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Processo. n.º 342/2009
 
 3.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
             1.  A representante do Ministério Público no Tribunal do Trabalho de 
 Faro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a sentença 
 daquele Tribunal, de 17 de Dezembro de 2008, “que recusou a aplicação do 
 estatuído no Decreto‑Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho”.
 
             A sentença recorrida é do seguinte teor:
 
  
 I – Relatório.
 Recorrente: A., L.da.
 Recorrida: Autoridade para as Condições do Trabalho.
 Decisão recorrida: A Autoridade para as Condições do Trabalho sancionou a 
 recorrente com uma coima dando como provados os factos constantes do auto de 
 notícia, de onde consta o seguinte:
 
        No dia 23 de Agosto de 2007, pelas 05.40 horas, na estrada nacional de 
 Albufeira para Vilamoura, um trabalhador da recorrente conduzia um veículo 
 automóvel pesado de passageiros e vistos os discos‑diagrama foi constatado que 
 na jornada do dia 21 de Agosto de 2007 para 22 de Agosto de 2007, fê‑lo durante 
 mais de 10 horas.
 II – Fundamentação.
 
 1. Factos provados.
 Os assim considerados pela autoridade administrativa.
 
  
 
 2. Subsunção jurídica dos factos provados.
 No domínio contra-ordenacional valem também os princípios da legalidade, quer 
 das contra-ordenações, quer do processo e, bem assim, da presunção de inocência 
 do arguido (cf. artigos 2.º e 43.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 
 e 32.º, n.º 2, da CRP).
 Do auto de notícia não consta qualquer facto imputando à recorrente a 
 responsabilidade pelo cometimento da infracção enquanto entidade patronal do 
 condutor daquele veículo. O que, diga‑se em abono da verdade, não era exigido 
 pelo precedente regime das contra‑ordenações laborais constante da Lei n.º 
 
 116/99, de 4 de Agosto, uma vez que no seu artigo 4.º se prescrevia o seguinte:
 
 «1.  São responsáveis pelas contra‑ordenações laborais e pelo pagamento das 
 coimas:
 a)  A entidade patronal, quer seja pessoa singular ou colectiva, associação sem 
 personalidade jurídica ou comissão especial;
 
 (…).»
 Todavia, conforme refere o acórdão da Relação de Coimbra, proferido a 4 de Março 
 de 2004, nas Bases Jurídico‑Documentais do Ministério da Justiça, em 
 
 www.dgsi.pt, com expressa revogação da Lei n.º 116/99, «tem que se entender que 
 o sujeito da referida contra‑ordenação é quem pratica (o motorista), apenas 
 podendo também responder a sua entidade patronal desde que no auto de notícia 
 conste a materialidade fáctica que permita a imputação do ilícito penal à 
 entidade empregadora, quer seja a nível da sua exclusiva autoria, quer como 
 co‑autora, quer a título de cúmplice (artigos 614.º do Código do Trabalho e 26.º 
 e 27.º do Código Penal).»
 E acrescenta este aresto: «Não havendo no auto de notícia factos que permitam a 
 imputação directa do referido ilícito à empregadora, impõe‑se a respectiva 
 absolvição em processo contra‑ordenacional com base nos citados preceitos.»
 Nesse sentido, pode ver‑se também o acórdão da Relação de Coimbra, de 26 de 
 Fevereiro de 2004, igualmente disponível em Bases Jurídico‑Documentais do 
 Ministério da Justiça, em http://www.gde.mj.pt.
 Daí que também se tenha entendido no acórdão da Relação do Porto, proferido em 
 
 12 de Julho de 2004, em Bases Jurídico‑Documentais do Ministério da Justiça, em 
 http://www.gde.mj.pt, que «é o condutor‑trabalhador, e não a entidade 
 empregadora, o responsável pela infracção traduzida no incumprimento das 
 disposições legais relativas aos tempos de condução e de repouso». Isto porque, 
 conforme se sustentou no referido acórdão:
 
 «A imputação ao trabalhador‑condutor da infracção só é compreensível pelo facto 
 de estar em causa, conforme já referido, a segurança nas estradas. Na verdade, 
 quando o trabalhador está na estrada, exercendo as funções de condução, é ele 
 que controla essa actividade e mais ninguém, e por isso tem ele de respeitar as 
 interrupções na condução e os tempos de repouso tendo em conta a sua segurança e 
 a dos demais utentes da estrada.
 E argumentar‑se‑á: mas assim fica de fora qualquer responsabilidade da entidade 
 patronal. Mas não, já que à entidade patronal compete organizar o serviço e 
 forma a dar cumprimento à regulamentação social em matéria de segurança 
 rodoviária (artigo 8.º do Decreto‑Lei n.º 272/89, de 19 de Agosto, na redacção 
 dada pela Lei n.º 114/99 e artigo 10.º do Regulamento).
 Assim, e tendo em conta a redacção dada pela Lei n.º 114/99 ao artigo 7.º do 
 Decreto‑Lei n.º 272/89, em especial o seu n.º 6, quis o legislador imputar ao 
 condutor/trabalhador o não cumprimento de qualquer disposição relativa aos 
 tempos de condução e repouso, assim como as interrupções da condução previstas 
 no Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985.
 Por isso, não pode a recorrente – entidade patronal – ser responsabilizada pela 
 prática da referida infracção na medida em que ela não foi o seu agente, sendo 
 certo que não nos encontramos perante qualquer responsabilidade objectiva ou 
 responsabilidade a título de culpa in vigilando.»
 Ou seja, a existir qualquer infracção, foi ela praticada pelo supra identificado 
 condutor, que é trabalhador da arguida, pelo que, em consonância com o atrás 
 referido, a responsabilidade pela prática da infracção em causa no presente 
 processo e, consequentemente, pelo pagamento da correspondente coima e das 
 custas do processo, não pode recair sobre aquela.
 Com efeito, face à entrada em vigor do Código do Trabalho e à consequente 
 revogação da Lei n.º 116/99, tem que se entender que o sujeito da referida 
 contra‑ordenação é quem a pratica, ou seja, o motorista. Apenas podendo também 
 responder a entidade patronal desde que do auto de notícia conste a 
 materialidade fáctica que permita a imputação do ilícito à entidade empregadora, 
 quer seja a nível da sua exclusiva autoria, quer como co‑autora, quer a título 
 de cúmplice. Não havendo no auto de notícia factos que permitam a imputação 
 directa do referido ilícito à entidade empregadora, impõe‑se a respectiva 
 absolvição em processo contra‑ordenacional, com base nos artigos 614.º do Código 
 do Trabalho e 26.º e 27.º do Código Penal.
 
 É certo que entretanto entrou em vigor o Decreto‑Lei n.º 237/2007, de 19 de 
 Junho de 2007, o qual, no n.º 3 do seu artigo 1.º esclareceu que «o disposto nos 
 artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do 
 Trabalho».
 Ora, o n.º 1 do seu artigo 8.º veio estipular que «o período de trabalho diário 
 dos trabalhadores móveis é interrompido por um intervalo de descanso de duração 
 não inferior a trinta minutos, se o número de horas de trabalho estiver 
 compreendido entre seis e nove, ou a quarenta e cinco minutos, se o número de 
 horas for superior a nove» e no n.º 2 que «os trabalhadores móveis não podem 
 prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo». E, por sua vez, o n.º 2 do 
 artigo 10.º desse diploma estabeleceu que «o empregador é responsável pelas 
 infracções ao disposto no presente decreto‑lei».
 Destarte, aparentemente estaria assim estabelecida nova fonte legal de 
 responsabilização contra‑ordenacional para os empregadores cujos trabalhadores 
 fossem motoristas de veículos pesados de mercadorias ou de passageiros que 
 tivessem violado o ali estabelecido sobre os tempos máximos de trabalho/de 
 descanso. Mas vejamos mais cuidadosamente se assim será.
 Conforme estipula o n.º 2 do artigo 1.º do mencionado diploma legal, «o presente 
 diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do 
 Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do 
 tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte 
 rodoviário».
 Sabemos bem que, segundo o n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República, «as 
 disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das 
 suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na 
 ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos 
 princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Ora, sobre essa 
 matéria, o artigo 249.º do Tratado da Comunidade Europeia diz que «a directiva 
 vincula o Estado‑membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando no 
 entanto às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios».
 Daí que importe saber se o que sobre isso dispõe a Constituição da República 
 Portuguesa.
 Releva, desde logo, o n.º 8 do seu artigo 112.º, segundo o qual «a transposição 
 de actos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a 
 forma de lei, decreto‑lei ou, nos termos do disposto no n.º 4, decreto 
 legislativo regional».
 E também o artigo 165.º, o qual, no que interessa, tem o seguinte conteúdo:
 
 «1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 
 seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
 
 (…)
 d) Regime geral … dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo 
 processo;
 
 (…).» 
 Ora, o Governo publicou o citado Decreto‑Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, 
 desprovido de qualquer autorização legislativa. De resto, nem escondeu que o 
 fazia, uma vez que ali invocou para legitimar a sua tarefa o disposto no artigo 
 
 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, o qual, como é de conhecimento 
 generalizado, versa sobre a competência legislativa própria daquele órgão. Que 
 assim é pode facilmente constatar‑se lendo seu conteúdo, que é este:
 
 «1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:
 a) Fazer decretos‑leis em matérias não reservadas à Assembleia da República;
 
 (…).»
 Assim sendo as coisas, afigura‑se‑nos singelamente claro que aquele diploma é 
 inconstitucional e por isso não pode ser aplicado pelos tribunais, sem ofensa da 
 própria Lei Fundamental (cf. o seu artigo 204.º). O que, não ignoramos, o 
 acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de Fevereiro de 2008, publicado 
 nas Bases Jurídico‑Documentais do Ministério da Justiça, em http://www.dgsi.pt, 
 não ponderou, tendo aplicado aquele diploma sem qualquer consideração acerca do 
 regime normativo que atrás referimos.
 Daí que a solução seja, como atrás se delineou, aplicar o direito em vigor e que 
 mais não é do que o que atrás deixámos referido, tanto bastando para que proceda 
 o recurso.
 
  
 III – Decisão.
 Face ao exposto, julgo o recurso procedente e, em consequência, revogo a decisão 
 administrativa que impôs a coima à recorrente.”
 
  
 
             No Tribunal Constitucional, o relator, no despacho que determinou a 
 apresentação de alegações, consignou o seguinte:
 
  
 
   “Apesar de no requerimento de interposição de recurso se referir globalmente o 
 Decreto‑Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, resulta da fundamentação da sentença 
 recorrida que desse diploma apenas se consideraram susceptíveis de relevar para 
 a decisão as normas dos seus artigos 1.º, n.º 3 («O disposto nos artigos 3.º a 
 
 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho»), 8.º, 
 n.ºs 1 e 2 
 
 («1 – O período de trabalho diário dos trabalhadores móveis é interrompido por 
 um intervalo de descanso de duração não inferior a trinta minutos, se o número 
 de horas de trabalho estiver compreendido entre seis e nove, ou a quarenta e 
 cinco minutos, se o número de horas for superior a nove. 2 – Os trabalhadores 
 móveis não podem prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo») e 10.º, 
 n.º 2 («O empregador é responsável pelas infracções ao disposto no presente 
 decreto‑lei»), necessariamente conjugados com o disposto no artigo 16.º 
 
 («Constitui contra‑ordenação grave a violação do disposto nos artigos 8.º e 
 
 9.º»).
 
   Deve, assim, entender‑se que o objecto do presente recurso consiste na 
 apreciação da constitucionalidade do critério normativo, extraído dos artigos 
 
 1.º, n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 2, e 10.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 237/2007, de 19 
 de Junho, que determina a responsabilidade do empregador pela contra‑ordenação 
 consistente em violação do limite máximo de duração do trabalho diário dos 
 
 «trabalhadores móveis» (definidos no artigo 2.º, alínea d), do mesmo diploma).”
 
  
 
             O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional 
 apresentou alegações, concluindo:
 
  
 
 “1. Apenas se situa no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia 
 da República o estabelecimento do regime geral do ilícito de mera ordenação 
 social, podendo o Governo legislar em tal matéria, desde que o faça dentro dos 
 limites impostos por esse regime geral.
 
 2. Face à definição de contra‑ordenação laboral constante do artigo 614.º do 
 Código do Trabalho de 2003 (norma integrada no Regime Geral das 
 Contra‑Ordenações Laborais), podem estar incluídos entre os sujeitos 
 responsáveis pela infracção tanto as entidades empregadoras como os 
 trabalhadores.
 
 3. Dessa forma, e uma vez que é respeitado aquele regime geral, o critério 
 normativo, extraído dos artigos 1.º, n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 2, e 10.º, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, que determina a responsabilidade do 
 empregador pela contra‑ordenação consistente em violação do limite máximo de 
 duração do trabalho diário dos «trabalhadores móveis» (definidos no artigo 2.º, 
 alínea d), do mesmo diploma), não viola o artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da 
 Constituição, não sendo, por isso, organicamente inconstitucional.
 
 4. Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
             Por ter cessado funções neste Tribunal o Exmo. Juiz Conselheiro 
 Relator, os autos foram redistribuídos.
 
  
 
             Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
             2.  A norma sub judicio insere-se num decreto legislativo 
 governamental que procede à transposição para a ordem jurídica interna da 
 Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, 
 relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades 
 móveis de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas 
 pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 
 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social 
 no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou 
 pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que 
 Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para 
 ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.
 
             No diploma vem estabelecer-se limites à duração do trabalho diário e 
 semanal dos trabalhadores móveis abrangidos, prevendo-se ainda períodos de 
 descanso mínimos, ao mesmo tempo que se cria como ilícito de mera ordenação 
 social a violação de regras específicas que integram o regime objecto de 
 regulação. Verifica-se, assim, uma preocupação em articular o regime jurídico 
 substantivo com o regime contra-ordenacional, de modo a dotar o primeiro de 
 maior efectividade, como sucede, aliás, com vários outros regimes sectoriais.
 
             É o seguinte o teor do diploma, na parte que releva:
 
  
 CAPÍTULO III
 Contra-ordenações
 
  
 SECÇÃO I
 Regime geral
 
  
 Artigo 10.º
 Disposições Gerais
 
 1. O regime geral previsto nos artigos 614.º e 640.º do Código do Trabalho 
 aplica-se às contra-ordenações do presente decreto-lei, sem prejuízo do disposto 
 nos artigos 11.º e 12.º.
 
 2. O empregador é responsável pelas infracções ao disposto no presente 
 decreto-lei.
 
 […].
 
  
 
  
 
               3.  É entendimento do Tribunal a quo que, com tais preceitos, o 
 legislador governamental estaria a proceder a uma alteração ao regime geral das 
 contra-ordenações, sem que, por se tratar de matéria sujeita a reserva de lei 
 parlamentar nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, 
 para tanto estivesse devidamente habilitado através de autorização legislativa. 
 Vejamos, então, se assim é.
 
  
 
               4.  A alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição apenas 
 reserva à Assembleia da República a competência para a definição do regime geral 
 do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo. A competência 
 exclusiva do Parlamento (salvo autorização ao Governo) limita-se portanto nesta 
 matérias à delineação do regime geral.
 
             Qual seja o âmbito deste regime é questão de que se já ocupou a 
 jurisprudência do Tribunal. Nos Acórdãos n.ºs 56/84 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 3.º Vol., p. 153), 158/92 e 236/2003 (disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), por exemplo, disse-se – atenta a distinção 
 substancial entre ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social – que no 
 
 âmbito da reserva parlamentar relativa a este último e inscrita na alínea d) do 
 n.º 1 do artigo 165.º da CRP se contaria apenas a edição das normas ditas 
 
 “primárias”, cabendo à competência própria do Governo delinear, no quadro dessa 
 normação “primária”, os ilícitos contra-ordenacionais, estabelecer a 
 correspondente punição e moldar regras “secundárias” adjectivas, ou respeitantes 
 ao processo contra-ordenacional. Ao Parlamento caberia assim, apenas, a 
 definição da natureza do ilícito de mera ordenação social; a definição do tipo 
 de sanções aplicáveis às contra-ordenações; a fixação dos limites das coimas; a 
 definição das linhas gerais de tramitação processual. Fora deste âmbito de 
 
 “normação primária”, reservada à Assembleia, deteria o Governo competência 
 legislativa própria, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 198.º da CRP.
 
             Face a esta doutrina, tornar-se-ia claro que, no caso, e ao definir 
 qual o sujeito responsável pelas contra-ordenações previstas no Decreto-Lei n.º 
 
 237/2007, de 19 de Junho, o conteúdo da norma sub judicio versaria ainda o 
 delineamento dos ilícitos contra-ordenacionais criados nesse diploma, matéria 
 que, por não ser de regime geral, não seria incluída na reserva parlamentar, 
 podendo o Governo sobre a mesma dispor ao abrigo da sua competência legislativa 
 própria.
 
  
 
             5.  A decisão recorrida parte no entanto de um outro pressuposto, 
 pois que confronta o disposto no Decreto-Lei n.º 237/2007, não apenas com o 
 regime geral do ilícito contra-ordenacional tout court, mas, e sobretudo, com o 
 regime geral das contra-ordenações laborais, constante hoje do Código de 
 Trabalho.
 
             Ora, como se disse no Acórdão n.º 578/2009 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) “sempre será legítimo ao Governo criar 
 contra‑ordenações num sector de actividade em que a Assembleia da República 
 tenha estabelecido um regime geral sectorial, desde que respeite este regime ou, 
 mais rigorosamente, as regras deste regime sectorial que possam simultaneamente 
 ser concebidas como regras do regime geral das contra‑ordenações (…). Assim 
 sendo, prevendo o regime geral do ilícito de mera ordenação social que as coimas 
 tanto se podem aplicar às pessoas singulares como às pessoas colectivas, e 
 prevendo o artigo 614º do Código do Trabalho de 2003 que, nas respectivas 
 contra‑ordenações, possa ser responsável “qualquer sujeito no âmbito das 
 relações laborais”, incluindo tanto as entidades empregadoras como os 
 trabalhadores, apenas resta concluir que não se vê que as normas que vêm 
 questionadas invadam o âmbito da reserva legislativa da Assembleia da 
 República.”
 
             Valendo este argumento, em geral, para todo o sistema de infracções 
 instituído pelo Decreto-Lei n.º 237/2007, vale ele também para o sistema 
 normativo que integrou o objecto do presente recurso.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 6.  Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, o Tribunal Constitucional 
 decide:
 a)      Não julgar organicamente inconstitucional, por violação do disposto na 
 alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a norma extraída dos artigos 
 
 1.º, n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 2, e 10.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 237/2007, de 19 
 de Junho, que determina a responsabilidade do empregador pela contra‑ordenação 
 consistente em violação do limite máximo de duração do trabalho diário dos 
 
 «trabalhadores móveis» (definidos no artigo 2.º, alínea d), do mesmo diploma);
 b)       Ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora 
 decidido quanto à questão de constitucionalidade.
 
  
 
             Sem custas.
 
  
 
  
 Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão