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Processo n.º 981/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
      Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 
  Relatório
 Em 21 de Janeiro de 2005, A.  L.da e B. instauraram acção contra C., SA, no 
 Tribunal Judicial de Penafiel, peticionando a condenação da Ré no pagamento de 
 indemnizações pelos danos provocados pelo acidente ocorrido na auto‑estrada A4, 
 pelas 3h20 do dia 24 de Junho de 2003, quando o veículo automóvel, propriedade 
 da Autora e conduzido pelo Autor embateu num canídeo de grande porte que 
 atravessava essa via concessionada à Ré.
 
  
 Por sentença de 20 de Abril de 2007 a acção foi julgada parcialmente 
 procedente e a Ré C. foi condenada:
 
 - a pagar à Autora as quantias de € 12 500,00 a título de indemnização por 
 perda do veículo, de € 15 050,00 a título de perda de rendimentos, e de € 
 
 1140,00, acrescida do que se vier a apurar desde Janeiro de 2005, à razão de € 
 
 60,00 por mês, até ao trânsito em julgado da decisão, pelas despesas decorrentes 
 da recolha do veículo, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde 
 a citação até integral pagamento;
 
 - e a pagar ao Autor a quantia de € 2 500,00, por danos não patrimoniais, 
 acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
 
  
 A Ré C. e a chamada Companhia de Seguros D., SA, recorreram desta sentença para 
 o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 11 de Março de 2008, 
 concedeu provimento à apelação, revogou a sentença recorrida e absolveu a Ré do 
 pedido.
 
  
 Os Autores interpuseram recurso de revista deste acórdão para o Supremo Tribunal 
 de Justiça, que, por acórdão de 23 de Setembro de 2008, lhe concedeu 
 provimento, revogando o acórdão recorrido e “ficando a prevalecer a condenação 
 da C., nos precisos termos decididos na sentença da 1.ª instância”. 
 
  
 Notificada deste acórdão, veio a Ré C. arguir a sua nulidade, o que foi 
 indeferido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 
 
 2008.
 
  
 Notificada deste último acórdão veio a ré C. interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), referindo no respectivo 
 requerimento de interposição:
 
           “2. Normas cuja inconstitucionalidade se pretende seja apreciada: as 
 que se obtêm pela interpretação do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de 
 Julho (define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como 
 auto‑estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários 
 complementares) e, ainda, as constantes dos artigos 4.º a 12.º da mesma Lei, na 
 medida em que, com as normas directamente visadas, tenham relações sistemáticas 
 de implicação.
 
           3. Preceitos constitucionais violados: consideram‑se violados os 
 artigos 2.º (Estado de direito democrático), 13.º, n.º 1 (Princípio da 
 igualdade), 20.º, n.º 4 (Acesso ao direito e tutela efectiva), e 62.º, n.º 1 
 
 (Direito de propriedade privada), todos da Constituição. Mais precisamente:
 
           – o artigo 2.º, na parte em que, fixando a República Portuguesa como 
 um Estado de direito baseado na separação de poderes, não permite que o 
 Parlamento, por via de leis formais, interfira na livre negociação de 
 contratos e em processos pendentes perante os Tribunais;
 
           – o artigo 13.°, n.º 1, na medida em que, excluindo o arbítrio, os 
 privilégios e os encargos diferenciadores injustificados, afasta quer as leis 
 ad hominem, quer as regras contrárias ao sistema e quer, finalmente, os regimes 
 de desigualdade com base em meras aparências de tipo populista;
 
           – o artigo 62.°, n.º 1, na área em que protege os direitos de crédito 
 legitimamente constituídos («propriedade» em sentido amplo) e em que veda a 
 imputação, ex novo e sem compensação justa, aos titulares de direitos 
 patrimoniais privados, de riscos que, a ele, não eram inerentes, aquando da sua 
 aquisição.”.
 
                                
 No Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações, que terminam com 
 a formulação das seguintes conclusões:
 
           “I – Quanto à matéria em discussão:
 
           1.ª – No dia 24 de Junho de 2003, o veículo XR, na sequência de um 
 embate com um cão, despistou‑se, na A4, tendo sido, depois, abalroado por outro 
 veículo; houve danos materiais, sendo demandada a concessionária C..
 
           2.ª – Verificou‑se que a auto‑estrada estava devidamente vedada e que 
 a C. fizera as patrulhas regulamentares, nada tendo detectado de anormal.
 
           3.ª – A 1.ª Instância entendeu que a C., enquanto ré, não ilidira uma 
 presunção de culpa que, sobre ela, impenderia, condenando‑a; a Relação do Porto 
 julgou que, não havendo qualquer presunção, os autores não teriam feito prova da 
 culpa da ré, absolvendo‑a.
 
           4.ª – O Supremo Tribunal de Justiça, fazendo aplicação retroactiva da 
 Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, entretanto publicada, entendeu que a discussão 
 perdera o interesse, condenando a C..
 
           II – Quanto à Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho:
 
           5.ª – A C. é urna sociedade concessionária da construção, manutenção 
 e exploração de auto‑estradas, caindo nos deveres previstos nas bases anexas ao 
 Decreto‑Lei n.º 247‑C/2008, de 30 de Dezembro.
 
           6.ª – Na sequência de obras de alargamento na A1 (auto‑estrada do 
 Norte), a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 14/2004, de 31 de 
 Janeiro (DR, I Série‑A, n.º 137, de 31 de Janeiro de 2004, p. 550), na qual pede 
 ao Governo a alteração das bases da concessão, de modo a suspender as portagens 
 nas vias em obras e a melhor informar os utentes da sua ocorrência.
 
           7.ª – Seguiram‑se negociações entre o Governo e as concessionárias: 
 inconclusivas, por falta de disponibilidades orçamentais.
 
           8.ª – Posto o que foram, no Parlamento, apresentados dois Projectos 
 de Lei: Projectos n.º 145/X (PCP) e n.º 164/X (BE); veio a ser aprovado o 
 primeiro (Decreto n.º 122/X), o qual deu azo à Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, 
 destinada, no fundo, a conseguir, sem contrapartidas, o que não fora possível 
 pela negociação.
 
           9.ª – A Lei n.º 24/2007 veio, no essencial, fixar um esquema mais 
 denso e mais gravoso, para as concessionárias, na hipótese de obras nas 
 auto‑estradas: sem compensação.
 
           10.ª – Além disso, adoptou um sistema que pode conduzir, na hipótese 
 de obras, à suspensão das taxas e ao afastamento do princípio do equilíbrio 
 financeiro: também sem compensação.
 
           11.ª – Finalmente e perante um certo tipo de acidentes (entre os quais 
 os derivados do atravessamento de animais) estabeleceu uma denominada 
 
 «presunção de incumprimento», contra as concessionárias: igualmente sem 
 compensação.
 
           III – Quanto aos juízos de inconstitucionalidade:
 
           A – Primeiro fundamento: violação dos princípios do Estado de direito 
 democrático e da separação de poderes (artigo 2.º).
 
           12.ª – A Lei n.º 24/2007 vem invadir os poderes nucleares do Governo 
 enquanto órgão superior da administração pública – artigo 182.º – incumbido da 
 direcção da administração directa do Estado – artigo 199.º, alínea d).
 
           13.ª – Com efeito, cabe apenas ao Governo negociar os contratos 
 públicos de concessão, tanto mais que apenas ele tem os meios técnicos e 
 humanos necessários para o efeito; nesse sentido, de resto, o próprio 
 Parlamento adoptou a já referida Resolução n.º 14/2004.
 
           14.ª – A Lei n.º 24/2007 traduz, logo por aí, uma intromissão do 
 Parlamento na área própria do Governo, pondo em crise o princípio da separação 
 dos poderes e violando o artigo 2.º da Constituição.
 
           15.ª – Além disso, a Lei n.º 24/2007, designadamente através do seu 
 artigo 12.º, n.º 1, veio interferir na composição de litígios já em curso, 
 surgidos entre particulares.
 
           16.ª – Tais litígios só podem ser dirimidos pelos tribunais (artigo 
 
 202.º, n.º 2), sob pena de se pôr também em causa o direito de acesso aos 
 mesmos, para defesa dos direitos (artigo 20.º, n.º 1).
 
           17.ª – A Lei n.º 24/2007 equivale a uma intromissão do Parlamento no 
 núcleo do poder judicial; põe em causa, num ponto estruturante do nosso 
 ordenamento, o princípio da separação de poderes, violando, também por aqui, o 
 artigo 2.º da Constituição.
 
           18.ª – Também o principio da protecção da confiança, num outro 
 aspecto, seria violado por aquela Lei, enquanto põe em causa o particular mundo 
 das empresas que planeiam a longo prazo com o maior rigor os proveitos que vão 
 obter e os custos em que vão incorrer.
 
           B – Segundo fundamento: violação do princípio da igualdade (artigo 
 
 13.º).
 
           19.ª – O Direito assenta no postulado básico de tratar o igual de modo 
 igual e o diferente de modo diferente, de acordo com a medida da diferença: a 
 essa luz, as soluções desarmónicas são, já por si, contrárias ao princípio da 
 igualdade.
 
           20.ª – O Direito civil, na sequência de um esforço milenário de 
 equilíbrio, distingue a responsabilidade obrigacional da aquiliana: a 
 obrigacional, emergente da violação de deveres concretos pré‑existentes, prevê 
 uma presunção de culpa, perante o incumprimento (mais severo); a aquiliana, 
 correspondente à inobservância de deveres gerais de respeito, não comporta tal 
 presunção (mais leve): artigos 799.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, do Código Civil.
 
           21.ª – A cominação de um ou outro tipo de responsabilidade não é 
 arbitrária: depende da materialidade em jogo, sob pena de atingir a igualdade.
 
           22.ª – No caso de acidentes em auto‑estrada, mostrando‑se cumpridos 
 os deveres específicos a cargo da C., apenas queda verificar se, com violação 
 do dever genérico de respeito, foram violados direitos dos utentes: a 
 responsabilidade é, pela natureza das coisas, aquiliana.
 
           23.ª – A «presunção de incumprimento», ao interferir (e na medida em 
 que interfira) nessa questão, viola o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição. Sem 
 conceder,
 
           24.ª – A igualdade constitucional projecta‑se no princípio da 
 igualdade rodoviária: nas diversas vias e aos vários utentes aplicam‑se regras 
 genéricas e nunca ad hominem.
 
           25.ª – Daí que não seja compaginável, nas auto‑estradas, uma regra de 
 maior protecção (ou menor risco) dos utentes, em função de gerar coordenadas 
 jurídicas: ser ou não um lanço concessionado; haver ou não portagem; estar em 
 causa o condutor ou o passageiro, como exemplos: seria violado o artigo 13.º, 
 n.º 1. Sem conceder,
 
           26.ª – O artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 24/2007 veio, de facto, fixar 
 uma presunção de «não‑cumprimento» (e, não, de culpa); com isso estabelece, de 
 facto, um regime de imputação objectiva: mesmo cumprindo todos os seus deveres, 
 a concessionária ainda será responsabilizada pelo resultado, numa manifestação 
 de puro risco.
 
           27.ª – A responsabilidade pelo risco é espoliativa: só se admite em 
 casos especiais, para o futuro, com limitação das indemnizações e 
 acompanhamento por seguros. In casu, nada disso foi ponderado: há nova via de 
 inconstitucionalidade, por discriminação subjectiva, atingindo‑se o artigo 
 
 13.º, n.º 1, da Lei Fundamental. Sem conceder,
 
           28.ª – A Lei n.º 24/2007, em vários dos seus preceitos, 
 designadamente o artigo 12.º, n.º 1, veio atingir selectivamente os direitos 
 das concessionárias; fê‑lo fora de quaisquer pressupostos tributários, 
 violando, também por aqui, a igualdade prevista no artigo 13.º, n.º 1, da 
 Constituição.
 
           C – Terceiro fundamento: violação da tutela da propriedade privada.
 
           29.ª – A recorrente C. detém um acervo patrimonial enquanto parte num 
 contrato de concessão; tal acervo, ainda que contratual, é protegido pela 
 Constituição, por reconduzir‑se a uma noção ampla de propriedade (artigo 62.º, 
 n.º 1, da Constituição).
 
           30.ª – A Lei n.º 24/2007, em vários dos seus preceitos e, 
 designadamente, no seu artigo 12.º, veio atingir direitos patrimoniais 
 pré‑existentes, sem compensação: violou a propriedade privada.
 
           31.ª – No caso do artigo 12.º em causa, esse fenómeno mais flagrante 
 se torna: foi criada, com referência a situações pré‑existentes, uma situação 
 objectiva de risco, que é substancialmente amputante de valores patrimoniais: a 
 violação do artigo 62.º, n.º 1, da Constituição surge apodíctica.
 
           IV – Quanto à relevância nos autos:
 
           32.ª – A Lei n.º 24/2007 levou o STJ a abdicar da sua judicação: não 
 atentou nos factos apurados, designadamente nos que traduziram, por parte da 
 C., o cumprimento das suas obrigações.
 
           33.ª – Além disso, o douto acórdão recorrido fez, da Lei n.º 24/2007, 
 uma aplicação retroactiva, o que mais ampliou as apontadas 
 inconstitucionalidades.
 
           34.ª – A não se aplicar a Lei n.º 24/2007, a saída para o litígio em 
 discussão seria a inversa.
 
           Nestes termos e naqueles que, suprindo, os Venerandos Conselheiros 
 Constitucionais queiram subscrever, deve ser declarada a inconstitucionalidade 
 material da Lei n.º 24/2007 e, designadamente, do seu artigo 12.º, por violação, 
 inter alia, dos artigos 2.º, 13.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, da Constituição, assim 
 se dando provimento ao presente recurso.”
 Com a alegação, a recorrente juntou um parecer jurídico.
 
  
 Os recorridos contra‑alegaram, concluindo:
 
           “I – O juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade que esse 
 Venerando Tribunal Constitucional tem que emitir é tão‑somente o respeitante ao 
 artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, mais concretamente à norma 
 jurídica e respectiva interpretação, que se extrai do segmento da alínea b) do 
 seu n.º 1.
 
           II – Pois foi essa norma restrita e específica que fundamentou a 
 decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a causa dos presentes autos.
 
           III – Juízos de constitucionalidade ou inconstitucionalidade sobre a 
 Lei n.º 24/2007, na parte em que define, mesmo que de forma inovadora, os 
 direitos dos utentes nas vias rodoviárias a que se aplica e as consequentes 
 obrigações das concessionárias, devem ser excluídos do presente recurso. Assim,
 
           IV – Nesse âmbito, a conformidade das respectivas normas com os 
 princípios constitucionais do Estado de direito democrático e da separação de 
 poderes, da igualdade, da estabilidade dos contratos, da proporcionalidade, da 
 boa fé, da não violação da confiança, do equilíbrio financeiro ou da tutela da 
 propriedade privada, não é, nem pode ser, o objecto do presente recurso.
 
           V – O artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, tem, 
 claramente, natureza interpretativa, a qual, não sendo objecto directo do 
 presente recurso, deve ser considerada e declarada na precisa medida em que 
 destrói decisivamente a força argumentativa em favor da sua 
 inconstitucionalidade.
 
           VI – Concretamente, o artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, 
 não viola o princípio da separação e interdependência de poderes dos órgãos de 
 soberania, tal como é definido no artigo 2.º da CRP, nem importa uma ingerência 
 do poder legislativo no poder judicial ou na esfera do poder 
 executivo/administrativo que deva ser preservado.
 
           VII – Pois que, embora inserido no desenvolvimento de uma negociação 
 entre o Estado Português, representado pelo Governo, e as concessionárias das 
 auto‑estradas, a partir do Decreto‑Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, aplicável 
 ao tempo do acidente dos autos, a verdade é que algumas das bases deste 
 Decreto‑Lei, precisamente as respeitantes às obrigações das concessionárias 
 quanto à criação e manutenção de condições de segurança que possam afectar os 
 direitos dos utentes, têm eficácia normativa externa às mesmas bases, como parte 
 integrante que são de um contrato com eficácia de protecção de terceiros. Ora,
 
           VIII – No âmbito dessa eficácia normativa, não se vislumbra como o 
 
 órgão de soberania Assembleia da República poderia ser afastado da 
 possibilidade de nela intervir através daquele artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, 
 já que tal eficácia normativa externa se repercute em sede de responsabilidade 
 civil e de direitos subjectivos, como sejam os direitos à integridade física das 
 pessoas e à integridade dos bens destas.
 
           IX – Os recorridos subscrevem por inteiro aquilo que sobre tal 
 problemática foi decidido no Acórdão n.º 24/98 desse Venerando Tribunal 
 Constitucional, e no Acórdão n.º 1/97, para o qual remete, onde se questiona a 
 existência de uma verdadeira reserva constitucional da Administração, 
 nomeadamente quando a intervenção da Assembleia da República se contenha no 
 limite funcional que representa a proibição de uma pura substituição funcional 
 do executivo no preciso espaço da sua actividade normal.
 
           X – E, no caso dos presentes autos, a intervenção da Lei n.º 24/2007 
 na problemática do ónus da prova quanto às condições de segurança que cabe às 
 concessionárias das auto‑estradas assegurar aos seus utentes quando estes 
 tranquilamente por elas circulam e são surpreendidos pelo atravessamento de 
 animais, não pode considerar‑se como tendo ultrapassado o dito limite 
 funcional colocado à actuação do órgão legislativo Assembleia da República, ou 
 como «uma intromissão parlamentar intolerável na esfera administrativa do 
 executivo».
 
           XI – A fixação, a cargo das concessionárias, do ónus da prova quanto à 
 obrigação de criação e manutenção de condições de segurança nas auto‑estradas 
 também não viola o princípio constitucional da igualdade.
 
           XII – Lembra‑se, por um lado, que em muitos outros dispositivos 
 legais o ónus da prova impende sobre a parte que, eventualmente, mais 
 dificuldades tem em fazer a respectiva prova e muitas vezes implica a difícil 
 prova de um facto negativo. E nem por isso tais dificuldades implicam a 
 inconstitucionalidade do respectivo normativo. Neste aspecto, lembra‑se também 
 aqui a lição do saudoso Prof. Manuel de Andrade, a fls. 190 das suas Noções 
 Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1956, quando já nessa altura 
 afirmava que a natural dificuldade de prova não era circunstância fundamental 
 para fixar o respectivo ónus.
 
           XIII – Por outro lado, o princípio da igualdade não dispensa a 
 consideração de que situações desiguais não podem ter o mesmo tratamento. E 
 certamente que as razões subjacentes à segurança do tráfego automóvel nas 
 auto‑estradas, a cargo das respectivas concessionárias, não são idênticas às 
 razões subjacentes ao tráfego aéreo ou ao tráfego nos aeroportos, por exemplo.
 
           XIV – Como norma de natureza interpretativa que opta por uma de duas 
 soluções defendidas pela jurisprudência ou pela doutrina, no caso de acidentes 
 de viação causados pelo atravessamento nas auto‑estradas por animais, é também 
 evidente que o artigo 12.º da Lei n.º 24/2007 não viola o princípio da boa fé ou 
 da confiança, visto que, dada tal controvérsia, nenhuma das partes (utentes ou 
 concessionárias) poderia legitimamente contar com a consagração legislativa de 
 qualquer das soluções em confronto.
 
           XV – E muito menos importa uma ilegítima interferência na esfera do 
 poder judicial, o qual existe precisamente para dirimir conflitos ou litígios 
 já em curso, segundo as normas jurídicas que se entenda deverem ser aplicadas. 
 E para isso é que os cidadãos têm acesso aos Tribunais.
 
           XVI – Os princípios constitucionais da estabilidade dos contratos e 
 da proporcionalidade, da tutela da propriedade privada ou do equilíbrio 
 financeiro só teriam relevância no presente recurso se este tivesse de ser 
 apreciado em relação ao núcleo dos novos deveres das concessionárias das 
 auto‑estradas e dos correspectivos direitos dos seus utentes, definidos pela Lei 
 n.º 24/2007.
 
           XVII – Não tem relevância para o problema da inconstitucionalidade 
 levantado pela C. a circunstância de a opção pelo ónus da prova a seu cargo 
 poder, na prática (e se pudesse) conduzir‑nos à consagração de uma verdadeira 
 responsabilidade objectiva da mesma. E isto pela razão simples de que a 
 responsabilidade objectiva não fere qualquer princípio constitucional e está 
 prevista, como a própria C. reconhece, em vários diplomas legais, tais como os 
 respeitantes a acidentes de trabalho, ao risco em certos acidentes de viação ou 
 
 à responsabilidade ambiental.
 
           XVIII – De qualquer modo, e fora os casos de força maior previstos no 
 n.º 3 daquele artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, em sede de fiscalização da 
 constitucionalidade seria intolerável para a tutela da confiança de quem 
 tranquilamente usa uma auto‑estrada para circular em viatura automóvel – 
 tutela subjacente a todos os condicionalismos legais impostos na circulação 
 viária nas auto‑estradas – ver essa via subitamente invadida por um qualquer 
 animal e ter o ónus de provar que o aparecimento de tal animal na via se deveu à 
 inobservância, por parte da concessionária, dos seus deveres de vigilância.
 
           XIX – Pelos fundamentos atrás expostos, ou por outros que V. Ex.as 
 Venerandos Conselheiros do Tribunal Constitucional tenham, no mesmo sentido, 
 por mais pertinentes, não deve esse Venerando Tribunal pronunciar‑se pela 
 inconstitucionalidade material do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007 nem declarar a 
 inconstitucionalidade de tal artigo, por nenhum preceito constitucional ele ter 
 violado, nomeadamente os artigos 2.º, 13.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, da 
 Constituição, assim se negando provimento ao presente recurso, julgando‑o 
 improcedente, com todas as legais consequências.”
 
        
 
                                                     *
 
  
 
  
 Fundamentação
 
 1.                                                               Da delimitação 
 do objecto do recurso                      
 A recorrente pediu ao Tribunal Constitucional que fiscalizasse a 
 constitucionalidade das normas constantes dos artigos 4.º a 12.º, da Lei n.º 
 
 24/2007, de 18 de Julho.
 No domínio da fiscalização sucessiva concreta, o recurso constitucional tem 
 natureza instrumental relativamente à decisão recorrida, o que significa que 
 apenas pode ser apreciada a constitucionalidade de normas ou interpretações 
 normativas que tenham sido aplicadas pela decisão recorrida de modo influente 
 para o desfecho do pleito onde foi interposto o recurso.
 Ora, da leitura dos dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça 
 neste processo verifica-se que apenas foi aplicada a norma constante do artigo 
 
 12.º, n.º 1, b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, pelo que o objecto deste 
 recurso deve cingir-se a essa norma.
 Nas alegações de recurso, a Recorrente pretendeu também estender a fiscalização 
 de constitucionalidade à aplicação retroactiva que o Supremo Tribunal de Justiça 
 fez daquele preceito legal. 
 Uma vez que o objecto do recurso é definido no requerimento que o interpõe, não 
 
 é possível nas alegações subsequentes proceder-se à sua ampliação, pelo que 
 apenas se conhecerá da constitucionalidade da norma contida no artigo 12.º, n.º 
 
 1, b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.
 
  
 
 2.                                                               Do mérito do 
 recurso
 
 2.1. Enquadramento da questão
 O presente recurso de constitucionalidade versa a questão da distribuição do 
 
 ónus da prova da culpa enquanto pressuposto da responsabilidade civil pelos 
 danos causados por acidentes de viação ocorridos nas auto-estradas.
 Sem cuidar agora da questão da respectiva natureza jurídica, pode-se afirmar que 
 o sistema do ónus da prova surgiu para resolver o problema da dúvida insanável 
 sobre a realidade dos factos, nomeadamente quando, conforme prescreve o n.º 1, 
 do artigo 8.º do Código Civil, “o tribunal não pode abster-se de julgar (...) 
 alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio”.
 Para esse efeito, de acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 342.º, do Código 
 Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos 
 do direito alegado”, acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que “a prova dos 
 factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete 
 
 àquele contra quem a invocação é feita”.
 
  E para resolver concretamente o problema da dúvida irredutível, o artigo 516.º, 
 do Código de Processo Civil, dispõe que “a dúvida sobre a realidade de um facto 
 e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto 
 aproveita”.
 Em certos casos, porém, o ónus da prova compete à parte que, segundo a 
 repartição normal, dele estaria libertada.
 Esta eventualidade pode suceder por força da lei ou por vontade das partes.
 Em especial, a inversão legal do ónus da prova dá-se – nos termos do disposto 
 no artigo 344.º, do Código Civil – quando existe presunção legal, dispensa ou 
 liberação da prova ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado 
 impossível a prova do onerado.
 
 É neste quadro normativo geral infraconstitucional que emerge a questão da 
 distribuição do ónus da prova a respeito dos pressupostos da responsabilidade 
 civil pelos danos causados por acidentes de viação ocorridos nas auto-estradas, 
 nomeadamente quando os acidentes em questão ocorrem em auto-estradas 
 concessionadas e se ficam a dever a situações de atravessamento de animais na 
 via.
 Na pendência da presente acção entrou em vigor a Lei n.º 24/2007, de 18 de 
 Julho, diploma legal que, na parte que ora releva, veio expressamente “definir 
 os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas 
 concessionadas”.
 Em particular, o artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, apresenta a 
 seguinte redacção:
 
 “Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente 
 rodoviário, com consequências danosas para pessoas e bens, o ónus da prova do 
 cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a 
 respectiva causa diga respeito a:
 
 …
 b) Atravessamento de animais;
 
 …”.
 Na origem deste diploma encontram-se protestos dirigidos à Assembleia da 
 República pela duração das obras de alargamento da A1, as quais provocavam 
 grandes congestionamentos no trânsito. Na sequência destes protestos o 
 parlamento aprovou a Resolução n.º 14/2004, de 31 de Janeiro, destinada ao 
 Governo, para que este promovesse, junto das concessionárias de auto-estradas, a 
 alteração das bases das respectivas concessões, de modo a suspender as portagens 
 das vias em obras e a melhor informar os utentes da sua ocorrência.
 Perante o impasse nas negociações entre o Governo e as concessionárias, o 
 Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda apresentaram na Assembleia da 
 República dois Projectos de Lei (n.º 145/X e n.º 164/X, respectivamente) sobre 
 esta matéria.
 O primeiro destes Projectos foi aprovado, tendo, contudo, acolhido no seu seio 
 algumas propostas do Projecto do Bloco de Esquerda, assim surgindo o Decreto n.º 
 
 122/X, que se converteu na Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho. 
 Entre as propostas do Projecto do Bloco de Esquerda que vieram a obter 
 consagração nesta Lei, embora com diferente redacção, encontra-se o disposto no 
 referido artigo 12.º.
 Do preâmbulo do Projecto de lei n.º 164/X constam as razões visadas pelos 
 proponentes a respeito dessa matéria, nomeadamente que “o Estado também tem de 
 intervir na definição do tipo de responsabilidade que cabe às concessionárias 
 das auto-estradas. O que se passa hoje em dia é que, após demoradas acções 
 judiciais, a jurisprudência dos tribunais portugueses, salvo raras excepções, 
 tem entendido que a responsabilidade das concessionárias das auto-estradas é 
 meramente subjectiva…Ora, como de resto acontece em Espanha e em mais países, as 
 concessionárias das auto-estreadas, como estão obrigadas a assegurar a segurança 
 das vias a elas concessionadas, devem dirigir os seus esforços para garantir 
 este importante requisito aos utentes e para tanto devem ser as mesmas 
 concessionárias a acarretar com o ónus da prova em caso de ocorrência anómala 
 nas vias que estão encarregues de velar”.
 E de acordo com as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Jorge Fão (PS), durante 
 a discussão na especialidade, pretendia-se “a inversão do ónus da prova em caso 
 de acidentes que ocorrerem nas auto-estradas mesmo que não se fiquem a dever a 
 obras mas à circulação normal” (Cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, 
 de 18 de Maio de 2007, p. 37).
 As normas contidas no artigo 12.º, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, visaram 
 intervir no debate jurisprudencial e doutrinal então em curso sobre o ónus da 
 prova da culpa nos acidentes rodoviários ocorridos nas auto-estradas 
 concessionadas, provocados pelas condições da via, incluindo a existência 
 indevida nas faixas de rodagem de objectos, animais e líquidos (vide sobre esta 
 discussão, com citação de variada jurisprudência, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, em 
 
 “Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas – Estudo de 
 Direito Civil Português”, ed. da Almedina de 2004, e em “Acidente de Viação em 
 Auto-Estrada – Natureza da Eventual Responsabilidade da Concessionária”, na 
 R.O.A., Ano 65, Vol. I, Junho 2005, pág., CARNEIRO DA FRADA, em “Sobre a 
 responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas”, 
 na R.O.A., Ano 65, Vol. II, Setembro 2005, p. 407-433, SINDE MONTEIRO, em 
 
 “Acidentes na auto-estrada – natureza e regime de responsabilidade da 
 concessionária”, na R.L.J., Ano 133.º, pp. 29 e ss.; ARMANDO TRIUNFANTE, em 
 
 “Responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas”, em “Direito e 
 Justiça”, Vol. XV, Tomo 1, 2001, pp. 73 e ss., J. CARDONA FERREIRA, em 
 
 “Acidentes de viação em auto-estradas – Casos de Responsabilidade Civil 
 Contratual?”, ed. de 2004, da Coimbra Editora, 2004, e AMÉRICO MARCELINO, em 
 
 “Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil”, pág. 115 e seg., da 7.ª Edição, 
 da Petrony).
 Na alínea b), do n.º 1, do referido artigo 12.º, o legislador determinou uma 
 inversão do ónus da prova da culpa pela ocorrência de acidentes rodoviários em 
 auto-estradas concessionadas causadores de danos em pessoas ou bens, provocados 
 pelo atravessamento de animais. Se, segundo as regras gerais de distribuição do 
 
 ónus da prova, é ao lesado que cabe demonstrar o nexo de imputação do evento ao 
 demandado, a título de culpa (artigos 342.º, n.º 1, e 483.º, do C.C.), nas 
 situações excepcionais previstas naquele preceito, esse ónus é invertido, 
 competindo à concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente provar que 
 cumpriu todas as obrigações de segurança que sobre ela incidem, de modo a 
 afastar a sua culpa pela produção do acidente.
 O artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, traduz-se, pois, 
 no estabelecimento duma presunção legal de culpa retirada do facto do acidente 
 ter sido causado pela presença de um animal nas faixas de rodagem de uma 
 auto-estrada (vide sobre a distinção entre as situações de inversão do ónus da 
 prova resultantes do estabelecimento de presunções ilidiveis e de dispensa do 
 
 ónus da prova, ALBERTO DOS REIS, em “Código de Processo Civil anotado”, vol. 
 III, pág. 249, da ed. de 1950, da Coimbra Editora, VAZ SERRA, em “Provas 
 
 (direito probatório material)”, pág. 187, do B.M.J. n.º 110, e RITA LYNCE DE 
 FARIA, em “A inversão do ónus da prova no direito civil português”, pág. 39, da 
 ed. de 2001, da Lex), com a consequente atribuição da prova do contrário à 
 entidade a quem está atribuído o dever de velar pelas condições de segurança 
 daquela via.
 Num sistema assente na culpa, como refere SOUSA RIBEIRO, “a inversão do ónus da 
 sua prova não tem um significado meramente técnico-processual, mas também um 
 conteúdo de ordem material. Onde vem estabelecida, ela equivale a uma indicação 
 legal da pessoa do responsável, ainda que sem carácter peremptório e definitivo, 
 pois se lhe reconhece a faculdade de se desonerar” (in. “Ónus da prova da culpa 
 na responsabilidade civil por acidente de viação”, em “Estudos em homenagem ao 
 Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro”, II, pág. 455).
 Note-se que, contrariamente ao que diz a recorrente nas suas alegações, não 
 estamos perante a consagração de uma responsabilidade objectiva, que prescinde 
 do requisito da culpa para concluir por uma situação de responsabilidade civil, 
 mas apenas perante uma mera facilitação da prova da existência da culpa. Para 
 demonstrar a culpa da concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente 
 provocado pelo atravessamento de um animal, não é necessário ao lesado 
 demonstrar que esse atravessamento resultou do incumprimento por aquela dos 
 deveres de garantia da segurança na auto-estrada que lhe foi concessionada, 
 bastando que esta não consiga demonstrar que, no caso concreto, cumpriu esses 
 deveres.
 O estabelecimento desta presunção não procura apenas fazer recair o ónus da 
 prova sobre aquele que está em melhores condições para fornecer os elementos de 
 prova relativos às circunstâncias que permitiram o atravessamento da faixa de 
 rodagem de uma auto-estrada por um animal, mas também funciona como um 
 incentivo ao reforço por parte das concessionárias das medidas destinadas a 
 evitar que estes eventos ocorram.
 A recorrente alega que o conteúdo da norma que é objecto de fiscalização neste 
 recurso viola os princípios constitucionais da separação dos poderes e da tutela 
 da confiança, como princípios estruturantes do modelo do Estado de direito 
 democrático (artigo 2.º, da C.R.P.), o princípio da igualdade (artigo 13.º, da 
 C.R.P.) a tutela do direito à propriedade privada (artigo 62.º, da C.R.P.) e 
 ainda o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da C.R.P.).
 
  
 
 2.2. Sobre a violação do princípio da separação de poderes
 Nos termos do artigo 2.º da C.R.P., na redacção introduzida pela Lei 
 Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, a República Portuguesa é um Estado 
 de Direito democrático baseado, inter alia, na separação e interdependência de 
 poderes.
 Este princípio é contemporaneamente entendido segundo uma concepção positiva, 
 como princípio de organização óptima das funções estaduais tendente a decisões 
 funcionalmente eficazes e materialmente justas (vide GOMES CANOTILHO em “Direito 
 constitucional e teoria da Constituição”, pág. 250, da 7.ª ed., da Almedina, e 
 NUNO PIÇARRA, em “A separação de poderes como doutrina e como princípio 
 constitucional – um contributo para o estudo das suas origens e evolução”, pág. 
 
 262-264, da ed. de 1989, da Coimbra Editora).
 A Recorrente entende que a Lei 24/2007, de 18 de Julho viola o princípio da 
 separação de poderes consagrado no artigo 2.º da Constituição, acusando-a 
 enquanto acto legislativo da Assembleia da República, por um lado, de interferir 
 ilegitimamente na actividade administrativa do Estado e, por outro lado, de 
 constituir uma invasão da função reservada aos Tribunais.
 
  
 
 2.2.1. O art. 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei 24/2007, de 18 de Julho e a reserva 
 de administração 
 Relativamente à primeira acusação importa notar que a Recorrente invoca a 
 inconstitucionalidade da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, considerada na sua 
 globalidade, com isso extravasando o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade acima delimitado.
 Neste processo apenas interessa averiguar se a Assembleia da República invadiu a 
 alegada “reserva de administração” ao aprovar o texto constante da alínea b), do 
 n.º 1, do artigo 12.º, da Lei 24/2007, de 18 de Julho.
 Para esse efeito, importa, antes do mais, caracterizar a relação jurídica 
 existente entre a Recorrente e o Estado tendo por objecto a auto-estrada onde 
 ocorreu o acidente dos autos, e, num segundo momento, avaliar o verdadeiro 
 alcance da intervenção legislativa da Assembleia da República em matéria de 
 distribuição do ónus da prova da responsabilidade por acidentes de viação 
 ocorridos em auto-estradas concessionadas.
 Remonta ao final da década de sessenta do século passado o início da experiência 
 portuguesa de construção de auto-estradas em regime de concessão.
 A abertura de concurso público para a concessão de construção, conservação e 
 exploração de auto-estradas ou seus troços foi autorizada pelo Decreto Lei n.º 
 
 49.139, de 25 de Outubro de 1969.
 Na sequência de concurso público, o Governo outorgou a referida concessão à 
 C1., SARL, nos termos das bases anexas ao Decreto n.º 467/72, de 22 de Novembro.
 Este contrato de concessão vigorou até Outubro de 1985, data em que um novo 
 contrato de concessão entrou em vigor ao abrigo do Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 
 de Outubro, o qual foi, sucessivamente, objecto de várias alterações, a mais 
 importante das quais através do Decreto-Lei n.º 315/91, de 20 de Agosto.
 Este último diploma, por seu turno, acabou por ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 294/97, de 24 de Outubro, que aprovou as bases da concessão que se encontravam, 
 no essencial, vigentes à data do acidente de viação sob discussão – sendo, pois, 
 completamente irrelevantes, na economia do presente recurso, as sucessivas 
 alterações introduzidas desde então nas referidas bases da concessão, a últimas 
 das quais pelo Decreto-Lei n.º 247-C/2008, de 30 de Dezembro.
 Para o efeito que ora releva, dispõe o n.º 1 da Base I anexa ao Decreto-Lei n.º 
 
 294/97, de 24 de Outubro, que a concessão tem por objecto a construção, 
 conservação e exploração em regime de portagem de determinadas auto-estradas.
 O financiamento necessário à realização do objecto da concessão será assegurado 
 
 – esclarece o n.º 1 da Base X – pela concessionária e pelo Estado, tendo aquela 
 o direito de receber dos utentes das auto-estradas as importâncias das 
 portagens nas mesmas cobradas e os rendimentos de exploração das áreas de 
 serviço.  
 O estabelecimento da concessão é integrado – nos termos do n.º 1 da Base IV – 
 pelas auto-estradas e por todas as obras, máquinas e aparelhagem e respectivos 
 acessórios utilizados para a exploração e conservação das auto-estradas.
 O n.º 2 da Base IV acrescenta que todos os bens que integram o estabelecimento 
 da concessão revertem, no termo desta, para o Estado.
 A recorrente C. foi essencialmente encarregue pelo Estado de executar e explorar 
 uma obra pública, mediante retribuição a obter directamente dos utentes, através 
 do pagamento por estes de taxas de utilização.
 Está-se, assim, na presença de um contrato administrativo, mais concretamente, 
 na presença de um contrato de concessão de obras públicas que leva 
 acessoriamente acoplada uma concessão de exploração do domínio público (Vide 
 sobre este tipo contratual, PEDRO GONÇALVES, em “A Concessão de Serviços 
 Públicos”, pág. 90-95, da ed. de 1999, da Almedina, e DIOGO FREITAS DO 
 AMARAL/LINO TORGAL, em “Estudos sobre concessões e outros actos da Administração 
 
 (Pareceres)”, pág. 577-588, da ed. de 2000, da Almedina).
 Na verdade, nem sempre é possível à Administração Pública prosseguir os fins de 
 interesse público que a lei põe a seu cargo por via de autoridade e pela tomada 
 de decisões unilaterais. Muitas vezes, a própria lei prevê que a Administração 
 lance mão da figura do contrato sujeito a um regime jurídico especial, diferente 
 daquele que existe no Direito Civil, já que aquela continua a dispor de 
 prerrogativas ou privilégios de que as partes nos contratos civis não dispõem, 
 designadamente o poder de modificação unilateral do conteúdo das prestações ou o 
 poder de rescisão unilateral do contrato.
 Este regime especial dos contratos administrativos constitui uma das 
 manifestações do poder administrativo ou, por outras palavras, da supremacia 
 jurídica da Administração, sem que o interesse do contratante particular na 
 estabilidade do contrato se mostre protegido pelo estabelecimento de limites e 
 condições ao exercício dos poderes públicos de destabilização da relação 
 contratual.
 Se, em princípio, a concessão administrativa é efectuada pela Administração 
 mediante uma forma de actuação típica da função administrativa, o facto de, no 
 caso concreto, a circunstância da concessão ter sido efectuada por acto jurídico 
 com forma de lei não coloca em crise a existência de uma concessão 
 administrativa (Vide PEDRO GONÇALVES, ob. cit, p. 69).
 
 É conhecida a discussão sobre o âmbito de uma reserva de exercício da função 
 administrativa pública oponível perante o poder legislativo, nomeadamente em 
 matéria de intervenção legislativa com efeitos extintivos ou modificativos de 
 uma concreta relação contratual pública (vide, além do parecer junto aos autos, 
 PAULO OTERO, em “Legalidade e Administração Pública”, pág. 949-950, da ed. de 
 
 2003, da Almedina, GOMES CANOTILHO, na R.L.J., Ano 129.º, pág. 82, REIS NOVAIS, 
 em “Separação de poderes e limites da competência legislativa da Assembleia da 
 República, pág. 59 e seg., da ed. de 1997, e o Acórdão n.º 1/97, deste Tribunal, 
 em ATC, 36.º vol., pág. 7).
 Contudo, no caso concreto, independentemente da posição que se tome nesta 
 questão, não é possível detectar uma invasão ilegítima dos poderes do Governo 
 pela Assembleia da República. Neste domínio, a aprovação do regime legal 
 consagrado no artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho não 
 pode, em qualquer perspectiva, ser vista como uma revogação ou modificação 
 legislativa de cláusulas ou efeitos de qualquer contrato de concessão celebrado 
 pelo Governo.
 Na verdade, o contrato de concessão outorgado pela Recorrente ao abrigo do 
 disposto no Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, dispõe muito pouco, ou 
 mesmo nada, sobre a responsabilidade da concessionária para com terceiros.
 A esse respeito, a Base XLIX/1, anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de 
 Outubro, limita-se a remeter, como é habitual neste tipo de concessões, para o 
 regime geral de responsabilidade civil quando preceitua que “serão da inteira 
 responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da 
 lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente 
 da concessão”.
 Esta remissão para os termos da lei limita-se a constatar que compete ao 
 legislador a definição dos termos em que deve ocorrer a responsabilidade pelos 
 danos sofridos por terceiros em consequência da actividade concessionada, 
 nomeadamente os acidentes rodoviários ocorridos nas auto-estradas cuja 
 exploração se encontra concessionada resultantes do atravessamento de animais.
 Foi exactamente no campo dessa definição que a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, 
 interveio, pelo que não alterou nenhum contrato de concessão em particular, 
 muito menos o contrato de concessão respeitante à auto-estrada onde ocorreu o 
 acidente dos autos, sendo antes aquela lei aplicável a todos os acidentes de 
 viação ocorridos em auto-estradas concessionadas às várias empresas 
 concessionárias a operar em Portugal.  
 Compreende-se que assim seja na medida em que os acidentes de viação ocorridos 
 nas auto-estradas concessionadas envolvem os seus utentes, os quais, obviamente, 
 são terceiros relativamente ao contrato de concessão e não podem ficar 
 subordinados ou limitados pelo acordo alcançado no passado entre o concedente e 
 o concessionário, no que respeita à definição dos pressupostos dos seus direitos 
 de indemnização, relativamente a danos morais e patrimoniais emergentes desses 
 acidentes.
 O utente é a razão de ser do contrato de concessão mas não intervém na 
 atribuição da concessão.
 Não se vislumbra, pois, como possa esta matéria integrar qualquer reserva de 
 administração, mesmo segundo as teses doutrinárias mais generosas à limitação do 
 legislador pela autonomia administrativa contratual, uma vez que é o próprio 
 contrato de concessão que remete para o legislador a sua regulamentação.
 Por estes motivos não tem suporte a posição da Recorrente segundo a qual a 
 Assembleia da República não tem competência para legislar sobre o regime de 
 responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação ocorridos nas 
 auto-estradas concessionadas, ou que deixou de ter essa competência a partir do 
 momento em que foi outorgado um qualquer contrato administrativo pelo Governo, 
 tendo por objecto a concessão de construção e exploração de auto-estradas, por 
 violação da alegada reserva de administração.
 
  
 
  
 
 2.2.2. O artigo 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho e a 
 reserva de jurisdição
 A recorrente defende também que esta intervenção legislativa redunda numa 
 ilegítima interferência na esfera do poder judicial, a quem cabe resolver as 
 questões entre particulares.
 O princípio da separação de poderes determina a existência duma reserva de 
 competência da função jurisdicional em proveito dos tribunais, incumbindo apenas 
 a estes a administração da justiça, onde se inclui a tarefa de dirimir os 
 conflitos de interesses particulares (artigo 202.º, n.º 1 e 2, da C.R.P.).
 Contudo a função jurisdicional respeita à resolução de conflitos concretos e não 
 
 à definição de regras gerais e abstractas sobre determinada matéria do direito 
 privado, mesmo que essas regras se limitem a resolver discussões 
 jurisprudenciais sobre o verdadeiro sentido de normas já existentes.
 O artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, limita-se, a 
 estabelecer uma regra geral e abstracta de ónus da prova relativo aos 
 pressupostos da responsabilidade civil pelos danos causados por acidentes de 
 viação ocorridos nas auto-estradas concessionadas provocados pelo atravessamento 
 de animais na via e não a solucionar qualquer caso concreto ocorrido nestas 
 circunstâncias, pelo que não se verifica qualquer invasão das tarefas estaduais 
 reservadas aos tribunais.
 
  
 
 2.3. A tutela da confiança
 A Recorrente defende também que a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, viola o 
 princípio da tutela da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito 
 Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição.
 Mais uma vez convém relembrar que, atenta a delimitação do objecto do recurso de 
 constitucionalidade, a análise aqui feita apenas incide sobre a norma constante 
 do  artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.
 Ora, além dos contratos administrativos de concessão serem geneticamente 
 susceptíveis de sofrer alterações ditadas pela prossecução do interesse público, 
 as quais, à partida, por si só, não envolvem a violação de qualquer princípio ou 
 regra constitucional, conforme já se deixou escrito antes, a norma aqui em 
 apreciação não alterou nenhum contrato de concessão em particular, tendo apenas 
 introduzido uma nova regra relativa à responsabilidade pelos danos sofridos por 
 terceiros em acidentes rodoviários ocorridos nas auto-estradas cuja exploração 
 se encontra concessionada, resultantes do atravessamento de animais.
 Dispondo o Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, ao abrigo do qual foi 
 outorgado aquele contrato, que esta matéria seria regida nos termos da lei, num 
 juízo objectivo, não é possível configurar uma situação de confiança na 
 estabilidade do direito vigente no momento da celebração do contrato.
 A tutela da confiança não pode conduzir à impossibilidade de qualquer alteração 
 das leis em vigor, isto é, a segurança jurídica não pode caracterizar-se 
 simplesmente pela imutabilidade e cristalização do direito legislado.
 O Direito cumpre “uma função dinamizadora e modeladora, capaz de ajustar a ordem 
 estabelecida à evolução social e de promover mesmo esta evolução num determinado 
 sentido” (BAPTISTA MACHADO, em “Introdução ao Direito e ao Discurso 
 Legitimador”, pág. 223, da ed. de 1989, da Almedina).
 Efectivamente, o legislador do Estado de Direito democrático está vinculado à 
 prossecução do interesse público ditado pela Constituição e, consequentemente, 
 tem de dispor de uma ampla margem de conformação da ordem jurídica ordinária 
 para prosseguir fins constitucionalmente legítimos em cumprimento do mandato 
 democrático recebido dos eleitores.
 Por isso, nada o impedia de no decurso da vigência dos contratos de concessão 
 em causa criar uma regra como a que consta do artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei n.º 
 
 24/2007, de 18 de Julho, não resultando daí sequer beliscada a protecção da 
 tutela da confiança.
 
 É certo que poderia a violação deste princípio ser analisada pelo ângulo da 
 aplicação da lei no tempo, uma vez que o disposto no art. 12.º, n.º 1, alínea 
 b), da Lei 24/2007, de 18 de Julho, foi aplicado neste processo a factos 
 ocorridos antes da respectiva entrada em vigor. Contudo, isso não é possível 
 fazer no âmbito deste recurso, uma vez que a Recorrente, no respectivo 
 requerimento de interposição, não questionou a constitucionalidade da 
 interpretação normativa feita nesse sentido pela decisão recorrida, pelo que a 
 mesma não integra o objecto do recurso.
 
  
 
 2.4. Do princípio da igualdade
 Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da C.R.P., todos os cidadãos têm a mesma 
 dignidade social e são iguais perante a lei.
 A igualdade é um valor relativo e só no plano da relatividade tem sentido, sendo 
 comummente entendido que o princípio da igualdade impõe o tratamento igual do 
 igual e diferente do diferente, exigindo, para a medida da diferença, uma razão 
 justificativa.
 Não obstante a Constituição falar em igualdade dos cidadãos, é óbvio que este 
 princípio também se projecta sobre as pessoas colectivas (Vide JORGE MIRANDA/RUI 
 MEDEIROS, em “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pág. 121, da ed. de 
 
 2005, da Coimbra Editora).
 A recorrente alega que este princípio se mostra violado pela norma sob 
 fiscalização, por um lado porque cria uma regra específica que se aplica apenas 
 num determinado tipo de estradas, desrespeitando assim a denominada “igualdade 
 rodoviária” (no mesmo sentido opina MENEZES CORDEIRO em “A lei dos direitos dos 
 utentes das auto-estradas e a Constituição (Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho)”, 
 na R.O.A., Ano 67, vol. II, pág. 571), e, por outro lado, porque consagra um 
 regime discriminatório das concessionárias das auto-estradas em relação às 
 demais empresas concessionárias doutras infra-estruturas públicas, como sejam os 
 aeroportos.
 
  
 
 2.4.1. Da violação da “igualdade rodoviária”
 A expressão “igualdade rodoviária” foi introduzida na discussão jurídica em 
 torno dos acidentes em auto-estradas por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, 
 pretendendo-se com a mesma chamar a atenção para a essencialidade da existência 
 de uma regulação unitária das situações do tráfego rodoviário (Em “Igualdade 
 Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas – Estudo de Direito Civil 
 Português”, pág. 37-39, da ed. de 2004, da Almedina). Todavia, esta posição 
 doutrinária pretendia, no essencial, colocar em crise as soluções contratuais 
 adoptadas em matéria de responsabilidade por acidentes ocorridos em 
 auto-estradas, em especial, a sua aplicação nas situações em não seja devido o 
 pagamento de portagens pelos utentes das auto-estradas.
 Em primeiro lugar cumpre mencionar que a norma aplicada pelo tribunal recorrido 
 não faz qualquer distinção entre as diversas concessionárias de auto-estradas 
 existentes nem entre concessões de auto-estradas com portagem e sem portagem.
 Acresce que  a especificidade das auto-estradas justifica um tratamento jurídico 
 diferenciado, relativamente aos demais tipos de estradas.
 Na verdade, nos termos do artigo 1.º, alínea a), do Código da Estrada de 1994 
 
 (CE), na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, a auto-estrada 
 
 é uma via pública destinada a trânsito rápido, com separação física de faixas de 
 rodagem, sem cruzamentos de nível nem acesso a propriedades marginais, com 
 acessos condicionados e sinalizada como tal.
 A circulação nas auto-estradas apresenta muitas restrições de ordem legal que 
 importa assinalar, nomeadamente: 
 
 - é proibido o trânsito de peões, animais, veículos de tracção animal, 
 velocípedes, ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3 
 
 (artigo 72.º, n.º 1, do CE);
 
 - em matéria de limites gerais de velocidade, os condutores em geral não podem 
 transitar a velocidade instantânea inferior a 50 km/h (artigo 27.º, n.º 6, do 
 CE); 
 
 - por seu turno, os motociclos de cilindrada superior a 50 cm3 e os automóveis 
 ligeiros de passageiros e mistos sem reboque podem circular a uma velocidade 
 instantânea máxima de 120 Km/hora (artigo 27.º, n.º 1, do CE);
 
 - é proibido parar ou estacionar, ainda que fora das faixas de rodagem (artigo 
 
 72.º, n.º 2, al. b), CE);
 
 - é proibida a inversão do sentido de marcha (artigo 72.º, n.º 2, al. c), do 
 CE);
 
 - é proibida a realização da manobra de marcha atrás (artigo 72.º, n.º 2, al. 
 d), do CE);
 
 - é proibido transpor os separadores de trânsito ou as aberturas neles 
 existentes (artigo 72.º, n.º 2, al. e), do CE);
 
 - a entrada e saída das auto-estradas faz-se unicamente pelos acessos a tal fim 
 destinados (artigo 73.º, n.º 1, do CE).
 Todas estas restrições visam garantir condições acrescidas de segurança, 
 permitindo-se, perante essas condições, a circulação do trânsito a uma maior 
 velocidade do que nas restantes estradas. Daí que também, neste tipo de via, as 
 exigências quanto ao cumprimento pela concessionária da sua exploração dos 
 deveres de prevenção e segurança e à rapidez na correcção de anomalias devem 
 ser especialmente elevadas e justificam um tratamento jurídico diferenciado 
 
 (Vide, neste sentido, SINDE MONTEIRO, em “Acidente na auto-estrada provocado 
 pelo atravessamento de um animal”, na R.L.J., Ano 131.º, pp. 49-50).
 Por isso, a consagração de uma presunção legal de culpa da concessionária, 
 relativamente aos acidentes causados pela presença de um animal nas faixas de 
 rodagem de uma auto-estrada, fundamentada no melhor conhecimento que esta tem 
 das circunstâncias que estarão na origem desse evento, e no incentivo ao reforço 
 das medidas destinadas a evitar a sua repetição, não se traduz, relativamente 
 aos acidentes idênticos ocorridos noutro tipo de estrada, num tratamento 
 diferenciado de situações iguais, mas sim na aplicação duma regra específica a 
 uma situação diferente, estando a diferença de regime justificada pela 
 especificidade da situação.
 
  
 
 2.4.2. Do tratamento discriminatório das concessionárias das auto-estradas
 Alega também a recorrente que o princípio da igualdade é violado pela norma 
 sindicada enquanto estabelece um regime discriminatório das concessionárias das 
 auto-estradas, relativamente a outras concessionárias de infra-estruturas, como 
 sejam os aeroportos, onde também podem ocorrer acidentes provocados pela 
 presença de animais nas pistas.
 Conforme resulta da leitura do texto do Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de 
 Dezembro, e do Regulamento (CE) n.º 2320/2002, a concessionária do serviço 
 público aeroportuário está sujeita a um regime jurídico bem mais complexo e 
 exigente do que as concessionárias das auto-estradas, o que se compreende atenta 
 a necessidade de garantir um nível de segurança muitíssimo elevado na navegação 
 aérea. 
 Efectivamente, a segurança da aviação civil conhece exigências de segurança sem 
 paralelo noutra actividade de transporte de passageiros e carga.
 A F., S.A. (…A) que passou a ter por objecto principal a exploração, em regime 
 de concessão, do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em 
 Portugal (artigo 3.º dos Estatutos da F. que constitui o anexo II, do 
 Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de Dezembro) deve especialmente: 
 
 - executar, sob sua responsabilidade e em regime de exclusivo, o referido 
 serviço nas melhores condições de qualidade, continuidade e regularidade e 
 eficiência e economia do serviço, devendo manter actualizadas as regras de 
 gestão aeroportuária a adoptar, de acordo com a evolução tecnológica e normas 
 de produtividade seguidas na exploração de aeroportos com movimento de tráfego 
 semelhante àqueles compreendidos na concessão (artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de Dezembro);
 
 - organizar os serviços, disciplinar a sua actuação, aplicar as regras de 
 segurança geralmente seguidas na exploração aeroportuária, conservar as 
 infra-estruturas e equipamentos afectos ao serviço público concessionado, 
 promovendo a respectiva actualização e renovação oportunas (art. 13.º, n.º 1, 
 alínea b), do Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de Dezembro);
 
 - cumprir e fazer observar as normas, recomendações e orientações aplicáveis à 
 actividade aeroportuária, designadamente as de natureza legal e regulamentar 
 decorrentes de convenções e acordos internacionais de que o Estado Português 
 seja subscritor e bem assim aquelas que sejam emanadas do Instituto Nacional de 
 Aviação Civil e das organizações internacionais de que Portugal seja membro 
 
 (artigo 13.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 404/98.  
 Assim, e no que respeita ao tipo de acidente aqui em análise:
 
 - na zona de movimento dos aeroportos e seus terrenos e edifícios adjacentes 
 
 (lado ar), o controlo dos acessos deve ser assegurado em permanência para 
 impedir nomeadamente a entrada nessas zonas a pessoas e veículos não autorizados 
 
 (n.º 2.2.1. do Anexo ao Regulamento (CE) n.º 2320/2002 do Parlamento Europeu e 
 do Conselho de 16 de Dezembro de 2002).  
 
 - todo o pessoal, incluindo os tripulantes das aeronaves e os objectos 
 transportados, é rastreado antes de lhe ser permitido o acesso às zonas 
 restritas de segurança (n.º 2.3. do Anexo ao Regulamento (CE) n.º 2320/2002).
 
 - as placas e outras áreas de estacionamento devem ser adequadamente iluminadas 
 e a iluminação existente deverá iluminar, em particular, zonas vulneráveis do 
 aeroporto (alínea a) do n.º 2.4. do Anexo ao Regulamento (CE) n.º 2320/2002).
 
 - as vedações e zonas limítrofes das zonas restritas de segurança serão vigiadas 
 por meio de patrulhas, de circuitos fechados de televisão e de outras medidas 
 de vigilância (alínea c) do n.º 2.4. do Anexo ao Regulamento (CE) n.º 
 
 2320/2002).
 Da simples leitura destas obrigações legais, resulta manifesto que a 
 concessionária do serviço público aeroportuário está sujeita a um regime 
 jurídico bem mais complexo e exigente do que as concessionárias das 
 auto-estradas, o que se compreende atenta a necessidade de garantir um nível de 
 segurança muitíssimo elevado na navegação aérea. 
 Não obstante todas estas obrigações apertadas de segurança, os utilizadores das 
 infra-estruturas geridas pela F., designadamente as companhias aéreas, podem 
 sofrer danos, em resultado de um acidente de aviação causado pelo 
 atravessamento de um animal de grande porte na pista de descolagem do 
 aeroporto.
 A mera actividade de investigação técnica dos acidentes e incidentes 
 aeroportuários é objecto de legislação especial destinada a reforçar o nível de 
 segurança na navegação área (Cfr. Decreto-Lei n.º 318/99, de 11 de Agosto, e 
 Decreto-Lei n.º 218/2005, de 14 de Dezembro).
 
  Em matéria de incidentes, a simples presença incorrecta de um veículo ou pessoa 
 nas áreas protegidas de uma superfície designada para aterragens e descolagens 
 constitui ocorrência para efeito de notificação obrigatória ao Gabinete de 
 Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (Cfr. alínea o), do Anexo I 
 ao Decreto-Lei n.º 218/2005, de 14 de Dezembro).
 Igual notificação tem lugar, por maioria de razão, no caso de chegar a ocorrer 
 uma obstrução da área de movimento de um aeródromo por parte de veículos, 
 animais ou objectos estranhos de que resulte uma situação perigosa ou 
 potencialmente perigosa, (Cfr. n.º 1, da Parte D, e alínea j), do apêndice n.º 
 
 2, do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 218/2005, de 14 de Dezembro).
 Logicamente, a colisão no solo entre uma aeronave e veículo, pessoa, animal ou 
 obstáculo, também não pode deixar de ser reportada com carácter de 
 obrigatoriedade (Cfr. alínea v), do n.º 1, do Anexo II ao Decreto-Lei n.º 
 
 218/2005, de 14 de Dezembro).
 Note-se, contudo, que esta participação visa a prevenção de acidentes e 
 incidentes, podendo conduzir à imposição de medidas destinadas a evitar a sua 
 repetição no futuro, mas não podendo ser utilizada para apuramento de qualquer 
 tipo de responsabilidade (n.º 3, do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 218/2005, de 
 
 14 de Dezembro), pelo que não facilita a prova das causas dos acidentes em 
 acções judiciais.
 Avança a recorrente que as concessionárias destas infra-estruturas não se 
 encontram oneradas com a aplicação de uma presunção de culpa idêntica à prevista 
 no artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, o que 
 consubstanciaria um tratamento desigual arbitrário em detrimento das 
 concessionárias das auto-estradas.
 Apesar de existirem diferenças assinaláveis entre estas duas situações, como 
 seja o tipo de utentes das diferentes infra-estruturas, a frequência de 
 ocorrência deste género de acidentes, a extensão das zonas a vigiar, e os meios 
 de controle de cumprimento das regras de segurança, concede-se que essas 
 diferenças acabam por se compensar, relativamente aos fundamentos que justificam 
 o estabelecimento daquela presunção, e que existe uma igualdade relativa entre 
 as duas situações, passando o critério de qualificação da igualdade 
 essencialmente pela exigência de um elevado nível de segurança na circulação a 
 assegurar simultaneamente pelas concessionárias das auto-estradas e pela 
 concessionária do serviço público aeroportuário, e pelo domínio por estas da 
 aplicação das respectivas medidas de segurança. 
 Todavia, não se pode acompanhar a recorrente quando afirma que as duas situações 
 são objecto de tratamento jurídico diferenciado em caso de acidente causado 
 pelo atravessamento de um animal.
 Na verdade, o funcionamento duma presunção de culpa que recaia sobre a 
 concessionária das infra-estruturas aero-portuárias, idêntica à estabelecida na 
 alínea b), do n.º 1, do artigo 12.º, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, pode 
 ser encontrada, por actividade interpretativa, quer no artigo 799.º, n.º 1, do 
 C.C., quer no artigo 493.º, n.º 1, do C.C., conforme se entenda que a respectiva 
 responsabilidade tem origem contratual ou extra-contratual.
 Era essa a solução que largos sectores da doutrina e da jurisprudência já 
 seguiam, relativamente aos acidentes ocorridos nas auto-estradas, provocados 
 pelos atravessamento de animais, anteriormente à vigência da Lei n.º 24/2007, de 
 
 18 de Julho, permitindo o sistema legal vigente igual solução para a 
 determinação da culpa na ocorrência de acidentes idênticos nas pistas dos 
 aeroportos.
 Assim sendo, verifica-se que o sistema jurídico vigente permite que a 
 concessionária do serviço público aeroportuário esteja sujeita às mesmas 
 soluções normativas de presunção de culpa aplicáveis às concessionárias das 
 auto-estradas, justificando-se o estabelecimento específico dessa presunção para 
 as concessionárias das auto-estradas, pela divergência de opiniões que se vinha 
 registando nesse tema na jurisprudência e na doutrina, ao contrário do que 
 sucede relativamente a acidentes do mesmo género ocorridos nas pistas dos 
 aeroportos.
 Concluindo, a norma sob análise por não consagrar uma solução jurídica diferente 
 daquela que o sistema normativo vigente permite para o apuramento da culpa nos 
 acidentes ocorridos nas pistas dos aeroportos provocados pelo atravessamento de 
 animais não viola o princípio da igualdade.
 
  
 
 2.5. Inconstitucionalidade por violação do direito de propriedade
 A Recorrente entende também que a interpretação normativa da alínea b), do n.º 
 
 1, do art. 12.º, da Lei 24/2007, de 18 de Julho, viola o disposto no artigo 
 
 62.º, n.º 1, da C.R.P., porque ao consagrar nas situações aí previstas uma 
 responsabilidade objectiva das concessionárias de auto-estradas, sem quaisquer 
 compensações, permite uma ablação ilegítima de direitos patrimoniais 
 pré-existentes (no mesmo sentido se pronunciou MENEZES CORDEIRO em “A lei dos 
 direitos dos utentes das auto-estradas e a Constituição (Lei n.º 24/2007, de 18 
 de Julho)”, na R.O.A., Ano 67, vol. II, pág. 571).
 Não se questiona, nesta sede, que os direitos de conteúdo patrimonial emergentes 
 do contrato administrativo de concessão possam estar em geral garantidos pela 
 Constituição contra qualquer privação arbitrária ou sem a atribuição de qualquer 
 compensação.   
 Contudo, neste caso, não só a norma sindicada não estabelece qualquer 
 responsabilidade objectiva das concessionárias de auto-estradas, conforme acima 
 se apontou, consagrando uma simples presunção de culpa que pode ser ilidida pela 
 actividade probatória daquelas, como também a Recorrente não identifica 
 minimamente quais sejam os direitos concretamente afectados por essa regra de 
 distribuição do ónus de prova, o que dificulta qualquer tratamento da questão de 
 constitucionalidade assim suscitada.
 Se a Recorrente se pretende referir ao aumento de despesas com o pagamento de 
 indemnizações que lhe poderá acarretar o funcionamento daquela regra probatória, 
 relembre-se que, além desta regra não ter introduzido qualquer alteração no 
 equilíbrio prestacional dos contratos de concessão de auto-estradas, ela  
 limita-se a definir a quem cabe produzir a prova sobre a culpa de um evento 
 lesivo, não atribuindo a responsabilidade pela sua verificação.
 Em qualquer caso, não é possível encarar a norma sob fiscalização como a 
 consagração duma ablação de um direito patrimonial das concessionárias das 
 auto-estradas, pelo que a invocação da violação da protecção ao direito de 
 propriedade, garantida pela Constituição, não faz sentido.
 
  
 
 2.6. Inconstitucionalidade por violação do direito a um processo equitativo
 Das alegações apresentadas pela Recorrente resulta que esta também entende que a 
 norma em fiscalização viola o direito a um processo equitativo, imposto no n.º 
 
 4, do artigo 20.º, da C.R.P. (no mesmo sentido se pronunciou MENEZES CORDEIRO em 
 
 “A lei dos direitos dos utentes das auto-estradas e a Constituição (Lei n.º 
 
 24/2007, de 18 de Julho)”, na R.O.A., Ano 67, vol. II, pág. 571).
 O legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do 
 processo, mas não está autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.º 2 e 
 
 3, da C.R.P., a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente 
 ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela 
 jurisdicional efectiva.
 Ora, a ideia de processo equitativo atinge seguramente as regras sobre a 
 distribuição do ónus da prova, independentemente da sua natureza substantiva.
 Conforme já se avançou supra, o ónus da prova objectivo surge como uma ultima 
 ratio de decisão, quando se tenha esgotado qualquer possibilidade de solução com 
 base na matéria de facto provada, quer pelas partes, quer pela iniciativa 
 instrutória do juiz (Vide, sobre esta temática, PEDRO MÚRIAS, em “Por uma 
 distribuição fundamentada do ónus da prova”, pág. 33, da ed. de 2000, da Lex).   
 
 
 Reflectindo esta realidade, todo o sistema de ónus da prova não pode deixar de 
 assentar estruturalmente no critério da facilidade probatória, o qual emerge e 
 ganha visibilidade em todas as situações de presunção legal (Vide PIEDAD GRANDA, 
 em “Los critérios de disponibilidad y facilidad probatória en el sistema del 
 artículo 217 de la LEC”, e PEDRO MOVELLÁN, em “Las presunciones en la ley de 
 enjuiciamiento civil”, ambos em in Carga de la prueba e responsabilidad civil, 
 respectivamente, pág. 64 e 105, da ed. de 2007, de Tirant Lo Blanch).
 Em matéria de responsabilidade civil aquiliana, em regra, cabe ao lesado provar 
 a culpa do agente (art. 487.º, n.º 1, do C.C.). 
 Diversamente, no domínio da responsabilidade contratual, é ao devedor que 
 compete provar que o incumprimento ou cumprimento defeituoso da sua prestação, 
 não procede de culpa sua (artigo 799.º, n.º 1, do C.C.). Entre as razões que 
 fundamentam esta solução avulta a circunstância do devedor, por via de regra, 
 estar em melhores condições de fazer prova do seu comportamento em face do 
 credor, bem como dos motivos que o levaram a não efectuar a prestação a que 
 estava vinculado.
 Pela mesma razão, o legislador não pode numa acção destinada à efectivação da 
 responsabilidade civil aquiliana, ser indiferente à existência de factos que 
 pela sua especial natureza oferecem uma grande dificuldade de prova por parte de 
 quem sofreu o dano, e que, pelo contrário, são susceptíveis de prova pelo 
 lesante. 
 As presunções legais surgem muitas vezes para responder a essas situações em 
 que a prova directa pode resultar particularmente gravosa ou difícil para uma 
 das partes, causando, ao mesmo tempo, o mínimo prejuízo possível à outra parte, 
 dentro dos limites do justo e do adequado.
 A tutela da parte “prejudicada” pela presunção obtém-se pela exigência 
 fundamentada e não arbitrária de um nexo lógico entre o facto indiciário e o 
 facto presumido, o qual deve assentar em regras de experiência e num juízo de 
 probabilidade qualificada.
 No caso concreto, a presunção legal pretende resolver problemas de prova da 
 culpa em matéria de responsabilidade civil.
 Nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 12.º, da Lei 24/2007, de 18 de 
 Julho, um acidente rodoviário causado pelo atravessamento de um animal na faixa 
 de rodagem da auto-estrada faz presumir a culpa da concessionária, podendo esta 
 ilidir essa culpa se demonstrar que cumpriu todas as obrigações de segurança que 
 sobre ela incidem, de modo a afastar a sua culpa pela ocorrência do acidente.
 Não oferece qualquer controvérsia o entendimento de que a presença de um animal 
 na faixa de rodagem de uma auto-estrada constitui uma verdadeira “armadilha” 
 para os automobilistas e que esse facto anómalo é manifestamente incompatível 
 com a circulação automóvel à velocidade de 120 km/h. 
 Para a determinação da responsabilidade pelos danos resultantes do acidente 
 causado pela presença do animal naquele local, resta apurar quais foram as 
 circunstâncias que permitiram essa presença.
 Ora, são notórias as dificuldades do utente lesado demonstrar tais 
 circunstâncias e que permitem elaborar um juízo de culpa, uma vez que aquele é 
 invariavelmente alheio ao aparecimento do animal na auto-estrada, não goza 
 aprioristicamente de qualquer possibilidade de controlo sobre a fonte do perigo 
 e revela a posteriori uma incapacidade quase absoluta de recolha de elementos de 
 prova sobre a causa da presença do animal naquele local.
 Perante a insuperabilidade destas dificuldades está plenamente fundamentado o 
 estabelecimento de uma presunção de culpa determinante duma inversão do ónus da 
 prova.
 E também é compreensível que o legislador tenha feito recair essa presunção de 
 culpa sobre as concessionárias das auto-estradas onde o acidente ocorreu.
 A esta solução não foi indiferente a circunstância destas entidades estarem 
 legal e contratualmente obrigadas, salvo caso de força maior devidamente 
 verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e 
 comodidade, a circulação nas auto-estradas tenham sido por si construídas, quer 
 lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao 
 regime de portagem (Base XXXVI/2, anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de 
 Outubro). 
 Acresce ainda que as referidas entidades também estão legal e contratualmente 
 obrigadas a vedar as auto-estradas em toda a sua extensão (Base XXII/5/a), anexa 
 ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro) bem como a estudar e implementar os 
 mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a detecção de 
 acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente (Base 
 XXXVI/3, anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro).
 Sendo sobre as concessionárias das auto-estradas que recai o dever de evitar a 
 presença de animais naquelas vias de circulação rápida, é lógico que seja sobre 
 elas que também recaia a presunção de culpa, quando esse evento não foi evitado, 
 além de que são elas que se encontram objectivamente em melhores condições para 
 investigar, explicar e provar a concreta proveniência do animal que se 
 atravessou na auto-estrada e causou o acidente.
 Não constitui, pois, qualquer violação do direito ao processo equitativo 
 consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da C.R.P., fazer impender o ónus da prova da 
 ausência de culpa sobre quem tem objectivamente a possibilidade e o dever, bem 
 como os conhecimentos e os meios técnicos e humanos, para controlar a fonte de 
 perigo do evento danoso e saber as circunstâncias que o permitiram.
 
  
 
 2.7. Conclusão
 Não se revelando que a norma contida na alínea b), do n.º 1, do artigo 12.º, do 
 Decreto-Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, viole qualquer parâmetro 
 constitucional, deve o recurso interposto ser julgado improcedente.
 
  
 
                                                     *
 
  
 Decisão
 Nestes termos, decide-se não julgar inconstitucional alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, negando-se provimento 
 ao recurso interposto por C., SA..
 
  
 
                                                     *
 Custas do recurso pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades 
 de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 
 n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
 
  
 Lisboa, 18 de Novembro de 2009
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos