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Processo n.º 638.05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida 
 pelo relator que julgou não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade 
 por ele interposto do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), 
 de 4 Maio de 2005, completado pelo acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 22 de 
 Junho de 2005, que indeferiu o seu pedido de aclaração, acórdão aquele que negou 
 provimento ao recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa que, por seu 
 lado, confirmara o acórdão do Tribunal Colectivo da comarca de Vila Franca de 
 Xira que o condenou como autor material de dois crimes de homicídio voluntário 
 qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea i), do Código 
 Penal (CP), nas penas de 16 e 17 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena 
 unitária de 25 anos de prisão.
 
  
 
             2 – Em apoio da sua reclamação, o reclamante nada diz, limitando-se 
 a afirmar a sua discordância como o decidido.
 
  
 
             3 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu, 
 defendendo a improcedência da reclamação por o reclamante não ter especificado 
 os motivos de contestação do decidido e não se vislumbrar qualquer razão para o 
 questionar.
 
  
 
             4 – A decisão sumária tem o seguinte teor:
 
  
 
             «1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça (STJ), de 4 Maio de 2005, completado pelo acórdão do mesmo Supremo 
 Tribunal, de 22 de Junho de 2005, que indeferiu o seu pedido de aclaração, 
 acórdão aquele que negou provimento ao recurso interposto do acórdão da Relação 
 de Lisboa que, por seu lado, confirmara o acórdão do Tribunal Colectivo da 
 comarca de Vila Franca de Xira que o condenou como autor material de dois crimes 
 de homicídio voluntário qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, 
 alínea i), do Código Penal (CP), nas penas de 16 e 17 anos de prisão e, em 
 cúmulo jurídico, na pena unitária de 25 anos de prisão.
 
  
 
             2 – O recorrente interpôs o recurso de constitucionalidade através 
 de requerimento com o seguinte teor:
 
  
 
 «A., arguido preso no E P Carregueira, tendo sido notificado do teor do Colendo 
 Acórdão deste Alto Tribunal e não se conformando com o mesmo, vem interpor 
 recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
 
  
 O recurso é interposto ao abrigo 70 – 1- b) da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 O recurso tem em vista apreciar as seguintes questões:
 
  
 A fundamentação e a motivação das decisões judiciais constituem pressuposto 
 fundamental da sua eficácia uma vez que só assim os destinatários das mesmas e a 
 comunidade jurídica em geral poderão ficar ou ser 'convencidos' da sua justiça.
 
  
 A fundamentação/crítica da prova e documentos que a alicerçam constitui uma 
 garantia de controlo democrático do poder judicial em face do cidadão comum e do 
 Estado de Direito.
 
  
 A garantia constitucional do DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO ocupa lugar cimeiro no 
 sistema de valores da nossa Lei Fundamental – art. 205º da CRP.
 
  
 Uma Decisão como a recorrida cuja fundamentação não é explícita, no atinente à 
 IMPUTABILIDADE DIMINUIDA DO RECORRENTE não atendendo aos requisitos da 
 PERSONALIDADE – na interpretação, dada ao art. 374º – 2, C.P.P. é 
 inconstitucional por violação dos arts 32º-1 e 205º, da Lei Fundamental.
 
  
 O RELATÓRIO DO EXAME PSICOLÓGICO revela que o arguido A. sofre:
 
  
 
 - ansiedade facilmente despertável;
 
 - hiperemotividade
 
 - primarismo.
 
 - labilidade emocional
 
 - deficiente controlo dos impulsos
 
 - reacção extrapunitiva sem mediação dos afectos/crítica;
 
  
 Por sua vez, o arguido A. confessou sofrer:
 
  
 
 - IMENSOS CIÚMES
 
 - ESTAVA ATORMENTADO E AFLITO
 
 - SOFRIA PELA INFIDELIDADE e TRAIÇÃO
 Na véspera ……. Não conseguiu dormir
 
  
 NÃO FORAM VALORADOS A FAVOR DO ARGUIDO A SUA PATOLOGIA GRAVE E A PERTURBAÇÃO DA 
 PERSONALIDADE.
 
  
 Estes factores militam a favor do arguido e deveriam conter as bases de 
 IMPUTABILIDADE DIMINUIDA e ATENUAÇÃO DA PENA nos termos dos arts. 72º-1 e 2, do 
 Código Penal.
 
  
 A omissão na apreciação do Relatório Psicológico e da sua valoração viola as 
 garantias de defesa e é fulminada com NULIDADE – art. 379º CPP pelo que foi 
 violado o art. 32º- 1 e 5, da Lei Fundamental.
 
  
 Foram violados os arts. 374º-2, C.P.P. e art. 32º-1 e 5, da Lei Fundamental 
 verifica-se a NULIDADE DO ART. 379º-1, A) e C), C.P.P. e violação do art. 205º 
 da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Uma Perícia nos termos do art. 159º C.P.P. – possível em qualquer altura do 
 processo – art. 158º-1, CPP poderia levar a uma avaliação diferente da 
 responsabilidade penal. Não se tomou em consideração que o
 
  
 DISTÚRBIO MENTAL É HOJE CONSIDERADO PELA PSIQUIATRIA DE UM MODO RADICALMENTE 
 NOVO COM PROJECÇÃO NA JUSTIÇA E NO DIREITO PENAL
 
 - Gianluigi Ponti e lsabella Merzagora, Psichiatria e Giustizia, Ed. Milano, 
 
 1993, pg 3 e ss.
 
  
 A PROVA PERICIAL É ESSENCIAL PARA APURAR DO ESTADO PSIQUICO DO ARGUIDO NO 
 MOMENTO DOS FACTOS.
 
  
 
 “…e é uma prova obrigatória: arts 151º e 351º CPP – Acórdão deste Alto Tribunal 
 de 18-10-89 – Proc. 040762 - in www.dgsi.pt
 
  
 A Veneranda Relação Lisboa e o SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA ostracizaram o EXAME 
 FORENSE PSIQUIATRICO ao arguido e incorreu em manifesta contradição ao 
 considerarem que o arguido agiu:
 
  
 
 'ANIMADO...: POR UM CIUME.... IMPEDITIVO DE REFLEXÃO..... AGIU LIVRE, 
 CONSCIENTE... 'com determinação meticulosa…”
 
  
 A FLS. 9 o STJ julgou que:
 
  
 Esses ciúmes não atingiram, a inferir dos factos provados, a natureza psicótica… 
 mas apenas um estado “quase' doentio.
 
  
 E a fls. 10 o STJ decidiu que:
 
  
 Defrontamo-nos, claramente, perante uma situação em que a requerida perícia é de 
 indeferir e de arredar a conclusão de que a imputabilidade se achava diminuída.
 
  
 Os arts 158º-1, 159º, CPP e 374º-2, do C.P.P. são inconstitucionais por violação 
 do art. 32º-1 e 4º e 29º-4, da LEI FUNDAMENTAL quando entendidos, como o fez o 
 STJ que pode ser punido o recorrente sem recurso à PERÍCIA PSIQUIÁTRICA 
 porquanto:
 
  
 
 - o ciúme é um estado que obscurece a inteligência;
 
 - o ciúme é causa perturbadora do conhecimento
 
 - o ciúme impede agir com discernimento e de forma livre
 
  
 DAÍ QUE O RECURSO DEVA SER ADMITIDO.
 
  
 As questões supra suscitadas foram apresentadas nas CONCLUSÕES 9, 12 e 13 DO 
 RECURSO INTERPOSTO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO LISBOA PARA O SUPREMO TRIBUNAL 
 JUSTIÇA».
 
  
 
             3 – Porque se verifica uma situação que se enquadra no n.º 1 do 
 art.º 78º-A, da LTC, perante o teor do acórdão do STJ, ora recorrido, e os 
 termos em que as questões de constitucionalidade vêm colocadas no requerimento 
 acabado de transcrever, passa a decidir-se imediatamente.
 
  
 
             4 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da 
 Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que 
 se limita a reproduzir o comando constitucional, consubstancia-se na questão de 
 
 (in)constitucionalidade da norma(s) de que a decisão recorrida faça efectiva 
 aplicação ou que constitua o fundamento normativo do aí decidido. 
 
             Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade que é exigido pela natureza instrumental (e incidental) do 
 recurso de constitucionalidade tal como o mesmo se encontra desenhado no nosso 
 sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas 
 jurídicas pelos vários tribunais, bem como pela natureza da própria função 
 jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional 
 em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues 
 Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e, 
 entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, 
 de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 
 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, 
 publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando 
 os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no 
 mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).
 
             Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização 
 concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou 
 reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou 
 ou devesse ter apreciado. 
 
             Na verdade, o conhecimento da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento. 
 
             Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal 
 Constitucional aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão recorrida 
 ou seja o fundamento normativo da decisão recorrida. 
 
  
 
             Por outro lado, cumpre acentuar que, sendo o objecto do recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas 
 que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se no 
 recurso de constitucionalidade a decisão judicial em sim mesma quando esta faça 
 aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais ou o modo como a 
 mesma determinou o direito infraconstitucional e o aplicou às circunstâncias 
 concretas do caso.
 
             Como já se afirmou, é sempre forçoso que no âmbito dos recursos 
 interpostos para o Tribunal Constitucional se questione a 
 
 (in)constitucionalidade de normas, não sendo, deste modo, admissíveis os 
 recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo 
 espanhol, sindiquem sub species constitutionis a concreta aplicação do direito 
 efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de 
 
 “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou 
 seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do 
 julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo – a intervenção do Tribunal 
 Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas 
 apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão 
 recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de 
 constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso 
 para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da 
 República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por 
 exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 
 
 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, 
 publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
 
  
 
             4 – Apesar do carácter difuso do requerimento de interposição de 
 recurso, descortinam-se nele três questões diferentes de constitucionalidade, 
 cuja apreciação se pede ao Tribunal Constitucional.
 
             4.1 – A primeira vem recortada através do seguinte discurso: 
 
  
 
 «Uma Decisão como a recorrida cuja fundamentação não é explícita, no atinente á 
 IMPUTABILIDADE DIMINUIDA DO RECORRENTE não atendendo aos requisitos da 
 PERSONALIDADE – na interpretação, dada ao art. 374º – 2, C.P.P. é 
 inconstitucional por violação dos arts 32º-1 e 205º da Lei Fundamental.
 
  
 O RELATÓRIO DO EXAME PSICOLÓGICO revela que o arguido A. sofre:
 
  
 
 - ansiedade facilmente despertável;
 
 - hiperemotividade
 
 - primarismo.
 
 - labilidade emocional
 
 - deficiente controlo dos impulsos
 
 - reacção extrapunitiva sem mediação dos afectos/crítica;
 
  
 Por sua vez, o arguido A. confessou sofrer:
 
  
 
 - IMENSOS CIÚMES
 
 - ESTAVA ATORMENTADO E AFLITO
 
 - SOFRIA PELA INFIDELIDADE e TRAIÇÃO
 Na véspera ……. Não conseguiu dormir
 
  
 NÃO FORAM VALORADOS A FAVOR DO ARGUIDO A SUA PATOLOGIA GRAVE E A PERTURBAÇÃO DA 
 PERSONALIDADE.
 
  
 Estes factores militam a favor do arguido e deveriam conter as bases de 
 IMPUTABILIDADE DIMINUIDA e ATENUAÇÃO DA PENA nos termos dos arts. 72º-1 e 2 do 
 Código Penal».
 
  
 
             Como se vê desta alegação, o que o recorrente se apresenta a 
 controverter não é qualquer acepção normativa que o acórdão recorrido haja 
 inferido do art.º 374º, n.º 2, do CPP, que afronte a norma constante do artigo 
 
 205º da Constituição, relativa ao dever de fundamentação das decisões judiciais 
 
 –, e cuja definição dos seus respectivos termos o recorrente enuncie, como lhe 
 impõe o ónus processual da auto-responsabilidade processual – mas a correcção do 
 juízo efectuado pelo tribunal a quo no que importa à consideração de aspectos de 
 facto que estão evidenciados no relatório do exame psicológico a que foi 
 submetido e nos quais sustenta sofrer de patologia grave e de perturbação da 
 personalidade que fundamenta uma imputabilidade diminuída e uma atenuação da 
 pena, nos termos do art.º 72º, nºs 1 e 2, do CP, e à sua respectiva não 
 explicitação no discurso fundamentador do acórdão recorrido. 
 
             Mas, independentemente de, sempre, se estar a questionar a correcção 
 da decisão judicial nos planos do juízo probatório por ela efectuado sobre os 
 factos e da sua subsunção normativa, não poderá deixar de considerar-se, ao 
 contrário do alegado pelo recorrente, ser a decisão bem explícita no tocante à 
 não verificação de uma situação de imputabilidade diminuída. Na verdade, o 
 acordo recorrido discorre, expressa e abundantemente, sobre ela, com base na 
 materialidade fáctica pertinente, dada por provada pelas instâncias, relativas à 
 personalidade do arguido e ao modo como levou a cabo os factos por cuja prática 
 foi condenado. 
 
             Não pode, pois, conhecer-se da precedente questão de 
 constitucionalidade, enunciada pelo recorrente.
 
  
 
             4.2 – A segunda questão de constitucionalidade vem colocada do 
 seguinte jeito:
 
  
 
         «A omissão na apreciação do Relatório Psicológico e da sua valoração 
 viola as garantias de defesa e é fulminada com NULIDADE – art. 379º CPP pelo que 
 foi violado o art. 32º- 1 e 5, da Lei Fundamental.
 
  
 Foram violados os arts. 374º-2 C.P.P. e art. 32º-1 e 5, da Lei Fundamental 
 verifica-se a NULIDADE DO ART. 379º-1, A) e C), C.P.P. e violação do art. 205º 
 da Constituição da República Portuguesa».
 
  
 
             Independentemente de o recorrente confundir o momento relativo à 
 correcção do juízo probatório efectuado pelo tribunal – o qual se concretiza na 
 ponderação, de acordo com os critérios estabelecidos na lei, das provas 
 produzidas em audiência de julgamento e na formação, na consciência do juiz, de 
 uma decisão sobre os factos que tem por provados ou não provados em face da 
 convincência que aquelas provas lhe mereceram – , com o momento posterior, de 
 natureza formal, consubstanciado no discurso de enunciação das provas e de 
 apreciação crítica de que as mesmas foram objecto, tendente a dar a conhecer, 
 objectivamente, o percurso cognitivo-valorativo prosseguido pelo tribunal para 
 decidir como decidiu a matéria de facto, dada como provada e não provada, 
 verifica-se, uma vez mais, que aquilo que o recorrente contesta é o resultado de 
 tal juízo, e a não expressão, em um discurso motivador com ele condizente, desse 
 outro juízo probatório que o acórdão recorrido, na sua perspectiva 
 cognitivo-valoratória do referido relatório psicológico, haveria de ter levado a 
 cabo, e não qualquer norma/dimensão normativa que, tendo constituído ratio 
 decidendi de tal decisão, afronte normas ou princípios constitucionais.
 
             Acresce, por outro lado, que o recorrente imputa, também, o vício de 
 inconstitucionalidade não a qualquer dimensão normativa dos artigos 374º, n.º 2, 
 e 379º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPP – que, de resto, não define – mas 
 directamente à decisão judicial, ao afirmar que ela violou não só esses 
 preceitos de direito processual como também os artigos 32º, nºs 1 e 5, e 205º, 
 da Lei fundamental.
 
             Consequentemente, também, não poderá conhecer-se desta questão de 
 constitucionalidade pela falta do referido pressuposto específico do recurso 
 
 (questionamento, sub specie constitutionis, de uma norma/dimensão normativa).
 
  
 
             4.3 – Finalmente, a terceira questão de constitucionalidade vem 
 apresentada em torno de um discurso que conclui pelo seguinte modo:
 
  
 
         «Os arts 158º-1, 159º CPP e 374º-2 do C.P.P. são inconstitucionais por 
 violação do art. 32º-1 e 4 e 29º-4 da LEI FUNDAMENTAL quando entendidos, como o 
 fez o STJ que pode ser punido o recorrente sem recurso à PERÍCIA PSIQUIÁTRICA 
 porquanto:
 
  
 
 - o ciúme é um estado que obscurece a inteligência;
 
 - o ciúme é causa perturbadora do conhecimento
 
 - o ciúme impede agir com discernimento e de forma livre».
 
  
 
             Neste caso, o recorrente integra nas hipóteses abstractas das normas 
 cuja constitucionalidade pretende ver sindicada elementos factuais ou juízos de 
 valor, relativos ao caso concreto ou às suas especificidades factuais ou 
 valorativas concretas, por os ter, eventualmente, por correctos, mas que o 
 acórdão recorrido não só não acolheu como até ajuizou de modo oposto.
 
             Deste modo, mesmo admitindo que o recorrente estivesse a impugnar 
 constitucionalmente as referidas normas jurídicas e não o mérito da concreta 
 decisão judicial, com base na falta de consideração, por banda desta, de 
 circunstâncias tidas como juridicamente relevantes, atinentes quer à matéria de 
 facto, quer ao direito tido por directamente aplicável, sempre seria de concluir 
 que o recorrente não está a sindicar constitucionalmente as referidas normas na 
 acepção com que foram aplicadas, mas numa outra dimensão, diferente, por si 
 construída. 
 
             Esta circunstância obsta, desde logo, a que possa conhecer-se do 
 objecto do recurso, por tais hipotéticas “normas” não terem constituído ratio 
 decidendi da decisão recorrida.
 
             A este respeito, o acórdão recorrido abonou-se, antes, nas seguintes 
 considerações:
 
  
 
         «Esta perícia tanto pode realizar-se em sede de inquérito, nos termos do 
 art. 159º, n.º 2, do CPP, como em julgamento, nos termos do art. 351º, n.º 1 do 
 CPP, mas aqui oficiosamente ou a requerimento do arguido, sendo obrigatório o 
 juiz determiná-la, se, fundadamente, se suscitar a inimputabilidade do arguido; 
 já é facultativa – n.º 2 – a realização da perícia, em caso de imputabilidade 
 diminuída, uma vez que a prova do estado psíquico do arguido, menos grave, se 
 pode efectuar por recurso a outros meios de prova – cfr. Ac. do ST J, de 
 
 22.3.89, AJ., n.º 3, 8.
 
  
 Estranhamente o arguido não suscitou a questão nem da inimputabilidade ou da 
 diminuição da imputabilidade às instâncias, colocando-a pelo primeira vez a este 
 STJ, esquecendo que os recursos são, ordinariamente, meios de modificação de 
 decisões e não de criação de decisões de matéria nova; os recursos visam o 
 reestudo de casos já resolvidos e vistos pelas instâncias, a correcção de 
 injustiças decisórias, e não a pronúncia sobre questões novas, que suprime graus 
 de jurisdição, como é jurisprudência uniforme (cf. Ac. deste STJ, de 27.1.93, 
 BMJ 423, 512).
 
  
 Significa-se, em consequência, que, até por a ponderação dos resultados da 
 perícia sobre o estado de saúde mental do arguido se prender com a matéria de 
 facto, cuja sindicância é vedada, como tribunal de revista, nos termos do art. 
 
 434º, do CPP, a este STJ, como princípio, não lhe cabe pronunciar-se sobre 
 aquela omissão, a não ser que, mas então oficiosamente, se se lhe afigure, com 
 segurança, pelos elementos disponibilizados nos autos, e de forma imprescindível 
 
 à descoberta da verdade, nos termos do art. 340º, do CPP, que se procedeu a uma 
 indagação lacunar e negligente, obrigando à ampliação da matéria de facto, nos 
 termos do art. 410º, nº. 2, a), do CPP, para se fundar uma correcta decisão de 
 direito, mantendo-se o STJ ainda no âmbito da sua reserva de competência.
 
  
 Na motivação de recurso intentado para a Relação não deixa de ser sobejamente 
 elucidativa a alegação a fls. 757, com origem no próprio arguido, de que agiu 
 
 'de forma transtornada', 'toldado pela fúria e álcool', sem querer matar, à 
 margem da invocação de qualquer estado de imputabilidade diminuída.
 
  
 Sem poder confundir-se o exame psiquiátrico com o psicológico, previsto no art. 
 
 159º, n.º 1, do CPP, com vista à avaliação da personalidade e perigosidade do 
 agente, suas características psíquicas, independentes de causas patológicas, bem 
 como o seu grau de socialização, este último exame (fls. 666) firmou, entre os 
 aspectos mais relevantes, que o arguido goza de média inteligência, não revelado 
 defeito ao controle da acção concreta, possui capacidade de distinção entre 
 acessório e o essencial, apresentando-se ao exame, lúcido, em estado de notória 
 ansiedade, sendo por esta razão um hiperemotivo e lábil emocionalmente, com 
 alguma dificuldade de controle de impulsos, levando-a a reagir 
 extrapunitivamente sem mediação dos afectos e da crítica'.
 
  
 
 À luz de tal exame, o Colectivo, da imediação com o seu interrogatório, demais 
 provas e outros elementos congregados nos autos, não encontrou qualquer 
 deficiência da própria consciência ético-jurídica que lhe não permita apreender 
 correctamente os valores jurídico-penais, sintoma de ignorância da maldade da 
 acção e das regras gerais de moralidade, por isso concluiu, e bem, que agiu 
 voluntária, livre e conscientemente, matéria de facto, de resto escapando à 
 sindicância deste STJ.
 Os motivos que levaram o arguido a praticar os dois homicídios, escreve-se no 
 acórdão de 1ª instância, a fls. 709, foram os ciúmes quase (frisa-se) 'doentios' 
 que sentia relativamente à ex-mulher de quem se divorciara havia cerca de 8 anos 
 e a desconfiança de que a mesma tinha um relacionamento amoroso com a vítima 
 Dionísio de Almeida, mas nada autoriza a concluir que actuou sob alteração da 
 razão, causada por doença do foro mental, por forma a não conhecer a natureza e 
 a qualidade do seu procedimento, determinando automaticamente à passagem a acto.
 
  
 O Prof. Pinto da Costa, em parecer a que se faz alusão no Ac. deste STJ, de 
 
 17.3.95, in CJ, Ano III, 1995, T2, 205, escreve que, em regra, os estados 
 passionais não geram uma situação de inimputabilidade.
 
  
 E os ciúmes que detinha em relação à ex-esposa, havida como 'pessoa séria, 
 honesta, honrada e muito querida junto daqueles que com ela se relacionavam' nem 
 se justificavam uma vez que se havia divorciado daquela havia cerca de 8 anos, 
 cessando o dever de fidelidade entre ambos, além de que não se demonstra 
 qualquer motivo de imputação de uma eventual ligação amorosa com a outra vítima, 
 por isso que se não descortina uma culpa acentuadamente esbatida, base para uma 
 situação de imputabilidade diminuída, que conduza a uma pena especialmente 
 atenuada, nos termos do art. 20º, n.º 2, do CP.
 
  
 Esses ciúmes não atingiram, a inferir dos factos provados a natureza psicótica 
 como o arguido intenta fazer crer, sem qualquer fundamento nos parâmetros da 
 perícia efectuada mas, apenas, um estado 'quase'doentio.
 
  
 A cultura europeia, escreve-se naquele acórdão deste STJ, abandonou, de há 
 muito, uma concepção especialmente privilegiante dos crimes passionais, 
 imperante no pensamento politico-criminal novecentista relativamente ao 
 homicídio praticado pelo marido ou mulher que achasse o cônjuge em flagrante 
 delito de adultério, punido com pena especialmente reduzida, retirando à 
 infidelidade o relevo de outrora, pelo valor cada vez mais relevante atribuído à 
 vida, não se justificando tratamento de tão significativo valor atenuativo, sem 
 razão de ser, de resto revogado pelo Dec.-Lei nº 262/75, de 27/3.
 
  
 Defrontamo-nos, claramente, perante uma situação em que à requerida perícia é de 
 indeferir e de arredar a conclusão de que a sua imputabilidade se achava 
 diminuída».
 
  
 
             Importa, assim, concluir que o Tribunal Constitucional, também, não 
 poderá conhecer desta questão de constitucionalidade.
 
  
 
             5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide não tomar conhecimento do recurso e condenar o recorrente em custas, 
 fixando a taxa de justiça em 8 UCs.». 
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             5 – Como se disse, o reclamante não esgrime quaisquer motivos contra 
 a bondade do decidido, limitando-se a afirmar que não se conforma com a decisão 
 sumária.
 
             Não se vêem, porém, quaisquer razões para pôr em causa a correcção 
 dos fundamentos em que se apoia o julgamento efectuado na decisão reclamada.
 
             Assim sendo, a reclamação tem de ser indeferida.
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
             Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
 
  
 Lisboa, 25 de Agosto de 2005
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos