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Processo nº 452/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  No Tribunal da Comarca de Lisboa, o Ministério Público acusou, entre outros, 
 A. e B., o primeiro pela prática, em co-autoria material e em concurso real: de 
 um crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada e continuada, 
 previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, 
 alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à 
 Tabela anexa I-A e I-B e 30.º do Código Penal; de um crime de receptação na sua 
 forma continuada, previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 1 e 30.º do Código 
 Penal; de um crime de posse de arma não manifestada e sem licença de uso e porte 
 de arma, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 22/97, de 27 de 
 Junho. A segunda pela prática, em co-autoria material e em concurso real: de um 
 crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada e continuada, previsto 
 e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) 
 e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela anexa 
 I-A e I-B e 30.º do Código Penal; de um crime de receptação na sua forma 
 continuada, previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 1 e 30.º do Código Penal.
 Por acórdão da Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Braga de 7 de 
 Dezembro de 2005 foram, entre outros, os arguidos A. e B. condenados: o primeiro 
 na pena única de sete anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico da pena de 
 sete anos de prisão pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de 
 estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 
 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.º do Código Penal, e da 
 pena de um ano de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, 
 previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho; a 
 segunda na pena de sete anos de prisão, pela prática em co-autoria de um crime 
 de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 
 
 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e artigo 30.º do Código 
 Penal.
 
  
 
 2.  Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, 
 tendo, nas conclusões da respectiva motivação, suscitado as seguintes questões 
 de constitucionalidade:
 
  
 
 (…)
 
 5.  O tribunal a quo interpretou as disposições conjugadas dos arts 188°, n° 4, 
 segunda parte, e 101º, n° 2, no sentido de que o Juiz de Instrução Criminal não 
 tem de assinar o auto de transcrição dos gravações telefónicas nem sequer tem de 
 certificar a conformidade da transcrição. 
 
 6.  Essa interpretação ofende o disposto nos arts 18°, n° 2, 32°, n.°s 1 e 8, e 
 
 34°, nºs 1 e 4, da CRP e é, por isso, inconstitucional, como tal devendo ser 
 declarada, caso venha a considerar-se que é esse o sentido e conteúdo daquelas 
 normas. 
 
 (…)
 
 10.  A interpretação contrária do artigo 188°, 3, adoptada pelo Juiz de 
 Instrução Criminal e acolhida pelo Tribunal a quo ao considerar válidas as 
 escutas efectuadas e ao valorizá-las como meio de prova superlativo e 
 determinante para a condenação dos Recorrentes, que permite a transcrição de 
 parte das gravações e a destruição definitiva e irremediável das partes 
 restantes, implica uma ofensa inaceitável das garantias de defesa dos Arguidos e 
 a violação ostensiva dos preceitos constitucionais já antes citados (arts 18°, 
 n° 2, 32°, n.°s 1 e 8, e 34°, n.°s 1 e 4, da CRP), sendo, por isso, 
 inconstitucional e como tal devendo ser declarada, 
 
 (…)
 
 17.  A interpretação do conjunto normativo integrado pela al. f) do n° 1 do 
 artigo 1º, e pelos arts 358° e 359º que qualifique como não substancial a 
 alteração dos factos relativos aos elementos da factualidade típica e à intenção 
 dolosa do agente ofende as garantias mínimas de defesa do Arguido e a estrutura 
 acusatória do processo, sendo, por Isso e por violação do disposto nos n.°s 1 e 
 
 5 do artigo 32° CRP, inconstitucional. 
 
 18.  Deve, portanto, considerar-se tais factos como não escritos e, em 
 concomitância, absolver-se o Recorrente A. do crime de detenção ilegal de arma 
 de defesa p. e p. pelo artigo 6° da Lei 22/95, de 27 de Julho. 
 
 (…)
 
  
 
  
 Por acórdão de 22 de Maio de 2006, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou 
 improcedentes os recursos interpostos, confirmando integralmente a decisão 
 recorrida.
 
  
 
 3.  A. e B. interpuseram então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 tendo, em 20 de Dezembro de 2006, sido proferido acórdão decidindo, entre o 
 mais, “[N]não conhecer dos recursos dos arguidos A. e B., na parte em que 
 suscitam as questões da nulidade das escutas e da alegada alteração substancial 
 dos factos, por as respectivas decisões do Tribunal da Relação serem 
 insusceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
 Deste acórdão vieram requerer «se esclareça se o douto acórdão em mérito 
 considera ou não que “a interpretação ... do art° 188°, n° 3, adoptada pelo Juiz 
 de Instrução Criminal e acolhida pelo Tribunal a quo ao considerar válidas as 
 escutas efectuadas e ao valorizá-las como meio de prova superlativo e 
 determinante para a condenação dos Recorrentes, que permite a transcrição de 
 parte das gravações e a destruição definitiva e irremediável das partes 
 restantes, implica a ofensa das garantias de defesa dos Arguidos e a violação 
 ostensiva dos preceitos constitucionais já antes citados (arts 18°, n° 2, 32°, 
 n°s 1 e 8, e 34°, n°s 1 e 4, da CRP)” e, por isso, se considera ou não que 
 aquela norma, assim interpretada, é inconstitucional», solicitação que foi 
 deferida por aresto de 7 de Fevereiro de 2007, em que se sublinha que “a decisão 
 sobre essa matéria, como o dispositivo do acórdão inequivocamente refere, não 
 foi a da improcedência do recurso, por se ter julgado inconstitucional a norma 
 citada, na interpretação assinalada. Foi sim, a do não conhecimento do mesmo, da 
 sua rejeição, por nessa parte, o acórdão recorrido ser insusceptível de recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça”.
 
  
 
 4.  Notificados deste aresto, A. e B. apresentaram o requerimento de fls. 4641 e 
 
 4641 verso, endereçado ao Desembargador Relator do Tribunal da Relação de 
 Guimarães, através do qual vieram interpor o presente recurso de 
 constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), 
 fazendo-o “porque se não conformam com o, aliás douto, acórdão proferido no 
 processo crime identificado em epígrafe, pelo Tribunal da Relação de Guimarães 
 no dia 22 de Maio de 2006” e “para apreciação da inconstitucionalidade dos 
 seguintes diplomas e normas:
 
  
 
 –   disposições conjugadas dos arts 188°, n° 4, segunda Parte e 10lº, n° 2, CPP, 
 interpretadas no sentido de que o Juiz de Instrução Criminal não tem de assinar 
 o auto de transcrição das gravações telefónicas nem sequer de certificar a 
 conformidade da transcrição, por ofensa do disposto nos arts 18°, nº 2, 32°, nºs 
 
 1 e 8, e 34°, nºs 1 e 4, CRP; 
 
 –   art° 188°, n° 3, CPP, por ofensa dos citados arts 18°, n° 2, 32°, nºs 1 e 8, 
 e 34°, n°s 1 e 4, CRP; 
 
 –   conjunto normativo integrado nela al. f) do nº 1 do art° 1º e pelos arts 
 
 358° e 359° do CPP, na interpretação que qualifique como não substancial a 
 alteração dos factos relativos aos elementos da factualidade típica e à intenção 
 dolosa do agente, por ofensa das garantias mínimas de defesa do Arguido e a da 
 estrutura acusatória do processo penal e, por isso, do disposto nos n°s 1 e 5 do 
 art° 32° CRP.
 
  
 Determinada a produção de alegações, os recorrentes concluíram assim as suas:
 
  
 
 1.  A interpretação adoptada das disposições conjugadas dos arts 188°, nº 4, 
 segunda parte, e 101°, n° 2, CPP, segundo a qual o JIC não tem de assinar o auto 
 de transcrição das gravações telefónicas nem tem de certificar a conformidade da 
 transcrição é inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts 18°, n° 2, 32°, 
 n°s 1 e 8, e 34°, n°s 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. 
 
 2.  “A norma do artigo 188°, n° 3, do Código de Processo Penal, na interpretação 
 
 (adoptada) segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos 
 mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público conheceram e que são consideradas irrelevantes pelo Juiz de 
 Instrução Criminal, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se 
 possa pronunciar sobre a sua relevância” é inconstitucional, por violação dos 
 arts 18°, n° 2, 32°, n°s 1 e 8, e 34°, nºs 1 e 4, da CRP. 
 
 3.  A interpretação adoptada dos arts 1°, n° 1, al. f), 358° e 359° CPP, e em 
 que assenta a condenação do Recorrente A. como autor material de um crime de 
 detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo art° 6° da Lei n° 22/95, de 27 
 de Julho, que qualificou como não substancial a alteração dos factos relativos 
 aos elementos da factualidade típica e à intenção do agente e permitiu que os 
 mesmos passassem a constar da sentença apesar de não constarem da acusação, é 
 inconstitucional porque viola a estrutura acusatória do processo penal e, 
 portanto, o disposto nos nºs 1 e 5 do art° 32° da Lei Fundamental. 
 
  
 
  
 O Ministério Público contra-alegou, sustentando a não inconstitucionalidade de 
 todas as normas do Código de Processo Penal, na interpretação que delas fizera a 
 decisão recorrida.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 5.  No presente recurso de constitucionalidade são colocadas ao Tribunal 
 Constitucional três questões distintas. 
 Incide a primeira sobre as disposições conjugadas dos artigos 188º, nº 4 e 101º, 
 nº 2, do Código de Processo Penal. Mais precisamente, pergunta-se se será ou não 
 inconstitucional – por violação dos artigos 18º, nº 2; 32º, nºs 1 e 8; 34º, nºs 
 
 1 e 4 da Constituição – a norma a extrair da leitura combinada da parte final 
 das duas disposições do CPP, quando interpretada no sentido de não impor ao Juiz 
 de Instrução Criminal (i) o dever de assinar o auto de transcrição de conversas 
 telefónicas interceptadas e gravadas e (ii) o dever de certificar a conformidade 
 do conteúdo da transcrição com o conteúdo do material gravado. 
 A segunda questão incide sobre o nº 3 do artigo 188º do Código de Processo 
 Penal. Pretende-se com ela saber se será ou não inconstitucional – por violação, 
 ainda, dos artigos 18º, nº 2; 32º, nºs 1 e 8º; 34º, nº 1 e 4º da Constituição – 
 a norma contida naquela disposição, quando entendida de forma a permitir a 
 destruição parcial das gravações das conversas telefónicas interceptadas, sem 
 que o escutado as tenha podido ouvir e controlar. 
 Finalmente, incide a terceira questão sobre o «conjunto normativo integrado pela 
 alínea f) do nº 1 do artigo 1º, e pelos artigos 358º e 359º do CPP». Pergunta-se 
 agora se será ou não inconstitucional – desta vez, por violação dos nºs 1 e 5 do 
 artigo 32º da Constituição – um tal «conjunto normativo», quando interpretado de 
 forma a que se «qualifique como não substancial a alteração dos factos relativos 
 aos elementos de factualidade típica e à intenção dolosa do agente». 
 
  
 Cada uma destas questões será examinada separadamente.  
 
  
 
 
 
 
 
  
 A)
 Do primeiro problema de constitucionalidade: assinatura e certificação dos autos 
 de transcrição de escutas telefónicas
 
  
 
 6.  Sustentam os recorrentes, nesta primeira questão, que a Constituição impõe 
 ao Juiz de Instrução Criminal que tiver ordenado ou autorizado a intercepção e 
 gravação de conversas ou comunicações telefónicas: (i) o dever de assinatura do 
 auto de transcrição das mesmas (auto a que se refere o nº 3 do artigo 188º do 
 CPP); (ii) o dever de certificação da conformidade de conteúdos (de conformidade 
 entre o conteúdo das gravações e o conteúdo das transcrições). 
 Alegam os recorrentes que tais deveres decorrem antes do mais da lei ordinária, 
 pois que – dizem – é clara a sua consagração na parte final do nº 4 do artigo 
 
 188º e na parte final nº 2 do artigo 101º do CPP. 
 Dispõe o nº 4 do artigo 188º: 
 
  
 Para efeitos do disposto do número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando 
 entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se 
 necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, 
 o disposto no artigo 101º, nº 2 e 3. (itálico aditado). 
 
  
 Determina o nº 2 do artigo 101º: 
 
  
 Quando forem utilizados meios estenográficos, estenotípicos ou outros diferentes 
 da escrita comum, o funcionário que deles se tiver socorrido, ou, na sua 
 impossibilidade ou falta, pessoa idónea, faz a transcrição no prazo mais curto 
 possível, sendo os respectivos encargos suportados os termos fixados no Código 
 das Custas Judiciais, devendo a entidade que presidiu ao acto certificar-se da 
 conformidade da transcrição, antes da assinatura. (itálico aditado). 
 
  
 No entanto – e a ideia deve ser desde já sublinhada – a questão que agora se 
 coloca não é a de saber se os referidos deveres judiciais de assinatura e 
 certificação dos autos decorrem, ou não, da leitura conjugada destes  dois 
 preceitos. Como (e o ‘facto’ é bem conhecido) não é ao Tribunal Constitucional 
 que cabe a tarefa da interpretação e aplicação do direito ordinário, em causa 
 está – não pode deixar de estar – uma questão diferente, bem mais precisa: a de 
 saber se, face à Constituição, só haverá uma única interpretação possível da 
 norma contida nas duas disposições, interpretação essa que concluirá pela 
 existência dos referidos deveres judiciais.
 Esta última ideia é, também ela, perfilhada pelos recorrentes, que se não 
 limitam a indicar a normação ordinária como sendo a única fonte de existência 
 dos dois deveres. In casu, o que se foi dizendo ao longo do processo e se 
 repetiu no recurso de constitucionalidade – constituindo esse dito, aliás, a 
 razão de ser do conhecimento do recurso, quanto a esta questão, por parte do 
 Tribunal Constitucional – foi algo mais. Sustentou-se [e sustenta-se] que é 
 afinal a própria Constituição a fonte última da existência dos deveres judiciais 
 de assinatura dos autos e de certificação dos seus conteúdos, por ser esse o 
 
 único sentido possível que os artigos 18º, nº 2; 32, nºs 1 e 8; 34º, nºs 1 e 4 
 da CRP permitem que se atribua às normas infraconstitucionais. Resta, pois, ao 
 Tribunal determinar se assim é: se a Constituição impõe ou não uma única leitura 
 para o disposto nos artigos 188º, nº 4 e 101, nº 2 do CPP, e se essa única 
 leitura tem um conteúdo idêntico ao que é alegado pelos recorrentes. 
 
  
 
 7.  Assim equacionado, o problema posto pelos recorrentes é em certa medida novo 
 face ao já rico acervo da jurisprudência constitucional sobre escutas 
 telefónicas. 
 Enquanto meio excepcional de obtenção de prova em processo penal 
 
 (excepcionalidade essa, note-se, que é desde logo reconhecida pelo nº 3 do 
 artigo 126º do CPP), a intercepção e gravação de conversações ou comunicações 
 telefónicas só podem ser efectuadas nos quadros estreitos dos procedimentos 
 fixados pelos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal. Tais 
 procedimentos formam um ‘sistema’, dotado de coerência interna porque assente 
 antes do mais numa lógica dual. O legislador ordinário entendeu que devia 
 disciplinar tanto os pressupostos das escutas quanto os termos da sua execução. 
 Da disciplina dos pressupostos (ou seja, da definição das condições que devem 
 estar reunidas para que se possa ordenar ou autorizar a intercepção e gravação 
 das comunicações) cuida o artigo 187º do CPP; da disciplina dos termos da 
 execução (ou seja, da definição do tempo e do modo de acompanhamento das 
 intercepções já ordenadas ou autorizadas) cuida o artigo 188º. 
 Tem sido este último artigo (e, portanto, a disciplina que nele se contém dos 
 termos de execução das escutas) o objecto principal da jurisprudência já 
 existente sobre o tema. 
 Com efeito, tanto o Acórdão (seminal) nº 407/97 quanto os que o seguiram – 
 Acórdãos nºs 347/2001; 528/2003; 379/2004; 223/2005, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt – ao incidirem sobre o sentido a atribuir ao 
 advérbio imediatamente, inserto no enunciado do nº 1 do artigo 188º, acabaram 
 por restringir o seu campo de análise à constitucionalidade da disciplina legal 
 dos termos da execução das escutas, sem se debruçarem ex professo – porque tal 
 não era pedido – sobre a conformidade constitucional do outro tandem do sistema, 
 o dos pressupostos, contido no artigo 187º. Aliás (e para usar a expressão feliz 
 do Acórdão nº 426/2005: DR, II série, nº 232, 5/12/2005, p. 17004) toda esta 
 jurisprudência acabou por incidir sobre o tempo, que não sobre o modo, do 
 acompanhamento das escutas: mesmo constituindo o artigo 188º o objecto do seu 
 campo de análise, as questões analisadas acabaram por se limitar a apenas uma 
 parte da disciplina dos termos da execução das intercepções.
 
 É evidente que o problema que nos ocupa se inscreve ainda no âmbito desta mesma 
 disciplina. No entanto, o que agora está em causa já não é a questão [da 
 constitucionalidade] do regime de tempo do acompanhamento das escutas. O que 
 está em causa é [a constitucionalidade] do modo do seu acompanhamento. Deste 
 
 ângulo das coisas só se ocuparam, até agora, e numa perspectiva diversa daquela 
 que aqui interessa, os Acórdãos nºs 426/2005 e 660/2006; a eles voltaremos. De 
 imediato, um outro ponto deve ser sublinhado. 
 
  
 
 8.  Apesar de a questão agora em análise ser, em certa medida, nova, para o 
 acervo da jurisprudência existente, a verdade é que a sua correcta equação 
 jurídico‑constitucional só pode e deve ser ensaiada se se tiver em conta o 
 lastro deixado pelas anteriores decisões do Tribunal sobre o mesmo tema. Ora 
 desse lastro resultam algumas conclusões claras que não podem deixar de ser 
 recordadas. 
 
 
 A primeira – e primeira na ordem lógica das coisas – é naturalmente aquela que 
 diz respeito ao fundamento constitucional do regime fixado nos artigos 187º e 
 
 188º do CPP.
 A conclusão firmou-se logo no Acórdão nº 407/97 (DR, II série, nº 164, 18/7/97, 
 p. 8604). A existência, no Código de Processo Penal, de um regime sobre «escutas 
 telefónicas» deve-se a uma autorização expressa da Constituição. Tal regime só 
 existe porque a Constituição expressamente autoriza a sua existência: é o que 
 decorre do nº 1 do artigo 34º, dos nºs 1 e 2 do artigo 18º, e do nº 4 do artigo 
 
 34º da CRP. Sendo o direito ao sigilo dos meios de comunicação privada (dito 
 inviolável pelo nº 1 do artigo 34º) um direito fundamental directamente 
 aplicável (artigo 18º, nº 1), a sua restrição terá que ser autorizada pela 
 própria Constituição (artigo 18º nº 2); a previsão, por lei ordinária, de um 
 regime que permita às autoridades públicas a intercepção e gravação de 
 conversações telefónicas sem o consentimento dos intervenientes é, 
 evidentemente, uma restrição; tal restrição legal  só existe porque a 
 Constituição, no nº 4 do artigo 34º, expressamente a autoriza. Não cuidaremos 
 agora da questão de saber se serão ou não também constitucionalmente admissíveis 
 restrições só implicitamente autorizadas, e de qual o sentido exacto que deva 
 ser atribuído à primeira frase do nº 2 do artigo 18º da CRP: a colocação do 
 problema é aqui inútil, dado conter o nº 4 do artigo 34º uma autorização 
 expressa para restringir. Aliás, a autorização é concedida por intermédio de uma 
 reserva de lei qualificada: a «compressão» do direito só pode ser feita nos 
 termos da lei e em «matéria de processo criminal». Eis, pois, a razão de ser dos 
 artigos 187º e 188º do CPP. 
 A segunda conclusão, (e segunda, também, na ordem lógica das coisas) é aquela 
 que diz respeito às finalidades da autorização constitucional que acabou de ser 
 analisada. E também aqui tem sido constante a jurisprudência constitucional 
 iniciada em 1997: a reserva de lei qualificada que se encontra inserta no nº 4 
 do artigo 34º da CRP implica a devolução ao legislador ordinário de uma tarefa 
 de ponderação de bens (Ac. 407/97, loc.cit.; Ac. 347/2001, DR, II série, nº 260, 
 
 9/11/2001, p. 18631; Ac. 526/2003, DR, II série, nº 290, 17/12/2003, p. 18449). 
 Os bens jurídicos protegidos pelo «direito à palavra» e à «reserva de intimidade 
 da vida privada» – artigo 26 da CRP – e que são contíguos daquele outro que é 
 protegido pelo «direito à inviolabilidade dos meios de comunicação privada» – 
 artigo 34º, nº 1 da CRP – devem ser ponderados, ou sopesados, de forma a que se 
 possam conciliar com o «interesse» ou «valor» constitucionalmente protegido da 
 correcta prossecução, em Estado de direito, da justiça penal. 
 O nº 4 do artigo 34º da Constituição limita-se a devolver ao legislador 
 ordinário, «em matéria de processo criminal», a tarefa da conciliação entre 
 estes diferentes bens e interesses constitucionalmente protegidos; nada diz, 
 portanto, quanto ao método que deve ser seguido nessa tarefa de conciliação. Por 
 este motivo já sustentou o Tribunal, no Ac. 426/2005 (loc.cit., p. 16 998), que, 
 contendo o referido nº 4 apenas uma reserva de lei, o princípio da reserva do 
 juiz – isto é, o princípio segundo o qual, no processo de obtenção deste meio de 
 prova, se deveria atribuir exclusivamente ao juiz a competência para a prática 
 daqueles actos que se mostrassem mais lesivos dos direitos fundamentais atrás 
 mencionados – não decorreria em si mesmo daquele lugar da Constituição. No 
 entanto, e como o afirmou recentemente a doutrina (José Manuel Damião da Cunha, 
 
 «De novo as escutas telefónicas», em Jurisprudência Constitucional, nº 8, p. 51) 
 o ‘facto’ de o princípio da reserva de juiz não figurar como princípio escrito 
 no já referido nº 4 do artigo 34º da CRP não permite por si só que se 
 desconsidere a sua função com «princípio geral do sistema», especialmente 
 identificada no nº 4 do artigo 32º. Assim, e como a ideia do «juiz amigo das 
 liberdades» perpassa por todo o texto constitucional – v.g. artigos 33º, nº 2; 
 
 34º, nºs 2 e 3 – foi naturalmente em cumprimento da Constituição que os artigos 
 
 187º e 188º do CPP a adoptaram, estabelecendo «reservas de juiz» tanto a 
 propósito da competência para ordenar ou autorizar «escutas telefónicas» (artigo 
 
 187º, nº 1), quanto a propósito da competência para o acompanhamento da execução 
 das mesmas (artigo 188, nº 1) e da sua valoração como meio de prova (artigo 188, 
 nº 3). Esta, é pois, a terceira e última conclusão que o lastro deixado pela 
 jurisprudência constitucional permite que se retire. 
 A arquitectura essencial dessa mesma jurisprudência inclui, assim, três 
 afirmações essenciais: (i) o regime contido nos artigos 187º e 188º 
 fundamenta-se numa autorização constitucional expressa para a restrição legal de 
 direitos; (ii) tal sucede porque é necessário conciliar, «em matéria de processo 
 penal», certos bens jurídico-constitucionais com outros «interesses» ou 
 
 «valores», também constitucionalmente protegidos; (iii) o princípio da «reserva 
 de juiz» é, em cumprimento da Constituição, um elemento essencial do método 
 adoptado pelo legislador ordinário para levar a cabo tal tarefa de conciliação 
 entre diferentes «bens» e «interesses» protegidos. 
 Esta última conclusão assume particular importância para a resolução do problema 
 que nos ocupa. 
 Com efeito, quando se pergunta se a única leitura possível – e possível face à 
 CRP – da norma resultante da parte final do nº 4 do artigo 188º e da parte final 
 do nº 2 do artigo 101º do CPP será aquela que conclui pela existência dos 
 deveres judiciais de assinatura do auto de transcrição das escutas e de 
 certificação da conformidade do seu conteúdo, o que se procura saber é, afinal, 
 qual a extensão e o âmbito que deve ter o princípio da «reserva de juiz», 
 adoptado pelo legislador ordinário em obediência à Constituição. Até onde deve 
 ir a competência exclusiva (e excludente) que é atribuída ao juiz de instrução 
 para a prática de certos actos, identificados no artigo 188º do CPP? Deve 
 entender-se que a Constituição obriga a que ela se estenda à [prática do acto] 
 
 «assinatura do auto de transcrição» e à [prática do acto] «certificação de 
 conformidade da transcrição»? Eis o núcleo essencial do primeiro problema que é 
 colocado ao Tribunal pelo presente recurso de constitucionalidade. 
 
  
 
 9.  Deve dizer-se desde já que é claramente negativa a resposta a dar à pergunta 
 atrás enunciada. É claro que a Constituição não exige que a «reserva de juiz», 
 consagrada em vários passos do artigo 188º do CPP, tenha um âmbito e uma 
 extensão tal que vá ao ponto de incluir a competência (exclusiva e excludente) 
 do JIC para a prática dos actos que se traduzem na assinatura dos autos de 
 transcrição das escutas e na certificação da conformidade do conteúdo das 
 conversações transcritas e das conversações gravadas. O fundamento da resposta 
 negativa radica essencialmente num juízo de proporcionalidade. Vejamos por quê. 
 
             
 
 9.1.  Da jurisprudência constitucional sobre «escutas» não se retiram, apenas, 
 as três conclusões essenciais que atrás assinalámos. Para além delas, dois 
 outros pontos têm merecido a atenção – e a aceitação – do Tribunal. Um deles diz 
 respeito à possibilidade de aplicação do conceito de «intervenção restritiva» 
 
 àqueles actos do juiz que, incluindo-se embora no âmbito da sua competência 
 reservada (para o que agora interessa, em procedimentos de acompanhamento de 
 
 «escutas telefónicas»), podem no entanto vir a ser especialmente lesivos dos 
 direitos afectados pelas «escutas». O segundo ponto diz respeito à função que 
 tem o princípio da proporcionalidade, enunciado em geral no nº 2 in fine do 
 artigo 18º da CRP, quer enquanto parâmetro autónomo de valoração das ditas 
 
 «intervenções restritivas», quer enquanto elemento orientador da determinação do 
 
 âmbito (e da extensão) da reserva do juiz. Desenvolvamos cada um destes pontos. 
 O conceito de «intervenção restritiva», construído pela doutrina, implica que a 
 ideia de restrição de direitos – inicialmente pensada para valer, apenas, para 
 normas gerais e abstractas incluídas em leis ordinárias autorizadas a restringir 
 
 – seja extensivo também àqueles «actos ou actuações das autoridades públicas 
 restritivamente incidentes de modo concreto e imediato sobre um direito» (assim 
 mesmo, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 
 
 7ª ed. Coimbra, Almedina, 2003, p. 451 e Jorge reis Novais, As Restrições aos 
 Direitos não Expressamente Autorizadas pela Constituição, Coimbra, Coimbra 
 Editora, 2003, pp. 205 e segs.) A utilidade do conceito está em ele tornar claro 
 que os actos não normativos – maxime, administrativos e judiciais –, podendo 
 também eles ser restritivos de direitos, devem estar submetidos, na parte que 
 lhes for por natureza aplicável, aos limites fixados pelo artigo 18º, nºs 2 e 3 
 da CRP: a restrição operada por tais actos terá em qualquer caso que ser 
 proporcional e não poderá «diminuir o conteúdo e alcance dos preceitos 
 constitucionais». 
 Embora o Tribunal só tenha usado expressamente o termo «intervenção restritiva» 
 no Acórdão nº 660/2006 (ponto 14 da fundamentação), a verdade é que foi a 
 aceitação plena do significado que lhe subjaz que orientou toda a sua 
 jurisprudência sobre «escutas telefónicas», sobretudo aquela que incidiu sobre o 
 tempo devido do seu acompanhamento judicial. O Tribunal partiu do princípio 
 segundo o qual as questões de constitucionalidade levantadas a propósito das 
 
 «escutas» se não resolviam só através da existência de um regime legal 
 
 «conciliador» de bens e metodologicamente assente no princípio da «reserva de 
 juiz»; e que era necessário garantir, para além disso, que as competências 
 judiciais reservadas fossem exercidas em conformidade com a Constituição. Foi 
 essa garantia que o Tribunal procurou obter com as decisões contidas nos 
 Acórdãos nºs 407/97, 347/2001, 528/2003, et alia (dentro, evidentemente, do 
 
 âmbito dos seus poderes cognitivos, que, como se sabe, só lhe permite conhecer 
 da constitucionalidade de normas e de dimensões normativas e nunca da 
 constitucionalidade de actos), decisões essas que visaram impedir que as 
 competências judiciais reservadas pudessem vir a ser exercidas de forma 
 desproporcionada ou lesiva do conteúdo essencial dos direitos. Isto mesmo se 
 disse, aliás, no Acórdão 407/97: “o critério interpretativo neste campo não pode 
 deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos 
 afectados pela escuta telefónica”, pelo que, “[tratando-se] aqui de precisar o 
 conteúdo constitucionalmente viável do trecho do artigo 188º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal, onde surge a expressão ‘imediatamente’, [a interpretação] 
 carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura do princípio da 
 proporcionalidade, subjacente ao artigo 18º, nº 2 da Constituição, garantindo 
 que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental 
 que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite 
 ao estritamente necessariamente à salvaguarda do interesse constitucional na 
 descoberta de um concreto crime e punição do seu agente” (loc. cit., p. 8606; 
 itálico aditado)  
 Contudo – e este é ponto que agora interessa salientar – o Tribunal não se 
 limitou a usar o princípio da proporcionalidade como parâmetro de avaliação do 
 modo de exercício das competências reservadas ao juiz; usou-o também como 
 critério orientador da determinação do âmbito e da extensão da própria reserva. 
 A ideia é primeiro enunciada no Acórdão 497/97. Aí se disse: “Já se indicou que 
 o critério interpretativo neste campo não pode deixar de ser aquele que assegure 
 a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta 
 telefónica. Também já se assentou – e importa lembrá-lo de novo – que a 
 intervenção do juiz é vista como uma garantia de que essa compressão se situe 
 nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, para que de uma 
 intervenção substancial se trate (…) pressupõe o acompanhamento da intercepção 
 telefónica. [.] Com isto não se quer significar que toda a operação de escuta 
 tenha que ser materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal visão 
 maximalista, do que aqui se trata é, tão-só, de assegurar um acompanhamento 
 contínuo e próximo temporal e material da fonte, acompanhamento esse que 
 comporte a possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou 
 alterada a decisão que a determinou” (loc. cit., p. 8606). Subjacente a este 
 discurso está o princípio segundo o qual, não podendo a reserva de juiz – 
 rectius,o seu âmbito e extensão – ser definido aprioristicamente (num a priori 
 
 «maximalista»), o modo constitucionalmente conforme da sua determinação implica 
 o recurso a um juízo de adequação de «meios» a «fins». É, afinal, desse juízo de 
 adequação, ou de proporcionalidade, de que se fala, quando se identificam as 
 finalidades da reserva (‘a possibilidade real de, em função do decurso da 
 escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou’), e dela se retiram 
 as consequências lógicas (‘do que se trata é, tão só de assegurar um 
 acompanhamento…’).
 A aplicação deste pensamento viria no entanto a ser levada até à suas últimas 
 consequências no Acórdão nº 426/2005. Aí se decidiu «[n]ão julgar 
 inconstitucional a norma do artigo 188º, nºs 1, 3, e 4 do Código de Processo 
 Penal, interpretada no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas 
 telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, 
 não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos 
 contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela 
 Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos» (DR, 
 II série, nº 232, 5/12/2005, p. 17006). 
 A decisão, inspirada na ideia que fora enunciada no Acórdão nº 407/97 (segundo a 
 qual, recorde-se, o âmbito da reserva de juiz não deveria ser compreendido de 
 modo «maximalista»), fundamentou-se nos seguintes termos: «Há que fazer uma 
 interpretação deste requisito jurisprudencial funcionalmente adequada à sua 
 razão de ser. E os propósitos visados consistem, como se assinalou, em propiciar 
 que seja determinada a interrupção da intercepção logo que a mesma se revele 
 desnecessária, desadequada ou inútil, e, por outro lado, fazer depender a 
 aquisição processual da prova assim obtida a um «crivo» judicial quanto ao seu 
 carácter não proibido e à sua relevância.» (ibidem)
 
  
 
 9.2.  Face a este lastro, tão nitidamente deixado pela jurisprudência – quer 
 quanto à natureza potencialmente restritiva das «intervenções» do juiz, quer 
 quanto ao método constitucionalmente conforme de determinação do âmbito das suas 
 competências reservadas –, importa concluir, respondendo nesta parte à questão 
 colocada pelo recurso de constitucionalidade. Deve, face a tudo quanto se disse, 
 entender-se que integram a âmbito da «reserva de juiz» tanto a assinatura do 
 auto de transcrição das escutas telefónicas efectuadas quanto a certificação da 
 conformidade entre o que foi transcrito e o que foi gravado, de modo a que se 
 entenda que tais actos têm, em qualquer caso, que ser praticados pelo juiz de 
 instrução e só por ele? 
 A resposta afirmativa a esta questão só seria possível se se provasse que: 
 
 (i) Face ao regime legal vigente, a não inclusão destes actos no âmbito da 
 
 «reserva judicial» seria por si só condição suficiente para que tais actos se 
 transformassem em «intervenções restritivas», desproporcionadamente lesivas dos 
 direitos afectados pelas escutas; e (ii) a sua inclusão naquele mesmo âmbito 
 seria condição necessária para que se cumprissem as finalidades, 
 constitucionalmente fundadas, da «reserva de juiz». 
 Ora a verdade é que nenhuma destas afirmações pode, em rigor, ser logicamente 
 provada. 
 Por um lado, e quanto a (i) recorde-se – como o faz o representante do 
 Ministério Público no Tribunal – que o arguido tem, nos termos do nº 5 do artigo 
 
 188º do Código de Processo Penal, o direito de «examinar o auto de transcrição a 
 que se refere o nº 3 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, 
 
 à sua custa, cópias dos elementos naqueles referidos». A possibilidade de 
 exercício de um tal direito impede que, por si só, a ausência do JIC (na 
 assinatura do auto de transcrição e na certificação da conformidade) se traduza 
 inelutavelmente numa «intervenção restritiva», constitucionalmente proibida, nos 
 direitos afectados pelas escutas. Por outro lado, e quanto a (ii), recorde-se – 
 como o fazem os Acórdãos nºs 407/97 e 426/2005 – que a finalidade que, face à 
 Constituição, tem a «reserva de juiz» (na fase de acompanhamento das escutas) é 
 a «comportar a possibilidade real de, em função do decurso [das mesmas], ser 
 mantida ou alterada a decisão que a determinou» e de «fazer depender a aquisição 
 processual da prova assim obtida de um ‘crivo judicial’ quanto ao seu carácter 
 não proibido e quanto à sua relevância». Não existe um elo de adequação 
 necessária entre a prossecução de uma tal finalidade e a assinatura, pelo JIC, 
 do auto de transcrição das escutas (ou a certificação pelo mesmo do conformidade 
 do conteúdo do material transcrito e o material gravado). No âmbito da 
 disciplina definida pelo artigo 188 do CPP – disciplina essa que ordena, quanto 
 a esta fase de aquisição da prova, os termos em que se processa a colaboração 
 entre o juiz de instrução e o órgão de investigação criminal – tal finalidade 
 poderá ainda ser cumprida, mesmo que os actos atrás referidos não venham a ser 
 praticados pelo juiz de instrução criminal.  
 Como já se disse – e convém agora repeti-lo – não está aqui em causa a questão 
 de saber qual será, quanto a estes pontos, a melhor interpretação do direito 
 ordinário; em causa está somente a questão de saber se existe, face à 
 Constituição, uma única leitura possível da norma a extrair da parte final do nº 
 
 4 do artigo 188º e da parte final do nº 2 do artigo 101º do CPP. Sustentam os 
 recorrentes que sim – e que dessa única leitura possível decorre a existência 
 dos deveres judiciais que atrás analisámos. Não têm, porém, razão: nada permite 
 demonstrar que o juiz de instrução esteja constitucionalmente obrigado a assinar 
 os autos de transcrição das escutas a que se refere o nº 3 do artigo 188º do CPP 
 e a certificar-se, ele próprio, da conformidade do conteúdo do material 
 transcrito e do material gravado. 
 Assim, não é inconstitucional a norma contida na parte final do nº 4 do artigo 
 
 188º e na parte final do nº 2 do artigo 101º do Código de Processo Penal, quando 
 interpretada no sentido de não impor ao juiz de instrução criminal o dever de 
 assinar o auto de transcrição de conversas telefónicas interceptadas e gravadas 
 e o dever de certificar a conformidade do conteúdo da transcrição com o conteúdo 
 do material gravado. 
 
  
 
  
 B)
 Do segundo problema de constitucionalidade:
 a destruição parcial das gravações efectuadas
 
  
 
 10.  A segunda questão de constitucionalidade que é colocada pelos recorrentes 
 incide sobre o nº 3 do artigo 188 do CPP, que dispõe: 
 
  
 Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a 
 prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso 
 contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações 
 ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado 
 conhecimento.
 
  
 Pergunta-se, mais precisamente, se será ou não inconstitucional – por violação 
 dos artigos 18º, nº 2; 32º, nºs 1 e 8; 34º, nºs 1 e 4 da CRP – a norma contida 
 no preceito, quando interpretada no sentido de permitir que o juiz de instrução 
 criminal ordene a destruição parcial das gravações efectuadas, sem que 
 previamente o arguido as tenha podido ouvir e controlar. 
 Note-se desde já que, tal como foi sendo formulada ao longo do processo (fls. 
 
 4360 e 4612), esta questão é substancialmente diversa daquela outra que acabou 
 de se analisar. O problema que se coloca já não é relativo à «reserva de juiz» e 
 
 à delimitação do seu âmbito. Com efeito, em momento algum se contesta que seja a 
 ordem de transcrição das gravações tidas por irrelevantes, ou, se for caso 
 disso, a ordem da sua destruição um acto naturalmente incluído na «reserva de 
 juiz». O que está em causa não é a questão de saber quem deve decidir 
 definitivamente sobre a relevância dos elementos de prova recolhidos, ordenando 
 a sua transcrição ou destruição, mas antes a questão de saber se, cabendo tal 
 decisão ao juiz de instrução criminal, pode ela ser tomada de tal forma que 
 implique a destruição de parte das conversas interceptadas e gravadas, sem que o 
 arguido tenha tido, antes, acesso às gravações na sua integralidade. Pergunta-se 
 mais precisamente se tal acto do juiz (que ordene a destruição parcial das 
 gravações) não será por si só uma «intervenção restritiva» dos direitos 
 fundamentais do arguido, constitucionalmente ilegítima.
 
  
 
 10.1.  Ora a questão, assim colocada, já foi objecto de decisão por parte do 
 Tribunal Constitucional. 
 Com efeito, no Acórdão nº 660/2006 decidiu-se «[j]ulgar inconstitucional, por 
 violação do artigo 32, nº1 da Constituição, a norma do artigo 188º, nº 3 do 
 Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite a destruição 
 de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o 
 
 órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são 
 considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha 
 conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua irrelevância.» (DR, II 
 série, nº 7, 10/1/2007, p. 756). 
 Entendeu o Tribunal que a inconstitucionalidade desta dimensão normativa do 
 preceito – idêntica, precisamente enquanto dimensão normativa, à que agora se 
 aprecia – decorria do facto de ela permitir «uma compressão inaceitável, e 
 desnecessária, das garantias de defesa do arguido, particularmente notória na 
 comparação da sua posição com a da acusação», pois que «o arguido, que já sofreu 
 uma intervenção restritiva – determinada e justificada apenas por razões de 
 necessidade – nos seus direitos fundamentais ao ser objecto de escutas 
 telefónicas, vê destruídos os registos dessas comunicações, de cujo conteúdo não 
 chega a tomar conhecimento, e não pode sequer pronunciar-se sobre a sua 
 relevância, enquanto a acusação (rectius, o órgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público) teve acesso ao conteúdo integral e completo das comunicações 
 e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar as partes que considere relevantes 
 
 (artigo 188º, nº 1, parte final), tendo uma intervenção substancial anterior à 
 apreciação do juiz e à sua decisão sobre a relevância, que pode influenciar» 
 
 (loc. cit., p. 755).
 Para sustentar esta conclusão – segundo a qual, finalmente, a norma em causa 
 propiciaria uma desigualdade de armas entre acusação e defesa 
 constitucionalmente inaceitável – invocou o Tribunal, quer o estado do direito 
 comparado sobre o tema (p. 754), quer a jurisprudência do Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem (ibidem) quer a sua própria jurisprudência anterior, sobretudo 
 a decorrente dos Acórdãos nºs 426/2006 e 4/2006 (loc. cit., p. 748-754). Quanto 
 
 à jurisprudência europeia, recordou – tal como o já tinham feito os Acórdãos nºs 
 
 528/2003, 426/2005 e 4/2006 – o que esta vem dizendo desde 1990, a saber, «que 
 as legislações nacionais devem tomar precauções para assegurar a comunicação 
 intacta e completa das gravações efectuadas, para efeito de controlo pelo juiz e 
 pela defesa». Quanto à sua própria jurisprudência, invocou especialmente o que o 
 Tribunal dissera no Acórdão nº 426/2005 – já atrás analisado – e onde, como se 
 viu, foi decidido «[n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 188º, nºs 
 
 1,3, e 4 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que são válidas 
 as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, 
 determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das 
 mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram 
 espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas 
 gravadas ou elementos análogos» (DR, II série, nº 232, 5/12/2005, p. 17006). 
 Particularmente importante para a decisão tomada quanto à destruição parcial das 
 gravações foi a afirmação contida neste último Acórdão, segundo a qual a 
 
 «selecção [a efectuar pelo juiz de instrução] dos elementos a transcrever 
 
 [seria] necessariamente uma primeira selecção, dotada de provisoriedade, podendo 
 vir a ser reduzida ou ampliada» (ibidem). O Tribunal entendeu que o carácter 
 
 «provisório» da primeira selecção a efectuar – carácter esse, note-se, que 
 ocupara um lugar de relevo na argumentação do Acórdão de 2005 – pressupunha a 
 preservação da integralidade das gravações, pois que, caso contrário, se 
 tornaria impossível que quer o juiz quer o arguido promovessem a «redução» ou 
 
 «ampliação» do seu âmbito. 
 
             
 
 10.2.  Todos estes argumentos mantêm, no presente caso, inteira validade. 
 Não se vê por isso como contrariar a conclusão obtida pelo Tribunal no Acórdão 
 nº 660/2006, segundo a qual a ordem de destruição, pelo juiz de instrução, de 
 parte das gravações efectuadas no decurso da intercepção das telecomunicações, 
 dada sem que o arguido tenha tido possibilidade de acesso à integralidade das 
 mesmas, ‘comprime’ de forma ‘desnecessária e inaceitável’ as garantias de defesa 
 do arguido, consagradas em geral no artigo 32º, nº 1 da CRP. 
 Com efeito, para além das razões apresentadas pelo Tribunal naquele mesmo 
 Acórdão, outras há, que decorrem do que ficou dito na resposta dada à primeira 
 questão de constitucionalidade que o presente recurso coloca. 
 Antes do mais, do que ficou dito quanto ao direito consagrado no nº 5 do artigo 
 
 188º do CPP. 
 Afirmou-se acima (ponto 9.2.) que a possibilidade de exercício de um tal direito 
 
 – que, recorde-se, confere ao arguido o poder de examinar o auto de transcrição 
 
 [a que se refere o nº 3 do artigo 188º] para se inteirar da conformidade das 
 transcrições – prevenia que a não assinatura, por parte do juiz de instrução, 
 daquele auto (ou a não certificação, pelo mesmo juiz, da conformidade entre o 
 que havia sido transcrito e o que havia sido gravado) se traduzisse, por si só, 
 numa «intervenção restritiva», constitucionalmente inaceitável, dos direitos de 
 defesa do arguido. No entanto, para que tal suceda, necessário é que o arguido 
 possa ter acesso à integralidade das gravações que foram efectuadas, para que – 
 como já disse o Tribunal no Acórdão nº 426/2005 (DR, II série, nº 232, p. 17006) 
 
 – «seja facultada à defesa (e também à acusação) a possibilidade de requerer a 
 transcrição de mais passagens do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz, 
 quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria quer por se 
 revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido das passagens 
 anteriormente seleccionadas.» Foi aliás este dito (citado pelo Acórdão nº 
 
 660/2006) que justificou a decisão tomada (e a nosso ver bem) pelo Tribunal no 
 já referido Acórdão nº 426/2005. Para que esta ‘arquitectura’ jurisprudencial 
 mantenha coerência, necessário é que se entenda que o exercício do direito que é 
 conferido ao arguido no nº 5 do artigo 188º do Código de Processo Penal 
 pressupõe a possibilidade de acesso da defesa à integralidade das gravações 
 efectuadas no decurso das intercepções telefónicas. 
 Mas, para além disso, uma outra razão há para que se entenda que tal acesso é 
 constitucionalmente imposto, não dependendo da livre disposição do legislador 
 ordinário facultá-lo, ou não, à defesa. 
 Disse-se atrás que o regime fixado nos artigos 187º e 188º do CPP decorria de 
 uma autorização constitucional expressa – conferida ao legislador – para 
 restringir, «em matéria de processo criminal», o direito ‘inviolável’ do sigilo 
 dos meios de comunicação privada (artigo 34º, nº 4 e nº 1). Disse-se também que 
 o bem jurídico protegido por tal direito era refracção de outros bens jurídicos, 
 nomeadamente dos protegidos pelo «direito à palavra» e pelo direito à «reserva 
 de intimidade da vida privada» (artigo 26º da CRP). A este último direito – e ao 
 bem que ele protege – se voltará adiante. Por agora, atenhamo-nos apenas às 
 implicações que decorrem da garantia constitucional de um «direito à palavra». 
 O direito à palavra a que se refere o artigo 26º da CRP – próximo do direito à 
 imagem, enquanto direito pessoal, e por isso estruturalmente distinto do direito 
 
 à liberdade de expressão (artigo 37º) – pressupõe a existência de uma «liberdade 
 de disposição na área da comunicação não pública», em que o que é dito – 
 justamente por ser dito fora do espaço público, ou seja, não com o intuito de 
 ser escutado – faz parte da «acção comunicativa» espontânea, «inocente e 
 autêntica» (veja-se Manuel da Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em 
 Processo Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 70). A esta esfera da 
 comunicação humana pertencem os discursos fragmentários, a «expressão não 
 reflectida nem contida», ou a «formulação apenas compreensível no contexto de 
 uma situação especial» (Tribunal Constitucional Federal Alemão, apud Manuel 
 Costa Andrade, ob. e loc. cit.). Quem «escuta» um discurso assim, feito para não 
 ser escutado, infere sentidos. A decisão unilateral e externa (isto é, tomada 
 sem o conhecimento do autor do próprio discurso) quanto ao se e ao modo da 
 descontextualização do mesmo, permite que às inferências de sentido iniciais se 
 venham a sobrepor outras, numa escala potencialmente progressiva de redução da 
 compreensibilidade do que foi dito. 
 Um «processo devido em direito» – ou, como diz a Constituição no nº 1 do artigo 
 
 32º, um processo que «assegura todas as garantias de defesa» –, não pode ignorar 
 que as coisas se passam assim. Sobretudo quando se sabe (e sabe-se porque tal já 
 foi dito pelo Tribunal) que não é constitucionalmente censurável que a acusação, 
 que tem naturalmente acesso à integralidade das gravações, sugira ao juiz quais 
 as ‘partes’ das gravações a transcrever, por serem essas as partes consideradas 
 relevantes para a prova (artigo 188º, nº 1, in fine do CPP), e que a sugestão 
 seja acolhida «não com base em prévia audição das mesmas [por parte do JIC] mas 
 por leitura de textos contendo a sua reprodução …acompanhados das fitas gravadas 
 ou elementos análogas» (Fórmula decisória do Acórdão nº 426/2005). Sabendo-se 
 tudo isto, difícil é não concluir que, no âmbito de ‘todas as garantias de 
 defesa’ a que se refere o nº 1 do artigo 32º da CRP, se conta também a 
 possibilidade de acesso do arguido à integralidade das gravações efectuadas no 
 decurso de operações de «escutas telefónicas», antes que seja dada a ordem da 
 sua destruição parcial. 
 Sustentar-se-á em contrário que uma tal leitura das coisas desconhece que, nos 
 termos do nº 5 do artigo 32º da Constituição, o princípio do contraditório vale 
 apenas para as fases de audiência de julgamento e para os «actos instrutórios 
 que a lei determinar», pelo que argumentar como se argumentou implicaria uma 
 visão radicalmente acusatória de todo o processo penal, em que o princípio do 
 contraditório dominaria, também, todo o inquérito – visão essa que, como se 
 sabe, não é aquela que a CRP acolhe.
 Note‑se, no entanto, que não está aqui em causa a transposição, para a fase do 
 inquérito, do princípio da contraditoriedade na produção e valoração da prova – 
 princípio esse que só tem assento constitucional no que respeita à fase de 
 audiência e julgamento. O que está em causa é outra coisa. Trata-se apenas de 
 garantir que toda a prossecução processual se cumpra como se deve cumprir, ou 
 seja, «de modo a fazer ressaltar não só as razões da acusação mas também as da 
 defesa» (assim mesmo, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª 
 ed., 1974, reimp. 2004, Coimbra, Coimbra Editora, p. 150), de tal forma que o 
 arguido tenha uma posição processual equiparada quanto possível à do acusador 
 
 (ibidem p.149). 
 Exigir que semelhante garantia se cumpra não equivale a transfigurar um processo 
 penal de estrutura mitigada em outro diverso, de estrutura radicalmente 
 acusatória. A exigência significa apenas que se obedece ao princípio contido no 
 nº 1 do artigo 32º da Constituição, pois que, «[e]m todas as garantias de defesa 
 engloba‑se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários para o 
 arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical 
 desigualdade material de partida entre acusação (normalmente apoiada pelo poder 
 institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante 
 específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas.» (J.J. Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 
 
 2007, Coimbra, Coimbra Editora, p. 516. 
 
  
 
 10.3.  Decorre dos presentes autos que a ordem dada, in casu, pelo juiz de 
 instrução – de destruição ‘definitiva’ e ‘irremediável’ de parte das gravações 
 efectuadas – o foi por razões apenas atinentes ao juízo, que ele próprio fizera, 
 de valoração das «escutas» como meios de prova. É aliás assim, ou a partir deste 
 pressuposto, que é colocada ao Tribunal a questão de constitucionalidade (fls. 
 
 4612 dos autos). 
 Deve no entanto considerar‑se que a ordem de destruição parcial das escutas pode 
 ainda ser justificada por outra razão, atinente à protecção da reserva da 
 intimidade da vida privada do próprio arguido e de terceiros. Colocar‑se‑á então 
 o problema de saber se, nesses casos, não será (precisamente ao contrário do que 
 até agora se tem vindo a defender) constitucionalmente devida a ordem do JIC de 
 destruição de parte das gravações efectuadas, por corresponder ela «à 
 possibilidade de correcção pelo tribunal de uma intromissão injustificada na 
 reserva de intimidade da vida privada do arguido ou de terceiros (artigo 26º, nº 
 
 2 da Constituição).» (DR, II série, nº 7, 10/1/2007, p. 757. Itálico aditado)
 Não existem dúvidas quanto à inevitabilidade da colocação do problema. 
 Por serem expressão da «liberdade de disposição da comunicação não pública», 
 inscrita no exercício do «direito à palavra», as comunicações privadas que são 
 interceptadas pelas «escutas» não contêm só discursos potencialmente 
 fragmentários, cujo sentido só pode ser, para quem «escuta», apenas inferido. 
 Faz parte também da especial estrutura comunicativa deste tipo de discurso, com 
 as suas fronteiras fluídas, que ele raramente se restrinja à esfera pessoal 
 daqueles que nele participam. Enquanto devassa da privacidade – na sua esfera 
 mais íntima – as «escutas» são por isso, frequentemente, manchas que alastram: 
 muitas vezes e por seu intermédio, «a revelação do segredo só se torna possível 
 com a revelação de segredos de terceiros.» (Manuel da Costa Andrade, ob. cit. p. 
 
 50). 
 Deve por isso ter-se em conta que o problema que nos ocupa – ou seja, a questão 
 de saber se será constitucionalmente admissível que o Juiz de Instrução ordene a 
 destruição de parte do material gravado, sem que dessa parte tenha conhecimento 
 o arguido – poderá em certos casos (que não seguramente o agora em juízo) ser 
 equacionado como um problema de colisão de direitos: o direito do arguido a um 
 processo equitativo, com todas as garantias de defesa, e que inclui, como já 
 vimos, a faculdade de acesso à integralidade das gravações efectuadas, pode 
 conflituar, no modo concreto do seu exercício, com direito ou direitos de 
 outrem, afectando os bens jurídicos por estes últimos protegidos. (Sobre a 
 colisão de direitos, em geral, J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 1270). No 
 entanto, tal em nada legitima que se conclua que a ordem judicial de destruição 
 de parte das gravações efectuadas será sempre constitucionalmente devida, por 
 corresponder à correcção, feita pelo tribunal, da devassa da intimidade de 
 terceiros. Uma tal conclusão só seria sustentável se os problemas de colisão de 
 direitos pudessem ser resolvidos através do sacrifício unilateral de um deles – 
 como se tivera o juiz constitucional uma habilitação genérica para declarar, em 
 situações de conflito, qual o direito a sacrificar e qual o direito a tutelar. 
 Nada permite sustentar que assim seja. O que não é de excluir é que, nas 
 circunstâncias em que a colisão ocorra, se deva fazer a ponderação entre o 
 direito do arguido a um processo devido e os direitos de terceiros ao segredo e 
 
 à reserva, podendo por isso vir a ser constitucionalmente permitida a 
 destruição, sem a audição do arguido, daquela parte das gravações que lesem 
 especialmente o segredo ou a intimidade de terceiros. Em última análise, porém, 
 caberá ao legislador ordinário identificar os casos em que deva ser feita a 
 ponderação. 
 Face ao regime legal vigente – e tendo em conta que ele obriga que todos os 
 participantes nas operações de «escutas» fiquem «ligados ao dever de segredo 
 relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento» (nº 3, in fine, do 
 artigo 188º do Código de Processo Penal) – não pode deixar de se julgar 
 inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 32º, da Constituição, a norma 
 contida na primeira parte do referido preceito, quando entendida no sentido de 
 permitir que o juiz de instrução ordene, por considerar relevantes para a prova, 
 a transcrição parcial das gravações de conversas telefónicas interceptadas, e 
 prescreva a destruição das partes restantes, antes de o arguido as ter ouvido e 
 controlado. 
 
  
 
  
 C)
 Do terceiro problema de constitucionalidade: 
 a alteração substancial dos factos
 
  
 
 11.  Resta analisar a terceira questão de constitucionalidade posta pelo 
 presente recurso. 
 Sustentam os recorrentes, nesta última questão, que é inconstitucional o 
 
 «conjunto normativo integrado pela alínea f) do nº 1 do artigo 1º, e pelos 
 artigos 358º e 359º do CPP» quando interpretado de forma a que se «qualifique 
 como não substancial a alteração dos factos relativos aos elementos de 
 factualidade típica e à intenção dolosa do agente», por violação dos nºs 1 e 5 
 do artigo 32º da CRP. 
 Embora – e como muito bem se sabe – se situe aquém dos poderes cognitivos do 
 Tribunal Constitucional quer a apreciação da matéria de facto quer a sua 
 valoração jurídico‑penal, importa, neste caso, recordar de modo sumário tanto o 
 enquadramento de alguns factos quanto o juízo para eles fez o tribunal a quo. É 
 que, se assim não for, tornar‑se‑á imperceptível a própria questão de 
 constitucionalidade que, neste seu último ponto, o recurso coloca ao Tribunal.
 Assim, resulta dos autos        que:
 
 1º – O recorrente A. foi acusado e pronunciado pela prática de um crime de posse 
 de arma não manifestada e sem licença de uso e porte de arma, previsto e punido 
 pelo artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, porquanto na busca 
 realizada à sua residência se apreendeu no seu quarto uma pistola de calibre 
 
 6.35 mm, marca “Astra Unceta”, modelo Cub, com respectivo carregador, municiado 
 com seis munições do mesmo calibre (fls. 4366);
 
 2º – Não constava, nem da acusação nem da pronúncia, que o arguido «não era 
 titular de licença de uso e de porte de arma», e que «conhecia as 
 características das pistolas que detinha» [e] «sabia ainda que não estava 
 autorizado a detê‑las» (fls. 4366 dos autos)
 
 3º – No entanto, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de detenção 
 ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6º, nº 1, da referida Lei nº 
 
 22/97, por ter sido considerado provado, na sentença condenatória que «o arguido 
 A. não é titular de licença de uso e porte de arma» e «conhecia as 
 características das pistolas que detinha, sabia ainda que não estava autorizado 
 a detê‑las», sendo certo que estes factos não constavam da acusação;
 
 4º – Finalmente: como consta de acta para que se remete a fls. 4365, da decisão 
 recorrida, deu‑se nessa altura conhecimento ao arguido da alteração – que se 
 qualificou como não substancial – «nos termos e para os efeitos do disposto no 
 art. 358º, nºs 1 e 3 do CPP»;
 
 5º – Embora o arguido se tivesse oposto à qualificação da alteração como 
 não‑substancial, foi a mesma confirmada pela decisão recorrida (fls. 4368), por 
 se ter entendido que, in casu, «os factos referidos se traduziam em meros factos 
 concretizantes de actividade criminosa do arguido sem repercussões agravativas 
 na [sua] estratégia de defesa».
 
 É desta decisão – rectius, da interpretação que nela foi feita das normas 
 contidas nos artigos 1º, nº 1, f), 358º e 359º do CPP – que vem recorrer agora 
 A., alegando a inconstitucionalidade da dimensão normativa adoptada por 
 
 «violação da estrutura acusatória do processo penal e, portanto, do disposto nos 
 nºs 1 e 5 do art. 32º da Lei Fundamental».
 Vejamos então.
 
  
 
 12.  Assim colocada, a questão está muito longe de ser nova para a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional.
 E o que a este propósito sempre se tem dito – v.g., nos Acórdãos nºs 173/92, 
 
 674/99, 463/2004, 72/2005 – é que, não cabendo ao Tribunal a reapreciação do 
 juízo feito pela decisão recorrida, nem quanto à qualificação dos factos nem 
 quanto à interpretação do direito (infraconstitucional) que lhes for aplicável, 
 decisivo para aferir da compatibilidade de uma determinada interpretação 
 normativa dos referidos artigos do Código de Processo Penal com a Constituição é 
 tão somente a questão de saber se essa interpretação normativa impede a 
 possibilidade de uma defesa eficaz do arguido, visto que é aí e só aí – na 
 garantia da possibilidade de uma defesa eficaz – que se situa a razão de ser, ou 
 o critério orientador, de toda a jurisprudência constitucional sobre o tema.
 Perante o que atrás ficou descrito não se vê como pode a qualificação, feita 
 pelo tribunal a quo, de alteração não substancial dos factos, ter de algum modo 
 diminuído as possibilidades de defesa eficaz do arguido, ao ponto de se ter que 
 concluir pela inconstitucionalidade (por violação dos nºs 1 e 5 do artigo 32º da 
 Constituição) da leitura feita, por aquele tribunal, das normas constantes dos 
 artigos 1º, nº 1, alínea f), 358º e 359º do Código de Processo Penal.
 Por este motivo, não se concede, nesta parte, provimento ao recurso.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)  Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 188.º, n.º 4, 
 
 2ª parte, e 101º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a 
 qual o juiz de instrução criminal não tem de assinar o auto de transcrição das 
 gravações telefónicas nem tem de certificar a conformidade da transcrição;
 b)  Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na 
 interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos 
 mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de 
 instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa 
 pronunciar sobre a sua relevância;
 c)  Não julgar inconstitucional o conjunto normativo integrado pela alínea f) do 
 n.º 1 do artigo 1.º e pelos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, 
 na interpretação que qualifique como não substancial a alteração dos factos 
 relativos aos elementos da factualidade típica e à intenção dolosa do agente;
 
  
 
  
 Consequentemente, conceder parcial provimento ao recurso e determinar a reforma 
 da decisão recorrida em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da alínea b).
 
  
 
  
 Lisboa, 18 de Setembro de 2007
 Maria Lúcia Amaral
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes (Vencido  quanto à al. b) da decisão, nos termos da
 declaração de voto do Senhor Conselheiro Carlos Fernandes
 Cadilha para que, no essencial, remeto).
 Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração
 de voto junto)
 Gil Galvão
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Votei vencido quanto à segunda questão de constitucionalidade analisada, de 
 acordo com o projecto de acórdão que elaborei  no Processo n.º 457/07, em que me 
 pronunciei pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 188º, n° 3, do 
 Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o juiz de 
 instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, 
 quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha 
 conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa.
 
  
 Baseie-me essencialmente nas seguintes ordens de considerações, aqui apenas 
 sintetizadas, e que no presente processo, mantêm, na minha perspectiva, plena 
 validade.
 
  
 O sentido lógico que é possível atribuir às disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 
 
 3 do artigo 188º do Código de Processo Penal, numa interpretação conforme à 
 Constituição (que tenha presente o carácter excepcional dos meios de prova que 
 envolvam a violação de direitos fundamentais dos cidadãos), é aquele que entrevê 
 o procedimento judiciário aí previsto, nas suas diversas fases, como 
 finalisticamente dirigido à obtenção de elementos relevantes para a investigação 
 
 (e apenas desses), com a salvaguarda  possível da protecção da intimidade da 
 vida privada. Assim se compreende que a diligência seja ordenada ou autorizada 
 por um juiz, que os seus resultados lhe sejam imediatamente comunicados e que 
 este desde logo possa efectuar o controlo da relevância probatória dos elementos 
 recolhidos. 
 
  
 Neste contexto, a faculdade processual que é atribuída ao arguido no n.º 5 do 
 mesmo artigo 188º, não poderá deixar de ser entendida em sintonia com o que 
 prevê o n.º 3 desse preceito. O arguido e o assistente, bem como as pessoas 
 cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição 
 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem cópia desses 
 elementos. Mas naturalmente que o exame apenas incide sobre os elementos 
 transcritos, isto é, aqueles que, nos termos do n.º 3, foram, considerados úteis 
 para a investigação e que poderão ser avaliados pelos interessados (incluindo o 
 arguido) para exercerem os direitos processuais que lhe correspondem.
 
  
 A consulta não abrange os elementos não transcritos pela linear razão de que 
 esses elementos, em ordem ao princípio da menor intervenção possível e da 
 proporcionalidade, deverão ser destruídos, por determinação do juiz, como impõe 
 o n.º 3 desse artigo, por não terem qualquer interesse para o processo e não 
 justificarem de per si qualquer reacção defensiva por parte de quem tenha sido 
 objecto de escuta.
 
  
 
  
 
             A destruição de registos não representa, por outro lado, uma 
 qualquer violação das garantias de defesa do arguido e especificamente do 
 direito do contraditório a que se referem os n.ºs 1 e 5 do artigo 32º da 
 Constituição da República.
 
  
 As garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional, não vão além, na 
 parte que agora mais interessa considerar, da previsão de um processo criminal 
 com estrutura acusatória em que apenas a audiência de julgamento e certos  actos 
 instrutórios especialmente previstos na lei é que estão subordinados ao 
 princípio do contraditório.
 
  
 Como bem se compreende, o arguido não pode interferir na  actividade de 
 investigação, nem discutir, nessa fase, a relevância das diligências que tenham 
 sido efectuadas ou a importância dos resultados probatórios alcançados. Seria, 
 aliás, inexequível, e inteiramente contrário aos interesses da investigação, que 
 o arguido, ainda na fase do inquérito, pudesse examinar e pronunciar-se sobre os 
 registos de gravação de escutas telefónicas, quando é certo que a autoridade 
 policial tem de dar imediato conhecimento ao juiz da existência das gravações 
 para o aludido efeito de se efectuar a transcrição em auto ou se ordenar a sua 
 destruição. Nesse contexto, a audição do arguido teria de ser feita em tempo 
 
 útil (e, portanto, também, imediatamente), o que lhe permitiria o acesso também 
 imediato às provas já existentes, com a completa inviabilização da ulterior 
 realização de outras operações de intercepção de comunicações.
 
  
 
   O princípio acusatório e o reconhecimento do direito de contraditoriedade tem, 
 pois, o sentido de assegurar ao arguido a possibilidade de, nas fases ulteriores 
 do processo, contrabater as razões e as provas que tenham sido contra ele 
 coligidas e tomar também iniciativas instrutórias e de realização de prova que 
 considerar pertinentes.
 
  
 No entanto, como é bem de ver, esse direito de contraditório existe em relação 
 
 às provas em que se funda a acusação, as mesmas  que serão ponderadas pelo juiz 
 de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a 
 julgamento, para efeito a condenação do réu.   
 
  
 
 É só em relação a essas provas – e não a quaisquer outras que os investigadores 
 tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado  por considerarem (bem ou 
 mal) imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito -, que o 
 arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados 
 probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar 
 esses resultados.
 
  
 
 É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, 
 que permite justamente equilibrar a posição jurídica da defesa em relação à 
 acusação e dar cumprimento ao princípio da igualdade das armas. E é esse – e 
 apenas esse – o sentido do princípio do acusatório que decorre do disposto no 
 artigo 32º, n.º 5, da Constituição.
 
  
 
 É essa também a essência do processo equitativo ou do due process af law, que 
 justamente envolve como um dos seus aspectos fundamentais (para além da 
 independência e imparcialidade do juiz e a lealdade do procedimento) a 
 consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas as 
 possibilidades de contrariar a acusação.   
 
  
 Todavia, o arguido não tem o direito nem interesse processual a contraditar as 
 provas produzidas no inquérito que foram consideradas irrelevantes (e que não 
 servem de fundamento à acusação), como não tem direito nem interesse processual 
 em conhecer todos os expedientes ou diligências de que os órgãos de polícia 
 criminal se serviram, segundo as estratégias de investigação que consideraram em 
 cada momento adequadas ao caso e que podem, entretanto, ter sido abandonados.
 
  
 Acresce que a não audição do arguido relativamente à relevância das provas 
 recolhidas não agrava nem afecta especialmente a sua posição no processo. Na 
 verdade, as deficiências que puderem ser apontadas à investigação, assim como a 
 insuficiência ou a descontextualização das passagens das gravações, na medida em 
 que dificultam ou impedem a prova dos factos que constam da acusação relevam a 
 favor do arguido, que poderá justamente utilizar a fase de instrução e de 
 audiência de julgamento para fazer valer, em contraditório, as imprecisões e 
 fragilidades das provas em que se funda a acusação.
 
  
 Sendo assim, ainda que possa considerar-se aconselhável de jure condendo 
 assegurar a integralidade das conversações telefónicas interceptadas, por razões 
 de política legislativa que considerem prevalecentes as vantagens daí 
 advenientes para a justiça do caso concreto, tais considerações não justificam 
 um juízo de inconstitucionalidade relativo à norma do artigo 188º, n.º 3, do 
 CPP, na sua versão actual, que, por tudo o que foi dito, não representa uma 
 violação das garantias de defesa do arguido.
 
  
 Ou seja, tendo em conta o sentido jurídico-constitucional do princípio 
 acusatório e a possibilidade de colisão entre o interesse processual em manter 
 intactas as provas coligidas através de intercepção e gravação de comunicações e 
 o correspondente risco de devassa da reserva de intimidade da vida privada, cabe 
 na liberdade de conformação legislativa adoptar um critério mais ou menos 
 restritivo no que se refere ao momento em que, no decurso do processo penal, 
 deverá efectuar-se a destruição dos elementos de prova considerados  
 irrelevantes.
 
  
 
             Nada obstava, nesta perspectiva, a que se formulasse um juízo de não 
 inconstitucionalidade da apontada norma do artigo 188º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal. 
 
                                                                     
 Carlos Alberto Fernandes Cadilha