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Processo n.º 783/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
             
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A., recorrido nos autos, vem reclamar para a conferência, sob a 
 alegação do disposto no n.º 3 do “Art. 87-A da LTC”, querendo, todavia, dizer-se 
 
 “Art. 78.º-A da LTC”, da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal 
 Constitucional, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 
 
 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, na medida em que limita a 
 possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua 
 paternidade” e “conceder provimento aos recursos, determinando-se a reforma da 
 decisão recorrida na parte especificamente referida à questão de 
 constitucionalidade”.
 
  
 
             2 – No requerimento da sua reclamação, o reclamante limita-se a 
 invocar que “não se conforma com o teor” da decisão sumária, nada dizendo sobre 
 os fundamentos dessa discordância.
 
             
 
             3 – Tanto o recorrente Ministério Público, este através do 
 Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional, como os recorrentes B. e C. 
 responderam, defendendo o indeferimento da reclamação, desde logo pela sua 
 completa falta de fundamentos.
 
  
 
             4 – A decisão sumária reclamada tem a seguinte redacção:
 
  
 
             “1 – O Representante do Ministério Público, junto do Supremo 
 Tribunal de Justiça, e B. e outro recorrem para o Tribunal Constitucional ao 
 abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na sua actual redacção (LTC), pretendendo ver sindicada a 
 constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código 
 Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, cuja aplicação foi 
 recusada com fundamento em inconstitucionalidade “na medida em que é 
 limitador[a] da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido 
 progenitor, da sua paternidade”.
 
  
 
             2 – A decisão recorrida tem o seguinte teor:
 
 «[…]
 
 3. O Direito.
 O Acórdão do TC nº 23/06, de 10.01, declarou inconstitucional, com força 
 obrigatória geral, a norma do nº 1 do art. 1817º do C. Civil, que prevê a 
 extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 
 anos de idade do filho, conforme o art. 26º, nº 1, da Constituição, reconhecendo 
 que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do 
 
 “direito fundamental à identidade pessoal”.
 Tratando-se de estabelecer a paternidade, invoca-se o direito à identidade, na 
 vertente de se saber de onde se vem, ou de quem se vem, dos arts. 25º, nº 1 e 
 
 26º, nº 1 da Constituição, que não seria devidamente acautelado se a acção que o 
 concretiza estivesse sujeita ao dito prazo de caducidade.
 No recurso que cumpre apreciar, a questão que se coloca é a de saber se esta 
 doutrina é aplicável às acções de impugnação da paternidade, que, no art. 1842º, 
 nº 1, als. a), b) e c), do C. Civil, estão sujeitas a diversos prazos de 
 caducidade, consoante sejam propostas, respectivamente, pelo marido, pela mãe, 
 ou pelo filho. 
 Ou, dito por outras palavras, a questão nuclear a decidir circunscreve-se a 
 indagar se caduca ou não o direito de acção por parte do progenitor, constante 
 do registo de nascimento, pelo decurso do prazo previsto no art. 1842º, nº1, al. 
 a), do C.Civil, quando se encontre cientificamente comprovado que o demandado 
 não é seu descendente.
 No Acórdão recorrido concluiu-se pela inconstitucionalidade da citada disposição 
 legal, sufragando-se, essencialmente, o argumento de que, perante a “verdade 
 biológica”, trazida aos autos pelo exame de ADN efectuado e que excluiu a 
 paternidade do autor, não relevam os prazos que a lei imponha para o exercício 
 do direito de acção, constante do mencionado normativo legal, por ofender o 
 direito com guarida constitucional à “identidade pessoal”, constante das 
 disposições dos arts. 25º, 26º, nº 1 e 18º, nº 2, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 O Acórdão recorrido, no aludido juízo de inconstitucionalidade, foi, 
 fundamentalmente, buscar apoio à posição que vem sendo defendida pelo Tribunal 
 Constitucional, no que se refere ao disposto no art. 1817º do C.Civil e no que 
 concerne ao prazo de propositura das acções de investigação de paternidade, 
 tendo sido considerado que os respectivos pressupostos teriam inteira aplicação 
 ao caso concreto.
 Contudo, os arts. 1817º e 1842º, nº 1, al. a), do C.Civil, foram alterados pela 
 Lei nº 14/2009, de 1 de Abril.
 Esta Lei, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art. 2º) e 
 se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (art. 3º) e, 
 portanto, ao caso ajuizado, alargou, de dois para três anos, o prazo para que o 
 marido pudesse intentar a acção de impugnação de paternidade, prazo esse contado 
 desde o conhecimento de circunstâncias de que pudesse concluir-se a sua não 
 paternidade.
 A par desta alteração, também o art. 1817º do mesmo diploma legal (aplicável às 
 acção de investigação de paternidade, por força do disposto no art. 1873º) 
 sofreu alterações, estas mais profundas, na medida em que, nos termos do seu nº 
 
 1, a acção de investigação de maternidade passou a poder ser proposta durante a 
 menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou 
 emancipação, quando, na redacção anterior, este último prazo era apenas de dois 
 anos.
 Deste modo, concordando-se embora com a argumentação da Relação e com a 
 conclusão a que chegou, importa saber se as mesmas são válidas face à nova 
 redacção dessas disposições legais.
 No Acórdão do TC nº 23/06, de 10.01, pese embora a tese defendida pelo ali 
 recorrente de que qualquer caducidade da acção de investigação de paternidade 
 era inconstitucional, o que estava em causa não era “qualquer imposição 
 constitucional de uma ilimitada (…) averiguação da verdade biológica da 
 filiação”, pelo que, como aí se salienta, não constituía objecto do processo 
 apurar se a imprescritibilidade da acção correspondia à única solução 
 constitucionalmente conforme. O que estava em causa era apenas o concreto limite 
 temporal previsto no art. 1817º, nº 1, do C.Civil, de dois anos a contar da 
 maioridade ou emancipação, portanto, no máximo, os 20 anos de idade do 
 investigante.
 Portanto, só sobre aquele limite temporal de dois anos posteriores à maioridade 
 ou emancipação e não sobre a possibilidade de qualquer outro limite se projectou 
 o juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, embora se acentue 
 claramente a ideia da imprescritibilidade das acções de reconhecimento de um 
 estado pessoal, por um indeclinável respeito pelo direito fundamental à 
 identidade pessoal consagrado no nº 1 do art. 26º da Constituição da República.
 Como se refere no referido aresto, a tese segundo a qual a norma em questão (na 
 versão anterior à introduzida pela Lei nº 14/2009) não era inconstitucional não 
 se baseava na existência de um direito fundamental ao conhecimento da 
 paternidade biológica ou na exclusão deste direito do âmbito de protecção do 
 direito fundamental à identidade pessoal, reconhecendo-se, antes, que o direito 
 do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão deste direito 
 fundamental.
 Simplesmente, admitia-se que outros valores, como os relativos à certeza e à 
 segurança jurídicas, podiam intervir na ponderação dos interesses em causa, 
 
 “comprimindo a revelação da verdade biológica”.
 Por outro lado, da perspectiva do pai, invocava-se também, por vezes, o seu 
 direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar: tal intimidade 
 poderia ser perturbada, sobretudo, se a revelação fosse muito surpreendente, por 
 circunstâncias ligadas à pessoa do suposto pai ou pelo decurso do tempo, e 
 poderia mesmo afectar o agregado familiar do visado.
 Ou, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado, V vol., pag. 83), “a 
 favor da limitação do prazo para a instauração da acção de reconhecimento 
 judicial da paternidade invocaram alguns autores duas razões fundamentais: por 
 um lado, a dificuldade e os riscos da prova relativa à matéria da filiação em 
 acções muito diferidas; por outro, a situação de incerteza e de ameaça mantida 
 por demasiado tempo sobre o pretenso progenitor e seus familiares”. 
 Mas a principal razão que determinou a nova solução de 1966, e certamente pesou 
 na sua manutenção pela reforma de 1977, “foi a tal consideração ético-pragmática 
 de combate à investigação como puro instrumento de caça à herança paterna e de 
 estímulo à determinação da paternidade…em tempo socialmente útil”.
 Estas justificações, como é salientado no Acórdão do Tribunal Constitucional que 
 vimos referindo, actualmente, perderam a sua relevância, pois que “os avanços 
 científicos permitiram o emprego de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da 
 certeza – probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5%, – e, por este meio, 
 mesmo depois da morte é hoje, muitas vezes, possível estabelecer, com grande 
 segurança, a maternidade e a paternidade”.
 
 “Não é, pois, o valor da certeza objectiva da identidade pessoal que está em 
 causa, mas antes a segurança para sujeitos ou pessoas concretas – designadamente 
 o interesse do pretenso progenitor…em não ver indefinida ou excessivamente 
 protelada uma situação de incerteza quanto à sua paternidade, bem como o 
 interesse, sendo o caso, da paz e harmonia da família conjugal constituída pelo 
 pretenso pai, a que se junta o argumento de que as acções de investigação visam 
 frequentemente fins tão-só patrimoniais (de “caça à herança”)”.
 Porém, no que toca a este último argumento, “o móbil do investigante pode bem 
 ser apenas esclarecer a existência do vínculo familiar, chamar o progenitor a 
 assumir a sua responsabilidade e descobrir o lugar no sistema do parentesco para 
 deixar de estar só. Isto, mesmo em momentos em que não tenha pretensões 
 patrimoniais, por não poder deduzir pretensões de natureza alimentar e não ter 
 ainda previsivelmente expectativas sucessórias”.
 
 “Acresce que o argumento se situa num plano predominante patrimonial, não 
 podendo ser decisivo ante o exercício de uma faculdade personalíssima, 
 constituinte clara da identidade pessoal, como a de averiguar quem é o seu 
 progenitor”.
 Quanto ao interesse do pretenso progenitor em não ver indefinida ou 
 excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade, “não deve 
 sobrevalorizar-se no confronto com bens constitutivos da personalidade”.
 Estas razões mostram-se também equacionadas na doutrina de Guilherme de Oliveira 
 Vide (Caducidade das acções de investigação”, in “Lex Familiae, Revista 
 Portuguesa de Direito de Família”, nº 1, 2004, pag. 7 e segs.), citado no Ac. do 
 STJ, de 31.1.2007, in www.dgsi.pt (Rel. Borges Soeiro).
 Refere este Autor que “o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito 
 fundamental à integridade pessoal” ganharam uma dimensão mais nítida, como, 
 ainda, “o direito ao desenvolvimento da personalidade”, introduzido pela revisão 
 constitucional de 1997 – um direito de conformação da própria vida, um direito 
 de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser constitucionalmente 
 justificadas, necessárias e proporcionais. É certo que tanto o pretenso filho 
 como o suposto progenitor têm direito a invocar este preceito constitucional, 
 mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o 
 exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas 
 origens, a sua família (…) a sua “localização” no sistema de parentesco”.
 E, mais recentemente, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Vide (Curso de 
 Direito de Família”, vol. II, tomo I, 2006, pág. 139) sustentam que os tempos 
 correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito da 
 caducidade do direito a investigar a paternidade
 E, afirmam: “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das 
 provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança 
 prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do 
 interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da 
 tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da 
 personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade 
 biológica sugere claramente a imprescritibilidade”. 
 Também no Acórdão do TC nº 609/07, de 11.12.07, versando sobre a hipótese da 
 acção de impugnação ser movida pelo filho maior ou emancipado, se afirma que “as 
 razões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do 
 mencionado artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, estão, outrossim, para a 
 disposição contida no art. 1842º, nº1, alínea c), do mesmo Código. Não se antevê 
 que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer dizer, que seja 
 necessário e proporcional face aos valores que estão em causa, sempre que uma 
 questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do direito ser 
 conforme à realidade em homenagem a essas restrições”.
 Nesta decisão, o direito constitucional a salvaguardar é, por isso, também o 
 direito à identidade, mas sem se fazer distinções entre as situações de 
 investigação e as de impugnação, ou seja, como refere, “sempre que uma questão 
 de filiação é colocada”.
 
 É certo que a decisão em apreço, como é sublinhado no Ac. de 21.2.2008, in 
 
 www.dgsi.pt, deste Tribunal e Secção (Rel. Bettencourt de Faria) tratava apenas 
 da hipótese da acção de impugnação ser movida pelo filho maior ou emancipado, 
 sendo unicamente em relação a esta modalidade que declarou a 
 inconstitucionalidade do prazo de caducidade. Contudo, as razões aduzidas devem 
 valer também para o caso do autor da impugnação ser o pai. Com efeito, ainda 
 aqui, para além do autor defender um direito próprio à verdade biológica em 
 matéria de paternidade, está também a garantir um direito à identidade do 
 presumido filho, apesar deste se apresentar, processualmente, como réu. 
 
 É, portanto e sempre, uma “questão de filiação”, nos termos referidos no citado 
 acórdão.
 Julgamos, assim, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere 
 claramente a imprescritibilidade não só do direito de investigar como do de 
 impugnar.
 
 “A procura da identidade pessoal passa não apenas pela eliminação de uma 
 paternidade que não é mas também pelo reconhecimento do pai cujo seja” (Ac. do 
 STJ, de 3.7.2008, in www.dgsi.pt - Rel. de Pires da Rosa).
 Com efeito, o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito 
 fundamental à integridade pessoal”, ganhando uma dimensão mais nítida, como, 
 ainda, “o direito ao desenvolvimento da personalidade”, leva, em si, a que não 
 se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais 
 consubstanciados na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da 
 personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração da 
 inconstitucionalidade do mencionado art. 1817º, nº1, do C.C., estão, outrossim, 
 para a disposição contida no art. 1842º, nº1, al. a), do mesmo Código, mesmo na 
 actual redacção.
 Na verdade, não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança 
 prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do 
 interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da 
 tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da 
 personalidade. Assim, o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere 
 claramente a imprescritibilidade.
 Essa verdade biológica consubstancia-se num “direito de conformação da própria 
 vida, um direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser 
 constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais”.
 Ora, não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, seja 
 necessário e proporcional face aos valores que estão em causa, sempre que uma 
 questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do direito ser 
 conforme à realidade em homenagem a essas restrições.
 A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de 
 onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da 
 verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade para as 
 acções de estabelecimento de filiação. 
 
 “As razões de segurança jurídica, fundadas na paz social que advêm de um quadro 
 jurídico-familiar estabilizado, mesmo que não correspondendo à verdade 
 biológica, deixam de fazer sentido perante o devir social. É este bem um caso 
 que ilustra que a vida flui como areia por entre os dedos da lei. O que hoje 
 causaria mais alarme social, quando os testes de ADN são de fácil acesso, mesmo 
 fora do âmbito da Justiça, é que esta fosse incapaz de reconduzir a sua verdade 
 
 à verdade dos genes que de todos pode ser conhecida. Tratar-se-á de uma nova 
 
 ética, mas, no fundo, reconduz-se à ética primordial do primado da família ou 
 comunidade natural. E isto sobreleva perante o “escândalo” de uma situação 
 familiar com, porventura, dezenas de anos vir a ser “abalada”, por uma 
 impugnação, que, pelo que já consignámos, nunca deve ser considerada tardia” (v. 
 ac. citado de 21.2.2008).
 
  
 Assim, o prazo previsto no art. 1842º, nº 1, alínea a), do C. Civil, mesmo na 
 actual redacção, na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a 
 todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, é 
 inconstitucional.»
 
             3 – Tendo em conta que o Tribunal Constitucional já se pronunciou 
 sobre idêntica questão a propósito da sindicância da norma do artigo 1842.º, n.º 
 
 1, alínea a) do Código Civil, decide-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, 
 n.º 1, da LTC, conhecer imediatamente do pedido, cumprindo esclarecer, no 
 entanto, que apesar da recusa de aplicação da referida norma se reportar à 
 redacção em vigor – que alargou de dois para três anos o prazo para que o marido 
 pudesse intentar a acção de impugnação da paternidade –, os fundamentos 
 normativos subjacentes ao juízo de inconstitucionalidade foram já ponderados por 
 este Tribunal uma vez que para o Supremo Tribunal de Justiça o juízo de 
 inconstitucionalidade da norma sindicanda repousa na impossibilidade de 
 impugnação da paternidade a todo o tempo.
 
             4 – No Acórdão n.º 589/07 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal equacionou a conformidade 
 constitucional da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, 
 enquanto dela resulta a previsão de um prazo de caducidade de dois anos 
 relativamente às acções de impugnação de paternidade a intentar pelo marido da 
 mãe, “contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa 
 concluir-se a sua não paternidade”.
 
             Esse aresto julgou a norma não inconstitucional tendo em conta a 
 seguinte fundamentação:
 
 “(...)
 
 2. O acórdão recorrido desaplicou a norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do 
 Código Civil, que estipula um prazo de caducidade para a acção de impugnação de 
 paternidade, por considerar como válidas para esse caso as considerações 
 explanadas na mais recente jurisprudência constitucional relativamente à norma 
 do artigo 1817º, n.º 1, do mesmo Código, quando aplicável, por força do artigo 
 
 1873º, à acção de investigação de paternidade.
 
  
 Para além de outras especificações que para o caso não interessa considerar, 
 dispõe esse artigo 1817º, no seu n.º 1, que «[A] acção de investigação de 
 maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 
 dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação». O n.º 2 fixa 
 ainda, para a propositura da mesma acção, o prazo de um ano a contar da 
 rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, 
 contanto que a remoção do obstáculo tenha sido requerida até ao termo do prazo 
 estabelecido no número anterior.
 
  
 O Tribunal Constitucional começou por se pronunciar no sentido da conformidade 
 constitucional dessas normas, enquanto estabelecem uma limitação temporal ao 
 exercício do direito a ver judicialmente estabelecida a paternidade (cf. 
 Acórdãos nºs 99/88 – DR, II Série, de 22 de Agosto de 1988, 413/89 – DR, II 
 Série, de 15 de Setembro de 1989, 451/89 – DR, II Série, de21 de Setembro de 
 
 1989, 311/95 – inédito, e 506/99 – DR, II Série, de 17 de Março de 2000).
 
  
 Nesses arestos, a previsão de um prazo para a instauração da acção de 
 investigação de paternidade e a fixação do respectivo termo a quo de acordo com 
 um critério objectivo (por referência à maioridade ou emancipação do 
 investigante) foi considerada como legítima por razões de certeza e segurança 
 que visavam evitar a manutenção de uma situação de pendência ou dúvida acerca da 
 filiação por períodos excessivamente longos.
 
  
 Posteriormente, porém, o acórdão n.º 456/03, tendo por objecto a apreciação da 
 constitucionalidade do n.º 2  do artigo 1817º, teve em atenção a configuração 
 particular de um caso em que o vínculo de filiação juridicamente estabelecido 
 acabou por se extinguir por efeito da declaração de procedência de uma acção de 
 impugnação da paternidade, que foi instaurada, por quem constava do registo como 
 pai, muito depois de transcorrido o prazo que aquele preceito fixava para a 
 proposição da acção de investigação de paternidade.
 
  
 Ponderou-se, nesse caso, que o filho, no período em que, de acordo com o teor 
 literal da lei, podia instaurar a acção de investigação de paternidade, 
 encontrava‑se numa situação em que tinha o vínculo de filiação estabelecido de 
 forma incontestada, e que não dispunha, por isso, de qualquer fundamento para 
 interpor uma acção de investigação de paternidade.
 
  
 Nesse contexto, entendeu-se que a consagração de limites ao exercício do direito 
 a ver reconhecida a filiação natural torna-se constitucionalmente inadmissível, 
 no ponto em que inutiliza, em relação ao autor da acção de investigação da 
 paternidade, o direito à identidade pessoal, entendido, no seu conteúdo 
 essencial, do direito de qualquer pessoa tomar conhecimento da sua ascendência, 
 nomeadamente, da sua filiação natural (artigo 26º da Constituição).
 
  
 
  Mais recentemente, o Tribunal Constitucional veio a declarar a 
 inconstitucionalidade do regime geral do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil, 
 através do acórdão n.º 486/04, de 7 de Junho, por violação das disposições 
 conjugadas dos artigos 26º, n.º 1, 36º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da Constituição, 
 aresto que, tendo sido passível de recurso com fundamento em oposição de 
 julgados (tendo em conta a anterior orientação jurisprudencial quanto a essa 
 matéria), foi confirmado em Plenário pelo acórdão n.º 11/05, de 12 de Janeiro.
 
  
 Sucede ainda que a referida norma, enquanto prevê a extinção, por caducidade, do 
 direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade do filho, foi 
 declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.º 23/06, 
 de 10 de Janeiro, na sequência de um pedido nesse sentido formulado pelo 
 Procurador-Geral da República, por entretanto a mesma norma ter sido julgada 
 inconstitucional, em fiscalização concreta, em mais de três casos concretos 
 
 (além dos referidos acórdãos n.ºs 486/04, da 2.ª Secção, e 11/05, do Plenário, 
 também nas decisões sumárias n.ºs 114/05, de 9 de Março, e 288/05, de 4 de 
 Agosto).
 
  
 O entendimento jurisprudencial que se firmou no sentido da inconstitucionalidade 
 da norma do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil, enquanto limita aos dois 
 primeiros anos posteriores à maioridade ou emancipação a possibilidade de o 
 interessado, sem paternidade estabelecida, interpor uma acção de investigação de 
 paternidade, parte do parâmetro constitucional que resulta do n.º 1 do artigo 
 
 26º da Constituição, reconhecendo que o direito do filho ao apuramento da 
 paternidade biológica é uma dimensão do «direito fundamental à identidade 
 pessoal».
 
  
 Não deixando de pôr em relevo as razões que justificaram de jure constituto a 
 previsão de um prazo limitativo da acção de investigação e que se prendem com a 
 segurança jurídica dos pretensos pais e seus herdeiros (visando prevenir o 
 prolongamento de uma situação de indefinição quanto ao estabelecimento dos 
 vínculos de filiação), com o progressivo “envelhecimento” ou perecimento das 
 provas (considerando que a passagem do tempo potencia o perigo de falibilidade 
 da prova testemunhal, aumentando a possibilidade de fraude), e ainda com o risco 
 de aproveitamento meramente egoístico por parte do investigante (quando apenas 
 pretenda utilizar a acção para aceder, por sucessão, aos meios de fortuna que 
 pertençam ao pretenso pai), a citada jurisprudência chama particularmente à 
 atenção para novos elementos sociológicos e técnico-científicos que tornam 
 justificável uma evolução nas soluções legislativas e doutrinais.
 
  
 A este propósito, no citado acórdão n.º 486/04, que constitui a matriz da 
 orientação jurisprudencial que tem sido adoptada em relação ao prazo de 
 caducidade fixado na referida da norma do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil, 
 afirmou-se o seguinte:
 
  
 Com efeito, tem-se verificado uma progressiva, mas segura e significativa, 
 alteração dos dados do problema, constitucionalmente relevantes, a favor do 
 filho e da imprescritibilidade da acção – designadamente, com o impulso 
 científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da 
 genética, e a generalização de testes genéticos de muito elevada fiabilidade. 
 Esta alteração não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos, 
 constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela 
 jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a 
 paternidade.
 Grande parte da responsabilidade vai, aqui, para o peso dos exames científicos 
 nas acções de paternidade e para a alteração da estrutura social e da riqueza, 
 levando a encarar a outra luz a dita “caça às fortunas”. Mas nota-se também um 
 movimento científico e social em direcção ao conhecimento das origens, com 
 desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, que têm acentuado a 
 importância dos vínculos biológicos (mesmo se, porventura, com exagero no seu 
 determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão 
 acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre 
 a identidade dos progenitores biológicos, mesmo para os casos de reprodução 
 assistida (cuja consideração está, evidentemente, fora do âmbito do presente 
 recurso), tendo até, entre nós, sido já aprovada uma proposta de lei (a Proposta 
 n.º 135/VII, in Diário da Assembleia da República, I série, n.º 95 de 18 de 
 Junho de 1999, págs. 3439-3440 e 3459-3460) que previa a possibilidade de as 
 pessoas nascidas em resultado da utilização de técnicas de procriação 
 medicamente assistida obterem, após a maioridade, informações sobre a identidade 
 dos seus progenitores genéticos (só não tendo entrado em vigor por ter sido 
 objecto de veto político pelo Presidente da República).
 Não deve, igualmente, ignorar-se a valorização da verdade e da transparência, 
 com a possibilidade de acesso a informação e dados pessoais e do seu controlo, 
 com a promoção do valor da pessoa e da sua “auto-definição”, que inclui, 
 inevitavelmente, o conhecimento das origens genéticas e culturais. A partir de 
 
 1997, consagrou-se, aliás, expressamente um “direito ao desenvolvimento da 
 personalidade” no artigo 26º da Constituição (Paulo Mota Pinto, O direito ao 
 livre desenvolvimento da personalidade, in Portugal-Brasil, ano 2000, Coimbra, 
 
 2000), comportando dimensões como a liberdade geral de acção e uma cláusula de 
 tutela geral da personalidade. E, se tanto o pretenso filho como o suposto 
 progenitor podem invocar este preceito constitucional, não é excessivo dizer-se 
 que ele “pesa” mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de 
 investigar é indispensável para determinar as suas origens.
 
  
 Neste plano de avaliação, o acórdão que vimos de acompanhar passa a desvalorizar 
 as considerações de ordem ético-pragmática (já há pouco sintetizadas) que têm 
 servido de fundamento à conveniência do estabelecimento de um limite temporal 
 para a propositura de acções de investigação.
 
  
 Assim, e em relação aos riscos da prova relativa à matéria da filiação, quando a 
 introdução da acção em juízo possa ser diferida no tempo, pondera-se agora que 
 essa justificação não é de todo relevante face aos avanços científicos que têm 
 permitido o emprego generalizado de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da 
 certeza e que torna possível estabelecer com grande segurança o vínculo de 
 maternidade ou de paternidade. Também o risco de instrumentalização da acção de 
 investigação, na perspectiva de que o investigante poderia ser motivado a agir 
 por razões puramente patrimoniais (quando pudesse intentar a acção a qualquer 
 tempo) tem hoje de ser avaliado à luz de uma nova realidade sociológica em que 
 entra em linha de conta a recomposição do tecido social e de distribuição de 
 riqueza, a ponto de não poder retirar-se a ilação de que o filho, apenas porque 
 não tem definido o seu vínculo de filiação, se encontra numa situação de 
 inferioridade económica e social em relação ao pretenso progenitor, que, por si, 
 possa estimular o recurso à acção apenas com o intuito de obter um direito à 
 herança paterna. A que acresce agora, também, uma mais forte consciencialização 
 dos direitos de personalidade, por parte dos cidadãos, e, em especial, do 
 direito à identidade pessoal, que poderá ter um peso mais significativo, no 
 impulso processual, do que a simples expectativa sucessória. Por fim, entende-se 
 também que o interesse do pretenso progenitor em libertar-se da situação de 
 incerteza quanto à existência de um vínculo de paternidade, que redunda numa 
 garantia de segurança jurídica, não tem um valor decisivo quando colocado em 
 confronto com bens constitutivos da personalidade, e não pode merecer uma 
 protecção superior àquela que deve ser conferida a um direito eminentemente 
 pessoal, como é o de conhecimento da identidade dos progenitores.
 
  
 Foram estes argumentos que, em tese geral, foram acolhidos no acórdão ora 
 recorrido e que, com a colocação da tónica no princípio da verdade biológica, 
 vieram a determinar a formulação de um juízo de inconstitucionalidade também em 
 relação à norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, no ponto em 
 que fixa, em relação ao marido da mãe, um prazo de dois anos para a propositura 
 da acção de impugnação de paternidade contado do momento do conhecimento de 
 circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade.
 
  
 A questão que se coloca no presente processo é, pois, a de saber se as 
 considerações que conduziram o Tribunal Constitucional a declarar a 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 1817º, n.º 1, do mesmo Código, 
 aplicável à acção de investigação de paternidade, são plenamente transponíveis 
 para a apreciação do prazo de caducidade previsto naquela outra disposição 
 legal, que, diferentemente, se refere à propositura de acção de impugnação de 
 paternidade.
 
  
 
 3. Antes de mais, afigura-se necessário sublinhar – tal como faz o Exmo 
 magistrado do Ministério Público na sua alegação – que as acções com incidência 
 no estabelecimento da paternidade estão subordinadas a um regime jurídico 
 diferenciado, mormente no tocante aos prazos de caducidade.
 
  
 Quanto ao reconhecimento judicial da paternidade, através da falada acção de 
 investigação, o artigo 1869º atribui legitimidade activa apenas ao filho, que, 
 nos termos do artigo 1817º (por via da remissão operada pelo artigo 1873º) 
 poderia propor a acção durante a menoridade ou nos dois primeiros anos 
 posteriores à sua maioridade ou emancipação. O prazo limite, que corresponde, em 
 regra, ao momento em que o investigante atinge 20 anos de idade, é estritamente 
 objectivo, na medida em que se conta a partir de um evento pré-determinado (o 
 momento em que o investigante atinge a plena capacidade jurídica) e que torna 
 irrelevante, em princípio, um conhecimento subjectivo tardio do vínculo 
 biológico em que assenta a filiação que o filho pretende estabelecer 
 juridicamente. Só nos casos excepcionais, regulados nos nºs 2 a 6 desse preceito 
 legal, é que poderia relevar juridicamente, para efeitos de caducidade, certo 
 facto produzido ulteriormente ao momento em que se consumou a maioridade ou a 
 emancipação do investigante, caso em que o prazo para a propositura da acção 
 
 (que fica então reduzido a um ano) se conta a partir desse evento: a remoção de 
 registo inibitório, por efeito da rectificação, declaração de nulidade ou 
 cancelamento do registo (n.º 2); o acesso a escrito em que se declara 
 inequivocamente a paternidade (n.º 3); alteração da relação fáctica ou social 
 que pressuponha o reconhecimento informal de tal vínculo, seja por efeito da 
 morte da mãe ou do investigante, quando este em vida fosse tratado 
 voluntariamente como filho, seja por efeito da cessação voluntária do tratamento 
 como filho (n.ºs 4 e 5).
 
  
 No que se refere à acção de impugnação de paternidade – que visa a impugnação da 
 paternidade presumida do filho nascido ou concebido na constância do matrimónio 
 da mãe –, o artigo 1842º do Código Civil, não só amplia o critério de 
 legitimidade, uma vez que permite que a acção possa ser proposta autonomamente 
 pelos diversos titulares da relação jurídica (o marido, a mãe e o filho), como 
 também estabelece prazos de diferente duração e modo de contagem. O marido da 
 mãe beneficia de um prazo de 2 anos, contado da data em que teve conhecimento de 
 factos ou circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, e, 
 portanto, sem qualquer limite objectivo. A mãe do menor dispõe do mesmo prazo de 
 
 2 anos, mas contado do facto objectivo do nascimento, pressupondo o legislador, 
 naturalmente, que a mãe do menor não poderá razoavelmente ignorar a inexistência 
 do vínculo biológico por parte do marido. O filho poderá propor a acção no prazo 
 de 1 ano, que se conta a partir do momento em que atingiu a maioridade ou a 
 emancipação ou, uma vez adquirida essa situação jurídica, a contar do 
 conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se não ser o impugnante 
 filho do marido da mãe.
 
  
 Por sua vez, para a acção de impugnação da perfilhação – visando a impugnação do 
 acto jurídico de reconhecimento de filho não nascido na constância do matrimónio 
 
 –, o artigo 1859º prevê um regime aberto de legitimidade activa e de 
 imprescritibilidade da acção, em que se destacam os seguintes aspectos: (a) a 
 impugnação tem como fundamento a falta de correspondência à verdade no acto de 
 perfilhação (e, portanto, a inexistência de uma filiação biológica); (b) a acção 
 poderá ser proposta a todo o tempo, e mesmo depois da morte do perfilhado; (c) 
 tem legitimidade para a propor o perfilhante, o perfilhado, o Ministério 
 Público, e qualquer pessoa com interesse moral ou patrimonial na procedência da 
 acção, aqui se incluindo as pessoas que sejam prejudicadas nos seus direitos 
 sucessórios com o chamamento do perfilhado à herança do perfilhante e quaisquer 
 parentes do perfilhante que, independentemente da sua posição como seus 
 herdeiros, tenham interesse em afastar o perfilhado da família comum.
 
  
 A lei, por outro lado, distingue a impugnação da perfilhação (que tem como 
 fundamento autónomo a falta de verdade biológica) dos casos de anulação, a que 
 se referem as disposições subsequentes, e que se baseia na existência de vícios 
 de consentimento (erro ou coacção) ou na falta de capacidade do perfilhante 
 
 (artigos 1860º e 1861º).
 
  
 Assiste-se, por conseguinte, no âmbito da impugnação da perfilhação, a um 
 alargamento da legitimidade activa ao Ministério Público e a pessoas que tenham 
 um mero interesse moral na procedência da pretensão (bem como a própria 
 inexistência de um prazo de caducidade para a propositura da acção), que é bem 
 demonstrativo do interesse público de que se reveste, na área da filiação fora 
 do casamento, a regra da coincidência da filiação com a realidade biológica da 
 procriação (neste sentido, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 
 vol. V, Coimbra, 1995, pág. 267).
 
  
 A diversidade de regimes, acabada de expor, e, em especial, o confronto da 
 solução legal prevista para a impugnação da perfilhação com os critérios mais 
 restritivos do artigo 1842º (em que se mantém a regra da caducidade do direito 
 de impugnação da paternidade presuntiva e se restringe o direito de acção ao 
 núcleo de pessoas mais directamente interessadas), põe em destaque o relevo que 
 o legislador confere ao interesse geral da estabilidade das relações sociais e 
 familiares e ao sentimento de confiança em que deve basear-se a relação 
 paternal, quando se trate de filhos nascidos na vigência do matrimónio.
 
  
 Na perspectiva do legislador, nas situações de paternidade presumida, a 
 necessidade de salvaguardar a harmonia e paz familiar explicam que a ordem 
 jurídica aceite a relação de filiação como definitivamente adquirida, a partir 
 de determinado momento, embora sabendo que ela pode não corresponder à realidade 
 biológica normalmente subjacente ao vínculo de paternidade (PIRES DE 
 LIMA/ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 210); ao contrário, a descoberta da verdade 
 
 é erigida em interesse público, numa área de filiação em que se não coloca em 
 perigo a estabilidade da família legalmente constituída, como ocorre em relação 
 
 à impugnação da perfilhação. 
 
  
 Por outro lado, como vimos, são, não já exigências cautelares da família 
 conjugal, mas considerações ligadas à certeza e segurança jurídica, enquanto 
 valores de organização social – a que se associam outros aspectos atinentes à 
 eficácia das provas e à possível instrumentalização do direito de acção – que 
 justificaram, do ponto de vista legislativo, o estabelecimento de um prazo de 
 caducidade para investigação da paternidade, surpreendendo-se, por isso, aqui 
 também, uma diferença específica na razão de ser da lei que motivou a fixação de 
 um limite temporal quer para a acção de investigação de paternidade, tal como 
 previsto no citado artigo 1817º (aplicável por força do artigo 1873º), quer para 
 a acção negatória de paternidade, a que se refere o artigo 1842º, n.º 1, alínea 
 a).
 
  
 E foram aquelas considerações que, no acórdão n.º 486/04, se entendeu não 
 poderem hoje prevalecer relativamente ao conteúdo essencial do direito 
 fundamental à identidade pessoal, que inclui o direito ao conhecimento da 
 ascendência paterna, quando está em causa a investigação da paternidade.
 
  
 
 4. O acórdão recorrido delimita o objecto do recurso de revista como sendo 
 respeitante à questão de saber se o direito de acção de investigação de 
 paternidade por parte do progenitor presumido se encontra limitado pelo prazo de 
 caducidade do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil quando se encontre 
 cientificamente provado que o menor não é filho do demandante.
 
  
 Embora a questão surja assim equacionada, o certo é que a decisão proferida, ao 
 formular um juízo de inconstitucionalidade da referida norma, não reflecte essa 
 dimensão normativa.
 
  
 Isto é, o acórdão recorrido desaplicou a norma apenas para o caso em que tenha 
 ficado demonstrado que o impugnante não é o pai natural do menor, mas declarou a 
 inconstitucionalidade por entender que o preceito, fixando um prazo de 
 caducidade, viola o direito fundamental à identidade pessoal e o direito ao 
 desenvolvimento da personalidade.
 
  
 Neste contexto, o princípio da verdade biológica, a que o acórdão faz alusão, 
 funciona apenas como um argumento redutor de quaisquer considerações de política 
 legislativa que pudessem justificar o estabelecimento de um prazo de caducidade 
 para a acção de impugnação, permitindo assim afastar as razões que, na óptica do 
 legislador, poderiam ter determinado a perempção do direito de acção.
 
  
 Ainda que a lei consagre, hoje, a possibilidade de realização extrajudicial de 
 exames científicos que possam conduzir, com um grande índice de segurança, a uma 
 afirmação pericial de paternidade (artigos 2º, alínea i), e 29º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 11/98, de 24 de Janeiro), o certo é que a destruição de um 
 vínculo de filiação já estabelecido ficará sempre dependente da competente acção 
 de impugnação de paternidade, pelo que o esclarecimento da verdade biológica 
 
 (quando alcançado extrajudicialmente) poderá ficar sem consequências práticas se 
 o presumido pai não intentar a acção destinada a demonstrar judicialmente a 
 falsidade do vínculo (PEREIRA COELHO/GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito de 
 Família, vol. II. Tomo I, Coimbra, pág. 40).
 
  
 A procedência ou improcedência da acção depende, por sua vez, da utilização que 
 as partes possam fazer de meios de prova que sejam susceptíveis de dissipar a 
 dúvida do julgador relativamente aos factos carecidos de demonstração, tendo 
 pleno cabimento, independentemente do grau de fiabilidade das provas, os 
 princípios do funcionamento do ónus da prova (artigo 516º do Código de Processo 
 Civil) e da livre convicção do juiz (artigo 655º do Código de Processo Civil).
 
  
 Nestes termos, embora se possa afirmar, no domínio do direito da filiação, a 
 existência de um princípio de verdade biológica, que decorre desde logo da 
 abertura que o legislador deu, na reforma do Código Civil de 1977, à utilização 
 como meios de prova, nas acções relativas à filiação, de «exames de sangue e 
 quaisquer outros métodos cientificamente comprovados» (artigo 1801º do Código 
 Civil), o certo é que esse princípio, ainda que possa entender-se como um 
 critério estruturante do regime legal, não assume dignidade constitucional 
 
 (idem, pág. 52) e não pode fundamentar, por si só, um juízo de 
 inconstitucionalidade relativamente à norma que fixa um prazo de propositura da 
 acção de impugnação da paternidade.
 
  
 O enfoque em que se poderá colocar a questão de constitucionalidade é, portanto, 
 o da possível violação, na fixação normativa desse prazo, dos falados direitos 
 fundamentais à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade.
 
  
 
 5. Como tem sido entendido, o direito à identidade pessoal, tal como está 
 consagrado no artigo 26º, n.º 1, da Constituição, abrange, não apenas o direito 
 ao nome, mas também o direito à historicidade pessoal, enquanto conhecimento da 
 identidade dos progenitores, e poderá fundamentar, por si, um direito à 
 investigação da paternidade e da maternidade (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, vol. I, 
 Coimbra, pág. 462). Num outro registo, a identidade pessoal, sendo o que 
 caracteriza cada pessoa enquanto unidade individualizada que se diferencia de 
 todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal, inclui também o 
 direito à identidade genética própria e, por isso, ao conhecimento dos vínculos 
 de filiação, no ponto em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo 
 factor genético (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 
 Tomo I, Coimbra, 2005, págs. 204-205).
 
  
 Como se afirmou no acórdão n.º 456/03, já mencionado, «[T]al direito inclui no 
 seu conteúdo essencial a possibilidade de qualquer pessoa tomar conhecimento da 
 sua ascendência, nomeadamente, da sua filiação natural. Nessa medida, a lei 
 consagra os mecanismos judiciais que visam efectivar o exercício de tal direito, 
 permitindo a investigação da filiação (maternidade, paternidade), de modo a que 
 todos os indivíduos tenham a possibilidade de identificar os seus progenitores 
 para, entre outros fins, ser estabelecido o vínculo de filiação jurídica com 
 base no vínculo biológico».
 
  
 
  A revisão constitucional de 1997 passou também a consagrar constitucionalmente, 
 no mesmo preceito, o direito ao desenvolvimento da personalidade. Este assegura 
 uma tutela mais abrangente da personalidade, que inclui duas diferentes 
 dimensões: (a) um direito à formação livre da personalidade, que envolve a 
 liberdade de acção de acordo com o projecto de vida e capacidades pessoais 
 próprias; (b) a protecção da integridade da pessoa em vista à garantia da esfera 
 jurídico-pessoal no processo de desenvolvimento. Neste plano, o desenvolvimento 
 da personalidade comporta uma liberdade de autoconformação da identidade, da 
 integridade e da conduta do indivíduo, e nele se pode incluir, além de muitos 
 outros elementos, um direito ao conhecimento da paternidade e da maternidade 
 biológica (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 463-464).
 
  
 Como vimos, a lei prevê a prescritibilidade da acção de investigação de 
 paternidade tal como da acção de impugnação de paternidade. As razões que terão 
 estado na definição desse regime jurídico prendem-se, como se anotou, com o 
 inconveniente da manutenção de uma situação prolongada de insegurança e o perigo 
 de enfraquecimento das provas com a passagem do tempo, a que acresce, no que 
 toca especialmente à impugnação da paternidade do marido, um outro motivo 
 relacionado com a necessidade de proteger a unidade familiar.
 
  
 Como se concluiu no aresto há pouco citado, como decorrência do direito 
 fundamental à identidade pessoal, a consagração de limites ao exercício do 
 direito a ver reconhecida a filiação natural não poderá inutilizar esse direito. 
 Isto é, independentemente de ser ou não constitucionalmente criticável a 
 possibilidade de consagração de limites, nomeadamente temporais, ao exercício do 
 direito de instaurar a acção de investigação de paternidade, não é já, 
 seguramente, admissível a criação de um limite que, na prática, vede, em 
 absoluto, a possibilidade de o sujeito averiguar o vínculo de filiação natural.
 
  
 Esse princípio foi reafirmado pela jurisprudência constitucional, de forma mais 
 abrangente, em relação ao prazo-regra do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil 
 
 (aplicável à acção de investigação de paternidade por força do artigo 1873º), em 
 termos tais que veio, mais tarde, a ser declarada, com força obrigatória geral, 
 a inconstitucionalidade dessa referida norma.
 
  
 O acórdão n.º 486/04, que inaugurou essa jurisprudência, não deixou, todavia, de 
 vincar que o que estava então em causa era o concreto limite temporal previsto 
 no artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil (pelo qual ao investigante está vedado 
 propor uma acção de investigação de paternidade para além do prazo de dois anos 
 a contar da maioridade ou emancipação), e não a questão de saber se a 
 imprescritibilidade da acção corresponde à única solução constitucionalmente 
 conforme.
 
  
 Do referido acórdão não se pode, portanto, extrair a ilação de que qualquer 
 regime de prescritibilidade legalmente consagrado para as acções relativas ao 
 estabelecimento do vínculo de filiação se encontra ferido de 
 inconstitucionalidade. E não é possível, sem mais, aceitar o princípio de que as 
 considerações avançadas para sustentar a inconstitucionalidade do prazo de 
 caducidade previsto para a acção de investigação de paternidade são também 
 válidas para o prazo fixado no artigo 1842º, n.º 1, alínea a), para a impugnação 
 de paternidade por parte do pai presumido.
 
  
 O próprio acórdão n.º 486/04 reconhece – no excerto há pouco transcrito – que, 
 embora tanto o pretenso filho como o suposto progenitor possam invocar um 
 direito à identidade pessoal ou ao desenvolvimento da personalidade, a tutela da 
 personalidade e da liberdade de acção pesa mais para o lado do filho, para quem 
 o exercício de investigar é indispensável para determinar as suas origens, dando 
 assim guarida à ideia de que os prazos de caducidade da acção de investigação de 
 paternidade e da acção de impugnação de paternidade não têm de ser analisados 
 necessariamente sob o mesmo prisma.
 
  
 Este ponto de vista é também realçado pelo magistrado do Ministério Público na 
 sua alegação de recurso. Sendo a acção de impugnação de paternidade intentada 
 pelo marido da mãe, não pode invocar-se, como obstáculo potencial à respectiva 
 caducidade, o direito fundamental do filho ao apuramento da respectiva filiação 
 biológica, porquanto a eventual caducidade de direito de acção pelo transcurso 
 do prazo previsto no artigo 1842º, n.º 1, alínea a), em nada afecta naturalmente 
 a possibilidade de o filho, ulteriormente, através de quem o represente ou por 
 iniciativa própria, no prazo de 1 ano a contar da maioridade ou emancipação, 
 intentar a sua própria acção, não necessitando de suportar na sua esfera 
 jurídica a preclusão derivada do “atraso” na impugnação por parte do outro 
 sujeito legitimado (o marido da mãe).
 
  
 O que está, deste modo, em causa é saber se a norma que constitui objecto do 
 presente recurso viola um direito fundamental à identidade pessoal do marido da 
 mãe, susceptível de fundar a conclusão de que a respectiva acção poderia e 
 deveria, por imposição constitucional, ser proposta a todo o tempo, 
 independentemente do momento em que tal sujeito, legitimado para impugnar, teve 
 conhecimento das circunstâncias que permitem razoavelmente duvidar da sua 
 paternidade.
 
  
 Parece, todavia, que não estará aqui em causa um direito à identidade pessoal, 
 entendida no sentido há pouco explanado de direito ao conhecimento da identidade 
 dos progenitores (que tem apenas relevo para a acção de investigação de 
 paternidade), mas o direito ao desenvolvimento da personalidade na dimensão de 
 um direito de autoconformação da identidade, que não poderá deixar de ser 
 reconhecido em relação ao presumido pai, quando este tenha motivos para duvidar 
 da sua paternidade biológica e pretenda esclarecer a sua posição social e 
 jurídica quer em relação ao filho presumido, quer em relação ao agregado 
 familiar, quer ainda ao meio social em que se insere.
 
  
 Há, no entanto, inevitavelmente, uma diferença de grau entre a investigação de 
 paternidade, em que patentemente está em causa o direito à identidade pessoal do 
 investigante (e relativamente ao qual a imposição de um limite temporal pode 
 implicar a violação do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores), 
 e a impugnação de paternidade, em que o releva é a definição do estatuto 
 jurídico do investigante em relação a um vínculo de filiação que lhe é atribuído 
 por presunção legal.    
 
  
 Assim se compreende que sistemas jurídicos que admitem a investigação de 
 paternidade sem limite, mostrando dar preferência à tutela do direito inviolável 
 
 à identidade pessoal, já imponham a caducidade do direito de impugnação, 
 aceitando assim que, decorrido o prazo fixado na lei, se consolide a paternidade 
 presumida ainda que não corresponda à verdade biológica (notícia desta 
 diferenciação de regimes em PEREIRA COELHO/GUILHERME DE OLIVEIRA, ob. cit., pág. 
 
 139; GUILHERME DE OLIVEIRA, O Critério Jurídico da Paternidade (reimpressão), 
 Coimbra, 1998, pág.372).
 
  
 Deve notar-se que o princípio da verdade biológica não tem aqui um valor 
 absoluto. Sabe-se que as razões que justificam a fixação de um prazo de 
 caducidade para a acção de impugnação de paternidade não são inteiramente 
 coincidentes com as que tinham determinado a perempção da acção de investigação 
 de paternidade, pois que para além das considerações de natureza pragmática que 
 se prendem com a certeza e segurança jurídica e a eficácia das provas, releva 
 ainda com particular acuidade, naquele primeiro caso, a protecção da família 
 conjugal. É esse interesse que explica que um terceiro (pretenso progenitor) não 
 tenha legitimidade ex novo para afastar a presunção de paternidade do marido da 
 mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, e só possa intervir 
 processualmente através ao Ministério Público (mediante requerimento que lhe 
 deverá ser apresentado em prazo muito curto) e depois de previamente reconhecida 
 a viabilidade do pedido (artigo 1841º do Código Civil). O direito de impugnação 
 da paternidade está, assim, apenas, na disponibilidade directa dos membros da 
 família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram 
 autonomamente legitimados a intentar a acção. E não está, por isso, excluído que 
 a situação de discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica 
 se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na 
 destruição da paternidade presumida.
 
  
 Certo é que o legislador poderá, à semelhança de outros sistemas jurídicos, dar 
 primazia a considerações de política legislativa fazendo prevalecer o princípio 
 da verdade biológica sobre o eventual prejuízo para a unidade familiar, 
 permitindo que a acção de impugnação possa ser proposta  a todo o tempo.  Há, no 
 entanto, condicionalismos objectivos que permitem  distinguir entre a 
 investigação de paternidade e a impugnação de paternidade  e que podem 
 justificar que as pretensões de constituição de vínculos novos venham a merecer 
 um tratamento jurídico diferenciado em relação a pretensões que tenham a vista a 
 destruição de vínculos pré-existentes (admitindo expressamente esta 
 possibilidade de conformação legislativa, PEREIRA COELHO/GUILHERME DE OLIVEIRA, 
 ob. cit., pág. 139).
 
  
 Sublinhe-se que o prazo para a propositura da acção de investigação de 
 paternidade, cominado através da inconstitucionalizada norma do artigo 1817º, 
 n.º 1, do Código Civil, se contava a partir de um facto objectivo (a aquisição 
 da maioridade ou emancipação do investigante), a ponto de ficar inviabilizado o 
 exercício do direito de acção quando o interessado apenas tivesse tido 
 conhecimento efectivo da situação que justifica o impulso processual já depois 
 de transcorrido o prazo de dois anos a contar desse momento. Poderá facilmente 
 concluir-se, nesse contexto, que  é desproporcionada e violadora do direito à 
 identidade pessoal a norma que impede a investigação de paternidade em função de 
 um critério de prazos objectivos, quando os fundamentos para instaurar a acção 
 surgem pela primeira vez em momento ulterior ao termos desses prazos. Tal norma 
 consagra, nesses termos, uma efectiva negação da possibilidade de conhecimento 
 da paternidade.
 
  
 Ao contrário, o prazo definido no artigo 1842º, n.º 1, alínea a), para a 
 impugnação da paternidade por parte do pai presumido – que está agora em causa 
 
 –, sendo de duração idêntica à daquele, conta-se, todavia, a partir de um facto 
 subjectivo, que se traduz no «conhecimento de circunstâncias de que possa 
 concluir-se a sua não paternidade». Este parece ser um prazo razoável e adequado 
 
 à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de impugnar e que 
 permitirá avaliar todos os factores que podem condicionar a decisão. E o 
 presumido pai não pode sequer invocar uma situação de impossibilidade de exercer 
 o direito, já que, a partir do conhecimento pessoal de factos que indiciem a 
 inexistência de um vínculo real de filiação, dispõe sempre de tempo útil para 
 afastar a presunção de paternidade.
 
  
 Neste contexto, não parece que a fixação de um prazo de caducidade para a 
 impugnação de paternidade pelo pai presumido, nos termos em que se encontra 
 previsto na referida norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, 
 represente uma intolerável restrição ao direito de desenvolvimento da 
 personalidade entendido com o alcance de um direito de conformar livremente a 
 sua vida, quando é certo que a preclusão do exercício do direito de impugnar 
 pode justamente ter correspondido a uma opção que o interessado considerou ser 
 em dado momento mais consentâneo com o seu interesse concreto e o seu 
 condicionalismo de vida.
 
  
 Por tudo, não pode entender-se – contrariamente ao que se consignou no acórdão 
 recorrido – que exista uma paridade de situação entre os prazos de caducidade 
 dos artigos 1817º, n.º 1, e 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil em termos 
 de se poder aplicar neste último caso as razões que conduziram o Tribunal 
 Constitucional a declarar a inconstitucionalidade daquele outro preceito”.       
 
    
 
             Como se atesta, o objecto do recurso no caso sub judicio acaba por 
 não corresponder, na ausência de um esforço de interpretação enunciativa, ao que 
 constituiu o cerne da anterior pronúncia do Tribunal.
 
             De facto, enquanto que no aresto supra transcrito se equacionou o 
 problema à luz do prazo de dois anos estipulado na norma do artigo 1842.º, n.º 
 
 1, alínea a), do Código Civil, já a decisão recorrida recusou a aplicação da 
 norma enquanto limitadora a todo o tempo da impugnação da paternidade por banda 
 do marido da mãe.
 
             Concluir-se-á, a fortiori, que o juízo de não inconstitucionalidade 
 lavrado no referido acórdão mantém plena justificação no caso sub judicio em 
 face da concreta configuração do objecto do recurso circunstancialmente em 
 causa, passando a questão aqui por saber se existe a imposição constitucional de 
 uma “ilimitada (…) averiguação da verdade biológica da filiação” (cf. Acórdão 
 n.º 23/06) por banda do marido da mãe.
 
             Assim, não havendo aqui que cuidar especificamente do limite legal 
 concretamente imposto, subscreve o relator a maiori ad minus o juízo 
 anteriormente efectuado por este Tribunal, na medida em que daí enunciativamente 
 resulta não ser constitucionalmente imposto a ausência de limitação temporal, 
 por prazo de caducidade, no que concerne à impugnação da paternidade pelo 
 presumido progenitor.
 
             Anote-se, no entanto, que a pronúncia de não inconstitucionalidade 
 que agora se emite é, apenas, a de que não é inconstitucional uma norma que não 
 admita a impugnação de paternidade a todo o tempo, não conhecendo o Tribunal da 
 questão de saber se é constitucionalmente inadmissível que o presumido 
 progenitor não possa impugnar a paternidade no prazo ajustado ao decurso do 
 tempo verificado na concreta situação ou que esse prazo não deva ser computado a 
 partir do conhecimento dos factos evidenciados através de meio seguro de prova.
 
             5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a) não julgar inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do 
 Código Civil, na medida em que limita a possibilidade de impugnação, a todo o 
 tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade; e, consequentemente,
 b) conceder provimento aos recursos, determinando-se a reforma da decisão 
 recorrida na parte especificamente referida à questão de constitucionalidade 
 aqui considerada.
 Sem custas”.
 B – Fundamentação
 
             5 – O reclamante limita-se a afirmar a sua discordância com a 
 decisão sumária reclamada, nada alegando sobre os motivos ou fundamentos da sua 
 não conformação.
 
             Perante a total ausência de fundamentos, tem de considerar-se a 
 reclamação apresentada como inepta.
 
             Na verdade, o Tribunal desconhece inteiramente as razões com base 
 nas quais o reclamante contesta o decidido pelo relator, em termos de reapreciar 
 os fundamentos em que o mesmo se estribou.
 
             Por isso, a reclamação deve ser indeferida.
 
  
 C – Decisão
 
             6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
             Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 Ucs.
 Lisboa, 18/11/2009
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos