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Processo n.º 140/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 1. A. pede a aclaração do acórdão n.º 549/2009 que apreciou o recurso de 
 constitucionalidade por si interposto. Em síntese, pretende que o Tribunal 
 esclareça qual foi o pressuposto de que arrancou o juízo de não 
 inconstitucionalidade constante do n.º 7 do acórdão, designadamente, se no 
 raciocínio que aí se desenvolve se atendeu (i) à decisão que declarou a 
 
 “irregularidade processual” consistente em “ … se ter deixado prosseguir o 
 processo contra o arguido/recorrente que havia sido julgado na ausência e antes 
 de a respectiva sentença condenatória ter sido pessoalmente notificada” ou (ii)- 
 
 à decisão judicial que “ … admitiu novo recurso da sentença condenatória”.
 
  
 
             O Ministério Público entende que o acórdão tem, neste ponto, 
 suficiente clareza.
 
  
 
 2. O recorrente faz incidir as suas dúvidas sobre a seguinte passagem do 
 acórdão:
 
 “Ora, não pode considerar-se legitimamente fundada a expectativa de que fossem 
 mantidos os efeitos de uma decisão judicial por não ter sido impugnada – aquela 
 que admitiu novo recurso da sentença condenatória – quando essa mesma decisão 
 afronta o efeito preclusivo resultante do caso julgado formado sobre decisão 
 anteriormente proferida no processo. Não se trata aqui, diversamente do que 
 sucedia nas dimensões aplicativas que foram apreciadas, entre outros, no já 
 referido acórdão n.º 44/2004 e nos acórdãos n.ºs 39/2004, 159/2004 e 722/2004, 
 de revogar uma anterior decisão do tribunal a quo, contra a qual nenhum outro 
 sujeito processual reagira. O que existe é a desconsideração dessa decisão, para 
 este efeito, por ela própria atentar contra a estabilização da situação 
 processual resultante de anterior decisão transitada em julgado e infringir o 
 dever de acatamento das decisões dos tribunais superiores proferidas em via de 
 recurso. 
 
  
 
             Sucede que, além do trecho em que o recorrente centra a sua atenção, 
 o acórdão refere mais o seguinte, a propósito desta questão de 
 constitucionalidade:
 
 “7. Resta apreciar a alegada inconstitucionalidade do disposto nos artigos 
 
 414.º, n.ºs. 2 e 3 e 420.º n.º 1 do Código de Processo Penal interpretados no 
 sentido de que “permitem a destruição dos efeitos formais e substanciais 
 decorrentes da decisão que, conheceu e declarou a respectiva “irregularidade 
 processual”, proferida em 1ª instância e então não impugnada pela parte 
 acusatória, e, em consequência, veio agora declarar que afinal aquela 
 
 “irregularidade processual” – em razão da qual foi pessoalmente notificada ao 
 arguido a Sentença condenatória e aberta a efectiva possibilidade de avaliação 
 pessoal da necessidade e, ou conveniência, de interpor recurso da anterior 
 decisão condenatória – não podia ser conhecida e declarada e, em consequência, 
 não conheceu do recurso interposto e admitido em primeira instância.”
 Com este enunciado, pretende o recorrente ver apreciada a alegada violação dos 
 princípios constitucionais da segurança jurídica, da confiança, da 
 proporcionalidade e das garantias de defesa em processo penal que decorreria de 
 o tribunal superior, apesar de o tribunal a quo ter admitido um recurso, poder 
 rejeitá-lo com fundamento em caso julgado formado sobre o acórdão que apreciara 
 outro recurso anteriormente interposto. Dessa interpretação resultaria ser 
 desconsiderando o despacho, proferido em 1 de Junho de 2005 e não impugnado, que 
 declarara a irregularidade processual decorrente da falta de notificação pessoal 
 da sentença condenatória e ordenara que se efectuasse essa notificação.
 Trata-se de alegação manifestamente infundada. 
 O acórdão recorrido limitou-se a aplicar a regra de que a decisão que admita o 
 recurso não vincula o tribunal superior e a verificar que o despacho que 
 declarou a irregularidade processual e que desencadeou os actos que conduziram à 
 interposição do novo recurso tinha sido proferido com desrespeito pelo caso 
 julgado formado sobre a decisão do anterior recurso por acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2002, que o tribunal inferior tinha o 
 dever de acatar. Em substância, fez aplicação da regra de que, havendo casos 
 julgados contraditórios, se cumpre a decisão que passar em julgado em primeiro 
 lugar, regra esta que não viola, antes reafirma, os princípios da segurança 
 jurídica e da confiança, embora a favor de outro sujeito processual.
 
 É certo, como o Tribunal decidiu no acórdão n.º 44/2004 que o princípio do 
 Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas manifestações, 
 e portanto também dos tribunais, ao Direito criado ou determinado anteriormente, 
 de modo definitivo, não sendo legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se 
 constitua uma faculdade de intervenção processual, ainda que baseada numa 
 eventual interpretação errónea do direito, venha a ser destruída, pondo em causa 
 o prosseguimento com boa fé da actividade processual do arguido, nomeadamente o 
 exercício normal do seu direito de defesa. Mas, como no mesmo acórdão se 
 ponderou, desde que tal decisão não seja arbitrária ou ela mesma flagrantemente 
 violadora de direitos. 
 
 [Segue-se a passagem acima transcrita, em que o recorrente centra a sua atenção]
 Assentando a expectativa do recorrente em reabrir as vias de recurso da decisão 
 da 1ª instância numa infracção a um princípio básico do ordenamento processual, 
 a sua frustração, em consequência da interpretação adoptada do n.º 1 do artigo 
 
 420.º do Código de Processo Penal, não pode considerar-se arbitrária ou 
 demasiado opressiva, pelo que também neste ponto o recurso improcede.”
 
  
 
             Neste contexto, não será difícil concluir que o Tribunal considerou 
 que na base da questão que o recorrente lhe colocava estava a referida decisão 
 sobre a irregularidade processual. É essa a decisão que dá factualmente azo à 
 sequência de actos que culmina no acórdão recorrido e é dessa decisão que o 
 recorrente arranca para a construção da norma que submete a apreciação do 
 Tribunal. Mas não é menos certo que o acto sobre que imediatamente incidiu o 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (rectius o acórdão da Relação de não 
 conhecer do recurso, por considerá-lo inadmissível, que o acórdão recorrido 
 confirmou) foi o despacho de admissão do recurso. A situação que o recorrente 
 pretende preservar é esta última, embora por efeito das “legítimas e sérias 
 expectativas jurídicas” que entende lhe terem sido criadas pelo acto judicial 
 que ordenou a notificação pessoal da sentença condenatória. Desenho da questão 
 que, aliás, o recorrente não deixou de adiantar quando afirma que [omitem-se os 
 sublinhados]:
 
 “32. Não é possível desconsiderar quer os despachos judiciais que – após 
 verificação dos necessários e legais pressupostos – declararam a verificação 
 daquela insuprível nulidade processual quer mesmo aquele que admitiu o recurso 
 interposto pelo arguido/recorrente, quer a própria resposta apresentada pelo 
 Ministério Público do Tribunal de 1ª Instância.
 
 33. A norma que foi criada pelo Tribunal da Relação de Guimarães e mantida pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça tirada daqueles preceitos legais constantes dos 
 arts. 414.º nºs 2 e 3, e 420.º n.º 1 do C.P.P., põe manifestamente em causa a 
 confiança jurídica que a estabilidade de uma decisão judicial não impugnada gera 
 no arguido enquanto sujeito processual.”
 
  
 
             Foi esta a compreensão da questão que o Tribunal considerou, pelo 
 que o pedido de esclarecimento não merece acolhimento.
 
  
 
 3. Decisão
 Pelo exposto, indefere-se o pedido de aclaração, condenando-se o recorrente em 
 
 10 (dez) UCs de taxa de justiça.
 Lx. 2/XII/2009
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão