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Processo n.º 850/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
               (Conselheiro Cura Mariano)
 
     
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A. intentou no Tribunal do Comércio de Lisboa (processo n.º 
 
 1270/07.3TYLSB, do 1.º Juízo) procedimento cautelar de suspensão de deliberações 
 sociais contra B., Limitada.
 
  
 
             2 – Após produção de prova, foi proferida sentença em 13-5-2008 que 
 julgou improcedente a providência cautelar requerida.
 
  
 
             3 – O requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 7-10-2008, negou provimento ao 
 recurso.
 
  
 
             4 – O requerente interpôs então recurso para o Tribunal 
 Constitucional nos seguintes termos:
 
  
 
             “O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º 
 da Lei 28/22, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei 85/89, de 7 de 
 Setembro. 
 
             Pretende o ora recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da 
 norma do art. 255º nº 1 e nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, segundo a 
 interpretação que lhe foi dada pela 1ª instância e que foi confirmada pelo 
 Acórdão dessa Relação de 08/10/2008. 
 
             Com efeito nas Alegações de Recurso o ora Recorrente demonstrou à 
 saciedade que o PRINCÍPIO DA LIVRE REDUÇÃO da Remuneração dos Gerentes, como é 
 consagrado no Acórdão Recorrido, viola PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS do nosso 
 ordenamento jurídico. 
 
             Como diz, e muito bem o Prof. Raul Ventura (Sociedade por Quotas, 
 Vol. III, pág. 70) a possibilidade da redução da remuneração só poderá ter lugar 
 através do recurso ao Tribunal. 
 
             É facto inquestionável que a relação jurídica da gerência 
 consubstancia um contrato que há-de ser regulado pelos princípios gerais de 
 direito civil, designadamente as normas sobre contratos da sociedade por força 
 do disposto no art. 2º do C. S. Comerciais. 
 
             Ora, estando-se no domínio da matéria contratual, é inequívoco que 
 um elemento do contrato – remuneração – só por mutuo acordo pode ser alterado, 
 como resulta do disposto no art. 406º nº 1, do Código Civil, conjugado com o 
 art. 987º nº 1, do mesmo Código. 
 
             Aceitar-se o Livre Principio da Remuneração dos Gerentes é 
 aceitar-se normas que atentam contra a protecção dos cidadãos que, desse modo, 
 viam a sua estabilidade e a do seu agregado familiar sofrer as alterações ao 
 sabor das deliberações arbitrárias e prepotentes dos sócios maioritários das 
 sociedades por quotas. 
 
             Ora, o Estado de direito democrático, ínsito no art. 2º da Lei 
 Fundamental, repudia frontalmente interpretações como a que é sufragada pela 
 Decisão recorrida, sem esquecer que no art. 255º do Código das Sociedades 
 Comerciais não está, de modo algum, consagrado o principio da livre redução da 
 remuneração dos gerentes pela Assembleia Geral dos sócios de uma sociedade por 
 quotas. 
 
             O Código das Sociedade Comerciais não precisou de proibir a redução 
 da remuneração de gerentes, pela razão simples de que tal redução é repelida 
 pelos princípios gerais de direito ínsitos no art. 406º nº 1, do Código Civil e 
 
 232º nº 1 do Código Comercial. 
 
             A verdade é que as normas do art. 255º nº 1 e nº 2 do C.S. 
 Comerciais interpeladas com o sentido que lhes foi atribuído, constituí um 
 atentado ao Princípio da Confiança e dos Direitos Adquiridos consagrado no art. 
 
 2º da Lei Fundamental. 
 
             Por outro lado, conceder às assembleias gerais das sociedades o 
 direito de redução da remuneração do gerente constitui um verdadeiro entrave ao 
 recurso ao Tribunal para impugnar a deliberação, já que a assembleia de sócios 
 se substituí ao Tribunal, impedindo o Acesso aos Tribunais, e dessa forma 
 violando o disposto no art. 20º nº 1 da C.R. Portuguesa, e impedindo, também por 
 esse lado, o Tribunal de dirimir o conflito, viola-se o disposto no art. 202º nº 
 
 2 da C. R. Portuguesa. 
 
             É, assim, mais que evidente que a norma prevista no art. 255 nº 1 e 
 nº 2 do Código das Sociedades Comerciais na interpretação e sentido que lhe foi 
 dado pelo Acórdão Recorrido, está ferida do vício de inconstitucionalidade 
 material. 
 
             A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo Recorrente nos 
 artigos 42 a 66 e nas conclusões 26ª a 38ª das Alegações de Recurso para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, que aqui se reproduzem para todos os efeitos 
 legais (cfr. art. 72º nº 2 da L.T. Constitucional, na redacção da Lei 13-A/98, 
 de 26 de Fevereiro). 
 
             Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não há recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no art. 397º A, do 
 Código de Processo Civil, e, por isso, a Douta Decisão não admite recurso 
 ordinário (cfr. art. 70 nº 2 da LTC, na redacção da Lei 13-A/98, de 26 de 
 Fevereiro). 
 
             Os recursos para o Tribunal Constitucional estão isentos de custas 
 nos termos do art. 84º nº 1, da L.T. Constitucional na redacção dada pela Lei 
 
 85/89, de 7 de Setembro. 
 
             Nestes termos, e porque o Recorrente tem legitimidade para recorrer 
 e estão verificados os pressupostos exigidos para a interposição do recurso, 
 requer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso com efeito suspensivo, 
 seguindo-se os demais termos legais. 
 
             Embora as alegações de recurso devam ser sempre produzidas no 
 Tribunal Constitucional, por força do disposto no art. 79º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, aprovado pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e sem abdicar de 
 exercer o direito de alegar no referido Tribunal, e por mera cautela, desde já, 
 ainda que de forma sumária, vem o ora Recorrente apresentar ligeiras alegações; 
 Interpretar o art. 155º nº 1 e nº 2 do C.S. Comerciais no sentido de permitir às 
 assembleias gerais das sociedades por quotas reduzir a remuneração dos gerentes 
 constitui uma afronta aos princípios gerias de direito que rodeiam os contratos, 
 ainda que atípicos, como é o contrato de gerência; 
 
             A remuneração é elemento essencial de um contrato bilateral e só 
 pode ser reduzida por acordo das partes, pelo que aceitar o contrário se viola o 
 disposto no art. 406º nº 1, conjugado com o art. 987º nº 1, ambos do Código 
 Civil, e, ainda, o disposto no art. 232º § 1º, do Código Comercial; 
 
             O Princípio da Livre Redução da Remuneração dos Gerentes atenta 
 contra a protecção dos cidadãos, que têm na remuneração de gerentes a sua única 
 fonte de rendimento; 
 
             O Estado de Direito Democrático ínsito no art. 2º da Lei Fundamental 
 assenta no princípio da Confiança e na protecção dos Direitos Adquiridos; 
 Tal Princípio da Confiança e dos Direitos Adquiridos é um elemento essencial dos 
 contratos, pelo que a redução da remuneração dos gerentes sem recurso a Tribunal 
 viola o art. 2º da Lei Fundamental; 
 
             Dando-se às assembleias gerais o direito da redução da remuneração 
 dos gerentes da sociedade por quotas, impede-se o recurso ao tribunais em caso 
 de as deliberações dos sócios violarem direitos fundamentais dos gerentes, o que 
 constitui violação do art. 20º nº 1 da Constituição da República; 
 
             Por outro lado, tal direito das assembleias gerais de redução da 
 remuneração de gerência, ao decretar a redução sem recurso ao Tribunal viola o 
 disposto no artigo 202 nº 2, da C.R.P.. 
 
             Termos em que o sentido com que foi interpretado o art. 255º nº 1 e 
 nº 2 pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa está ferido do vicio de 
 inconstitucionalidade material, por violar o disposto nos artigos 2º, 20º nº 1 e 
 
 202º nº 2, da C. R. P.”.
 
             
 
             4 – O primitivo relator proferiu decisão sumária de não conhecimento 
 do recurso, abonando-se nas seguintes considerações:
 
             
 
             “A tutela cautelar é caracterizada pela sua instrumentalidade, 
 provisoriedade e sumariedade. 
 
             Em primeiro lugar, é a sua função meramente instrumental que a 
 distingue as providências cautelares das providências definitivas, tomadas como 
 resultado final de acção judicial. Não a instrumentalidade que qualquer processo 
 reveste perante o direito substantivo cuja tutela procura realizar, mas uma 
 instrumentalidade relativa a essa tutela de cariz definitivo. Na verdade, as 
 providências cautelares não se destinam a solucionar, com autonomia, uma 
 situação de conflito, mas apenas a assegurar que as soluções definitivas possam 
 ser adoptadas pelas instâncias jurisdicionais, sem que o decurso do tempo as 
 inviabilize ou prejudique. São simples instrumentos dessas decisões definitivas, 
 concebidos para intervirem em casos de urgência, de forma a assegurar que 
 aquelas consigam conceder às partes idêntica satisfação de interesses à que elas 
 obteriam através da realização “pacífica” dos seus direitos. São, nas palavras 
 de Calamandrei, “a garantia da garantia judiciária”. 
 
             Destinando-se elas a servir a tutela de um direito a determinar num 
 determinado processo, necessariamente encontram-se dependentes desse processo, 
 podendo dizer-se que, nesse aspecto, não gozam de autonomia, O seu nascimento, a 
 sua vida e a sua morte estão dependentes do processo do qual são dependentes, 
 porque é nele que encontram a sua razão de existência, reflectindo-se nelas as 
 vicissitudes da tutela a encontrar no processo-mãe. 
 
             Também como consequência da sua função instrumental, as providências 
 cautelares são meramente provisórias, tendo uma duração, apesar de incerta, 
 limitada no tempo (dies certus an, incertus quando). São providências a termo 
 incerto. 
 
             Tendo elas como única finalidade obviar ao perigo da demora de um 
 determinado processo, o não nascimento deste ou a sua extinção provocam o seu 
 fim. 
 
             E sendo a sua existência justificada pela urgência não é possível 
 seguir uma tramitação que permita apurar com certeza da existência do direito 
 cuja tutela se pretende assegurar, a qual apenas é possível apurar no processo 
 principal. É suficiente para alcançar uma decisão cautelar provisória, uma prova 
 informatória, um fumus boni iuris. 
 
             Este juízo de probabilidade séria deve recair não só sobre a 
 existência dos factos constitutivos do direito ameaçado, mas também sobre a 
 verificação dos pressupostos jurídicos da existência do direito. O juízo de 
 probabilidade é aplicável quer às questões de facto, quer às questões de 
 direito, colocadas ao juiz nos procedimentos cautelares. O juiz não tem que se 
 convencer da veracidade dos factos que integram a causa de pedir, nem de que o 
 direito invocado existe perante a prova desses factos, bastando que a existência 
 dos factos seja provável, tal como a existência do direito. 
 
             São estas características específicas das providências cautelares 
 que tem obstaculizado a que a jurisprudência constitucional admita a 
 recorribilidade para o Tribunal Constitucional de muitas das questões de 
 constitucionalidade suscitadas em procedimentos cautelares (vide, a título de 
 exemplo, os acórdãos n.º 151/85, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 6.º 
 vol, pág. 351, n.º 400/97, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 37.° vol, 
 pág. 235, n.º 664/97, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 38.º vol, pág. 
 
 257, n.º 442/2000, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, n.º 48.º vol, pág. 
 
 709, n.º 235/2001, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 50.° vol, pág. 431, 
 e n.º 457/07, disponível no site www.tribunalconstitucional.pt). 
 
             Na verdade, a provisoriedade das providências cautelares implicaria 
 sempre que a formulação de um juízo pelo Tribunal Constitucional, de 
 
 (in)constitucionalidade de norma aplicada por um tribunal judicial, nas vestes 
 de juiz cautelar, constituiria um juízo meramente provisório. Isto é, a eventual 
 decisão do Tribunal Constitucional apenas produziria efeitos jurídicos enquanto 
 não fosse proferida decisão definitiva sobre o incidente de 
 inconstitucionalidade suscitado no âmbito da respectiva acção principal. 
 
             E ainda que o Tribunal Constitucional se pronunciasse 
 perfunctoriamente pela inconstitucionalidade de norma aplicada em procedimento 
 cautelar, aquela decisão apenas produziria os seus efeitos (ou seja, a 
 desaplicação da norma em causa) de modo provisório. Esta decisão de desaplicação 
 apenas poderia formar caso julgado formal, restrito ao procedimento cautelar, 
 pelo que não poderia afectar a liberdade de apreciação quer do tribunal, em sede 
 de julgamento da acção principal, quer do próprio Tribunal Constitucional, caso 
 voltasse a ser chamado a pronunciar-se, em sede de recurso de 
 inconstitucionalidade interposto da decisão final da acção principal. 
 
             Entendimento diverso, isto é, admitir a possibilidade de a decisão 
 deste Tribunal formar caso julgado material, conduziria a que o juiz 
 constitucional se substituísse ao juiz do processo principal, pois aquele juízo 
 determinaria previamente o sentido da decisão final a proferir nesse processo. 
 
             Ora, o sistema de fiscalização da constitucionalidade nem se 
 compadece com uma solução em que o juiz constitucional se substitui ao juiz do 
 processo principal, nem comporta a possibilidade de decisões de 
 inconstitucionalidade provisórias. 
 
             Além disso, o julgamento pelo Tribunal Constitucional, em sede de 
 recurso, sobre uma questão de inconstitucionalidade suscitada em autos de 
 procedimento cautelar, coloca em causa a natureza instrumental das providências 
 cautelares, dado que implica uma antecipação do juízo sobre a 
 inconstitucionalidade de normas a aplicar na acção principal. Juízo esse a 
 formular quer pelos tribunais judiciais que julgam em primeira instância e, 
 eventualmente, em recurso (artigo 204.° da CRP), quer pelo próprio Tribunal 
 Constitucional, caso venha, nesses autos, a ser interposto o competente recurso 
 
 (artigo 280.° da CRP). 
 
             Só assim não será, se se tratar do conhecimento de questões de 
 inconstitucionalidade de normas que sejam exclusivamente aplicáveis em sede de 
 processo cautelar – v.g., normas processuais que regulem a sua tramitação –, 
 visto que a decisão sobre a inconstitucionalidade se restringe aos autos de 
 processo cautelar, não se recolocando no processo principal. 
 
             Ora, não é este o caso que se verifica no recurso interposto, pelo 
 que a instrumentalidade da providência cautelar ficaria prejudicada pela 
 prolação de juízo perfunctório sobre a inconstitucionalidade por parte deste 
 Tribunal, ou estaríamos a admitir recursos de constitucionalidade de decisões de 
 cariz provisório, fundamentadas num juízo sumário”. 
 
  
 
             5 – Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência ao abrigo 
 do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, 
 sustentando, em resumo, que o carácter cautelar da decisão recorrida não afecta 
 a utilidade da decisão de constitucionalidade, no caso concreto, na medida em 
 que pode minorar os danos decorrentes da ilegalidade dos actos impugnados 
 judicialmente, na pendência da acção principal, e que a jurisprudência em que se 
 abona a decisão reclamada está eivada de inconstitucionalidade por vedar ao 
 recorrente o direito ao recurso, nos termos do art.º 20.º da CRP.
 
  
 
             6 – Não havendo unanimidade na conferência e tendo intervindo o 
 plenário da Secção (artigo 78.º-A, n.º 4, da LTC) e ficando o relator vencido, 
 ocorreu mudança de relator, tendo ocupado essa posição o Senhor Conselheiro 
 Mário Torres. Mas porque este deixou de prestar funções, passou o processo para 
 o actual relator.
 
             Cumpre, assim, proferir decisão dentro das linhas de força do 
 vencimento.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             7.1 – A inadmissibilidade de recurso de constitucionalidade nos 
 processos de providências cautelares não corresponde a uma orientação pacífica e 
 com fundamentação sempre coincidente. 
 
             O primeiro acórdão em que tal tese foi sustentada – o Acórdão n.º 
 
 151/85 (Diário da República, II Série, n.º 301, de 31 de Dezembro de 1985, pág. 
 
 12 205; Boletim do Ministério da Justiça, Suplemento ao n.º 360, pág. 710; e 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.° vol., pág. 351) – proferido em processo 
 de suspensão judicial de despedimento, desenvolveu fundamentação assim 
 sumariada: 
 
             “I — Como todos os procedimentos da mesma natureza, o respeitante à 
 providência cautelar da suspensão do despedimento não visa a resolução 
 definitiva da questão jurídica que lhe está subjacente, mas apenas a sua solução 
 interina ou provisória, ou seja, a regulamentação da situação de facto que 
 haverá de existir entre as partes até que chegue a final a acção destinada a 
 dirimir aquela questão. 
 
             II — Nos procedimentos cautelares, dada a sua índole, não cabe senão 
 uma decisão «provisória» da questão da constitucionalidade de normas de que 
 substantivamente dependa a resolução da questão a decidir no processo principal 
 e, portanto, a concessão da providência. 
 
             III — De tal decisão não cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional, pois que de outro modo se teria de admitir ou que também este 
 Tribunal proferisse uma decisão provisória sobre a constitucionalidade (o que 
 seria absurdo e incongruente com o sistema de fiscalização da 
 constitucionalidade delineado na lei fundamental), ou então que ele decidisse no 
 próprio procedimento cautelar questão que haveria de ser resolvida na acção de 
 que tal procedimento depende (o que significaria a subversão da índole e 
 finalidade do próprio procedimento). 
 
             IV — Os recursos previstos no n.º 1 do artigo 280.° da Constituição 
 só são de admitir de decisões definitivas (scil., para o tribunal que as tiver 
 proferido) respeitando, ainda que só implicitamente, à questão de 
 inconstitucionalidade de normas jurídicas.” 
 
             Desse entendimento se afastou logo o Acórdão n.º 92/87 (Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 365, pág. 261; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 9.º vol., pág. 625), sublinhando que “decisões judiciais”, para efeitos de 
 recurso de constitucionalidade, “não serão apenas aquelas que, afinal, resolvem 
 o conflito entre dois sujeitos sobre um determinado caso concreto; mas também 
 todas aquelas que intermediamente, e segundo a sequência processual legalmente 
 estabelecida, foram necessárias, já que, sem elas, os tribunais não poderão 
 nunca decidir esses mesmos conflitos”, acrescentando que “distinguir neste 
 sector entre decisões provisórias e decisões definitivas, e só se admitir o 
 recurso de constitucionalidade, do tipo em causa, em relação às últimas, seria 
 violar um princípio elementar da interpretação jurídica: ubi lex non distinguit, 
 nec nos distinguere debemus”, para além de que, a enveredar-se por essa via, 
 chegar-se-ia a uma situação de indefinição quanto a saber “quais as decisões 
 definitivas e susceptíveis, por isso, de recurso de constitucionalidade” e 
 
 “quais as decisões provisórias que, pelo seu baixo grau de provisoriedade, 
 seriam ainda passíveis de recurso para o Tribunal Constitucional”, indefinição 
 essa que “poria gravemente em xeque a operatividade do sistema de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade”. 
 
             A orientação no sentido da admissibilidade do recurso, traçada pelo 
 Acórdão n.º 92/87, foi reiterada no Acórdão n.º 466/95 (Diário da República, II 
 Série, n.º 259, de 9 de Novembro de 1995, pág. 13 414), proferido em processo de 
 restituição provisória de posse, onde se consignou: 
 
             “(...) No modo específico por que se realiza a aplicação das normas 
 dos artigos 8.° e 9.°, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 507-A/79, de 24 de 
 Dezembro, há-de ver-se que a eventual emergência de uma decisão de não 
 restituição provisória da posse provoca já efeitos materiais na esfera de 
 existência do interessado cuja reversibilidade não pode à partida ter-se por 
 assegurada. E, porque é assim, porque na «ordem prática das coisas» (JORGE 
 MIRANDA) a decisão provisória é capaz de, no seu espaço de aplicação, produzir 
 efeitos definitivos na esfera do titular do direito ou interesse em causa, não 
 pode afirmar-se a irrecorribilidade para o Tribunal Constitucional dessa mesma 
 decisão. Não pode porque não está assegurada a consumpção dos efeitos da 
 sentença provisória nos efeitos da sentença definitiva. Para mais, é o próprio 
 teor dos enunciados relativos aos pressupostos do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a não distinguir entre 
 sentenças provisórias e definitivas em ordem à tutela do princípio da 
 constitucionalidade. Do que se deriva aqui uma conclusão que já não é a dos 
 acórdãos n.º 151/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.° volume, pág. 351 e 
 seguintes), e n.º 267/91 (Diário da República, II Série, de 23 de Outubro de 
 
 1991). Daí que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça haja de 
 considerar-se uma decisão recorrível para efeitos do artigo 70.°, n.º 1, alínea 
 b), da Lei do Tribunal Constitucional.” 
 
             Porém, a orientação do acórdão n.º 151/85 viria a ser retomada no 
 Acórdão n.° 400/97 (Diário da República, II Série, n.º 163, de 17 de Julho de 
 
 1997, pág. 8543; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, pág. 194; e Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 37.° vol., pág. 235), proferido em processo de 
 embargos a providência cautelar não especificada, que reproduziu a fundamentação 
 daquele aresto, sublinhando que “os procedimentos cautelares, pela sua própria 
 natureza, visam apenas uma solução provisória, tendente a evitar os prejuízos 
 que a demora da resolução da acção principal pode ocasionar ao requerente”, o 
 que acarreta que, “bastando, para tanto, a aparência ou probabilidade séria da 
 existência do direito, também o tribunal decidirá essa questão, numa apreciação 
 sumária, formulando assim uma decisão meramente provisória, quer sobre a 
 existência do direito, quer quanto às medidas – por natureza, provisórias – a 
 decretar”. 
 
             E nesta mesma linha jurisprudencial, sem aditamento de novos 
 argumentos aos expendidos nos Acórdãos n.ºs 151/85 e 400/97, viria a inserir-se 
 o Acórdão n.º 664/97 (Diário da República, II Série, n.º 65, de 18 de Março de 
 
 1998, pág. 3490; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 38.° vol., pág. 257), 
 proferido em providência cautelar de suspensão de despedimento colectivo. 
 
             A questão foi objecto de reanálise no Acórdão n.º 442/00 (Diário da 
 República, II Série, n.º 280, de 5 de Dezembro de 2000, pág. 19 592; e Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 48.° vol., pág. 709), proferido em reclamação do 
 representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional contra decisão 
 sumária da respectiva Relatora, que seguira a orientação traçada pelos Acórdãos 
 n.ºs 151/85, 400/97 e 664/97, reproduzindo a fundamentação do primeiro e 
 considerando que a situação em nada era alterada pela circunstância de o recurso 
 então em causa (recurso de decisão de tribunal de 1.ª instância que deferira 
 providência cautelar visando impedir a celebração de escritura pública da 
 aquisição compulsiva de acções de sociedade anónima detidas por accionistas que 
 não aceitaram a oferta, tendo, para tanto, recusado a aplicação, com fundamento 
 em inconstitucionalidade, da norma do artigo 490.° do Código das Sociedades 
 Comerciais) ter sido interposto ao abrigo da alínea a) (e não da alínea b), como 
 sucedera nos três casos anteriores) do n.º 1 do artigo 70.° da LTC. 
 
             Nessa reclamação, o representante do Ministério Público sustentara a 
 revisão da orientação expressa no acórdão n.º 151/85, argumentando: 
 
             “4 – Na verdade – e desde logo – parece-nos que não fará sentido 
 distinguir – enquanto objecto idóneo da fiscalização concreta – as decisões 
 adjectivas proferidas no decurso do procedimento cautelar (admitindo, quanto a 
 elas, a possível interposição de recursos de constitucionalidade) e a decisão de 
 mérito, concedendo ou denegando a providência requerida — com o argumento de que 
 nela se não contém regulação definitiva do litígio. 
 
             5 – Sendo tais decisões adjectivas meramente instrumentais da que 
 dirime a final o procedimento, mal se compreende que se admita a fiscalização da 
 constitucionalidade quanto a decisões puramente interlocutórias, proferidas no 
 decurso do procedimento cautelar – considerando, pelo contrário, objecto 
 inidóneo de tal recurso a decisão final, que compõe, embora em termos 
 provisórios e meramente cautelares, o litígio entre as partes. 
 
             6 – Por outro lado – e como se salienta no citado acórdão n.º 466/95 
 
 – a circunstância de tal decisão final conter uma composição provisória da lide 
 não significa que a mesma não possa produzir efeitos definitivos e irremovíveis 
 na esfera jurídica dos interessados – insusceptíveis de virem a ser inteiramente 
 
 «apagados» ou precludidos com a solução definitiva dada ao litígio, através da 
 sentença proferida na acção principal. 
 
             7 – É que a circunstância de ter vigorado transitoriamente (ou de 
 ter sido rejeitada) certa providência cautelar requerida – entre os momentos da 
 decisão que a apreciou e da sentença que julgou a causa principal – é 
 susceptível de afectar direitos – inclusivamente direitos fundamentais das 
 partes – sendo tal ofensa insusceptível de «desaparecer» como mera consequência 
 do julgamento da acção principal, não se encontrando qualquer razão válida para 
 denegar à parte cujos direitos foram afectados por uma aplicação (ou 
 desaplicação) normativa inconstitucional a possibilidade de a fazer sindicar, 
 nos termos gerais, pelo Tribunal Constitucional. 
 
             8 – Acresce que – a partir da Revisão Constitucional de 1997 – a 
 justiça cautelar goza inclusivamente de tutela constitucional, ao ser 
 perspectivada como meio de assegurar o acesso ao direito e aos tribunais «em 
 prazo razoável» – cumprindo à lei assegurar, para defesa dos direitos, 
 liberdades e garantias pessoais, «procedimentos judiciais caracterizados pela 
 celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra 
 ameaças ou violações desses direitos» (artigo 20.°, n.º 5, da Constituição da 
 República Portuguesa). 
 
             9 – Parecendo-nos manifestamente incompatível com tal relevância 
 constitucional, conferida aos procedimentos cautelares, a orientação, fundada em 
 acórdão tirado em 1985, que «desvaloriza» tais decisões, privando, em absoluto, 
 do controlo da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional as decisões 
 judiciais que concedam ou rejeitam as providências requeridas. 
 
             10 — Deste modo e em conclusão: 
 
             – a justiça cautelar goza presentemente de relevância – e tutela – 
 constitucionais, estando expressamente consagrada no artigo 20.°, n.º 5, da 
 Constituição como uma das formas de acesso, célere e prioritário, ao direito e 
 aos tribunais; 
 
             – a disciplina jurídica «provisória» instituída por decisão que 
 conceda ou denegue providência cautelar é susceptível de afectar, em termos 
 irremediáveis, direitos dos litigantes, não sendo necessariamente a eficácia de 
 tal decisão «apagada», «consumida» ou «precludida» em resultado do que vier a 
 ser decidido na causa principal (fenómeno que, aliás, justifica que tais 
 decisões sejam normalmente recorríveis na ordem dos Tribunais Judiciais); 
 
             – tais direitos – afectados pela decisão proferida no procedimento 
 cautelar – podem inclusivamente ser direitos fundamentais, constitucionalmente 
 tutelados; 
 
             – face ao conteúdo do artigo 20.°, n.º 5, da Constituição da 
 República Portuguesa, não há razão para negar aos litigantes, no âmbito da 
 justiça cautelar, o acesso ao Tribunal Constitucional, nos termos gerais, para 
 sindicar questões de constitucionalidade normativa co-envolvidas na decisão 
 proferida no termo do procedimento cautelar. 
 
             11 – Neste termos – e em consonância com o entendimento de que a 
 decisão de mérito, proferida em procedimento cautelar, deverá constituir objecto 
 idóneo dos recursos de fiscalização concreta – deverá determinar-se o normal 
 prosseguimento do presente recurso.” 
 
             Esta reclamação foi indeferida pelo referido Acórdão n.º 442/00, com 
 base na seguinte fundamentação: 
 
             “3. Cabe começar por reconhecer que existe efectivamente divergência 
 na jurisprudência constitucional quanto à questão da recorribilidade de que aqui 
 se trata; considera-se, todavia, que é de manter a que é seguida na decisão 
 reclamada, como se passa a justificar. 
 
             Assim, e em primeiro lugar, porque a razão que levou à decisão 
 reclamada de não conhecimento do recurso, que se baseou no acórdão n.º 151/85, 
 não foi, nem a de que havia que distinguir, para o efeito de admissibilidade do 
 recurso de fiscalização da constitucionalidade, entre decisões adjectivas e 
 decisões de mérito, nem a de que era o carácter definitivo ou provisório da 
 decisão que concedia (ou não) a providência solicitada que relevava. 
 
             Em segundo lugar, porque a revisão constitucional operada em 1997 — 
 anterior à prolação do acórdão n.º 664/97 — não obriga de forma alguma a 
 resolver de forma diferente a questão de admissibilidade do recurso que aqui se 
 coloca. 
 
             4. Com efeito, quando a decisão reclamada, fazendo sua a 
 justificação apresentada no acórdão n.º 151/85, julgou não ser admissível o 
 recurso interposto para o Tribunal Constitucional, não se baseou na 
 circunstância de se pretender a apreciação da constitucionalidade de uma norma 
 claramente substantiva, cuja aplicação era determinante para o juízo de mérito 
 proferido no âmbito da providência requerida; assentou, sim, na verificação de 
 que dessa mesma norma dependia o juízo de mérito a proferir, quer no âmbito da 
 providência, quer no domínio da acção correspondente.
 
             A referência a normas de tramitação dos procedimentos cautelares que 
 aparece no acórdão n.º 151/85 é feita, apenas, a título de exemplo, O critério 
 distintivo ali definido assenta, não na natureza adjectiva ou substantiva da 
 norma em causa, mas na circunstância de estar ou não em causa a sua aplicação, 
 simultaneamente, na acção principal e na providência cautelar, o que não é 
 equivalente. Assim, por exemplo, pode ser questionada a constitucionalidade de 
 uma norma que defina os requisitos substanciais de concessão da providência cuja 
 aplicação não tenha cabimento da acção principal. 
 
             Ora a circunstância de a mesma norma ser aplicável em ambos os casos 
 
 é que torna inadmissível o recurso interposto no âmbito da providência cautelar, 
 atento o valor meramente provisório, não da decisão de mérito nela proferida, 
 como aponta o reclamante, mas do juízo de constitucionalidade emitido igualmente 
 ao julgar a providência cautelar. 
 
             5. Na verdade, as duas razões são indissociáveis. Como claramente se 
 afirma no acórdão n.º 151/85, seria a natureza provisória do juízo de 
 constitucionalidade efectuado ao julgar a providência cautelar que, 
 fundamentalmente, justifica a inadmissibilidade do recurso. 
 
             Com efeito, se fosse julgada a questão de constitucionalidade numa 
 hipóteses destas, ou o julgamento não constituía caso julgado relativamente à 
 acção principal, admitindo-se que, nesta, se viesse a emitir novo julgamento, 
 eventualmente não coincidente, com possibilidade de outro recurso para o 
 Tribunal Constitucional; ou constituía, subvertendo a lógica inerente à relação 
 de instrumentalidade existente entre a acção e o procedimento, pois que a sorte 
 daquela era traçada por uma decisão tomada no âmbito deste. 
 
             6. É incontestável a afirmação de que as medidas cautelares podem 
 afectar de forma irreversível a situação das partes. Essa observação – que, 
 aliás, prova demais, pois levaria a que o recurso de constitucionalidade, para 
 além de ser admissível, tivesse sempre efeito suspensivo –, todavia, não conduz 
 
 à conclusão sustentada pelo reclamante. 
 
             Desde logo, e sendo exacto que esse efeito só é relevante se a 
 providência vier a caducar ou a ser julgada injustificada, a lei prevê a 
 hipótese de o requerente ter de indemnizar o requerido se lhe causou danos 
 culposamente (n.º 1 do artigo 390.° do Código de Processo Civil). Esta 
 obrigação, associada à eventual necessidade de prestação de caução, são os meios 
 através dos quais se tenta proteger a parte prejudicada. 
 
             Para além disso, a vantagem eventualmente conseguida não 
 prevaleceria sobre os inconvenientes atrás apontados. 
 
             7. Finalmente, não se vê em que medida é que o acrescentamento do 
 n.º 5 do artigo 20.° da Constituição pela revisão constitucional de 1997 altera 
 a conclusão de que o recurso não é admissível. Na verdade, a consagração 
 constitucional da necessidade de a lei prever «procedimentos judiciais 
 caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e 
 em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos» ão obriga a que se 
 considerem recorríveis para o Tribunal Constitucional todas as decisões 
 proferidas nesses procedimentos.” 
 
             O processo onde foi proferido o Acórdão n.º 442/00 voltaria a este 
 Tribunal Constitucional, então por força de recurso interposto, de novo ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.° da LTC, do acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto, que confirmara o deferimento da providência decretada na 1.ª 
 instância, para tanto tendo, igualmente, recusado a aplicação, fundado num juízo 
 de inconstitucionalidade material, da norma vertida no artigo 490.° do Código 
 das Sociedades Comerciais. 
 
             Mas este Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 235/01 (Diário da 
 República, II Série, n.º 243, de 19 de Outubro de 2001, pág. 17 462) – com dois 
 votos de vencido –, continuou a entender, de acordo com a Acórdãos n.ºs 151/85, 
 
 400/97, 664/97 e 442/00, que deste tipo de decisões, tomadas em providências 
 cautelares, não cabia recurso de constitucionalidade (isto independentemente da 
 questão de saber se não se teria formado caso julgado, no processo, pela decisão 
 contida no Acórdão n.º 442/00). 
 
             Na linha desenhada pelo Acórdão n.º 151/85 se inseriu, por último, o 
 Acórdão n.º 81/02, proferido em processo de suspensão de eficácia de acto 
 administrativo, sendo questionadas normas que também seriam relevantes no 
 processo principal. 
 
             Para terminar esta resenha jurisprudencial cabe referir, por último, 
 o Acórdão n.º 457/07. Nele, concluiu-se, uma vez mais, pela inadmissibilidade do 
 recurso de constitucionalidade de decisões proferidas pelos tribunais em 
 processo cautelar, com base, essencialmente, em dois argumentos: o da natureza 
 provisória do julgamento cautelar (a norma aplicada na decisão proferida no 
 processo cautelar deverá ser de novo apreciada no processo principal) e o da 
 provisoriedade do julgamento do Tribunal Constitucional decorrente da 
 provisoriedade do julgamento cautelar, já que o julgamento constitucional só 
 poderia produzir efeitos jurídicos enquanto não fosse proferida decisão 
 definitiva sobre o incidente de inconstitucionalidade suscitado na acção 
 principal.
 
             A nível doutrinário, cumpre assinalar que Jorge Miranda (Manual de 
 Direito Constitucional, tomo II, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1991, 
 pág. 449), após referir que da circunstância de o juiz, na providência cautelar, 
 não formular “um juízo definitivo, mas tão-só um juízo sobre a probabilidade 
 séria da ocorrência da inconstitucionalidade” se poderia fazer derivar que desse 
 juízo provisório não cabia recurso para o Tribunal Constitucional, sustenta, 
 porém, que “na ordem prática das coisas o direito ou interesse em causa pode 
 justificar a interposição do recurso”. 
 
             Por seu turno, José Joaquim Gomes Canotilho (Direito Constitucional 
 e Teoria da Constituição, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 974), 
 referindo que a questão de constitucionalidade deve ser levantada num “feito 
 submetido a julgamento” perante um tribunal (artigo 204.° da CRP), sustenta que 
 esse enunciado “abrange (…) os processos cautelares em que a parte interessada 
 
 «ao chorar antes de doer» (na expressão sugestiva do juiz americano Benjamin 
 Cardoso), suscita também a excepção de inconstitucionalidade”. 
 
             Dentro da mesma linha, José Manuel Sérvulo Correia (A Jurisprudência 
 Constitucional Portuguesa e o Direito Administrativo, comunicação efectuada por 
 ocasião do XXV Aniversário do Tribunal Constitucional, de que se cita versão 
 policopiada), em comentário, precisamente, ao Acórdão n.º 457/07, defende 
 convictamente a tese da admissibilidade do recurso de constitucionalidade de 
 decisões proferidas pelos tribunais em processo cautelar, com base em 
 diversificada argumentação.            
 
             Entre o mais, para este Autor, “a resolução da questão de 
 constitucionalidade poderá obrigar à reforma da decisão do tribunal a quo, mas 
 não determina inexoravelmente o sentido da decisão deste. E, ainda quando assim 
 suceda, tratar-se-á apenas de uma consequência indirecta, a ser retirada da 
 decisão do Tribunal Constitucional pelo juiz a quo” “[…]. O bom senso poderá 
 recomendar ao juiz da causa principal que se atenha ao sentido da decisão de 
 constitucionalidade formulada pelo Tribunal Constitucional a propósito da 
 aplicação de certa norma no âmbito do correspondente processo cautelar”, mas “a 
 verdade é que ele não estará vinculado por esse julgamento, do qual sempre 
 poderá afastar-se” e “a provisoriedade que caracteriza a decisão cautelar não 
 significa apenas que esta se destina a caducar quando for proferida a decisão na 
 causa principal. Ela significa também que as razões de decidir na decisão 
 principal poderão divergir daquelas que foram sumariamente adoptadas em face da 
 necessidade de decidir com urgência no processo cautelar, de modo a assim se 
 neutralizar o periculum in mora. Em suma, que a apreciação da questão de 
 constitucionalidade de uma norma relevante possa ser levada a cabo com resultado 
 diferente a propósito da decisão da causa principal em nada choca, antes pelo 
 contrário, com a natureza do processo cautelar”.    
 
             7.2 – Indicadas as posições jurisprudenciais e doutrinais 
 conhecidas, há que tomar posição. 
 
             Antes de tudo cumpre diferenciar duas espécies distintas de decisões 
 judiciais: as decisões precárias por natureza, como, por exemplo, a de admissão 
 de recurso no tribunal a quo, que não só não vincula o tribunal ad quem, como 
 neste é objecto de revisão (ao menos implícita), quer oficiosa quer a 
 requerimento do recorrido, que só pode questionar a admissão do recurso nas 
 respectivas contra-alegações (artigo 687.°, n.º 1, do Código de Processo Civil), 
 e as decisões provisórias, no sentido de que procedem a uma composição 
 provisória do litígio, como acontece nas providências cautelares. Foi sobre as 
 primeiras (decisões precárias) que recaiu o Acórdão n.º 267/91 (Diário da 
 República, II Série, n.º 244, de 23 de Outubro de 1991, pág. 10 625; Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 408, pág. 120; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 19.° vol., pág. 373), nenhum reparo merecendo o entendimento, aí, sufragado no 
 sentido da inadmissibilidade de recurso de constitucionalidade de decisão de 
 admissão de recurso (ordinário) proferida com fundamento na 
 inconstitucionalidade de determinada norma. 
 
             Com efeito, essa inadmissibilidade em nada prejudica a finalidade 
 prevista para o recurso de constitucionalidade, visto que o mesmo poderá ser 
 sempre interposto da decisão do tribunal superior, quer este não admita o 
 recurso (ordinário), com o que dará aplicação às normas cuja constitucionalidade 
 
 é questionada, quer o admita, com confirmação, mesmo não expressa, da decisão da 
 instância inferior, caso em que tal recurso (de constitucionalidade) será de 
 interposição obrigatória para o Ministério Público, sendo certo, por outro lado, 
 que a solução oposta conduziria a que a decisão do Tribunal Constitucional sobre 
 o despacho (“precário”) do tribunal a quo faria caso julgado no processo sobre a 
 questão de constitucionalidade, vindo assim a condicionar, por forma radical, o 
 tribunal ad quem, ao qual verdadeiramente competiria resolver em definitivo a 
 questão da admissibilidade do recurso. 
 
             Do que se trata, agora, não é dessas decisões precárias, mas antes 
 das aludidas decisões provisórias, com o alcance assinalado. 
 
             Ora, dentre destas há que distinguir duas situações, conforme a 
 questão de constitucionalidade respeite a normas específicas da própria 
 providência cautelar (respectivos requisitos, sua tramitação especial, etc.) ou 
 a normas respeitantes à relação material litigiosa que irão ser relevantes no 
 processo principal a que a providência cautelar respeita. 
 
             Quanto ao primeiro grupo de normas, que só relativamente às 
 providências cautelares têm operatividade, não se vê como se possa negar a 
 admissibilidade de recurso de constitucionalidade que as tenha por objecto, sob 
 pena de se excluir em absoluto o controlo do Tribunal Constitucional sobre esses 
 domínios normativos. 
 
             A questão verdadeiramente só se coloca relativamente a normas que 
 sejam susceptíveis de ser aplicadas quer no processo da providência cautelar, 
 quer no processo da acção principal. 
 
             A tese da inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade nos 
 procedimentos cautelares assenta, basicamente, em três argumentos: na asserção 
 de que a natureza provisória do julgamento cautelar postula que a norma aplicada 
 no procedimento cautelar deva ser apreciada novamente no processo principal; na 
 premissa de que essa provisoriedade do julgamento cautelar acarretaria, também, 
 a provisoriedade do julgamento do Tribunal Constitucional (este só poderia 
 produzir efeitos jurídicos enquanto não fosse proferida decisão definitiva), e, 
 finalmente, no argumento de que a tramitação célere e simplificada que 
 caracteriza a tutela cautelar não se ajustaria com “os tempos próprios da 
 fiscalização de constitucionalidade”.
 
             Não se acompanham, porém, tais argumentos. Em primeiro lugar, 
 importa notar que, na fiscalização concreta, que é a que está, aqui, em causa, o 
 juízo de inconstitucionalidade se traduz sempre num juízo de compatibilidade ou 
 de não compatibilidade da norma infraconstitucional com os princípios e as 
 normas constitucionais, com reflexo directo sobre os termos em que, no caso, 
 fica concedida a tutela cautelar.
 
             A circunstância de a apreciação da questão de constitucionalidade 
 
 “se inserir entre os critérios de decisão sobre um pedido cautelar não lhe 
 retira utilidade. A decisão cautelar não constitui objecto de uma reserva do 
 juiz em face do legislador constituinte, nem uma área da jurisdição estanque aos 
 imperativos de constitucionalidade” (cf. José Manuel Sérvulo Correia, op. cit., 
 p. 67).
 
             Enquanto não for proferida a decisão na causa principal, a tutela 
 efectiva e eficaz, possível de ser judicialmente obtida, é a tutela cautelar. 
 Deste modo, o juízo de constitucionalidade tem o efeito de tornar possível uma 
 tutela cautelar da relação material que está em causa com respeito pelos 
 princípios e normas constitucionais, podendo obrigar à reforma da decisão 
 recorrida.
 
             Por outro lado, se se releva a provisoriedade que caracteriza a 
 decisão cautelar para justificar a tese de inadmissibilidade do recurso 
 constitucional nos processos cautelares, não pode deixar de atender-se, então, 
 também, a que esse juízo de provisoriedade assenta no pressuposto de que as 
 razões de decidir na acção principal “poderão divergir daquelas que foram 
 sumariamente adoptadas, em face da necessidade de decidir com urgência no 
 processo cautelar, de modo a assim se neutralizar o periculum in mora”. E assim, 
 congruentemente, tem de admitir-se, igualmente, que a questão de 
 constitucionalidade de uma norma relevante para a decisão do caso possa ser 
 resolvida em termos diferentes a propósito da decisão da causa principal.
 
             De qualquer modo, a circunstância de a resolução da questão de 
 constitucionalidade, feita no processo cautelar, não determinar 
 
 “inexoravelmente” o sentido da decisão do tribunal a quo sobre a relação 
 material em litígio, a tomar no processo principal, não retira utilidade à 
 decisão cautelar. 
 
             Desde logo, porque torna possível, para além dos ganhos advenientes 
 do funcionamento sistema de controlo difuso da constitucionalidade, a obtenção 
 de uma tutela cautelar da relação material conforme aos ditames constitucionais, 
 qualquer que seja a tutela cautelar pedida. 
 
             Enquanto não for substituída pela tutela conseguida na acção 
 principal, a tutela que vigora e, consequentemente, se apresenta como útil é a 
 obtida no processo cautelar. 
 
             Depois, porque não deixam de existir algumas consequências 
 indirectas de relevo que estão associadas à decisão do Tribunal Constitucional. 
 
 “
 
             Por outro lado, não obstante a decisão do recurso faça caso julgado, 
 quanto à questão de constitucionalidade, apenas no âmbito do processo em que foi 
 proferida, certo é que “a decisão produz outros efeitos, potenciando ou 
 desencadeando mecanismos de aperfeiçoamento da ordem jurídica através da 
 eliminação de normas inconstitucionais” (cf. José Manuel Sérvulo Correia, op. 
 cit., p. 70): a criação de um precedente torna obrigatório para o Ministério 
 Público o recurso de novas decisões de aplicação da norma anteriormente julgada 
 inconstitucional e tem, igualmente, a relevância de contar para o efeito 
 previsto no artigo 281.º, n.º 3, da CRP (declaração de inconstitucionalidade de 
 qualquer norma pelo Tribunal Constitucional em três casos concretos).
 
             Finalmente, também o argumento de que a tramitação célere e 
 simplificada que caracteriza a tutela cautelar não se ajusta com os tempos 
 próprios da fiscalização de constitucionalidade não procede.
 
             Na verdade, pode dizer-se com José Manuel Sérvulo Correia (op. cit., 
 pp. 73-74):
 
             “Em primeiro lugar, nos termos conjugados do artigo 78.º, n.ºs 1 e 
 
 3, da Lei do Tribunal Constitucional e do artigo 143.º, n.º 2, do CPTA, os 
 recursos das decisões em processo cautelar para o Tribunal Constitucional têm 
 efeito meramente devolutivo. A morosidade na decisão do Tribunal Constitucional 
 não contende, pois, com a célere concretização das providências cautelares, 
 quando seja o caso.
 
             Em segundo lugar, cumpre ter presente que, na maioria das lides, as 
 providências cautelares só caducam no termo do processo principal (CPTA, artigo 
 
 123.º, n.º 1, alíneas c), f) e g). Assim sendo, a superveniência de uma decisão 
 do Tribunal Constitucional que, dando provimento ao recurso, ordene a reforma da 
 decisão cautelar recorrida em conformidade com o julgamento sobre a questão de 
 inconstitucionalidade ocorrerá frequentemente antes do termo da causa principal, 
 produzindo efeitos úteis.
 
             E, em terceiro e último lugar, quando a causa principal findar antes 
 da pronúncia do Tribunal Constitucional no recurso interposto da decisão 
 cautelar, este recurso extinguir-se-á por perda de utilidade actual e efectiva 
 na declaração de inconstitucionalidade. A inutilidade superveniente da lide 
 neutralizará assim a disfunção gerada pela dessintonia entre processo cautelar e 
 recurso perante o Tribunal Constitucional.
 
             Note-se que a Lei do Tribunal Constitucional procura obviar tanto 
 quanto possível ao risco daquela dessintonia: nos termos conjugados dos artigos 
 
 79.º-B, n.º 3 e 43.º, n.º 5, nos recursos de constitucionalidade interpostos de 
 decisões proferidas em processo cautelar (e, logo, urgente – CPTA, artigo 36.º, 
 n.º 1, e) ), os prazos são reduzidos a metade e o relator deve conferir lhes 
 prioridade”. 
 
             A garantia do efeito útil da decisão final da acção principal que, 
 segundo o requerente, dependeria do deferimento de adequada providência 
 cautelar, ficaria gravemente comprometida se, sustentando o requerente que ela 
 passaria pela desaplicação pelo tribunal comum de norma arguida de 
 inconstitucional e não acolhida essa tese por esse tribunal, lhe fosse vedado o 
 acesso ao Tribunal Constitucional, a quem constitucionalmente compete a última 
 palavra nesse domínio. 
 
             No presente caso, o indeferimento do pedido de suspensão da 
 deliberação social que diminuiu a retribuição do gerente de €3.345,77 para 
 
 €1.929,00 com base em normas que o requerente argui de inconstitucionais 
 pode-lhe causar prejuízos insusceptíveis de serem completamente compensados com 
 eventual procedência da acção de anulação da deliberação social, como sejam a 
 não satisfação das necessidades passadas do recorrente e dos membros do seu 
 agregado familiar.
 
             Em suma: quer, porque a “provisoriedade” da decisão da providência 
 cautelar não contagia o juízo de constitucionalidade a emitir pelo Tribunal 
 Constitucional, com relevância sobre o caso concreto, quer porque, apenas, dessa 
 forma se respeita a relevância constitucional da tutela cautelar, devem 
 considerar-se susceptíveis de recurso de constitucionalidade as decisões 
 proferidas naquelas decisões, mesmo que versem sobre normas que irão também ser 
 utilizadas na decisão da acção principal. 
 
             Esta solução é, de resto, aquela que se posiciona na linha do 
 princípio da máxima expansividade da eficácia e da força jurídica dos direitos 
 fundamentais, como é o caso do direito de acesso aos tribunais, consagrado no 
 artigo 20.º da CRP, de que o direito ao recurso de constitucionalidade constitui 
 uma dimensão.
 
             Estas considerações valem, quer o recurso de constitucionalidade 
 haja sido interposto ao abrigo da alínea a), quer ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.° da LTC. 
 
             Assim sendo, a reclamação é de deferir.
 
             8 – A recorrida pediu a condenação do recorrente com litigante de má 
 fé, alegando que o mesmo apenas pretendeu com a reclamação obstar ao trânsito em 
 julgado da decisão recorrida.
 
             Ora, verificando-se ser a reclamação de deferir, torna-se evidente a 
 improcedência de tal pedido.
 C – Decisão
 
 9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide: 
 a) Deferir a reclamação e, consequentemente, revogar a decisão sumária reclamada 
 e ordenar a notificação do recorrente e recorrida para, respectivamente, alegar 
 e contra-alegar, no prazo legal;
 b) Julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé do 
 recorrente.
 Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano (vencido conforme declaração que junto)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
                             DECLARAÇÃO  DE   VOTO
 
  
 
  
 Votei vencido, por entender que não é admissível recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da competência prevista na alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 70.º, da LTC, questionando a constitucionalidade de norma de direito 
 substantivo invocada em sentença proferida em procedimento cautelar.
 As razões desta minha posição constam da decisão sumária revogada e que se 
 encontra transcrita neste acórdão.
 Perante a fundamentação que fez vencimento e que optou pela desconsideração da 
 provisoriedade da aplicação pelo tribunal recorrido da norma questionada, faz-se 
 notar que a Constituição não admitiu o direito ao recurso para o Tribunal 
 Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma inconstitucional 
 de forma absoluta, tendo ela própria estabelecido alguns limites (na própria 
 alínea b), do n.º 1, do artigo 280.º, e nos n.º 4 e 6 do mesmo artigo) e 
 conferido ao legislador ordinário liberdade para fixar os requisitos de admissão 
 deste tipo de recursos (artigo 280.º, n.º 4, da C.R.P.).
 Um desses requisitos, nos recursos interpostos ao abrigo da competência 
 estabelecida na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, foi o da exaustão das 
 instâncias (artigo 70.º, n.º 2). Visou-se poupar o Tribunal Constitucional a 
 intervenções dirigidas à aplicação de normas sem carácter definitivo no processo 
 em causa. Quando essa aplicação tem um cariz ainda provisório, uma vez que a 
 decisão que fundamenta encontra-se sujeita a recurso perante uma instância 
 superior, o Tribunal Constitucional não se pode pronunciar sobre a 
 constitucionalidade das normas aplicadas, devendo aguardar que essa aplicação se 
 torne definitiva no processo. Sendo este tipo de recurso mais volúvel a uma 
 utilização dilatória ou extemporânea pelas partes, exigiu-se que previamente à 
 intervenção do Tribunal Constitucional tenham sido esgotados todos os recursos 
 ordinários.
 Preferiu-se uma intervenção selectiva do Tribunal Constitucional apesar dos 
 riscos da produção de efeitos prejudiciais para as partes de decisões 
 provisórias (uma vez que estas podem ser muitas vezes executadas, face ao efeito 
 meramente devolutivo da maior parte dos recursos).
 Como consequência da sua função instrumental, as providências cautelares são 
 meramente provisórias, tendo uma duração, apesar de incerta, limitada no tempo. 
 São providências a termo incerto.
 Tendo elas como única finalidade obviar ao perigo da demora de um determinado 
 processo, o não nascimento deste ou a sua extinção provocam o seu fim, pelo que 
 as decisões tomadas nos procedimentos cautelares tem também uma natureza 
 provisória, assim como a aplicação do direito que as fundamenta.
 Além disso, sendo a existência dos procedimentos cautelares justificada pela 
 urgência de intervenção, não é possível seguir uma tramitação que permita 
 averiguar com certeza da existência do direito cuja tutela se pretende 
 assegurar, a qual apenas é possível apurar no processo principal. É suficiente 
 para alcançar uma decisão cautelar provisória, uma prova informatória, um fumus 
 boni iuris. Este juízo de probabilidade séria deve recair não só sobre a 
 existência dos factos constitutivos do direito ameaçado, mas também sobre a 
 verificação dos pressupostos jurídicos da existência do direito. O juízo de 
 probabilidade é aplicável quer às questões de facto, quer às questões de 
 direito, colocadas ao juiz nos procedimentos cautelares. O juiz não tem que se 
 convencer da veracidade dos factos que integram a causa de pedir, nem de que o 
 direito invocado existe perante a prova desses factos, bastando que a existência 
 dos factos seja provável, tal como a existência do direito.
 Assim, a aplicação das normas que permitem formular um juízo sobre a 
 probabilidade de existência do direito cuja tutela se pretende assegurar com a 
 providência não só é provisória como além disso é meramente hipotético.
 Daí que na lógica de um sistema que impõe a obrigatoriedade da exaustão das 
 instâncias para que o Tribunal Constitucional intervenha, o simples juízo de 
 verificação da probabilidade de aplicação futura de uma norma, não justifica a 
 intervenção imediata do Tribunal Constitucional, devendo o recurso a este ser 
 apenas admissível quando essa norma seja definitivamente aplicada no processo 
 principal de que o procedimento cautelar é instrumental.
 Note-se que a interpretação das normas de direito constitucional e ordinário que 
 estabelecem os requisitos do recurso constitucional, de modo a racionalizar a 
 actividade do Tribunal Constitucional, segundo a qual não é admissível submeter 
 a este tribunal a apreciação da constitucionalidade de norma aplicada como 
 direito substantivo em sentença proferida em procedimento cautelar, 
 considerando o carácter provisório desta decisão, não retira ao interessado a 
 possibilidade de submeter à fiscalização do Tribunal Constitucional a norma 
 aplicada pelo tribunal que entende violar a Constituição, impondo apenas que o 
 exercício desse direito se faça somente quando ocorra uma pronúncia definitiva 
 na acção de que aquele procedimento é meramente instrumental. 
 Se este deferimento na apreciação da questão de constitucionalidade pode 
 permitir que se concretizem os danos que a providência requerida visava evitar, 
 isso não é razão suficiente para que se subvertam os princípios que configuram o 
 nosso sistema de recursos de constitucionalidade, uma vez que a possibilidade da 
 demora processual permitir a ocorrência ou o agravamento de danos para as 
 partes também se verifica relativamente às sentenças proferidas nas acções 
 declarativas susceptíveis de recurso para os tribunais superiores, também elas 
 dotadas de um cariz provisório, sem que se questione a vigência da regra de que 
 só após a exaustão das instâncias se poderá recorrer para o Tribunal 
 Constitucional.
 A solução defendida na decisão reclamada é a única que se integra coerentemente 
 na lógica do nosso sistema de recursos de fiscalização sucessiva concreta para o 
 Tribunal Constitucional, pelo que a extensão destes recursos ao juízo que 
 verifica a probabilidade da existência de um determinado direito para determinar 
 a aplicação de uma medida cautelar, só poderá ser feita excepcionalmente pelo 
 legislador, não podendo o próprio Tribunal Constitucional, abrir uma brecha 
 naquele sistema.
 Por estas razões teria indeferido a reclamação apresentada.
 João Cura Mariano