perigar os valores jurídicos que o legislador constitucional pretendeu 
 acautelar, valendo o brocardo «Quod abundat non nocet». Só poderia colocar-se o 
 problema se fosse concedido valor de lei orgânica às disposições do Decreto n.º 
 
 6/X que não regulam matérias que devam ser sujeitas à forma de aprovação 
 prevista para as leis orgânicas. Ora, tal não sucede porque a inclusão de 
 enclaves de direito legislativo comum em leis orgânicas não atribui a esses 
 enclaves o estatuto de lei orgânica. Aliás, nesse sentido, volta a referir-se o 
 decidido no Acórdão n.º 460/99 do Tribunal Constitucional (D.R., 2.ª série, n.º 
 
 62, 14 de Março), onde é expressamente afirmado que «a norma em causa só 
 padeceria de inconstitucionalidade se se entendesse conferir-lhe força formal 
 superior à de lei não reforçada». Assim, a consequência da sua inclusão só pode 
 ser a da mera irrelevância, não havendo, portanto, fundamento jurídico para que 
 venha a ser declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 
 
 3° e 4° do Decreto n.º 6/X por violação do n.º 5 do artigo 168º da Constituição 
 da República Portuguesa.
 
 2) Carece de fundamento jurídico invocar a violação da alínea c) do n.º 6 do 
 artigo 168º CRP, pois que essa alínea do artigo só compreende a matéria 
 relacionada com o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses no 
 estrangeiro. Assim, só a regulação do exercício desse direito, e só ela, está 
 abrangida pelo regime previsto no n.º 6 do artigo 168º da Constituição da 
 República Portuguesa. É irrelevante, para a sua qualificação jurídica, o facto 
 de a lei eleitoral do Presidente da República ter incorporado a lei que veio 
 regular o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses no estrangeiro. 
 Tal incorporação, procurando harmonizar e sistematizar as regras respeitantes ao 
 regime jurídico da eleição do Presidente da República, não converte a totalidade 
 do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, em lei reforçada sujeita ao regime de 
 aprovação previsto no n.º 6 do artigo 168º da Constituição da República.
 
 3) Assim, foi respeitada a Constituição da República Portuguesa, quando, no dia 
 vinte e oito de Julho de dois mil e cinco, em votação global final, a Assembleia 
 da República aprovou, com 122 votos favoráveis e 72 contrários, o Decreto da 
 Assembleia da República n.º 6/X.”.
 
  
 
  
 
             Relativamente à invocada inconstitucionalidade dos artigos 3º e 4º 
 do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, por violação do disposto no 
 artigo 168º n.º 5 da Constituição, o Presidente da Assembleia da República 
 suscita uma questão prévia, de inadmissibilidade do pedido, nestes termos (fls. 
 
 67 e seguinte):
 
  
 
  “[…]
 
 11° - Mais se diga – ainda que à cautela e a título prejudicial no que diz 
 respeito a esta parte do pedido apresentado pelos subscritores – que se o pedido 
 de fiscalização preventiva das normas constantes nos artigos 3º e 4º lograsse 
 obter acolhimento, ficaria por resolver o problema da sua admissibilidade 
 parcial, pois que, uma vez que o recenseamento eleitoral não é matéria 
 tipicamente sujeita à forma de lei orgânica, tal facto poderá constituir uma 
 restrição aos poderes do Tribunal Constitucional para apreciar esta parte do 
 pedido, pois que, nos termos do n.º 4 do artigo 278º da Constituição da 
 República Portuguesa, só as normas constantes dos decretos que são enviadas ao 
 Presidente para promulgação como lei orgânica, e só essas, podem ser objecto de 
 um pedido de fiscalização preventiva por parte de um quinto dos Deputados. Ora, 
 se os artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X apenas estão englobados por extensão, e 
 não por natureza, na forma de lei orgânica, é com dificuldade que se vislumbra 
 como será possível que o Tribunal Constitucional possa, no âmbito do pedido de 
 fiscalização preventiva requerida pelos subscritores, apreciar a validade 
 constitucional de normas cuja matéria se encontra fora do domínio das lei 
 orgânicas. Apesar de estarem inseridas num decreto da Assembleia que seguiu para 
 a Presidência da República para ser promulgado como lei orgânica, elas não terão 
 o valor de lei orgânica depois de promulgadas, pois que a qualificação como lei 
 orgânica não decorre do número de votos obtidos pelo acto legislativo, nem do 
 nome que o legislador lhe atribua. O nomen iuris que o autor da norma lhe 
 atribui é meramente indiciário para efeitos de qualificação jurídica e 
 irrelevante para aquilatar do preenchimento dos pressupostos processuais para 
 aceitar o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade dos 
 subscritores, seguindo-se, desta forma, o que é afirmado, ainda que a propósito 
 do problema inverso, por Gomes Canotilho/Vital Moreira: «Apesar da letra da lei 
 
 (…) não é necessário que o decreto parlamentar tenha sido enviado para 
 promulgação como ‘lei orgânica’. Basta apenas que ele incida sobre matéria que 
 deveria ser regulada como lei orgânica» (Constituição da República Portuguesa 
 anotada, 3ª ed. revista, Coimbra Editora, 1993, p. 1005). Tal como diz Blanco de 
 Morais: «não estando a lei reforçada pelo procedimento inibida de dispor 
 normativamente, a título parcial, sobre áreas exógenas à reserva respectiva, ela 
 não estará ainda assim habilitada a conferir às normas que corporizam essa 
 incursão, valor reforçado» (As leis reforçadas, Coimbra Editora, 1998, p. 912), 
 sendo também de referir o que vem sendo defendido por Jorge Miranda quando 
 afirma que «a qualificação de uma lei como reforçada não depende da designação 
 que o legislador lhes confira. Depende da verificação dos requisitos de 
 qualificação constitucionalmente fixados» (Manual de Direito Constitucional, 
 Tomo V, 3ª ed., Coimbra Editora, 2004, p. 371). Ou seja, adaptando o que acaba 
 de ser referido para a questão relativa ao achamento da matéria que está 
 compreendida nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional no presente 
 caso, entende-se que o pedido dos subscritores só poderá ser apreciado na parte 
 respeitante às matérias que deveriam ser reguladas por lei orgânica, não 
 estando, quanto às restantes matérias, preenchidos os pressupostos processuais 
 para que o Tribunal se possa pronunciar sobre elas, isto porque se entende 
 existir falta de legitimidade processual dos subscritores para requererem a 
 fiscalização de normas respeitantes a matéria da reserva legislativa não 
 reforçada através de um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade 
 apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 278º da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                    Com a resposta são juntos quatro documentos:
 
  
 
                    – doc. 1: “Texto final relativo ao Projecto de Lei n.º 122/X 
 
 (PS) – Altera a Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os 
 mecanismos de realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de 
 Março, e o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio” (fls. 80 a 84);
 
                    – doc. 2: “Declaração” comprovativa de que “o autógrafo da 
 Lei referente ao Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, de 28 de Julho de 
 
 2005, que «Procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de 
 Abril, flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, à segunda 
 alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e à décima sexta alteração ao 
 Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio», foi enviado a Sua Excelência o 
 Presidente da República para promulgação no dia 1 de Agosto, conforme cópias do 
 ofício e protocolo que se anexam” (fls. 85 a 87);
 
                    – docs. 3 e 4: cópia do ofício dirigido pela Comissão de 
 Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ao Presidente da 
 Assembleia da República, remetendo o “Relatório, conclusões e parecer” daquela 
 Comissão sobre o Projecto de Lei n.º 122/X, um “Relatório de votações” sobre as 
 propostas de alteração ao Projecto de Lei n.º 122/X (de 20 de Julho de 2005), 
 uma cópia do Projecto de Lei n.º 122/X e um relatório sobre a votação daquele 
 parecer na 25ª reunião de comissão (de 6 de Julho de 2005) (fls. 88 a 102).
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 A)               Admissibilidade do pedido
 
  
 
  
 
 7.                Nos termos do artigo 278º, n.º 4, da Constituição, têm 
 legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da 
 constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que tenha sido 
 enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica o próprio 
 Presidente da República, o Primeiro-Ministro e um quinto dos Deputados à 
 Assembleia da República em efectividade de funções. 
 
  
 
                    A apreciação preventiva da constitucionalidade prevista no 
 n.º 4 do artigo 278º deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data 
 em que o Presidente da Assembleia da República enviar ao Presidente da República 
 o decreto que deva ser promulgado como lei orgânica; para o efeito, o Presidente 
 da Assembleia da República dará conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos 
 parlamentares da Assembleia da República do envio do decreto ao Presidente da 
 República (n.ºs 6 e 5 do artigo 278º).
 
  
 
  
 
 8.                A verificação do modo como foram supridas as deficiências 
 apontadas no despacho de aperfeiçoamento proferido pelo Presidente do Tribunal 
 Constitucional revela-se indispensável, desde logo, para aferir da legitimidade 
 dos requerentes e da tempestividade do pedido.
 
  
 
                    Por outro lado, importa apreciar a questão relativa à falta 
 de legitimidade processual dos requerentes, suscitada pelo Presidente da 
 Assembleia da República na sua resposta.
 
  
 
 8.1.             No requerimento de fls. 15 e seguintes, os requerentes vêm 
 esclarecer, em primeiro lugar, que o pedido “foi subscrito por quarenta e oito 
 Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, exactamente aqueles que constam da 
 relação que se junta e dá por reproduzida”.
 
  
 
                    Pode duvidar-se que este esclarecimento e a “relação de 
 Deputados signatários” junta ao requerimento dêem resposta adequada à 
 deficiência apontada no despacho de aperfeiçoamento: 
 
                    – antes de mais, porque parece que do requerimento de fls. 1 
 e seguintes constam 47 assinaturas ou rubricas (a fls. 10), enquanto agora se 
 menciona que o pedido foi subscrito por 48 Deputados e a “relação de Deputados 
 signatários” inclui 48 nomes;
 
                    – depois, porque a “relação de Deputados signatários” inclui 
 
 48 nomes, por ordem alfabética, sem estabelecer qualquer correspondência entre 
 tais nomes e as assinaturas ou rubricas constantes do requerimento;
 
                    – finalmente, porque se mantém o carácter ilegível de muitas 
 das assinaturas ou rubricas, dificultando a identificação dos respectivos 
 autores e, consequentemente, a verificação de que os Deputados subscritores se 
 encontram “em efectividade de funções”.
 
  
 
                    Como se referiu, a legitimidade para o pedido de apreciação 
 preventiva da constitucionalidade é, neste caso, atribuída pela Constituição a 
 um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções. 
 Tendo em conta a composição actual da Assembleia da República (230 Deputados), 
 um pedido desta natureza tem de ser subscrito por um mínimo de 46 Deputados em 
 efectividade de funções.
 
  
 
                    O Tribunal entende que, por razões de transparência 
 objectiva, um pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade formulado 
 por Deputados à Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 278º, 
 n.º 4, da Constituição, deve ser apresentado em termos tais que permitam apurar 
 com rigor não apenas o número dos seus subscritores, mas também a respectiva 
 identidade, de modo a possibilitar a verificação de que os mesmos se encontram 
 em efectividade de funções. 
 
  
 
                    Nas circunstâncias do presente processo, pode duvidar-se – 
 repete-se – que os requerentes tenham feito prova adequada da sua legitimidade 
 para apresentarem tal pedido ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
                    Todavia – além de ter sido junto aos autos um ofício remetido 
 ao Presidente do Tribunal Constitucional pelo Presidente do Grupo Parlamentar do 
 Partido Social Democrata, a que se encontra anexa uma “relação de Deputados 
 signatários”, e de, quer o número de assinaturas ou rubricas apostas no 
 requerimento inicial, quer o número de Deputados constante da relação remetida 
 ao Tribunal, exceder o mínimo previsto na Constituição –, tem de considerar-se 
 que, na resposta, o Presidente da Assembleia da República aceita expressamente, 
 e sem qualquer reparo, que o pedido se encontra “subscrito por quarenta e oito 
 Deputados do PSD”. 
 
  
 
                    Dá-se assim por verificada, sob este aspecto, a legitimidade 
 dos requerentes.
 
  
 
 8.2.             Na sua resposta, o Presidente da Assembleia da República invoca 
 a “falta de legitimidade processual dos subscritores para requererem a 
 fiscalização de normas respeitantes a matéria da reserva legislativa não 
 reforçada através de um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade 
 apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 278º da Constituição da República 
 Portuguesa”.
 
  
 
                    Sustenta o Presidente da Assembleia da República que “os 
 artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X apenas estão englobados por extensão, e não 
 por natureza, na forma de lei orgânica”, pelo que não poderá o Tribunal 
 Constitucional, “no âmbito do pedido de fiscalização preventiva requerida pelos 
 subscritores, apreciar a validade constitucional de normas cuja matéria se 
 encontra fora do domínio das lei orgânicas”. E acrescenta que, “apesar de 
 estarem inseridas num decreto da Assembleia que seguiu para a Presidência da 
 República para ser promulgado como lei orgânica, elas não terão o valor de lei 
 orgânica depois de promulgadas, pois que a qualificação como lei orgânica não 
 decorre do número de votos obtidos pelo acto legislativo, nem do nome que o 
 legislador lhe atribua”.
 
  
 
                    Conclui, por estas razões, que “o pedido dos subscritores só 
 poderá ser apreciado na parte respeitante às matérias que deveriam ser reguladas 
 por lei orgânica, não estando, quanto às restantes matérias, preenchidos os 
 pressupostos processuais para que o Tribunal se possa pronunciar sobre elas, 
 isto porque se entende existir falta de legitimidade processual dos subscritores 
 para requererem a fiscalização de normas respeitantes a matéria da reserva 
 legislativa não reforçada através de um pedido de fiscalização preventiva da 
 constitucionalidade apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 278º da 
 Constituição da República Portuguesa”. 
 
  
 
                    Ora, não pode deixar de se observar, em primeiro lugar, que o 
 artigo 278º, n.º 4, da Constituição é expresso no sentido de que “podem requerer 
 ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de 
 qualquer norma constante de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da 
 República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro ou 
 um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções” 
 
 (itálico aditado agora). 
 
  
 
                    Logo, independentemente da questão de saber se, para concluir 
 pela legitimidade de um requerente, basta que o decreto parlamentar incida sobre 
 matéria que deveria ser regulada como lei orgânica, não sendo necessário que ele 
 tenha sido enviado para promulgação como lei orgânica – hipótese configurada na 
 resposta do Presidente da Assembleia da República e de que aqui se não cura –, a 
 verdade é que o texto da Constituição é claro no sentido de admitir a apreciação 
 preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que 
 tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei 
 orgânica.
 
  
 
                    E compreende-se que assim seja.
 
  
 
                    A existência de um regime alargado de legitimidade para 
 requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da 
 constitucionalidade quanto aos decretos da Assembleia da República destinados a 
 serem promulgados como lei orgânica justifica-se pela especial relevância 
 política das matérias sobre as quais versam as leis orgânicas (as matérias 
 referidas no artigo 166º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Mas 
 procura-se também – ao atribuir legitimidade, no caso que agora interessa 
 considerar, a um quinto dos Deputados em efectividade de funções – assegurar o 
 direito de fiscalização por parte da minoria que ficou vencida no plenário da 
 Assembleia da República, o que constitui uma concretização do direito de 
 oposição democrática previsto no artigo 114º, n.º 2, da Constituição.
 
  
 
                    A argumentação do Presidente da Assembleia da República tem o 
 significado de subordinar a decisão da questão relativa aos pressupostos 
 processuais à solução da questão de fundo que os requerentes pretendem que o 
 Tribunal Constitucional aprecie.
 
  
 
                    Para o que neste momento importa, no presente processo está 
 em causa saber se as normas dos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X – 
 respeitantes a matéria de recenseamento eleitoral – podem, sem violar a 
 Constituição, integrar uma lei orgânica. 
 
                    Segundo o entendimento do órgão autor das normas, “os artigos 
 
 3º e 4º do Decreto n.º 6/X apenas estão englobados por extensão, e não por 
 natureza, na forma de lei orgânica” e, por isso, não poderiam ser objecto de um 
 pedido de apreciação preventiva de constitucionalidade nos termos do artigo 
 
 278º, n.º 4, da Constituição. 
 
  
 
                    Esse modo de equacionar o problema equivale porém a dar como 
 assente precisamente aquilo que a final há que decidir. 
 
  
 
                    O Tribunal entende que, num processo de fiscalização 
 preventiva da constitucionalidade de normas, e, concretamente, num caso como o 
 destes autos, a aferição dos pressupostos processuais – desde logo, a aferição 
 da legitimidade dos requerentes – não pode depender da decisão da questão de 
 fundo e, menos ainda, da posição que quanto à questão de fundo sustente o 
 requerente ou o órgão autor das normas.
 
  
 
                    Isto significa que aos Deputados que pretendam requerer a 
 apreciação preventiva da constitucionalidade quanto a normas constantes de um 
 decreto da Assembleia da República enviado para promulgação como lei orgânica 
 tem de reconhecer-se legitimidade para discutir se uma determinada norma pode, 
 ou não, integrar tal decreto, em função da respectiva natureza ou conteúdo ou em 
 função do procedimento adoptado na sua aprovação.
 
  
 
                    No caso dos autos, está demonstrado – tanto pelo texto do 
 decreto em que se inserem as normas impugnadas (Decreto n.º 6/X), como pelo 
 Diário da Assembleia da República relativo à reunião plenária de 28 de Julho de 
 
 2005, em que se procedeu à votação final global do Projecto de Lei n.º 122/X que 
 deu origem ao Decreto n.º 6/X (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 
 
 42, de 29 de Julho de 2005, p. 1917 s), como ainda pelo ofício constante de fls. 
 
 25 – que o presente pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade diz 
 respeito a normas constantes de decreto que foi enviado ao Presidente da 
 República para promulgação como lei orgânica.
 
  
 
                    Improcede pois a questão de ilegitimidade dos requerentes 
 suscitada pelo Presidente da Assembleia da República.
 
  
 
 8.3.             O presente pedido de apreciação preventiva da 
 constitucionalidade foi apresentado no Tribunal Constitucional em 4 de Agosto de 
 
 2005.
 
  
 
                    Os requerentes remeteram ao Tribunal, em resposta ao despacho 
 de aperfeiçoamento, cópia do ofício enviado pelo Presidente da Assembleia da 
 República ao Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata em 1 de 
 Agosto de 2005, comunicando que “na presente data, foi enviado a Sua Excelência 
 o Presidente da República o Decreto n.º 6/X, de 28 de Julho de 2005, que 
 
 «Procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, 
 flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, à segunda alteração à 
 Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 
 
 319-A/76, de 3 de Maio», para promulgação como Lei Orgânica” (cópia constante de 
 fls. 25). 
 
  
 
                    A informação de que o Decreto foi enviado ao Presidente da 
 República para promulgação no dia 1 de Agosto consta igualmente da “Declaração” 
 remetida pela Assembleia da República, bem como das cópias anexas a tal 
 declaração (cópia do ofício dirigido pelo Presidente da Assembleia da República 
 ao Presidente da República enviando para promulgação o Decreto n.º 6/X e cópia 
 do protocolo relativo à entrega desse ofício na Presidência da República) (fls. 
 
 85 a 87). 
 
  
 
                    Conclui-se que o pedido é tempestivo, face ao disposto no 
 artigo 278º, n.ºs 6 e 5, da Constituição.
 
  
 
 8.4.             Nestes termos, nada obsta ao conhecimento do pedido, quer do 
 ponto de vista de legitimidade de quem o formula, quer do ponto de vista da 
 tempestividade da sua apresentação.
 
  
 
  
 B)               Apreciação das questões de inconstitucionalidade suscitadas no 
 pedido
 
  
 
  
 
 9.                Os requerentes suscitam duas questões distintas, que adiante 
 serão analisadas separadamente:
 
  
 
             a) A questão da inconstitucionalidade dos artigos 3º e 4º do Decreto 
 
 6/X, por alegada violação do disposto no artigo 168º, n.º 5, da CRP;
 
                         b) A questão da inconstitucionalidade do artigo 5º do 
 mesmo Decreto, por alegada violação do disposto no artigo 168º, n.º 6, alínea 
 c), da CRP.
 
  
 
  
 
 10.              É o seguinte o teor dos preceitos do Decreto da Assembleia da 
 República n.º 6/X, remetido à Presidência da República para ser promulgado como 
 lei orgânica, em relação aos quais vem requerida a apreciação da 
 constitucionalidade ao Tribunal Constitucional [as alterações introduzidas pelo 
 Decreto n.º 6/X são assinaladas a itálico]:
 
  
 
  
 
 “Artigo 3º
 
  
 O artigo 5º da Lei n.º 13/99, de 22 de Março (Estabelece o novo regime jurídico 
 do recenseamento eleitoral), passa a ter a seguinte redacção:
 
  
 
 «Artigo 5º
 
 […]
 
 1 - [...]
 
 2 - [...]
 
 3 - No 60º dia que antecede cada eleição ou referendo, ou no dia seguinte ao da 
 convocação de referendo, se ocorrer em prazo mais curto, e até à sua realização, 
 
 é suspensa a actualização do recenseamento eleitoral, sem prejuízo do disposto 
 no número seguinte do presente artigo, no n.º 2 do artigo 35º e no artigo 57º e 
 seguintes da presente lei.
 
 4 - Caso a eleição ou referendo seja convocada com pelo menos 55 dias de 
 antecedência, podem ainda inscrever-se até ao 55º dia anterior ao dia da votação 
 os cidadãos que completem 18 anos até ao dia da eleição ou referendo.».
 
  
 
  
 Artigo 4º
 
  
 
 É aditado à Lei n.º 13/99, de 22 de Março (Estabelece o novo regime jurídico do 
 recenseamento eleitoral), o artigo 59º-A, com a seguinte redacção:
 
  
 
 «Artigo 59º -A
 
 (Prazos especiais)
 Caso se trate de referendo convocado com menos de 55 dias de antecedência, os 
 prazos referidos nos artigos anteriores são alterados da seguinte forma:
 a) Até ao 6º dia posterior à convocação, para a comunicação referida no n.º 1 do 
 artigo 57º;
 b) Até ao 13º dia posterior à convocação, para a extracção referida no n.º 2 do 
 artigo 57º;
 c) Do 14º ao 16º dias posteriores à convocação, para a exposição referida no n.º 
 
 3 do artigo 57º;
 d) Redução a metade, arredondada por excesso, dos prazos superiores a um dia a 
 que se refere o n.º 4 do artigo 57º;
 e) 2 dias, para o envio referido no n.º 1 do artigo 58º;
 f) Até ao 13º dia posterior à convocação, para a emissão de cadernos referida no 
 n.º 3 do artigo 58º;
 g) 5 dias, para o período de inalterabilidade referido no artigo 59º.».
 
  
 
  
 Artigo 5º
 
  
 O artigo 11º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (Regulamenta a eleição do 
 Presidente da República), passa a ter a seguinte redacção:
 
  
 
 «Artigo 11º
 
 […]
 
 1 - O Presidente da República marcará a data do primeiro sufrágio para a eleição 
 para a Presidência da República com a antecedência mínima de 60 dias.
 
 2 - […]
 
 3 - [...].».”.
 
  
 
  
 a) A alegada inconstitucionalidade das normas 
 constantes dos artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X
 
  
 
  
 
 11.                   Os requerentes afirmam que as normas dos artigos 3º e 4º 
 do Decreto n.º 6/X, versando sobre a lei que estabelece o novo regime jurídico 
 do recenseamento eleitoral, e estando por isso sujeitas a um regime de aprovação 
 por maioria simples, apesar disso “se viram sujeitas, em votação final global, a 
 uma maioria bem mais exigente que aquela que lhe é constitucionalmente imposta”, 
 uma vez que, “neste processo legislativo, foram sujeitas ao regime de aprovação 
 exigido para as leis orgânicas, a saber, maioria absoluta dos Deputados em 
 efectividade de funções”. 
 
  
 
                         Na sua perspectiva, “tendo o Decreto da Assembleia da 
 República n.º 6/X revestido a forma de lei orgânica, verifica-se que foram 
 sujeitas à regra da votação final global por maioria absoluta, não só normas 
 próprias de lei orgânica, mas também normas de lei, como é o caso das normas 
 constantes nos artigos 3º e 4º do referido Decreto”.
 
  
 
                         Por essa razão, e segundo o entendimento dos 
 requerentes, teria sido violado o disposto no artigo 168º, n.º 5, da 
 Constituição (nos termos do qual “as leis orgânicas carecem de aprovação, na 
 votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de 
 funções […]”).
 
  
 
  
 
 12.       O Decreto n.º 6/X teve origem no “Projecto de Lei n.º 122/X (Altera a 
 Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de 
 realização de referendos, bem como a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e o 
 Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio)”, subscrito por Deputados do Grupo 
 Parlamentar do Partido Socialista.  
 
  
 
                         Na respectiva exposição de motivos justificava-se assim 
 a apresentação do Projecto (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 
 
 31, de 2 de Julho de 2005, p. 8): 
 
  
 
 “Tem sido reconhecido por vastos sectores que as regras que regem a convocação e 
 realização de referendos requerem alguns ajustamentos. O próprio Presidente da 
 República, em mensagem dirigida à Assembleia da República em 2 de Maio de 2005, 
 advoga a «inadiável necessidade de repensarmos a adequação do conjunto dos 
 prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre nós, envolvem 
 a realização dos referendos».
 Com o propósito de flexibilizar os mecanismos de realização de referendos, por 
 forma a não tornar, em anos com vários actos eleitorais, tarefa quase impossível 
 o cumprimento de tal desiderato, propõe o Partido Socialista alterações à lei 
 orgânica do regime do referendo, aprovado pela Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de 
 Abril, à Lei n.º 13/99, de 22 de Março (Lei do Recenseamento Eleitoral), e à Lei 
 Eleitoral do Presidente da República, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 
 
 3 de Maio.
 Sendo o referendo um importante meio de expressão da vontade popular, importa 
 que a sua convocação e realização não fique condicionada de forma absoluta por 
 razões de natureza processual, designadamente pela existência de prazos muito 
 dilatados para a sua convocação e para os presidentes de câmara decidirem sobre 
 a necessidade de haver desdobramento em secções de voto das assembleias de voto 
 e de prazos amplos para o anúncio dos locais de funcionamento das assembleias e 
 secções de voto.
 Assim, o prazo de convocação de referendos é alargado, passando o prazo máximo 
 de convocação para 180 dias e o prazo mínimo para 40 dias, sendo ajustados 
 alguns prazos intermédios.
 Por outro lado, é sabido que todo o direito eleitoral está interligado, pelo que 
 o regime jurídico do recenseamento eleitoral não pode deixar de estar em 
 consonância com as leis que disciplinam os vários regimes jurídicos de eleição 
 dos órgãos de soberania, autarquias locais e regime jurídico do referendo.
 Assim, para tornar possível a convocação de referendos no prazo mais curto que 
 ora se propõe há igualmente necessidade de proceder a alterações no regime do 
 recenseamento eleitoral. Trata-se, essencialmente, de reduzir o prazo de 
 suspensão da actualização do recenseamento nos casos em que um referendo é 
 convocado com menos de 55 dias de antecedência e de criar prazos especiais 
 quando se verifiquem estas situações.
 Finalmente, a Lei Eleitoral do Presidente da República é alterada no sentido de 
 harmonizar os prazos da convocação da sua eleição com o que já hoje acontece com 
 a eleição da Assembleia da República (60 dias).
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
                         Uma vez que o objectivo fundamental consistia em 
 introduzir alterações na legislação em vigor em matéria de convocação e 
 realização de referendos, de modo a flexibilizar os mecanismos de realização de 
 referendos, o projecto apresentado dirigia-se essencialmente à alteração da Lei 
 Orgânica do Regime do Referendo (Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril) – vejam-se o 
 artigo 2º do Projecto de Lei, bem como o artigo 2º do Decreto aprovado, através 
 do qual são modificados os artigos 8º, 35º, 40º, 41º, 77º e 79º dessa Lei. 
 
  
 
                         Consequentemente, o diploma a aprovar teria de revestir 
 a forma de lei orgânica, nos termos do artigo 164º, alínea b), e do artigo 166º, 
 n.º 2, da Constituição, e foi, com efeito, aprovado como lei orgânica, seguindo 
 as exigências estabelecidas pelo artigo 168º, n.ºs 4 e 5, da Constituição 
 
 (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917 s).
 
  
 
                         Conforme consta do artigo 1º do Decreto 6/X, “a presente 
 lei tem como objecto a flexibilização dos mecanismos de realização de 
 referendos, alterando os prazos do procedimento de referendo, de suspensão e de 
 actualização do recenseamento eleitoral com vista a procedimento de referendo e 
 de convocação da eleição do Presidente da República”.
 
  
 
                         De acordo com o artigo 2º, que altera a Lei n.º 15-A/98, 
 de 3 de Abril – Lei Orgânica do Regime do Referendo –, esta Lei é modificada 
 permitindo, nomeadamente, que a iniciativa de referendo possa ser aprovada entre 
 a data da convocação e a da realização de eleições e que os referendos possam 
 ter lugar entre o 40º e o 180º dias a contar da publicação do decreto de 
 convocação do Presidente da República, em vez de se realizarem, conforme 
 prescreve a legislação actualmente em vigor, entre o 60º e o 90º dias a contar 
 dessa mesma publicação.
 
  
 
                         Todavia, como se anuncia na exposição de motivos acima 
 transcrita, considerou-se igualmente necessário “proceder a alterações no regime 
 do recenseamento eleitoral” e “harmonizar os prazos da convocação da eleição [do 
 Presidente da República] com o que já hoje acontece com a eleição da Assembleia 
 da República (60 dias)”.
 
  
 
                         Assim, e para o que neste momento interessa considerar, 
 os artigos 3º e 4º do Decreto n.º 6/X, cuja constitucionalidade é questionada, 
 alteram o disposto na Lei n.º 13/99, de 22 de Março, que estabelece o novo 
 regime jurídico do recenseamento eleitoral. 
 
  
 
                         O primeiro daqueles artigos – o artigo 3º – altera o 
 artigo 5º da Lei n.º 13/99, que, sob a epígrafe “permanência e actualidade”, 
 regula os efeitos e a actualização do recenseamento. As alterações são, em 
 síntese, as seguintes:
 
                         – no n.º 3 do artigo 5º – que determina a suspensão da 
 actualização do recenseamento no 60º dia que antecede a eleição ou o referendo e 
 até à sua realização – é inserido o inciso “ou no dia seguinte ao da convocação 
 de referendo, se ocorrer em prazo mais curto”;
 
                         – no n.º 4 do artigo 5º – que prevê a possibilidade de 
 inscrição no recenseamento, até ao 55º dia anterior ao dia da votação, dos 
 cidadãos que completem 18 anos até ao dia da eleição ou referendo – é aditada, 
 no início, a expressão “caso a eleição ou referendo seja convocada com pelo 
 menos 55 dias de antecedência”.
 
  
 
                         Deste modo se pretende compatibilizar o regime em vigor 
 em matéria de actualização do recenseamento com a possibilidade de o referendo 
 ser convocado em prazo inferior a 60 dias. 
 
  
 
                         O segundo daqueles preceitos – o artigo 4º – introduz um 
 novo artigo na referida Lei n.º 13/99 (artigo 59º-A), que, sob a epígrafe 
 
 “prazos especiais”, adapta diversos prazos previstos na lei em vigor ao caso em 
 que o referendo seja convocado com menos de 55 dias de antecedência.
 
  
 
  
 
 13.                   Uma vez que as normas questionadas, sobre matéria de 
 recenseamento eleitoral, constam de diploma aprovado pela Assembleia da 
 República, não se coloca qualquer questão relacionada com a reserva absoluta ou 
 relativa de competência legislativa parlamentar.
 
  
 
                    Em princípio, um diploma emanado da Assembleia da República 
 que discipline tal matéria revestiria, nos termos conjugados do artigo 166º, n.º 
 
 3, e do artigo 161º, alínea c), da Constituição, a forma de lei. Nos termos 
 gerais, para a sua aprovação bastaria, em votação final global, o voto 
 maioritário conforme, em deliberação tomada com a presença da maioria do número 
 legal dos Deputados; isto é, para a sua aprovação bastaria a maioria simples 
 
 (artigo 116º, n.ºs 2 e 3, da Constituição). 
 
  
 
                    Os requerentes consideram que, tendo as normas dos artigos 3º 
 e 4º do Decreto n.º 6/X sido “sujeitas ao regime de aprovação exigido para as 
 leis orgânicas, a saber, maioria absoluta dos Deputados em efectividade de 
 funções”, foi violado o disposto no artigo 168º, n.º 5, da Constituição.
 
  
 
                    Poderia desde logo responder-se que as exigências 
 estabelecidas pela Constituição quanto às deliberações de órgãos colegiais, 
 tanto no que se refere à presença de um certo número de membros como no que diz 
 respeito ao número de votos necessários para a respectiva aprovação, são 
 exigências de mínimos. Nestes termos, não inquinaria uma deliberação de um órgão 
 colegial a presença, em tal deliberação, de membros desse órgão em número 
 superior ao exigido, nem a aprovação da deliberação por um número de votos 
 superior ao exigido. Aliás, embora possam configurar-se casos em que o sentido 
 do voto individual de um membro de um órgão colegial seja influenciado pelo 
 limiar de votação exigida (uma maioria qualificada ou especialmente reforçada), 
 admite-se que o voto a favor ou contra determinada proposta ou projecto resulte 
 essencialmente da concordância ou discordância em relação ao respectivo objecto 
 e à solução material apresentada.
 
  
 
             No caso em apreço, é certo que estamos perante um acto normativo uno 
 em função da sua finalidade (a flexibilização dos mecanismos de realização de 
 referendos) e em função da matéria de que trata (o direito eleitoral), mas com 
 um conteúdo múltiplo – já que visa introduzir alterações em diversos diplomas, 
 com diferentes naturezas. Nestas circunstâncias, pode sustentar-se que o 
 cumprimento dos requisitos de forma ou de procedimento leva a respeitar as 
 regras mais exigentes. Ou seja, pode sustentar-se que o cumprimento dos 
 requisitos de forma ou de procedimento legitima, no caso, a observância das 
 regras constitucionais estabelecidas quanto à aprovação da lei orgânica, no que 
 toca a todo o diploma.
 
  
 
                    Tendo sido efectivamente observados os requisitos 
 estabelecidos quanto à aprovação da lei orgânica, impõe-se a conclusão de que 
 não existe violação da Constituição.
 
  
 
  
 
 14.       A questão que se suscita – embora não seja colocada nestes termos 
 pelos requerentes – prende-se com o valor (ou o desvalor) 
 jurídico-constitucional de normas alegadamente estranhas ao objecto próprio do 
 diploma emanado da Assembleia da República, que é um diploma aprovado de acordo 
 com um procedimento “reforçado”, por tal ser exigido pela natureza de “lei 
 orgânica” da lei que aprova o regime do referendo (e da lei eleitoral do 
 Presidente da República), nos termos do artigo 164º, alínea b) (e do artigo 
 
 164º, alínea a)), e do artigo 166º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 
                    Poderia de imediato dizer-se que não existe na Constituição 
 norma que proíba que, num caso como o destes autos, um único acto legislativo 
 altere diferentes diplomas, de natureza distinta, desde que, obviamente, não 
 sejam desrespeitados os princípios gerais quanto ao valor hierárquico dos actos 
 normativos (tal como decorre do artigo 112º da Constituição). Ou que, do mesmo 
 modo que a Constituição não proíbe a inclusão em decreto-lei do Governo, emitido 
 ao abrigo de uma lei de autorização legislativa, de normas que não carecem de 
 autorização parlamentar, também não proíbe a inclusão em lei orgânica de matéria 
 que, em princípio, deva ser disciplinada por lei. E concluir-se-ia que, tendo o 
 regime jurídico do recenseamento eleitoral sido aprovado por lei (pela Lei n.º 
 
 13/99, de 22 de Março), nada impediria que fosse alterado por uma lei orgânica.
 
  
 
                    É porém certo que a lei orgânica se caracteriza não apenas 
 pelo valor reforçado do procedimento exigido para a sua aprovação (artigo 168º, 
 n.º 5, da Constituição) mas também pelo seu objecto (artigo 166º, n.º 2, da 
 Constituição) – o que justifica a referência, na doutrina, ao “relevo político” 
 do respectivo regime jurídico (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria 
 da Constituição, 7ª ed., Coimbra, 2003, p. 784).
 
  
 
                    O que importa averiguar é portanto se a Constituição proíbe a 
 inclusão, em acto normativo que reveste a forma de lei orgânica e que trata de 
 questões respeitantes a direito eleitoral, de matéria relativa ao recenseamento 
 eleitoral. Colocada a questão nestes termos, ela diz mais directamente respeito 
 
 à natureza do acto (ou melhor, à forma do acto, em função do respectivo 
 conteúdo) do que aos requisitos exigidos para a sua discussão e votação, como 
 parece resultar da argumentação dos requerentes (pois que invocam a 
 inconstitucionalidade por violação do artigo 168º).
 
  
 
             O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar 
 sobre questão semelhante a esta, a propósito dos designados cavaliers ou riders, 
 tendo sempre concluído no sentido de que a Constituição não obsta ao 
 procedimento que se traduz na inclusão de normas extravagantes na lei do 
 orçamento ou no estatuto de uma Região Autónoma.
 
  
 
             Em relação a normas inseridas na lei do orçamento, cujo objecto era 
 alheio à matéria orçamental, disse o Tribunal no Acórdão n.º 461/87 (Diário da 
 República, I Série, n.º 12, de 15 de Janeiro de 1988, p. 132 ss):
 
  
 
 “[…]
 Trata-se de um problema bem conhecido da prática constitucional e da doutrina, 
 quer no nosso, quer noutros ordenamentos. E um problema que nalguns destes 
 encontra resposta constitucional expressa, que se traduz na delimitação precisa 
 das normas susceptíveis de serem inseridas na lei orçamental (assim, o artigo 
 
 110º, n.º 4, da Grundgesetz da República Federal da Alemanha) ou na proibição 
 de nesta se inscreverem disposições de certo tipo com certo alcance (assim, o 
 artigo 81º, n.º 3, da Constituição italiana).
 Entre nós, porém, não se depara com qualquer preceito expresso da Constituição 
 similar aos referidos. E daí que a doutrina viesse entendendo não ser 
 constitucionalmente questionável a inserção na lei do orçamento de normas sem 
 imediata incidência financeira ou normas «não orçamentais», um procedimento que 
 se compreenderia tanto melhor quanto deve considerar-se superada uma concepção 
 puramente «formal» daquela lei (assim, J. M. Cardoso da Costa, est. cit., pp. 19 
 e segs., e A. Lobo Xavier, «‘Enquadramento orçamental’ em Portugal: Alguns 
 problemas», na Revista de Direito e Economia, ano IX, 1983, pp. 242 e segs.). 
 Isto, fosse qual fosse o juízo que a correspondente prática devesse merecer sob 
 o ponto de vista doutrinal ou da clareza do exercício das competências 
 constitucionais e até da clareza do ordenamento jurídico (um juízo, aliás, não 
 negativo, para ambos os autores citados, no tocante a normas que tenham ainda a 
 ver com o delineamento do programa financeiro da lei orçamental, como serão, v. 
 g., as que exprimam a sua vertente fiscal).
 Contra este entendimento – mas sem o pôr definitivamente em causa –, 
 ponderou-se, todavia, que ele poderia conduzir, afinal, a uma limitação da 
 competência legislativa da AR. É que, como a iniciativa da lei do orçamento 
 pertence ao Governo, e só a este poderá pertencer, consequentemente, a 
 iniciativa da alteração dessa lei, o alargamento dela para além das matérias que 
 preencham a função orçamental virá a traduzir-se numa restrição da liberdade de 
 iniciativa parlamentar (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 2ª ed., vol. 1º, p. 472). Só não seria assim – 
 ressalvam os autores citados – se «pudesse entender-se, o que não é fácil, que 
 nessas matérias a lei poderia ser alterada nos termos gerais». 
 O argumento, porém, não é probante, como, por último, mostrou o Prof. Teixeira 
 Ribeiro (Os Poderes Orçamentais, cit., p. 6). É que a dificuldade em consentir 
 que se mantenha a iniciativa parlamentar para a alteração da lei do orçamento em 
 matérias «não orçamentais» é só «a de destrinçar tais matérias das restantes» 
 e, portanto, «simples dificuldade de ordem prática». Daí que – concluindo com o 
 mesmo autor – não deva considerar-se atentatório da Constituição, com base na 
 razão assinalada, «o inserimento no articulado do Orçamento de disposições 
 estranhas à administração orçamental».
 Ora, não sendo por essa razão, por outra realmente não se vê que a Constituição 
 obste ao procedimento referido. E tanto menos quando se trata de um 
 procedimento com uma longa tradição entre nós (vindo já do período do 
 constitucionalismo monárquico e passando por todos os que se lhe seguiram), que 
 só se justificaria ver precludido pela Constituição em vigor se nesta existisse 
 disposição clara nesse sentido. Ora, como começou por salientar-se, tal não 
 sucede.
 Poderá a prática em causa ser discutível, e até censurável, seja do ponto de 
 vista doutrinário, seja do da técnica da legislação. De todo o modo, não o é de 
 um estrito ponto de vista jurídico-constitucional.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
             Esta doutrina foi reiterada em diversas decisões posteriores, entre 
 as quais se mencionam os Acórdãos n.ºs 303/90 (Diário da República, I Série, n.º 
 
 296, de 26 de Dezembro de 1990, p. 5212 ss), 358/92 (Diário da República, I 
 Série-A, n.º 21, de 26 de Janeiro de 1993, p. 297 ss), 141/02 (Diário da 
 República, I Série-A, n.º 107, de 9 de Maio de 2002, p. 4350 ss) e 246/02 
 
 (Diário da República, II Série, n.º 167, de 22 de Julho de 2002, p. 12805 ss).
 
  
 
             Relativamente à questão de saber se os estatutos das regiões 
 autónomas podem integrar normas relativas a matéria eleitoral, o Tribunal 
 começou por afirmar no Acórdão n.º 1/91 (Diário da República, I-Série-A, n.º 49, 
 de 28 de Fevereiro de 1991, p. 1033 ss): 
 
  
 
 “[…]
 
 1. Previamente, deverá levantar-se a questão de saber se o regime eleitoral 
 regional pode integrar os estatutos das regiões autónomas ou se, ao contrário, 
 ali se faz valer a reserva de lei comum da Assembleia da República (C.R.P., 
 artigo 167º, alínea j)).
 
 É que, não só os estatutos têm uma natureza marcadamente organizatória como a 
 sua aprovação (e alteração) no Parlamento depende da iniciativa exclusiva das 
 Assembleias Legislativas Regionais (C.R.P., artigo 228º, nºs 1 e 4).
 As normas sobre eleições regionais, regulando a escolha e composição dos órgãos 
 próprios das regiões, apresentam uma vertente organizatória que afirma a sua 
 conexão funcional com a matéria do Estatuto.
 A eventual objecção à inclusão de normas sobre eleições em lei estatutária 
 residirá na recusa da identidade da sua força jurídica e do seu regime de 
 aprovação e alteração (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 2ª ed., 2º vol., 1985, nota V ao artigo 228º e 
 nota III ao artigo 233º; cf., ainda, Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do 
 Estado, Lisboa, 1990, p. 303; e «Estatuto da Região Autónoma da Madeira e 
 eleição da Assembleia Regional, anotação ao acórdão n.º 183/8[8], do TC», in O 
 Direito, ano 121, 1989, II, pp. 355 e segs.).
 Porém, a afirmação da possibilidade dos estatutos integrarem normas versando 
 matéria eleitoral não implica necessariamente uma identidade de força jurídica e 
 de regime de aprovação e alteração. Mas a resposta a este problema já não tem 
 aqui oportunidade.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
             Mais tarde, o Tribunal pronunciou-se de modo pormenorizado sobre o 
 mesmo problema, a propósito de uma norma sobre competência de tribunais 
 administrativos inserida no estatuto político-administrativo de uma região 
 autónoma, no Acórdão n.º 460/99 (Diário da República, II Série, n.º 62, de 14 de 
 Março de 2000, p. 4906 ss):
 
  
 
 “[...]
 
 7. - Entre nós a doutrina mais recente vem debatendo a questão do «excesso de 
 estatuto» em sentido que não tendo sido sempre inteiramente coincidente se vai 
 aproximando. Assim, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista, Coimbra, 1993, pág. 847, nota V ao 
 artigo 228º, referem que «a inserção no estatuto de matérias alheias ao âmbito 
 material estatutário [....] implica inconstitucionalidade formal – excesso de 
 estatuto – de modo que nessas áreas as normas constitucionais não compartilham 
 da natureza de lei reforçada, podendo ser livremente substituídas por lei comum 
 da República, ou lei regional, conforme os casos». Jorge Miranda, Manual de 
 Direito Constitucional, T. V – Actividade Constitucional do Estado, Coimbra, 
 
 1997, pág. 364 a 368, alarga a perspectiva às leis reforçadas em geral e 
 sublinha que «a qualificação de uma lei como reforçada não depende da 
 qualificação que o legislador lhe confira» sendo que «as disposições inseridas 
 numa lei reforçada fora do seu objecto ou sem conexão objectiva ou estruturante 
 com ele, [...] não poderão beneficiar da consistência e da protecção inerentes 
 
 às restantes disposições». O excesso de forma, para este autor, gerará situações 
 de mera irrelevância. Na óptica que adopta, a irrelevância consistirá na 
 natureza não vinculativa para o legislador futuro da errada qualificação a que 
 tenha procedido o legislador reforçado, com a consequência de que «O Parlamento 
 agirá como tal, simplesmente legislando, por sua conta e risco – sobre eleições, 
 como sobre qualquer outra matéria – e quem irá decidir, em última análise, da 
 constitucionalidade e da legalidade de todas as normas será o Tribunal 
 Constitucional». Carlos Blanco de Morais, que alude a «enclaves de direito 
 legislativo comum nas leis reforçadas pelo procedimento», porém, considera 
 inconstitucional por excesso de forma a «lei reforçada silente que fora do 
 pressuposto da conexão objectiva disponha sobre matérias da reserva comum», 
 sendo que «qualquer lei ordinária comum que procure, unilateralmente, recuperar 
 o hipotético espaço subtraído à reserva correspondente, através da derrogação de 
 normas insertas na lei reforçada que estime como ilegítimas, será ilegal, nos 
 termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 281º» (cfr. As leis reforçadas – As leis 
 reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações 
 entre actos legislativos, Coimbra, 1998, pág. 927).
 A doutrina que defende a tese da irrelevância preocupa-se, certamente, com as 
 consequências da adopção de um entendimento que privilegie exclusivamente os 
 elementos estritamente formais, só por si, sem ter em conta os valores que, 
 nestas situações, se pretende que sejam tutelados. O legislador reforçado, sob o 
 manto de qualificações não mais que formais, porque externas ao conteúdo do acto 
 legislativo e portanto desprovidas de correspondência objectiva ou material com 
 este, a coberto de formas e procedimentos agravados, introduziria no ordenamento 
 factores de rigidificação que se poderiam vir a mostrar desadequados, tanto do 
 ponto de vista material, face à menor relevância dos temas ilegitimamente 
 abrangidos, como do ponto de vista temporal, perante exigências de resposta 
 legislativa pronta, quer por parte do Governo, quer por parte dos restantes 
 
 órgãos legislativos. E é preciso ter em conta que o regime geral não é o do 
 valor reforçado da lei. Pelo contrário, o regime regra é o da não especificação 
 das matérias que podem ser objecto de lei comum, enquanto, em geral, as leis são 
 reforçadas atendendo às matérias que a Constituição expressamente especifica 
 como devendo delas ser objecto.
 
 8. - O caso em apreciação é em absoluto paradigmático. De um lado temos uma 
 norma contida em Estatuto Regional sobre matéria que extravasa do âmbito da 
 matéria estatutária. Do outro lado, contrastando com ela, uma norma contida em 
 lei sucessiva, que não é objecto do presente recurso, mas que aparentemente se 
 apresenta em conformidade com a Constituição. Um entendimento que privilegiasse 
 a pura forma concluiria pela inconstitucionalidade da norma estatutária e pela 
 ilegalidade da norma posterior, contrária ao estatuto. 
 
 É legítimo porém conciliar a tutela dos valores que a forma protege com os 
 valores já referidos da fluidez do ordenamento, do ponto de vista da dinâmica 
 das fontes de direito. Bem vistas as coisas, o legislador não estatutário, 
 sucessivo, não pode considerar-se vinculado a normas estatutárias materialmente 
 alheias aos estatutos: a estas normas não pode reconhecer-se um valor formal 
 agravado. Não incorrerá portanto em ilegalidade se dispuser em contrário.
 Nesta conformidade, a validade da norma editada pelo legislador sucessivo bem 
 como a sua aplicabilidade, atendendo à matéria sobre que versa, podem e devem 
 aferir-se em confronto directo com a Constituição. Trata-se de um juízo que não 
 passa pela mediação da norma estatutária interposta, a qual não é fundamento nem 
 limite da norma em causa, dizendo por outras palavras mas acompanhando a 
 redacção do n.º 3 do artigo 112º da Constituição, não é, por força da 
 Constituição, pressuposto normativo necessário de outras leis ou que deva ser 
 respeitada por outras.
 Mas se assim é, se a norma incluída no Estatuto e aqui questionada não vincula o 
 legislador competente para regular a organização e competência dos tribunais 
 
 (alínea q) n.º 1 do artigo 168º, a que corresponde agora a alínea p) do artigo 
 
 165º da Constituição), a conclusão acaba por ser a de que não poderá 
 atribuir-se-lhe força ou valor formais de estatuto. O juízo negativo acerca 
 desta norma não tem que avançar para além deste ponto, pois terá de se lhe 
 reconhecer o valor de norma editada pela Assembleia da República em forma de 
 lei, que efectivamente ela também tem. A norma em causa só padeceria de 
 inconstitucionalidade se se entendesse conferir-lhe força formal superior à de 
 lei não reforçada. Todavia, como ficou demonstrado, não é essa a via 
 metodologicamente mais correcta para resolver o conflito normativo com que se 
 deparou a decisão recorrida.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
             A tese subjacente às decisões mencionadas é transponível para a 
 resolução do problema que se discute no presente processo.
 
  
 
             No caso em apreço, com base na jurisprudência citada, pode 
 afirmar-se que a Constituição não proíbe a inclusão em acto normativo que 
 reveste a forma de lei orgânica – porque introduz alterações à lei orgânica do 
 regime do referendo (e à lei eleitoral do Presidente da República) – de matéria 
 relativa ao recenseamento eleitoral.
 
  
 
             Simplesmente, não poderá atribuir-se às normas relativas ao 
 recenseamento eleitoral, inseridas em lei orgânica, força ou valor formais de 
 lei orgânica. Como o Tribunal afirmou no Acórdão n.º 460/99 que acaba de se 
 transcrever, o “juízo negativo” acerca de tais normas não tem que avançar para 
 além deste ponto, pois terá de se reconhecer a tais normas o valor de normas 
 editadas pela Assembleia da República em forma de lei, que efectivamente elas 
 também têm. E, dentro da mesma perspectiva: as normas em causa só padeceriam de 
 inconstitucionalidade se se entendesse que deveria ser-lhes atribuída “força 
 formal superior à de lei não reforçada”. 
 
  
 
             E ainda que se entenda – à semelhança do que se admitiu no já citado 
 Acórdão n.º 141/02 – que tem que haver uma conexão mínima entre a norma 
 extravagante e o diploma em que ela se insere (então, entre as normas sem 
 imediata incidência orçamental e a lei do orçamento), por se considerar 
 inadmissível que se aproveite a aprovação de um acto legislativo (então, a lei 
 do orçamento) para regular matérias em tudo a ele absolutamente estranhas, há 
 que reconhecer que, no presente caso, tal conexão existe: as alterações 
 introduzidas no regime jurídico do recenseamento eleitoral são também de 
 qualificar como normas de direito eleitoral e destinam-se a prosseguir a 
 finalidade pretendida pelo decreto aprovado pela Assembleia da República, que, 
 nos termos do seu artigo 1º, é a flexibilização dos mecanismos de realização de 
 referendos. 
 
  
 
             Concluindo como no Acórdão n.º 461/87, antes citado, “poderá a 
 prática em questão ser discutível, e até censurável, seja do ponto de vista 
 doutrinário, seja do da técnica da legislação. De todo o modo, não o é de um 
 ponto de vista jurídico-constitucional”. 
 
  
 
             Não se desconhece que alguma doutrina continua a advogar a 
 
 “inconstitucionalidade das normas parasitárias contidas em leis reforçadas 
 silentes” (Carlos Blanco de Morais, “Algumas reflexões sobre o valor jurídico de 
 normas parasitárias presentes em leis reforçadas pelo procedimento”, Nos 25 anos 
 da Constituição da República Portuguesa de 1976. Evolução constitucional e 
 perspectivas futuras, Lisboa, 2001, p. 393 ss). Note-se, aliás, que, no caso em 
 análise, o Decreto n.º 6/X não pode considerar-se “silente” quanto a este ponto, 
 já que insere no respectivo sumário a referência a que procede “à segunda 
 alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de Março” – para além, obviamente, da total 
 transparência e clareza do próprio articulado, que dedica dois preceitos 
 autónomos a essa mesma alteração.
 
  
 
             Mas também não se ignora que alguns dos autores que anteriormente se 
 pronunciavam em sentido semelhante sustentam agora teses mais moderadas. Jorge 
 Miranda defende que o excesso de forma gerará, em regra, situações de “mera 
 irrelevância” (Manual de Direito Constitucional, tomo V – Actividade 
 Constitucional do Estado, 3ª ed., Coimbra, 2004, p. 374 s). Gomes Canotilho 
 afirma que “a lei orgânica pode incluir normas sobre matérias de lei ordinária” 
 e que “não temos hoje a mesma segurança quanto à censurabilidade da inserção no 
 estatuto de «disposições programáticas» (que nos pareceram, até agora, feridas 
 de inconstitucionalidade)” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 
 cit., respectivamente, p. 751 e p. 779). 
 
  
 
             Assim, as normas relativas ao recenseamento eleitoral contidas no 
 decreto em apreço – alegadamente estranhas ao objecto próprio do Decreto n.º 
 
 6/X, aprovado pela Assembleia da República como lei orgânica – não violam a 
 Constituição. Tais normas não adquirem todavia o valor nem a força jurídica de 
 lei orgânica, podendo por conseguinte vir a ser modificadas ou revogadas de 
 acordo com as regras constitucionais pertinentes. 
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 b) A alegada inconstitucionalidade da norma 
 constante do artigo 5º do Decreto n.º 6/X
 
  
 
  
 
 15.              Os requerentes sustentam que a norma do artigo 5º do Decreto 
 n.º 6/X, na medida em que introduz alterações à lei eleitoral do Presidente da 
 República, concretamente ao n.º 1 do seu artigo 11º, “está sujeita ao mais 
 qualificado regime de aprovação”, por se tratar da “lei que regula o exercício 
 do direito previsto no n.º 2 do artigo 121º”.
 
  
 
                    Todavia, afirmam, aquela norma “não alcançou, na votação na 
 especialidade, a maioria de dois terços constitucionalmente exigida” e “o 
 Decreto n.º 6/X não logrou atingir aprovação, em votação final global, por 
 maioria de dois terços”.
 
  
 
                    Por tais razões, e segundo o entendimento dos requerentes, 
 teria sido violado o disposto no artigo 168º, n.º 6, alínea c), da CRP (nos 
 termos do qual “carece[...] de aprovação por maioria de dois terços dos 
 Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em 
 efectividade de funções [...] a lei que regula o exercício do direito previsto 
 no n.º 2 do artigo 121º”).
 
   
 
  
 
 16.       Resulta dos autos e confirma-se pelo Diário da Assembleia da República 
 que o Decreto n.º 6/X, de 28 de Julho de 2005, obteve, em votação final global, 
 a “maioria absoluta dos votos dos Deputados em efectividade de funções”, mas não 
 a “maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria 
 absoluta dos Deputados em efectividade de funções”.
 
  
 
                    Verifica-se, com efeito, que o Projecto de Lei n.º 122/X, que 
 deu origem ao Decreto 6/X, foi discutido e submetido à votação na generalidade, 
 na reunião plenária de 8 de Julho de 2005, tendo sido aprovado com os votos 
 favoráveis do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda e os votos contra do 
 Partido Social Democrata, do Partido Comunista Português, do Partido Popular e 
 do Partido Ecologista “Os Verdes”. Estavam presentes 162 Deputados (Diário da 
 Assembleia da República, I Série, n.º 40, de 9 de Julho de 2005, p. 1783).
 
  
 
                    O texto final do projecto, apresentado pela Comissão de 
 Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi submetido à 
 votação na especialidade, na reunião plenária de 28 de Julho de 2005, tendo 
 igualmente sido aprovado com votos a favor do Partido Socialista e do Bloco de 
 Esquerda e votos contra do Partido Social Democrata, do Partido Comunista 
 Português, do Partido Popular e do Partido Ecologista “Os Verdes” (Diário da 
 Assembleia da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917).
 
  
 
                    Na mesma reunião plenária de 28 de Julho, o Presidente da 
 Assembleia da República submeteu o texto à votação final global, com a indicação 
 de que “carece de maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções”, e 
 de que, “em obediência ao disposto no Regimento, esta votação será realizada, em 
 simultâneo, por levantados e sentados e por recurso ao mecanismo do voto 
 electrónico”. Submetido à votação, “obteve a maioria absoluta dos votos dos 
 Deputados em efectividade de funções, tendo-se registado 122 votos a favor (PS e 
 BE) e 72 votos contrários (PSD, PCP, CDS/PP e Os Verdes)” (Diário da Assembleia 
 da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917).
 
  
 
                    Importa portanto averiguar se o artigo 168º, n.º 6, alínea 
 c), da Constituição impõe que uma norma como a do artigo 5º do Decreto n.º 6/X, 
 que altera o artigo 11º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319-A/76, tenha de ser 
 sujeita à aprovação por maioria de dois terços. 
 
  
 
  
 
 17.       O regime aplicável à eleição do Presidente da República consta ainda 
 hoje do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, posteriormente alterado por 
 diversas vezes (o Decreto n.º 6/X, em análise, procede à décima sexta 
 alteração).
 
  
 
             Em 2000, tendo em conta a necessidade de dar cumprimento aos 
 preceitos constitucionais que, após a revisão de 1997, passaram a prever a 
 participação nas eleições presidenciais dos cidadãos portugueses residentes no 
 estrangeiro, aquele regime sofreu modificações significativas, através da Lei 
 Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto. 
 
  
 
             Esta Lei Orgânica n.º 3/2000 veio pois:
 
  
 
             – em primeiro lugar, alterar diversas normas do diploma, em 
 consequência da ampliação do universo de cidadãos eleitores (normas sobre 
 capacidade eleitoral activa; período e modo de votação no estrangeiro; nomeação 
 de mandatários e representantes das candidaturas no estrangeiro; publicidade das 
 candidaturas no estrangeiro; designação dos membros das assembleias de voto que 
 reúnam no estrangeiro; dispensa de actividade profissional dos membros das 
 assembleias de voto que reúnam no estrangeiro; competência do presidente da 
 comissão recenseadora, em matéria relacionada com os boletins de voto, quanto às 
 assembleias de voto que reúnam no estrangeiro); 
 
             – em segundo lugar, aditar novas disposições destinadas a reger 
 aspectos específicos relacionados com o exercício do direito de voto dos 
 cidadãos eleitores residentes no estrangeiro (disposições sobre constituição das 
 assembleias de voto no estrangeiro; locais das assembleias de voto no 
 estrangeiro; boletins de voto utilizáveis no estrangeiro, em caso de segundo 
 sufrágio; apuramento parcial no estrangeiro; competência e funcionamento da 
 assembleia de apuramento intermédio no estrangeiro).
 
  
 
             O artigo 11º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, trata da 
 
 “marcação da eleição”. A redacção actualmente em vigor do preceito, que resulta 
 das alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro (quanto ao 
 n.º 2), pela Lei n.º 11/95, de 22 de Abril (quanto ao n.º 1), e pela Lei 
 Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto (quanto ao n.º 3), é a seguinte:
 
  
 
 “Artigo 11º
 
 (Marcação da eleição)
 
 1 - O Presidente da República marcará a data do primeiro sufrágio para a eleição 
 para a Presidência da República com a antecedência mínima de 80 dias.
 
 2 - No caso previsto no n.º 2 do artigo anterior, o segundo sufrágio 
 realizar-se-á no 21º dia posterior ao primeiro.
 
 3 - Tanto o primeiro como o eventual segundo sufrágio realizar-se-ão nos 60 dias 
 anteriores ao termo do mandato do Presidente da República cessante, ou nos 60 
 dias posteriores à vagatura do cargo.”.
 
  
 
  
 
                    O artigo 5º do Decreto n.º 6/X, aqui questionado, vem 
 alterar, no n.º 1 deste artigo 11º, de 80 para 60 dias a antecedência mínima 
 para a marcação da data do primeiro sufrágio para a eleição do Presidente da 
 República.
 
  
 
  
 
 18.              Os requerentes afirmam que, “estando o exercício do direito a 
 que se refere o n.º 2 do artigo 121º da Constituição regulado na lei eleitoral 
 do Presidente da República, esta lei está, por força da letra da alínea c) do 
 n.º 6 do artigo 168º da Constituição, sujeita à aprovação por maioria de dois 
 terços” (itálico aditado agora).
 
  
 
                    Ainda segundo os requerentes, “decorre da letra da alínea c) 
 do n.º 6 do artigo 168º da CRP que a lei eleitoral do Presidente da República, 
 porque é a lei que regula o exercício do direito previsto no n.º 2 do artigo 
 
 121º, exige uma maioria qualificada de dois terços” (itálico aditado agora).
 
  
 
                    De acordo com esta perspectiva, a lei eleitoral do Presidente 
 da República – dito de outro modo, toda e qualquer norma inserida na lei 
 eleitoral do Presidente da República – estaria sujeita à aprovação parlamentar 
 por maioria de dois terços, por se tratar da lei que regula o exercício do 
 direito previsto no n.º 2 do artigo 121º, que é “o direito de voto dos cidadãos 
 portugueses residentes no estrangeiro” na eleição do Presidente da República.
 
  
 
  
 
 19.              O artigo 121º da Constituição da República Portuguesa (a norma 
 que se refere à eleição do Presidente da República) estabelece, no seu n.º 2, 
 que “a lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses 
 residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de 
 efectiva ligação à comunidade nacional”.
 
  
 
                    Certo é portanto que o artigo 121º, n.º 2, da Constituição 
 remete para a lei a regulação do “exercício do direito de voto dos cidadãos 
 portugueses residentes no estrangeiro”. Certo é também que o artigo 168º, n.º 6, 
 alínea c), da Constituição determina que “carece[…] de aprovação por maioria de 
 dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos 
 Deputados em efectividade de funções [...] a lei que regula o exercício do 
 direito previsto no n.º 2 do artigo 121º”.
 
  
 
                    Interessa pois determinar qual a razão de ser e qual o 
 verdadeiro alcance dos requisitos constitucionais estabelecidos para a regulação 
 do “exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no 
 estrangeiro”.
 
  
 
                    A Constituição remete para a lei a regulação do exercício do 
 direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, porque, como 
 explicou o Deputado Barbosa de Melo na Assembleia da República, no âmbito dos 
 trabalhos da 4ª Revisão Constitucional, aquando da discussão das alterações a 
 introduzir no então artigo 124º da Constituição, “há [...] problemas específicos 
 que só a lei, como a lei eleitoral, a lei do recenseamento, a lei do exercício 
 do direito de voto, etc., pode resolver, criando as categorias, os modos de 
 recenseamento e os modos do exercício do voto, por forma a conciliar e a 
 resolver as dificuldades práticas e naturais num voto à distância. Daí a nossa 
 proposta para o n.º 2” (Diário da Assembleia da República, II Série-RC, n.º 39, 
 de 16 de Outubro de 1996, p. 1200). 
 
  
 
                    Ou seja, a regulação do “exercício do direito de voto dos 
 cidadãos portugueses residentes no estrangeiro” envolvia a modificação de 
 diversos aspectos da legislação em vigor, a saber: modificações não apenas na 
 lei eleitoral do Presidente da República mas também, por exemplo, na lei do 
 recenseamento. Diversas disposições, contidas em diferentes diplomas legais, 
 teriam portanto de ser alteradas. Em norma transitória, determinou-se desde 
 logo, na mesma Revisão Constitucional de 1997, que: “Consideram-se inscritos no 
 recenseamento eleitoral para a eleição do Presidente da República todos os 
 cidadãos residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos 
 eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996, dependendo 
 as inscrições posteriores da lei prevista no n.º 2 do artigo 121º” (artigo 297º 
 da Constituição).
 
  
 
                    Com a exigência de uma maioria reforçada pretende-se 
 seguramente atribuir dignidade particular a esta matéria, atendendo ao 
 significado político especial da alteração introduzida na Constituição em 1997 – 
 ao permitir, pela primeira vez, a participação na eleição presidencial dos 
 cidadãos portugueses residentes no estrangeiro – e tendo em conta as 
 divergências que sobre a questão haviam anteriormente manifestado os partidos 
 políticos nacionais. A exigência de aprovação por “maioria de dois terços dos 
 Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em 
 efectividade de funções”, fundamenta-se na necessidade de obter um amplo 
 consenso parlamentar, que se traduza num número de votos superior a uma eventual 
 maioria conjuntural na Assembleia da República.
 
  
 
             Assim sendo, é indiscutível que os requisitos constitucionais dizem 
 respeito – e dizem respeito apenas – à matéria atinente ao “exercício do direito 
 de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro” na eleição do 
 Presidente da República. Está em causa, por exemplo, matéria relativa a: 
 capacidade eleitoral activa dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro; 
 recenseamento eleitoral dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro; 
 período e modo de votação no estrangeiro (ou, eventualmente, exigência de 
 votação presencial no território nacional); funcionamento, constituição e 
 competência das assembleias de voto que reúnam no estrangeiro. 
 
  
 
             Por outras palavras, as exigências constitucionais dirigem-se – e 
 dirigem-se apenas – à lei que venha disciplinar as condições e o modo de 
 exercício do direito de voto, na eleição do Presidente da República, dos 
 cidadãos eleitores residentes no estrangeiro e, posteriormente, a qualquer lei 
 que porventura venha alterar as condições e o modo de exercício desse direito. 
 Ora, a lei que pela primeira vez veio regular as condições e o modo de exercício 
 do referido direito de voto dos cidadãos eleitores residentes no estrangeiro foi 
 a Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto, na parte em que alterou e completou 
 o regime jurídico da eleição do Presidente da República precisamente para dar 
 concretização ao objectivo definido no artigo 121º, n.º 2, da Constituição. 
 
  
 
             Em face da razão de ser e da própria letra do artigo 168º, n.º 6, 
 alínea c), da Constituição, a exigência de aprovação por maioria de dois terços 
 já não se estende, porém, a uma lei que, sem regular a matéria do exercício do 
 direito de voto na eleição presidencial dos cidadãos portugueses residentes no 
 estrangeiro, apenas altere normas relativas a outros aspectos, ainda que 
 constantes também do mesmo diploma em que o regime daquela matéria ficou 
 inserido.
 
  
 
                    Não estão portanto sujeitas ao regime especial e reforçado de 
 aprovação constante do artigo 168º, n.º 6, alínea c), da Constituição as 
 alterações à lei eleitoral do Presidente da República que não contendam com o 
 
 “exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no 
 estrangeiro” na eleição do Presidente da República.
 
  
 
                    É que a qualificação de uma lei – ou de certa disposição 
 inserida numa lei – como reforçada depende tão somente “da verificação dos 
 requisitos de qualificação constitucionalmente fixados, os quais têm que ver 
 essencialmente com o objecto da lei, com as matérias sobre que versa, com a 
 função que pretende exercer e, em alguns casos, complementarmente, com o 
 respectivo procedimento” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo 
 V, cit., p. 371).
 
  
 
                    A lei eleitoral do Presidente da República – em tudo o que 
 não diga respeito ao exercício de tal direito – deve, por força do disposto nos 
 artigos 164º, alínea a), e 166º, n.º 2, da Constituição, revestir a forma de lei 
 orgânica e está sujeita, nos termos do artigo 168º, n.º 5, da Constituição, à 
 aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em 
 efectividade de funções.
 
  
 
                    Foi também este, certamente, o entendimento perfilhado pela 
 Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias que, no 
 Relatório elaborado a propósito do Projecto de Lei n.º 122/X – do qual emana, 
 como se sabe, o Decreto n.º 6/X, em apreciação –, sob a epígrafe “condicionantes 
 constitucionais de discussão e votação”, afirmou o seguinte: “os normativos que 
 regulam o regime do referendo nacional (Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril) e a 
 eleição do Presidente da República (Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio) 
 revestem a forma de leis orgânicas, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do 
 artigo 164º e do n.º 2 do artigo 166º da Constituição, sendo, consequentemente, 
 obrigatoriamente votadas na especialidade pelo Plenário (artigo 168º, n.º 4) e 
 devendo obter, em votação final global, a maioria absoluta dos Deputados em 
 efectividade de funções (artigo 168º, n.º 5)” (cfr. documentação junta pelo 
 Presidente da Assembleia da República, a fls. 93 e seguinte destes autos). 
 
  
 
                    Do mesmo modo se tinha já entendido, aliás, na reunião 
 plenária da Assembleia da República, de 6 de Julho de 2000, a propósito da 
 votação da Proposta de Lei n.º 19/VIII (“Regula o voto dos cidadãos portugueses 
 residentes no estrangeiro na eleição do Presidente da República e alarga as 
 situações de voto antecipado, alterando o Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de 
 Maio”), e dos Projectos de Lei n.ºs 152/VIII (“Regula o direito de voto dos 
 emigrantes nas eleições presidenciais”, do PSD) e 153/VIII (“Regula o processo 
 de votação, na eleição do Presidente da República, dos cidadãos portugueses não 
 residentes no território nacional”, do CDS-PP) – que estiveram na origem da já 
 citada Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de Agosto.
 
  
 
                    Nessa reunião plenária da Assembleia da República, as 
 propostas de alteração a determinados artigos do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 
 de Maio, e certas propostas de aditamento de novos artigos (todos esses 
 preceitos relativos ao exercício do direito de voto dos cidadãos residentes no 
 estrangeiro na eleição do Presidente da República) foram consideradas “como 
 propostas a obter maioria qualificada de dois terços, para poderem ter 
 vencimento nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 121º e n.º 6 do artigo 168º 
 da Constituição”, enquanto todas as restantes foram consideradas “como propostas 
 a obter maioria absoluta, por se tratar […] de uma lei orgânica”.
 
  
 
                    O plenário da Assembleia seguiu então, na votação de tal 
 Proposta de Lei, um guião de votações dividido em duas partes correspondentes às 
 duas categorias de normas, em função das exigências constitucionais para a 
 respectiva aprovação, guião esse que havia sido elaborado pela Comissão de 
 Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (Diário da Assembleia 
 da República, I Série, n.º 87, de 7 de Julho de 2000, p. 3467 ss).
 
  
 
                    Refira-se ainda, a este propósito, que muito recentemente foi 
 aprovado pela Assembleia da República (na reunião plenária de 28 de Julho de 
 Julho de 2005, a mesma reunião em que foi aprovado o decreto ora em análise) o 
 Decreto n.º 19/X, emergente do Projecto de Lei n.º 101/X, que introduz diversas 
 alterações no regime jurídico da eleição do Presidente da República, alargando o 
 universo de cidadãos eleitores residentes no estrangeiro (“Décima sétima 
 alteração ao regime jurídico da eleição do Presidente da República e terceira 
 alteração ao regime jurídico do recenseamento eleitoral”, disponível em 
 
 www.parlamento.pt). O texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos 
 Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi submetido à votação com a 
 indicação de que, “em votação final global exige uma maioria qualificada de dois 
 terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos 
 Deputados em efectividade de funções”, e “foi aprovado por unanimidade, tendo 
 obtido a maioria de dois terços necessária, registando-se 193 votos a favor” 
 
 (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 42, cit., p. 1917).
 
  
 
                    É no entanto manifesta a diferença entre o complexo normativo 
 constante do Decreto n.º 19/X, emergente do Projecto de Lei n.º 101/X – que 
 efectivamente contende com o “exercício do direito de voto dos cidadãos 
 portugueses residentes no estrangeiro” na eleição do Presidente da República – e 
 a norma do artigo 5º do Decreto n.º 6/X, aqui em análise.
 
  
 
  
 
 20.              O artigo 5º do Decreto n.º 6/X, ora impugnado – ao alterar o 
 artigo 11º, n.º 1, da lei eleitoral do Presidente da República, fixando em 60 
 dias a antecedência mínima para a marcação da data do primeiro sufrágio para a 
 eleição presidencial –, nada vem modificar quanto ao regime atinente ao 
 
 “exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no 
 estrangeiro” na eleição do Presidente da República.
 
  
 
                    A alteração introduzida por tal norma no regime jurídico da 
 eleição do Presidente da República foi pois aprovada com observância das regras 
 constitucionais aplicáveis, como resulta do anteriormente exposto.
 
  
 
                    Conclui-se, deste modo, que o artigo 5º do Decreto n.º 6/X 
 não viola a Constituição.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
  
 
 21.       Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional 
 decide não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas constantes dos 
 artigos 3º, 4º e 5º do Decreto da Assembleia da República n.º 6/X, de 28 de 
 Julho de 2005. 
 
  
 
  
 Lisboa, 25 de Agosto de 2005
 
  
 Maria Helena Brito
 Paulo Mota Pinto
 Maria João Antunes
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Vítor Gomes (com declaração anexa)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 
  
 
                                                DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
             Não acompanho a orientação do Tribunal na parte em que (n.º 14 do 
 acórdão), sem distinção, nega consequências invalidantes à inclusão, em lei de 
 valor reforçado, de normas cujo procedimento ou forma externa devesse ser o de 
 lei ordinária simples e à opção, que lhe vai co-envolvida, de permitir ao 
 
 “legislador comum” sucessivo revogar livremente tais normas, essencialmente 
 porque menospreza a atribuição de superior força passiva à lei com valor 
 reforçado – em toda a sua extensão, salvo na parte em que o próprio acto 
 legislativo se desqualifique – que me parece resultar da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 281.º em conjugação com o n.º 3 do artigo 112.º e o n.º 2 do artigo 166.º 
 da Constituição. 
 
             Não obstante, acompanho o acórdão, também quanto à decisão de não se 
 pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 3.º e 4.º do Decreto em 
 apreciação, uma vez que não se trata de normas intrusas dissimuladas em lei de 
 valor reforçado (cavaliers silentes). O seu efeito próprio esgota-se, de modo 
 instantâneo, na mera modificação do ordenamento, ou seja, no efeito de alteração 
 do diploma legal sobre que incidem. A disciplina preceptiva que veiculam não 
 ficará contida na lei orgânica, mas no diploma legal pré-existente que agora se 
 visa alterar. A partir daí quaisquer interacções legislativas estabelecer-se-ão 
 necessariamente com a lei de valor ordinário simples que foi objecto de 
 modificação, pelo que a inclusão acidental da alteração legislativa em lei 
 orgânica não coloca os problemas (formais) de relação entre actos legislativos e 
 
 (de índole material) de colisão entre as exigências de segurança jurídica e de 
 defesa da regra da maioria simples e da competência legislativa concorrente do 
 Governo (quando for o caso) que me levam a manter reservas à jurisprudência do 
 Tribunal quanto à “irrelevância do excesso de forma” em casos do género. 
 
  
 
  
 Vítor Gomes