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Processo n.º 493/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
             Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I - Relatório
 
  
 
 1. No dia 2 de Novembro de 2007, em acção de fiscalização, verificou-se que o 
 disco-diagrama instalado no tacógrafo de um veículo automóvel pesado de 
 mercadorias, conduzido por um trabalhador ao serviço de A. Ldª, se encontrava 
 riscado no local onde deve assinalar-se o início da jornada de trabalho. 
 Instruído o processo de contra-ordenação, a Autoridade para as Condições de 
 Trabalho considerou a entidade patronal responsável pela contra-ordenação 
 laboral prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 272/89, 
 de 19 de Agosto, em conjugação com o n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) 
 n.º 3821/85, de 31 de Dezembro, aplicando-lhe uma coima.
 
  
 
             Tendo a arguida impugnado esta decisão, por sentença de 23 de Abril 
 de 2009, o Tribunal de Trabalho de Faro entendeu que, face à entrada em vigor do 
 Código do Trabalho e à consequente revogação da Lei n.º 116/99, de 04 de Agosto, 
 o responsável pela infracção é quem a pratica, ou seja, o motorista, apenas 
 podendo responder também a entidade patronal se do Auto de Notícia constasse a 
 materialidade fáctica que permitisse a imputação do ilícito à entidade 
 empregadora, o que, não se verificando no caso, levava à absolvição.  
 
             E, ponderando a hipótese de tal responsabilização se fundar no 
 regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Julho, recusou-lhe 
 aplicação com fundamento em inconstitucionalidade, considerando que o Governo 
 não dispunha de credencial legislativa para estabelecer essa responsabilidade 
 contra-ordenacional dos empregadores.
 
             Em consequência, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão 
 administrativa impugnada.
 
  
 
             2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, ao abrigo da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 A convite do relator precisou que “constitui objecto do presente recurso a 
 questão de inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 
 
 1.º, n.º 3, 4.º, nº 3, alínea a) e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 
 
 19 de Junho, na interpretação que atribui ao empregador a responsabilidade pela 
 contra-ordenação consistente na violação do dever de manter os suportes do 
 registo em condições que permitam a sua leitura, pelas entidades com competência 
 fiscalizadora”.
 
  
 
             3. Prosseguindo o recurso, só o Ministério Público apresentou 
 alegações, tendo concluído nos termos seguintes:
 
  
 
 “1. Apenas se situa no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia 
 da República o estabelecimento do regime geral do ilícito de mera ordenação 
 social, podendo o Governo legislar em tal matéria, desde que o faça dentro dos 
 limites impostos por esse regime geral.
 
 2. Face à definição de contra-ordenação laboral constante do artigo 614º do 
 Código de Trabalho de 2003 (norma integrada no Regime Geral das 
 Contra-Ordenações Laborais), podendo estar incluídos entre os sujeitos 
 responsáveis pela infracção tanto as entidades empregadoras como os 
 trabalhadores.
 
 3. Dessa forma, e uma vez que é respeitado aquele regime geral, a norma 
 resultante da conjugação dos artigos 1º, n.º 3, 4º, nº 3, alínea a) e 10º, nº 2, 
 do Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, na interpretação que atribui ao 
 empregador a responsabilidade pela contra-ordenação consistente na violação do 
 dever de manter os suportes do registo em condições que permitam a sua leitura, 
 pelas entidades com competência fiscalizadora, não viola o artigo 165º, nº 1, 
 alínea d), da Constituição, não sendo, por isso, organicamente inconstitucional.
 
 4. Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
  
 
             II – Fundamentos
 
             
 
 4. A questão de constitucionalidade que neste processo se coloca foi 
 recentemente apreciada pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 578/09, 
 proferido em recurso oriundo do mesmo Tribunal do Trabalho. 
 O Tribunal revogou o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão 
 recorrida com a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “5. Considerou a decisão recorrida, em suma e para o que agora importa, que o 
 Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, é organicamente inconstitucional, por 
 alegada violação do artigo 165º, nº 1, alínea d), da Constituição. Fê-lo por 
 entender que, de várias das suas disposições conjugadas [a decisão recorrida 
 refere expressamente os artigos 1º, nº 1, 8º, nºs 1 e 2, e 10º, nº 2], 
 decorreria, inovatoriamente, a responsabilidade contra-ordenacional dos 
 empregadores cujos trabalhadores fossem motoristas de veículos pesados de 
 mercadorias, por factos praticados em violação dos tempos de condução e repouso 
 destes trabalhadores. Sendo certo que, no seu entendimento, no regime anterior – 
 constante da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho 
 então em vigor, tal como vinha sendo interpretado pela jurisprudência -, apenas 
 o condutor/trabalhador, e não também a entidade patronal, seria responsável pela 
 infracção traduzida no incumprimento das disposições legais relativas aos tempos 
 de condução e de repouso, ao menos quando do auto de notícia não constassem 
 factos que permitissem uma imputação directa da responsabilidade à entidade 
 empregadora. Vejamos.
 
 6. O artigo 165º, nº 1, alínea d), da Constituição, invocado pela decisão 
 recorrida, reserva à competência exclusiva da Assembleia da República, salvo 
 autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral dos actos ilícitos de mera 
 ordenação social e do respectivo processo. O Tribunal Constitucional tem-se 
 debruçado detalhadamente e por várias vezes sobre o sentido normativo 
 fundamental deste artigo 165º, n.º 1, al. d), da Constituição. Fê-lo, pela 
 primeira vez, mais detalhadamente, no Acórdão nº 56/84, (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 3º, págs. 153), ao qual se seguiram ao longo dos anos 
 muitos outros. Dessa vasta jurisprudência resulta, em síntese, que apenas é 
 matéria de competência reservada da Assembleia da República, salvo autorização 
 ao Governo, legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social e 
 do respectivo processo; isto é: (i) sobre a definição da natureza do ilícito 
 contra-ordenacional, (ii) a definição do tipo de sanções aplicáveis às 
 contra-ordenações (iii) a fixação dos respectivos limites das coimas e (iv) a 
 definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação 
 concreta de tais sanções. Assim e em suma, com observância do regime geral, e 
 dos limites aí definidos, pode o Governo livremente criar contra-ordenações 
 novas, modificar ou eliminar as contra-ordenações já existentes e estabelecer as 
 coimas a elas aplicáveis.
 Ora, definidos, nestes termos, os quadros gerais em função dos quais se delimita 
 a competência, nesta matéria, dos dois órgãos de soberania, não se vê que o 
 Governo, através da emissão do referido Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, 
 tenha invadido a competência própria da Assembleia da República. A conclusão 
 contrária a que chega a decisão recorrida parece decorrer, essencialmente, de um 
 pressuposto que não será correcto. Com efeito, apenas cabe na competência 
 própria da Assembleia da República, nos termos já supra descritos, definir o 
 
 “regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo 
 processo”, e não, como parece pressupor a decisão recorrida, necessariamente, 
 todo o regime dos actos ilícitos de mera ordenação social de um determinado 
 sector. Quer isto dizer que o Governo pode, em princípio, sem necessidade de 
 autorização da Assembleia da República, criar novas contra-ordenações aplicáveis 
 num determinado sector de actividade, em que exista um regime geral sectorial, 
 desde que se contenha dentro dos limites do regime geral das contra-ordenações.
 
 7. Mas, ainda que assim se não entenda, sempre será legítimo ao Governo criar 
 contra-ordenações num sector de actividade em que a Assembleia da República 
 tenha estabelecido um regime geral sectorial, desde que respeite este regime ou, 
 mais rigorosamente, as regras deste regime sectorial que possam simultaneamente 
 ser concebidas como regras do regime geral das contra-ordenações.
 Ora, assim sendo e prevendo o regime geral do ilícito de mera ordenação social 
 que as coimas tanto se podem aplicar às pessoas singulares como às pessoas 
 colectivas e prevendo o artigo 614° do Código do Trabalho de 2003 que, nas 
 respectivas contra-ordenações, possa ser responsável “qualquer sujeito no âmbito 
 das relações laborais”, incluindo tanto as entidades empregadoras como os 
 trabalhadores, apenas resta concluir que não se vê que as normas que vêm 
 questionadas invadam o âmbito da reserva legislativa da Assembleia da República. 
 Na verdade, tais normas não se podem, por um lado, incluir na definição da 
 natureza do ilícito de ordenação social, na definição do tipo de sanções 
 aplicáveis às contra-ordenações e muito menos na fixação dos respectivos limites 
 ou na tramitação processual das contra-ordenações; e, por outro, não extravasam 
 os quadros legalmente definidos da responsabilidade de pessoas colectivas ou de 
 entidades empregadoras, não consubstanciando, nem autorizando, qualquer forma de 
 responsabilidade objectiva. Pelo que a sua edição pelo Governo, sem autorização 
 legislativa do Parlamento, não viola a Constituição, não sendo, 
 consequentemente, as mesmas organicamente inconstitucionais. Conclusão análoga, 
 aliás, à que se tirou, por exemplo, no Acórdão nº 359/2001 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), em que se julgou “não inconstitucional a norma 
 do artigo 29º com referência ao artigo 27º, nº4, do Decreto-Lei nº 38/99, de 6 
 de Fevereiro”, que considerava responsável a pessoa colectiva ou singular que 
 efectuasse o transporte, pela contra-ordenação consistente em o condutor do 
 veículo se escusar a levar o veículo à pesagem das balanças ao serviço da 
 entidade fiscalizadora”.
 
  
 Acompanha-se este entendimento, pelo que, não julgando inconstitucionais as 
 normas a que foi recusada aplicação pela decisão recorrida e agora em 
 apreciação, igualmente se concede provimento ao recurso.
 
  
 III – Decisão
 Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a 
 reformulação da decisão recorrida em conformidade com o juízo de não 
 inconstitucionalidade que antecede.
 Lx. 2/XII/2009
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão