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Processo n.º 452/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A., identificado nos autos, recorre para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver 
 sindicada a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, do artigo 147.º do Código de Processo 
 Penal, na interpretação segundo a qual as formalidades dele constantes não se 
 aplicam em audiência de julgamento.
 
             2 – Na parte relevante para a decisão do presente problema de 
 constitucionalidade, consta da decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça de 30 de Março de 2005 – que: 
 
             
 
 «[...]
 O reconhecimento em audiência dos arguidos foi um dos meios de prova de que o 
 tribunal se serviu para formar a sua convicção probatória - cf. fls.140 a 141, 
 do acórdão de 1ª instância.
 E a questão de direito que o arguido suscita respeita à não observância, no 
 reconhecimento a que em julgamento se procedeu, do formalismo previsto no art. 
 
 147º do CPP, cuja infracção importa violação do seu direito de defesa.
 Dispõe o n.º 1 do art. 147º do CPP que, no reconhecimento de qualquer pessoa, 
 sendo necessário, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação da pessoa, 
 a descrição completa e a indicação pormenorizada de todos os pormenores de que 
 se recorda; depois, se já a tinha visto e em que condições, e, por fim, sobre 
 outras circunstâncias que possam interferir na identificação.
 De seguida, o preceito alude às dificuldades no reconhecimento, para o que 
 descreve a metodologia a usar, no seu n.º 2; enuncia, em sequência, o n.º 3, as 
 medidas a tomar quando a pessoa que identifica se sinta intimidada ou perturbada 
 e não seja em audiência de julgamento, para, no seu n.º 4, cominar que o 
 reconhecimento não vale como meio de prova, caso não obedeça ao formalismo 
 amplamente descrito e rigorosamente exigido.
 No que à prova por reconhecimento concerne, o Ac. n.º 408/89, in Acs. do TC, 13º 
 Vol., II, 1147, sublinha que a sua importância e validade se projectam logo na 
 fase inicial do processo, pois do que se trata é de reconhecer o verdadeiro 
 culpado do crime; 'o reconhecimento do culpado é, por isso, de importância 
 decisiva e o resultado do reconhecimento pode, portanto, ser fatal para o 
 arguido'; 'uma vez reconhecido o erro de reconhecimento, difícil será não o 
 repetir na audiência de julgamento, já que ele se converteu numa realidade 
 psicológica para quem proceda ao reconhecimento'; 'o auto de reconhecimento da 
 identidade tende a merecer na prática judiciária um valor reforçado, funcionando 
 quase como uma presunção de culpabilidade do suspeito, pelo menos na fase 
 indiciária'.
 A validade do acto de reconhecimento é directamente proporcional à observância 
 das formalidades: o acto vale assim tanto menos quanto mais seja 
 
 'heterodirigido', escreve Francesco Paola, Rigognizioni, 'Digesto delle 
 Discipline Penalistiche', XII, Torino, 1997, 222.
 Dada a relevância prática para a formação da convicção probatória do auto de 
 reconhecimento e os perigos que acarreta, um reconhecimento tem que obedecer, 
 necessariamente, para que possa valer como meio de prova, com segurança, a um 
 rígido formalismo, definido no art. 147º do CPP, não valendo como meio de prova 
 
 (n.º 4), se o infringir.
 Essa não valia como meio de prova é considerada, pondera o Exmo Cons.º Maia 
 Gonçalves, in Comentário ao CPP, ao supracitado preceito, como um 'caso pontual 
 de vício de inexistência'.
 Este STJ tem vindo a sufragar, de forma pacífica, o entendimento segundo o qual 
 o reconhecimento do arguido em audiência não está sujeito ao formalismo previsto 
 no art. 147º, do CPP, por tal apertado formalismo se restringir às fases de 
 inquérito ou instrução, atenta a incompatibilidade entre as regras de 
 reconhecimento naquelas e no julgamento – cf. os Acs. de 11.5.2000. in CJ-STJ, 
 Ano VIII, T2, 190 , de 16.1.97, in Pº. n.º 54/96 - 3ª, de 1.2.96, in CJ-STJ , 
 Ano IV, T1, 198, de 11.5.2000 , P.º n.º 75/2000 – 5ª Sec., 9.1.1997, P.º n.º 
 
 783/96 – 3ª, de 6.11.96 , P.º n.º 84/96 – 3ª e de 20.11.96, P.º n.º 788/96 – 3ª.
 Se é possível descrever a pessoa enquanto autora do facto bem assim os 
 pormenores em que o depoente funda a convicção, em inquérito ou instrução, já a 
 reconstituição prevista nos nºs 2 e 3, do art. 147º, do CPP, é inviável, por 
 irrepetível, ultrapassada.
 No n.º 3 do art. 147º do CPP, afirma-se que se houver razão para crer que a 
 pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela 
 efectivação do reconhecimento, e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo 
 efectuar-se, se possível, sem que aquela seja vista pelo identificando.
 Donde ter de entender-se que a referência ao reconhecimento em audiência naquele 
 n.º 3, apenas significa a possibilidade de admissão de reconhecimento como meio 
 de prova, em tal fase, não havendo lugar, aí, à observância do formalismo 
 descrito no art. 147º, n.º 3, do CPP, na parte em que se verificar aquele clima 
 de perturbação.
 Exprime o segmento normativo em causa que se pode lançar mão do reconhecimento 
 enquanto meio de prova, tanto a requerimento do interessado, como oficiosamente, 
 ao abrigo do art. 340º, do CPP, para a boa decisão da causa, em audiência de 
 julgamento, sujeito a livre valoração, nos termos do art. 127º, do CPP, por se 
 tratar de prova não vinculada.
 A defesa, deve salientar-se, tem direito, no uso do contraditório - art. 327º, 
 do CPP - a pôr em crise esse meio de prova, ou seja o auto de reconhecimento, 
 advindo de fase processual anterior, do inquérito ou instrução, se nele não 
 foram respeitadas as formalidades legais, como se decidiu, recentemente, no Ac. 
 deste STJ, de 28.5.2003, P.º n.º 903/2002 – 3ª Sec., acessível in 
 http://www.dgsi.pt/jstj, onde mais uma vez se acentuou que o formalismo 
 processual do art. 147º, do CPP, não comporta aplicação em sede de julgamento.
 O Ac. do TC, de 28.3.2001, n.º 137/01, P.º n.º 778/00, DR n.º 149, II Série, de 
 
 29/6, decidiu, de resto, ser inconstitucional, por violação do art. 32º, da CRP, 
 interferindo no leque dos direitos e garantias de defesa do arguido, a norma do 
 art. 127º, do CPP, quando interpretada no sentido de que o princípio da livre 
 apreciação da prova consente a valoração em julgamento, de um reconhecimento do 
 arguido sem observância de nenhuma das regras formais do art. 147º, do CPP, 
 quando o reconhecimento se faça em inquérito ou instrução.
 Em julgamento procedeu-se ao reconhecimento – fls. 6172 a fls. 6182 – através da 
 inquirição de testemunhas (B. e C., D., E. e F.), que antes foram ouvidas pelo 
 sistema de videoconferência, mas que compareceram pessoalmente em audiência, 
 como consta da fundamentação depuseram sobre factos pertinentes à causa 
 decisória, factos que a defesa teve toda a liberdade de investigar e 
 contraditar, deixando no Colectivo, conjugadamente com outras e numerosas provas 
 recolhidas, uma impressão sobeja e idoneamente identificativa da autoria dos 
 factos por parte do arguido, sendo que só o C. e o D. o reconheceram como autor 
 de factos penalmente relevantes -cf. fls. 140 do acórdão de 1ª instância.
 Uma interpretação reconducente das regras do art. 147º, do CPP, à fase de 
 inquérito e instrução, libertando da sua rigidez o Colectivo em sede de 
 julgamento, em nada atenta contra os direitos fundamentais de defesa do arguido, 
 primeiro porque já vem firmada a autoria dos factos e a sua identificação 
 pessoal desde a formação da culpa, apoiada nos indícios probatórios até então 
 recolhidos nos autos, depois, porque, não obstante essa atenuação de rigor 
 formal, esse meio de prova, sujeito a amplo controle em julgamento, não foi o 
 
 único em que se apoiou o Tribunal de 1ª instância para fundar a condenação, 
 recorrendo a outros, após a imediação com eles, de livre valoração, nos termos 
 do art. 127º, do CPP, não se afrontando a CRP.
 Julga-se, assim, em conferência, manifestamente improcedente o recurso, que se 
 rejeita em conferência, o que se delibera neste STJ, nos termos dos arts. 419º, 
 n.º 4, a), e 420º, n.º 1, do CPP (...)».
 
  
 
 3 – Admitido o recurso interposto, nos termos supra mencionados, para este 
 Tribunal, veio o Recorrente, em síntese conclusiva, sustentar que:
 
  
 
 «(...)
 
 1.   Os reconhecimentos realizados pelo tribunal 'a quo' em audiência, não 
 observaram o formalismo legal imposto pelos nºs 1, 2 e 3 do art. 147º do C.P.P., 
 pelo que são nulos por força do n.º 4 mesmo preceito legal;
 
 2.   O reconhecimento é um meio de prova que consiste na confirmação de uma 
 percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em estabelecer a identidade 
 entre uma percepção sensorial anterior e outra actual da pessoa que procede ao 
 acto;
 
 3.   Recorre-se a este meio de prova não já para introduzir ex novo um dado 
 cognoscitivo, mas para confirmar um elemento de prova já admitido;
 
 4.   O cuidado que o legislador pôs na regulamentação do acto de reconhecimento 
 evidencia a importância e fabilidade deste meio de prova, quando não forem 
 tomadas as devidas precauções. Por isso que as estabelecidas na lei o são sob 
 pena de invalidade do reconhecimento, art. 147º, n.º 4, do C.P.P.;
 
 5.   Os actos preliminares ao reconhecimento são constituídos por um conjunto de 
 informações sobre a pessoa ou coisa a identificar, prestadas pela pessoa que 
 deva proceder ao reconhecimento para permitir apreciar da credibilidade da 
 identificação;
 
 6.   Assim, a pessoa que há-de proceder ao reconhecimento terá de previamente 
 descrever a pessoa ou coisa a reconhecer, com indicação de todos os pormenores 
 de que se recorda e sobre outras circunstâncias que possam influir na 
 credibilidade da identificação;
 
 7.   Se a identificação deixar dúvidas, a pessoa a identificar é apresentada 
 juntamente com pelo menos outras duas que apresentem com ela as maiores 
 semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, e só então são as três ou mais 
 apresentadas juntamente à pessoa que procede ao reconhecimento, 
 perguntando-se-lhe se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual;
 
 8.   O reconhecimento só tem valia probatória desde que substancial e 
 formalmente se respeitem as regras de procedimento estabelecidas na lei;
 
 9.   A prova por reconhecimento é uma prova muito delicada e porque irrepetível 
 deve ser rodeada de cuidados especiais para assegurar a sua fiabilidade, é um 
 verdadeiro meio autónomo e material de prova;
 
 10. Assim, os reconhecimentos em apreço e efectuados em audiência não 
 respeitaram nenhumas das características anteriormente mencionadas, as quais são 
 inerentes a este meio de prova e deveriam ter sido observadas pelo tribunal de 
 
 1ª instância, em respeito pelo art. 147º, n.ºs 1, 2 e 3;
 
 11. O espírito de legislador foi dar especificidade ao reconhecimento em 
 audiência, nunca autonomizá-lo, visto definir sem margem para dúvidas como se 
 realiza um reconhecimento;
 
 12. É do entendimento do ora recorrente que o n.º 3 do art. 147º do C.P.P., não 
 
 é mais do que uma especificidade para o reconhecimento em audiência e por 
 razões, mas já vem desde os n.ºs 1 e 2 deste mesmo artigo, as condições 
 rigorosas em que o reconhecimento deve ser realizado e que devem ser observados 
 mesmo no reconhecimento em audiência, sob pena do efeito previsto no n.º 4, a 
 nulidade e nenhum valor como prova;
 
 13. O artigo 147º, n.º 1, prevê um reconhecimento intelectual, a informação 
 sobre anterior identificação e em que condições do visado, outras circunstâncias 
 que possam influir na credibilidade da identificação, o n.º 2 prevê um 
 reconhecimento físico, o n.º 3 uma garantia da realização idónea do meio de 
 prova em apreço, com a especificidade para situações em audiência, e por fim o 
 n.º 4 prevê a consequência do desrespeito dos números anteriores;
 
 14. A estrutura do preceito legal em questão tem razão de ser. Se o legislador 
 tivesse a intenção de autonomizar o reconhecimento em audiência tê-lo-ia 
 certamente feito, em abono do princípio da investigação e da verdade material e 
 não recorreria ao artigo 127º do C.P.P.
 
 15. O recorrente arguiu a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 147º 
 do C.P.P. que estabelece que este se não aplica aos reconhecimentos em audiência 
 
 - a qual consta da motivação do recurso que tempestivamente apresentou no 
 decurso da audiência.
 
 16. Donde que, uma garantia de defesa tal relevante que a sua pretensão resulta 
 da sua invalidade como prova, não é aplicada no momento crucial e mais nobre do 
 processo criminal que é a audiência de julgamento.
 
 17. Assim sendo, violou-se o artigo 32º, n.º 1, da C.R.P., porquanto esta 
 garantia de defesa (os exigentes requisitos da realização desta diligência 
 probatória são uma garantia de defesa) existem no processo criminal e não são 
 aplicadas quando o cidadão mais dele necessita.
 
  
 Nestes termos, o Acórdão do S.T.J. recorrido interpretou o artigo 147º, nºs 1, 2 
 e 3, do C.P.P: com violação do artigo 32º do C.R.P., descurando-se assim uma das 
 mais elementares garantias de defesa dos cidadãos pelo que o presente recurso é 
 efectuado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional (...)».
 
  
 
             4 – Por seu turno, o Representante do Ministério Público, pugnando 
 pela improcedência do recurso, concluiu que:
 
             
 
 «(...)
 
 1 - Não é exigência constitucional que os requisitos para a validação de prova 
 obtida através de determinados meios legalmente previstos, tenham que 
 necessariamente ser os mesmos em todas as fases do processo.
 
 2 - Vigorando na sua plenitude, na fase da audiência, o princípio do 
 contraditório é através do seu efectivo exercício, que a defesa do arguido pode 
 questionar o seu reconhecimento por parte de uma testemunha, feito nessa fase, 
 não estando o mesmo sujeito aos requisitos estabelecidos no artigo 147º do CPP, 
 apenas válidos para as fases preliminares do inquérito e de instrução.
 
 3 - Não viola a Constituição, designadamente a norma do n.º 1 do seu artigo 32º, 
 uma interpretação normativa do artigo 147º do Código do Processo Penal, que 
 exclua da proibição de prova estabelecido no n.º 4, o reconhecimento feito por 
 uma testemunha em audiência de julgamento, sem a verificação dos requisitos aí 
 contemplados.      
 
 (...)».
 
  
 
             Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             5 – Objecto do recurso e parâmetros constitucionais.
 
  
 
             5.1 – Considerado de per se – no seu preciso teor 
 semântico-gramatical –, o artigo 147.º do Código de Processo Penal (CPP), 
 integrado no seu Livro III (Da prova), como um 'dos meios de prova' legalmente 
 previstos, dispõe, sob a epígrafe 'Reconhecimento de pessoas', que:
 
             '(...)
 
             1. Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de 
 qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a 
 descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, 
 
 é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é 
 interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da 
 identificação.
 
             2. Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a 
 ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças 
 possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é 
 colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições 
 em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é 
 então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso 
 afirmativo, qual.
 
             3. Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a 
 identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do 
 reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se 
 possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
 
             4. O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não 
 tem valor como meio de prova'.
 
             
 Tal como consta do requerimento de interposição de recurso, este vem delimitado 
 em torno do critério normativo de acordo com o qual não se aplicam aos 
 
 “reconhecimentos” produzidos em audiência as formalidades previstas nos n.os 1, 
 
 2 e 3 do artigo 147.º do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição.
 
  
 
             5.2 – Sob a epígrafe 'garantias de processo criminal', o parâmetro 
 constitucional relevante – artigo 32.º, n.º 1, da Constituição – dispõe que:
 
             
 
 '(...)
 
             1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, 
 incluindo o recurso.
 
             (...)'.
 
  
 
             6 – Da prova por 'reconhecimento' e das garantia(s) de defesa
 
  
 
             6.1 – Começando por considerar, a título meramente propedêutico, os 
 fundamentos normativos que se encontram na base do juízo firmado pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, importará reter que a decisão recorrida não se afasta da 
 anterior jurisprudência desse Tribunal segundo a qual 'o formalismo indicado 
 
 [no] artigo 147.º para a prova por reconhecimento não se aplica na fase de 
 julgamento', 'atenta a incompatibilidade entre as regras de tal reconhecimento e 
 as que presidem à tramitação processual da audiência de julgamento', 
 justificando-se a valoração de tais reconhecimentos com base na ideia de não 
 estarem abrangidos por uma proibição directa da lei e de se integrarem no 
 contexto de um meio de prova expressamente previsto – a prova testemunhal – onde 
 
 é possível o exercício do contraditório (cf., inter alia, os Acórdãos do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 22 de Setembro de 1994, de 1 de Fevereiro de 1996, de 2 
 de Outubro de 1996, de 9 de Janeiro de 1997 e de 11 de Maio de 2000, disponíveis 
 em www.dgsi.pt).
 
             Como a delimitação dos poderes cognoscitivos do Tribunal 
 Constitucional não está, no nosso sistema de justiça constitucional, delineada 
 em torno da concepção do recurso de constitucionalidade como sendo um recurso de 
 amparo jurisdicional, não cabe a este Tribunal sindicar o mérito jurídico da 
 decisão recorrida sob a óptica de saber se aí vem assumido o 'melhor direito', 
 mas apenas sindicar a bondade constitucional do critério assumido como ratio 
 decidendi do juízo decisório em termos de saber se o seu sentido 
 jurídico-normativo resvala, ou não, para a esfera do 'não direito', enquanto 
 norma não tolerada pela lei fundamental.
 
             Apenas disso se tratará, pois.
 
             6.2 – Este Tribunal já se pronunciou, no seu Acórdão n.º 137/01, 
 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49º vol., p. 537, sobre a 
 questão da (in)conformidade com a Lei fundamental da norma aqui em causa, num 
 contexto de aplicação na fase do inquérito, tendo, aí, julgado 
 
 'inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas 
 no n.º 1 do artigo 32º da Constituição, a norma constante do artigo 127º do 
 Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o 
 princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um 
 reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras 
 definidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal'.
 
             Estribou-se esse juízo na seguinte argumentação:
 
             
 
             «(...)
 
             Ora, se, em termos gerais, 'a salvaguarda da rectidão das decisões 
 judiciais há-de encontrar-se no respeito por princípios jurídicos fundamentais 
 de prova' (CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, II, reimp., Lisboa, 
 
 1981), a observância de regras básicas que garantam a fidedignidade do acto de 
 reconhecimento é pressuposto da atribuição de valor como meio de prova a tal 
 reconhecimento. 'A validade do acto de reconhecimento é directamente 
 proporcional à observância das formalidades: o acto vale assim tanto menos 
 quanto mais ‘seja hetero-dirigido’' (FRANCESCO M. PAOLA, Ricognizioni, in 
 
 'Digesto delle Discipline Penalistiche', XII, Torino, 1997, pág. 222).
 
             Referindo-se ao artigo 243º do Código de Processo Penal anterior, o 
 acórdão n.º 408/89 (que julgou inconstitucional a norma que permitia 'a 
 realização de actos de reconhecimento do arguido sem a presença do juiz', 
 publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol., tomo II, págs. 1147 
 e segs.) pronunciou-se nos seguintes termos sobre o acto de reconhecimento:
 
  
 
       'A importância do acto de reconhecimento decorre logo e patentemente da 
 frase inicial deste preceito: ‘se houver dúvida sobre a pessoa do culpado 
 
 [...]’. Do que se trata é pois de reconhecer no arguido o responsável pelo crime 
 que lhe é imputado. O ‘reconhecimento do culpado’ é, por isso, de importância 
 decisiva e o resultado do reconhecimento pode, portanto, ser fatal para o 
 arguido.
 
       É por isso que a lei rodeia tal acto de certas cautelas, que a doutrina 
 sublinha e sistematiza num conjunto de regras práticas a observar como condições 
 de genuinidade e seriedade do acto. Entre essas conta-se a regra de que a pessoa 
 a ser sujeita a reconhecimento deve ser apresentada no meio de outras e a regra 
 de que essas pessoas devem ser o mais possível semelhantes à pessoa a reconhecer 
 
 (...).
 
       Compreendem-se estas cautelas. Elas visam minorar os perigos ínsitos em 
 todo o reconhecimento da identidade. (...)
 
       E, uma vez cometido o erro de reconhecimento, difícil será não o repetir 
 na audiência de julgamento, já que ele se converteu numa realidade psicológica 
 para quem procedeu ao reconhecimento. (...)
 
       Embora submetido ao princípio da livre apreciação da prova, o auto de 
 reconhecimento da identidade do arguido tende a merecer, na prática judiciária, 
 um valor probatório reforçado, funcionando quase como uma presunção de 
 culpabilidade do suspeito, pelo menos na fase indiciária'.
 
  
 
              Em suma, dada a relevância que na prática assume para a formação da 
 convicção do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, um 
 reconhecimento tem necessariamente que obedecer, para que possa valer como meio 
 de prova em sede de julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a 
 autenticidade e a fiabilidade do acto.
 
             Dir-se-á que nem todas as regras definidas como condição de 
 admissibilidade da prova por reconhecimento assumem a mesma relevância. A 
 verdade, todavia, é que se não torna necessário proceder a nenhuma distinção, 
 porque a norma aplicada no caso presente as considerou, a todas, desnecessárias.
 
             Deste modo, é claramente lesivo do direito de defesa do arguido, 
 consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição, interpretar o artigo 127º do 
 Código de Processo Penal no sentido de que o princípio da livre apreciação da 
 prova permite valorar, em julgamento, um acto de reconhecimento realizado sem a 
 observância de nenhuma das regras previstas no artigo 147º do mesmo diploma».
 
  
 
             Tais reflexões merecem ser acompanhadas, no que tange à importância 
 que os requisitos presentes no artigo 147.º do Código de Processo Penal assumem 
 ao nível de um reconhecimento idóneo e congruente com a afirmação do(s) 
 direito(s) de defesa do arguido, sendo, todavia, estranhas ao momento de 
 imputação ao arguido que a testemunha, porventura, faça na prestação do seu 
 depoimento.
 Vejamos.
 
  
 
 6.3 – Como refere Germano Marques da Silva (cf. Curso de Processo Penal, II. 
 volume, Lisboa, 1999, p. 174), 'o reconhecimento é um meio de prova que consiste 
 na confirmação de uma percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em 
 estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial anterior e outra actual 
 da pessoa que procede ao acto'.
 Este meio probatório, como vem sendo dogmaticamente assumido, representa um acto 
 de 'extraordinária importância' (cf. – apud Nicola Triggiani, 'La ricognizione 
 personale: struttura ed efficacia', in Rivista italiana di diritto e procedura 
 penale, 1996, fasc. 2-3, p. 730, n. 8; G. Foschini, Sistema del diritto 
 processuale penale, vol. II, 1, La istruzione, Milão, 1961, p. 79), por estar 
 dotado de 'uma grandíssima força impressionística' (C. Taormina, Diritto 
 processuale penale, vol. II, Turim, p. 543). 
 Em face desta sua 'elevada eficácia de convencimento' ou de 'intensa eficácia 
 persuasiva' (cf. Alberto Medina de Seiça, 'Legalidade da prova e reconhecimentos 
 
 'atípicos' em processo penal: notas à margem de jurisprudência (quase) 
 constante', in Aa. Vv. - organização de Manuel da Costa Andrade et alii - Liber 
 disciplinorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, p. 1400), ele pode 
 assumir, na concreta valoração do probatório disponível, um peso determinante do 
 juízo penal.
 Tal entendimento não deixa de ser potenciado – ou, mais impressivamente, 
 confirmado, no plano da sua aplicação prática – pelo juízo de necessidade 
 probatória que o determina e que, naturalmente, reconduz este meio de prova para 
 um campo onde a imputação penal subjectiva não está, em absoluto, totalmente 
 esclarecida, acabando, assim, por actuar, primordialmente, nos casos onde 
 
 'surjam dúvidas relativas à individualização de uma determinada pessoa' (cf. 
 Nicola Triggiani, 'La ricognizione personale: struttura ed efficacia', cit., p. 
 
 731, nta 10, com outras indicações doutrinais). 
 Também Eduardo de Urbano Castrillo/Miguel Ángel Torres Morato (La prueba ilícita 
 penal, 3.ª ed., Madrid, 1999, p. 113) referem a operatividade desta prova 'só 
 quando existem dúvidas de identidade'.
 E, entre nós, Alberto Medina de Seiça ('Legalidade da prova e reconhecimentos 
 
 'atípicos' em processo penal..., cit., p. 1398), debruçando-se sobre o papel 
 desta prova ao nível da identificação, não deixa de concluir que o contexto 
 normal do reconhecimento se verifica durante a investigação.
 Por outro lado, também, não é menos verdade que a prova por reconhecimento, pela 
 sua dependência de inúmeros factores subjectivos, não deixa de assumir uma 
 questão de 'extraordinária delicadeza' – resultante do 'perigo de erro agravado 
 
 (...) pelo fácil sugestionamento de que pode ser vítima a pessoa que deve 
 realizar o reconhecimento' (cf. G. Foschini, Sistema del diritto processuale 
 penale, cit., p. 79).
 Dada a estrutura intrínseca do 'juízo de identidade entre uma percepção presente 
 e uma passada' (a expressão de Altavilla é mencionada por Daniela Vigoni, 'La 
 ricognizione personale', in Rivista italiana di diritto e procedura penale, 
 
 1985, fasc.1, p. 172), a sua realização deve envolver especiais cautelas 
 funcionalizadas a garantir a sua integridade e a fornecer ao juiz uma 
 possibilidade de controlo, judicante da realização e dos resultados decorrentes 
 da mobilização deste meio de prova.
 Assim, reconhecendo que esta prova assenta numa 'modalidade muito particular de 
 reconstrução mnemónica do passado', particularmente sensível a 'múltiplos 
 factores de distorção e engano que ocorrem ao longo de todo o itinerário da 
 cognição, da memorização e da evocação' e que, por isso, se presta a 
 
 'curtos-circuitos' de sensações racionalmente insondáveis' (cf. Alberto Medina 
 de Seiça, 'Legalidade da prova e reconhecimentos 'atípicos' em processo 
 penal..., cit., pp.1397 e 1413 e ss.), torna-se necessário fazer acompanhar este 
 meio probatório de um leque de garantias que concorram para reduzir os riscos de 
 erro e que possibilitem um mínimo de objectivação sindicável no âmbito de um 
 processo marcadamente subjectivo, sendo nesse contexto que deve compreender-se a 
 necessidade de acentuar uma regulamentação minuciosa da actividade preliminar ao 
 reconhecimento, como forma de afastar a marcada desconfiança perante a 
 atendibilidade dos resultados deste meio de prova e a exigência de assegurar na 
 maior medida possível o respeito das regras destinadas a evitar resultados 
 influenciados e preconstituídos– assim se reflectiu em Itália, a propósito do 
 sentido das incontornáveis 'formalidades' inerentes à 'ricognizione,' na 
 Relazione al progetto preliminare del codice di procedura penale [de 1988] 
 
 (texto mencionado por Nicola Triggiani, 'La ricognizione personale: struttura ed 
 efficacia', cit., p. 730).
 
             Ora, os requisitos constantes do artigo 147.º do Código de Processo 
 Penal mais não são do que a concretização dessas exigências, assumindo-se como 
 condições de validade do próprio reconhecimento.          
 
             De facto, quando a norma prevê que, havendo lugar ao reconhecimento 
 se deve solicitar 'à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com 
 indicação de todos os pormenores de que se recorda', sendo-lhe, em seguida, 
 
 'perguntado se já a tinha visto antes e em que condições', está a estabelecer um 
 procedimento que, para além de um funcionalmente adequado 'trazer à lembrança', 
 permite introduzir uma válvula de segurança – que, em bom rigor, sempre será uma 
 segurança 'insegura' – de controlo da credibilidade do reconhecimento e, como 
 consequência disso, da sua efectiva atendibilidade, sendo, de resto, manifesta 
 uma tal finalidade de controlo quando a lei prevê que o sujeito activo do 
 reconhecimento seja interrogado 'sobre outras circunstâncias que possam influir 
 na credibilidade da identificação'.
 
             Como refere Daniela Vigoni ('La ricognizione personale', cit., p. 
 
 174), a propósito da previsão paralela do Codice di Procedura Penale (art. 
 
 213.º), 'a descrição preventiva da pessoa a reconhecer pelo sujeito activo é 
 motivada pelo facto de que, por um lado, a sua realização pode contribuir para 
 graduar a atendibilidade do reconhecimento sucessivo, e, por outro lado, permite 
 a realização da própria experiência recognitiva'.
 
             Só assim se poderá 'verificar se a pessoa chamada a efectuar o 
 reconhecimento faz, na sua declaração, uma efectiva referência à pessoa a 
 reconhecer' (cf., com mais indicações, Nicola Triggiani, 'La ricognizione 
 personale: struttura ed efficacia', cit., p. 734) e se tal 'imputação' é 
 condicionada por factores potencialmente distorsivos da 'imagem' evocada. 
 Nessa medida, ainda que uma 'identificação' inconcludente não seja determinante 
 da impossibilidade do reconhecimento – posto que 'não é suficiente conservar uma 
 imagem, é necessário evocá-la mentalmente para a poder descrever e poucos 
 sujeitos disporão de tal capacidade re-evocativa' (cf., apud Nicola Triggiani, 
 
 'La ricognizione personale: struttura ed efficacia', cit., p. 734, e Daniela 
 Vigoni, 'La ricognizione personale', cit., p. 174, Altavilla, Il riconoscimento 
 e la ricognizione delle persone e delle cose, Roma, 1934, pp. 30 e ss.) –, o 
 cumprimento dos requisitos constantes do artigo 147.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal sempre permitirá que o juiz exerça um controlo mínimo das 
 condições – e condicionantes – da projecção subjectiva do 'fantasma mnemónico' 
 evocado pelo sujeito activo do reconhecimento e, assim, possa valorar, com 
 alguma objectividade, a eficácia probatória do reconhecimento, que, sempre, 
 deverá depender de uma avaliação sobre a 'capacidade do declarante se subtrair a 
 fenómenos de auto ou heterosugestão' (cf., apud Nicola Triggiani, 'La 
 ricognizione personale: struttura ed efficacia', cit., p. 739, E. Fortuna-S. 
 Dragone, 'Le prove', in Aa. Vv., Manuale pratico del nuovo processo penale, 
 Pádua, 1995, p. 369). 
 
             De resto, a este nível, será da maior relevância que o juiz se possa 
 inteirar de todas 'as circunstâncias que possam influir na credibilidade da 
 identificação', tendo em conta as condições realísticas em que o sujeito activo 
 foi confrontado com o sujeito a reconhecer. 
 
             Só assim se poderá colocar o juiz a par do processo 
 mnemónico-evocativo do sujeito activo do reconhecimento, pressuposta a 
 impossibilidade material do julgador se colocar 'por dentro' dessa 
 reconstituição.
 
             Mutatis mutandis, o mesmo se passa quando a identificação efectuada 
 ex vi do artigo 147.º, n.º 1, do Código de Processo Penal 'não for cabal' e for 
 necessário 'confrontar' a pessoa que procede ao reconhecimento com o sujeito a 
 reconhecer.
 
             Também, nesse caso, ainda que tratando-se de um operador 
 subsidiário, é manifesto que os critérios operativos plasmados no n.º 2 da norma 
 sindicanda estão preordenados a garantir, na medida do possível, a 'neutralidade 
 psíquica' do sujeito activo e a 'garantir a atendibilidade do resultado 
 probatório', pretendendo evitar-se, com o cumprimento desses requisitos, meras 
 
 'situações formais que façam [invariavelmente] convergir a escolha sobre o 
 imputado' (cf. Silvia Priori, 'La ricognizione di persona: cosa suggerisce la 
 ricerca psicologica', in Diritto penale e processo, fasc. 10, 2003, pp. 1284 e 
 ss.). 
 Trata-se, no fundo, de tentar reduzir 'um dos mais fortes factores de distorção 
 dos actos recognitivos que decorre do facto de quem é chamado a reconhecer, 
 sobretudo, num ambiente de tensão, sentir-se constrangido a identificar 
 positivamente alguém – o chamado yes effect' (cf. Alberto Medina de Seiça, 
 
 'Legalidade da prova e reconhecimentos 'atípicos' em processo penal..., cit., p. 
 
 1418, n. 91; sobre o yes effect, v. também Silvia Priori, 'La ricognizione di 
 persona: cosa suggerisce la ricerca psicologica', cit., pp. 1284 e ss.; em 
 geral, sobre o sentido dos requisitos procedimentais do reconhecimento, com 
 amplas indicações bibliográficas, cf. Nicola Triggiani, 'La ricognizione 
 personale: struttura ed efficacia', cit., pp. 743 e ss.).
 
  
 
 6.4 – Após o que vem de dizer-se, compreender-se-ão as razões pelas quais o 
 cumprimento dos requisitos constantes do artigo 147.º do Código de Processo 
 Penal pode influenciar o juízo acerca da idoneidade deste meio probatório, mesmo 
 quando usado em audiência de julgamento, no plano do reconhecimento 
 constitucional das garantias de defesa do arguido.
 
             De facto, como sustenta Alberto Medina de Seiça ('Legalidade da 
 prova e reconhecimentos 'atípicos' em processo penal..., cit., p. 1416), os 
 critérios procedimentais previstos para a realização do reconhecimento não podem 
 deixar de ser vistos como 'standards mínimos de validade da informação obtida 
 que, embora não eliminem as limitações inerentes a este tipo de acto 
 cognoscitivo-declarativo, permitem, de todo o modo, reduzi-las a patamares 
 considerados aceitáveis' (cf., neste mesmo sentido, M. Simas Santos e M. 
 Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I volume, Lisboa, 2003, p. 
 
 789, que, em anotação ao artigo 147.º da lei processual penal, reconhecem que 
 
 'todo este procedimento dá especiais garantias quanto à validade do 
 reconhecimento e acentua o carácter autónomo e material' desse meio probatório).
 
             Ademais, cumpre a este propósito evidenciar que, em bom rigor – 
 melhor se dirá, em face da sua natureza intrínseca –, o acto de reconhecimento, 
 em sentido estrito, na sua inerente dimensão recognitiva, sempre 'escapa a um 
 efectivo controle' (cf. Alberto Medina de Seiça, 'Legalidade da prova e 
 reconhecimentos 'atípicos' em processo penal..., cit., p. 1415), sendo, por 
 isso, insusceptível de um verdadeiro contraditório em juízo. 
 Nessa medida, se a mnemónica descodificação subjectiva é, na essência, 
 insindicável, não pode deixar de reconhecer-se a ineliminável necessidade de 
 introduzir, na realização desta prova, um certo grau de objectividade que 
 permita ter em conta, na valoração do reconhecimento, uma diversidade de 
 factores potencialmente distorsivos dessa descodificação, de modo a reduzir-se o 
 
 'ruído' causado por mensagens interferentes no processo evocativo.
 A isso obriga a especificidade da reconstrução mnemónica que é pedida no domínio 
 do reconhecimento e, principaliter, a necessidade do tribunal acompanhar a 
 reconstrução do iter recognitivo, sondando, como instância de controlo da 
 idoneidade e da validade do material probatório, as circunstâncias susceptíveis 
 de determinar a integralidade do acto de reconhecimento.
 
             Assim sendo, o não cumprimento dos requisitos coetâneos ao acto do 
 reconhecimento pode acabar por conduzir à impossibilidade do juiz sindicar as 
 variáveis condicionantes da imputação efectuada e de relevar os seus possíveis 
 factores distorsivos. 
 Na linha do exposto, compreende-se a reduzida valia de uma intervenção post 
 factum que seja estranha – porque posterior – ao acto de reconhecimento em 
 sentido estrito, como seja a possibilidade de 'contra-interrogar' o sujeito 
 activo do reconhecimento.
 Na verdade, o reconhecimento, enquanto reconstrução e evocação de uma 
 experiência sensitiva passada, implica uma analepse interior do sujeito activo 
 do reconhecimento e uma projecção, temporalmente desfasada, de um retrato 
 anterior. 
 Ora, nesse quadro, só se garantirá um mínimo de objectividade sindicável se o 
 juiz puder estabelecer um confronto 'contraditório' com base nos elementos que 
 resultem da exteriorização dessa memória passada revivida em juízo, sendo que o 
 controlo dessa evocação será sempre reforçado quando se dirija ao momento 
 temporalmente relevante da aquisição da percepção.
 Assim sendo, não deve, congruentemente, ter-se juridicamente por asséptica a 
 ordem de cumprimento dos requisitos constantes do artigo 147º, relegando-se para 
 um plano subsidiário o reconhecimento entre outras pessoas (previsto no n.º 2), 
 dado que este, isolado de per se, apenas tem como factor de controlo a 
 existência de outras possíveis escolhas (nisto se esgotando a (im)possibilidade 
 de 'contra-prova'), não se podendo por ele avaliar, inter alia, as 
 características da pessoa a reconhecer ao tempo da aquisição da 'informação' e 
 confrontar o sujeito activo do reconhecimento com esses dados, de molde a 
 garantir um convencimento mínimo da correspondência do reconhecido à pessoa a 
 reconhecer.
 Além do mais, como já se aflorou, as razões essenciais, que, do ponto de vista 
 legislativo, concorrem para a modelação normativa deste específico meio 
 probatório, não deixam, também, de concorrer para justificar a pertinência dos 
 mencionados critérios.
 De facto, tais cautelas apenas se compreendem num ambiente de dúvida e de 
 incerteza quanto à imputação subjectiva, situações para as quais o 
 reconhecimento está finalisticamente preordenado.
 Por isso, este meio de prova não pode confundir-se, na sua essência, com a prova 
 testemunhal e com o juízo de imputação subjectiva que neste domínio seja 
 efectuado.
 Não há dúvida de que entre a 'prova por reconhecimento' e a 'prova testemunhal' 
 existem diversos 'pontos de contacto' (cf. Nicola Triggiani, 'La ricognizione 
 personale: struttura ed efficacia', cit., p. 775 e Massimo Ceresa Gastaldo, 'La 
 ricognizione personale 'attiva' all’esame della Corte Costituzionale: facoltà di 
 astenzione o incompatibilità del coimputato', in Rivista italiana di diritto e 
 procedura penale, 1, 1995, p. 264). 
 Desde logo, pode dizer-se que um testemunho, enquanto 'juízo' de imputação 
 fáctica, implica sempre um 'reconhecimento' de um determinado sujeito – recte, 
 uma individualização concretizadora ou um acto de identificação directa [cf. 
 Nicola Triggiani, 'La ricognizione personale: struttura ed efficacia', cit., p. 
 
 773, n. 173; v. também Daniela Vigoni, 'La ricognizione personale', cit., p. 
 
 183; Giovanni Conso/Vittorio Grevi, Commentario breve al Nuovo Codice di 
 Procedura Penale, Pádua, 1994, pp. 213 e ss.; Tommaso Rafaraci, 'Ricognizione 
 informale dell'imputato e (pretesa) fungibilità  delle forme probatorie' – nota 
 a Cass. sez. II pen. 28 febbraio 1997 – in Cassazione Penale, n.º 6, 1998, pp. 
 
 1739-1747]. 
 Contudo, não podem olvidar-se as diferenças qualitativo-funcionais entre estes 
 dois domínios probatórios.
 Desde logo, importa ter presente o pressuposto específico – que autonomiza o 
 reconhecimento e o erige como meio de prova – traduzido num inequívoco juízo de 
 necessidade, direccionado, como se disse, ao esclarecimento de uma situação de 
 incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas 'quando houver 
 necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa' (v. Alberto Medina 
 de Seiça, 'Legalidade da prova e reconhecimentos 'atípicos' em processo 
 penal..., cit., p. 1413).
 E se este juízo permite distinguir a valoração autónoma deste meio de prova 
 daqueloutra relativa à prova testemunhal qua tale, também não é menos verdade 
 que, por ele, se devem circunscrever à esfera da prova testemunhal os 
 
 'reconhecimentos testemunhais', onde não se autonomize e onde não releve a 
 necessidade de esclarecimento de uma qualquer situação de incerteza quanto à 
 autoria dos factos e à identificação do agente.
 De facto, a identificação subjacente a um depoimento testemunhal esgota a sua 
 eficácia – e a possibilidade de o juiz o valorar – no âmbito de um meio 
 probatório não direccionado ao reconhecimento de uma pessoa e, assim, qualquer 
 
 'individualização' ou 'reconhecimento' – em sentido impróprio, diga-se – que aí 
 se faça não pode deixar de ter como pressuposto uma situação de determinação 
 subjectiva, e, por isso, só poderá ser valorada dentro da esfera probatória de 
 onde emerge – a prova testemunhal –, não lhe podendo ser reconhecido um valor 
 probatório autónomo e separado. 
 Ou seja, por outras palavras, não estando implicada na produção e valoração 
 deste meio de prova uma necessidade de se afastar uma situação de incerteza 
 quanto à identificação de um sujeito, a funcionalidade e a finalidade inerentes 
 a um acto de 'reconhecimento' – de imputação – que se produza neste contexto 
 terá sempre uma função exógena da que é cumprida pelo reconhecimento em sentido 
 próprio – v. g. aferir da credibilidade e consistência do depoimento –, não 
 podendo aquele ser autonomamente valorado para responder às situações onde se 
 justifique a autonomização de um verdadeiro acto de reconhecimento.
 
             Diferenciadas serão já aqueloutras situações onde se torne 
 necessário proceder ao reconhecimento de pessoas.
 Na verdade, havendo que dirimir-se um problema de (in)determinação subjectiva – 
 e recorde-se aqui a especificidade da reconstrução mnemónica que se preside ao 
 acto de reconhecimento, já evidenciada supra, nas suas diferenças em face da 
 construção lógico-narrativa que marca um depoimento testemunhal, comportando 
 aquele uma bem maior margem de aleatoriedade pela inevitável presença de 
 factores emotivos e pela sua difícil controlabilidade (cf. Nicola Triggiani, 'La 
 ricognizione personale: struttura ed efficacia', cit., p. 729; sobre as 
 diferenças ao nível do discurso evocativo, v., inter alia, Tommaso Rafaraci, 
 
 'Ricognizione informale dell'imputato e (pretesa) fungibilità  delle forme 
 probatorie', cit., pp. 1740 e ss.; Alberto Medina de Seiça, 'Legalidade da prova 
 e reconhecimentos 'atípicos' em processo penal..., cit., pp. 1413 e ss.) –, não 
 poderão deixar de ser adoptados critérios adequados a um 'objectivo' judicar da 
 
 'incontrolabilidade da (...) validade gnoseológica' emergente do reconhecimento 
 qua tale como forma de lhe garantir um mínimo de idoneidade probatória.
 Referindo-se ao problema da fungibilidade das provas, e situando-se nesta linha, 
 Alberto Medina de Seiça ('Legalidade da prova e reconhecimentos 'atípicos' em 
 processo penal..., cit., p. 1410 e ss., esp.te 1413) considera que – pressuposta 
 a necessidade efectiva da identificação e como 'a admissibilidade dos meios de 
 prova pressupõe a sua necessidade' e 'esta necessidade impõe não só que sejam 
 admitidos como não sejam substituídos por outras formas probatórias que, embora 
 previstas e disponíveis, não apresentam a mesma capacidade de esclarecimento ou 
 a mesma garantia de fiabilidade' –, 'não é legítimo considerar como testemunho 
 um reconhecimento que não cumpre os cânones previstos no artigo 147º', pelo que, 
 quando tal necessidade se verificar, 'surge o dever de produzir a prova 
 prescrita pelo legislador como a mais idónea para o esclarecimento desse 
 concreto tipo de enunciado, na medida em que nela se condensa um conjunto de 
 regras que a lei, findada na experiência histórica e nos contributos das 
 ciências empíricas, considera como standards mínimos da fiabilidade dessa 
 prova'.
 
              
 
             6.5 – Tendo em consideração o pano de fundo exposto que espelha a 
 diversidade dos interesses jurídicos aqui em causa, cumpre agora confrontá-lo, 
 no caso sub judicio, com o critério normativo que constituiu a ratio essendi da 
 decisão recorrida.
 
             Perscrutando na 'história' dos concretos “reconhecimentos” 
 efectuados nos autos – e no que importa para o presente recurso de 
 constitucionalidade – qual o critério normativo que presidiu à sua efectivação, 
 verifica-se que se efectuou, sempre, uma interpretação do artigo 147.º do Código 
 de Processo Penal no sentido de considerar inaplicável à fase de julgamento a 
 metodologia nele prevista quando “já vem firmada a autoria dos factos e a sua 
 identificação pessoal desde a formação de culpa” e se está perante uma imputação 
 de factos ao arguido, que responde em audiência de julgamento, efectuada no 
 quadro da prestação do depoimento da testemunha. 
 
             O acórdão recorrido recorta o relato dos factos feito pelas 
 testemunhas que depuseram em audiência de julgamento, na parte em que o mesmo 
 envolve a imputação ao arguido, com base na percepção directa que deles tiveram, 
 da autoria dos mesmos factos como consubstanciando ainda um acto de 
 
 “reconhecimento” abarcado pelo tipo legal de meios de prova definido no art.º 
 
 147º do CPP, embora não sujeito a todas as regras de procedimento aí enunciadas, 
 valorando esse acto como sendo um meio probatório de livre apreciação pelo 
 tribunal, mas distinguindo entre a credibilidade a conferir aos depoimentos e o 
 relevo probatório a dar-lhe dentro de uma consideração conjugada com as outras 
 provas produzidas em audiência, na perspectiva funcional da formação da 
 convicção do tribunal sobre a autoria pelo arguido dos factos dados por 
 provados, penalmente relevantes.
 
             É este o sentido o acórdão quando discorre do seguinte jeito:
 
  
 
             “Em julgamento procedeu-se ao reconhecimento – fls. 6172 a fls. 6182 
 
 – através da inquirição de testemunhas (B. e C., D., E. e F.), que antes foram 
 ouvidas pelo sistema de videoconferência, mas que compareceram pessoalmente em 
 audiência, como consta da fundamentação depuseram sobre factos pertinentes à 
 causa decisória, factos que a defesa teve toda a liberdade de investigar e 
 contraditar, deixando no Colectivo, conjugadamente com outras e numerosas provas 
 recolhidas, uma impressão sobeja e idoneamente identificativa da autoria dos 
 factos por parte do arguido, sendo que só o C. e o D. o reconheceram como autor 
 de factos penalmente relevantes - cf. fls. 140 do acórdão de 1ª instância.
 Uma interpretação reconducente das regras do art. 147º, do CPP, à fase de 
 inquérito e instrução, libertando da sua rigidez o Colectivo em sede de 
 julgamento, em nada atenta contra os direitos fundamentais de defesa do arguido, 
 primeiro porque já vem firmada a autoria dos factos e a sua identificação 
 pessoal desde a formação da culpa, apoiada nos indícios probatórios até então 
 recolhidos nos autos, depois, porque, não obstante essa atenuação de rigor 
 formal, esse meio de prova, sujeito a amplo controle em julgamento, não foi o 
 
 único em que se apoiou o Tribunal de 1ª instância para fundar a condenação, 
 recorrendo a outros, após a imediação com eles, de livre valoração, nos termos 
 do art. 127º, do CPP, não se afrontando a CRP”.
 
  
 
             Ora, é bom de ver que, conquanto o acórdão recorrido haja 
 qualificado os momentos dos depoimentos das testemunhas – prestados em audiência 
 de julgamento e em que estas subjectivaram, referindo-a ao arguido, a prática 
 dos factos cujo conhecimento fundaram na sua percepção sensorial –  como 
 traduzindo um acto (meio de prova) de “reconhecimento”, o certo é que não podem 
 eles ser havidos enquanto corporizando substancialmente o meio de prova regulado 
 no artigo 147º do CPP.
 
             Se a testemunha que depõe em audiência de julgamento, tendo na sua 
 frente certa pessoa na posição de arguido, lhe assaca a prática de certos 
 factos, contextualizados espácio-temporalmente, a questão posta ao tribunal não 
 
 é a de saber qual é a pessoa, dentre várias, a quem os factos constantes da 
 pronúncia podem ser atribuídos, que corresponde à representação recognitiva e 
 mnemónica retida pela testemunha, mas a de saber se a imputação feita nesse 
 depoimento a essa concreta pessoa é ou não credível, segundo o princípio da 
 livre apreciação da prova testemunhal.
 Em causa não está, pois, saber qual é a identidade da pessoa que corresponde à 
 imagem que a testemunha sensorizou como sendo o autor dos factos que relata, mas 
 sim a de saber se a subjectivação que faz relativamente ao arguido se revela 
 capaz, dentro da apreciação crítica de todas as provas produzidas em julgamento, 
 de fundar a convicção do tribunal. 
 Assim sendo, nada impede o Tribunal de 'confrontar' uma testemunha com um 
 determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos 
 quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância 
 em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da 
 testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que 
 não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao 
 retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o 
 tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido.
 Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre 
 quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida 
 como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter 
 precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é 
 que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido. 
 Aqui desenvolve-se um específico meio de conhecimento de factos – meio de prova 
 
 – cujo fim é apenas o de apurar a identidade da pessoa que corresponde àquele 
 retrato. 
 Só neste caso é que, no plano da conformação dos meios legais de prova, o 
 reconhecimento, tem um valor autónomo de prova, não sendo legítimo fundir tal 
 valor probatório no domínio da prova testemunhal para, (in)dependentemente 
 disso, libertar a prova por reconhecimento das amarras credenciadoras da sua 
 adequada obtenção, mesmo que produzido em julgamento.
 
             In casu, como se relatou, não foi efectuado pelas testemunhas 
 qualquer acto processual autónomo do da prestação do seu depoimento que esteja 
 legalmente funcionalizado para poder dar a conhecer se, entre várias pessoas de 
 identidade desconhecida, entre as quais o arguido se contaria, a imagem 
 mnemónica retida pelo identificante incidiria sobre este.
 
             Em rectas contas, não se trata de situação que se ajuste ao meio de 
 prova conformado no art.º 147º do CPP, designado de reconhecimento, mas 
 simplesmente de uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a 
 certa pessoa ou pessoas, sendo de notar que na dinâmica dos acontecimentos podem 
 estar “em cena” não só o arguido (possível sujeito passivo do reconhecimento) 
 mas também outras pessoas intervenientes no processo, como ofendidos e outras 
 testemunhas.
 
             Tal imputação integra-se, assim, no meio de prova testemunhal, tendo 
 o valor probatório que legalmente lhe está atribuído (livre apreciação). 
 A circunstância de o tribunal, ao fundamentar a sua convicção, cindir, na 
 valoração do meio de prova testemunhal, o momento de imputação do da ponderação 
 do depoimento, na sua totalidade, e em conjugação com os demais meios de prova, 
 não equivale a atribuir a essa imputação um valor autónomo de prova, 
 correspondendo antes a uma atitude de fazer realçar os diferentes aspectos do 
 depoimento que se revelaram decisivos, dentro da apreciação crítica das provas, 
 para a formação da sua convicção.
 
             De qualquer modo, a circunstância de a realidade processualmente 
 acontecida haver sido subsumida pelo acórdão recorrido a um certo entendimento 
 do art.º 147º do CPP – simpliciter, o de o acto da testemunha não estar sujeito 
 ao cumprimento de todas as regras consubstanciadoras dos standards mínimos 
 legais que suportam a fiabilidade daquele meio de prova – não constitui óbice a 
 que o Tribunal Constitucional possa conhecer se a substancialidade do meio 
 impropriamente denominado de reconhecimento e qualificado dentro de tal preceito 
 legal, mas em rigor correspondente a prova testemunhal, ofende o princípio da 
 plenitude das garantias de defesa consagrado no art.º 32º, n.º 1, da 
 Constituição.
 
             Ora, vigorando na fase da audiência de julgamento, na sua plenitude, 
 o princípio do contraditório, não pode deixar de entender-se que o arguido pode 
 questionar todos os elementos de facto que sejam evidenciados pela testemunha 
 como razão de ciência da imputação feita ao arguido, bem como a correcção da sua 
 prognose recognitiva.
 
             E visto nesta dimensão, o impropriamente denominado acto de 
 
 “reconhecimento” não viola a referida norma constitucional ou qualquer outra. 
 
             
 C – Decisão
 
  
 Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a)      não julgar inconstitucional o 147º, nos 1 e 2, do Código de Processo 
 Penal, na interpretação segundo a qual quando, em audiência de julgamento, a 
 testemunha, na prestação do seu depoimento, imputa os factos que relata ao
 arguido, a identificação do arguido efectuada nesse depoimento não está sujeita 
 
 às formalidades estabelecidas em tal preceito;
 b)      negar provimento ao recurso;
 c)      condenar o recorrente nas custas, fixando a procuradoria em 20 Ucs.
 
  
 
  
 Lisboa, 25 de Agosto de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos