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Processo n.º 344/2009
 
 3.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
             1.  A representante do Ministério Público no Tribunal do Trabalho de 
 Faro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a sentença 
 daquele Tribunal, de 18 de Dezembro de 2008, “que recusou a aplicação do 
 estatuído no Decreto‑Lei 237/2007, de 19.06, por inconstitucional”.
 
             A sentença recorrida é do seguinte teor:
 
  
 I – Relatório
 Recorrente: A., Ld.ª.
 Recorrida: Autoridade para as Condições do Trabalho.
 Decisão recorrida: A Autoridade para as Condições do Trabalho sancionou a 
 Recorrente com uma coima dando como provados os factos constantes do auto de 
 notícia, de onde consta o seguinte:
 No dia 13-11-2007, pelas 11.50 horas, ao km 131 da A22, Vila Real de Santo 
 António, um trabalhador da Recorrente conduzia um veículo automóvel tractor de 
 mercadorias e vistos os discos‑diagrama foi constatado que na jornada do dia 
 
 13.11.2007, o tacógrafo estava preenchido sem conter o seu último nome.
 
 ***
 II – Fundamentação
 
  
 
 1. Factos provados
 Os assim considerados pela autoridade administrativa.
 
 ***
 O julgamento da matéria de facto fez-se com base no auto de notícia.
 
 ***
 
 2. Subsunção jurídica dos factos provados
 No domínio contra-ordenacional valem também os princípios da legalidade, quer 
 das contra-ordenações, quer do processo e, bem assim, da presunção de inocência 
 do arguido (cfr. art.ºs 2.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e 
 
 32.º, n.º 2 da CRP).
 Do auto de notícia não consta qualquer facto imputando à Recorrente a 
 responsabilidade pelo cometimento da infracção enquanto entidade patronal do 
 condutor daquele veículo. O que, diga-se em abono da verdade, não era exigido 
 pelo precedente regime das contra-ordenações laborais constante da Lei 116/99, 
 de 4 de Agosto, uma vez que, no seu art.º 4.º se prescrevia o seguinte:
 
 «1. São responsáveis pelas contra-ordenações laborais e pelo pagamento das 
 coimas:
 a) A entidade patronal, quer seja pessoa singular ou colectiva, associação sem 
 personalidade jurídica ou comissão especial;
 
 (…).» 
 Todavia, conforme refere o Acórdão da Relação de Coimbra, proferido a 
 
 04-03-2004, nas Bases Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça, em Bases 
 Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt, com expressa 
 revogação da Lei 116/99, «tem que se entender que o sujeito da referida 
 contra-ordenação é quem pratica (o motorista), apenas podendo também responder a 
 sua entidade patronal desde que no auto de notícia conste a materialidade 
 fáctica que permita a imputação do ilícito penal à entidade empregadora, quer 
 seja a nível da sua exclusiva autoria, quer como co-autora, quer a titulo de 
 cúmplice (art.ºs 614.º do Código do Trabalho e 26.º e 27.º do Código Penal).»
 E acrescenta este arresto:
 
 «Não havendo no auto de notícia factos que permitam a imputação directa do 
 referido ilícito à empregadora, impõe-se a respectiva absolvição em processo 
 contra-ordenacional com base nos citados preceitos.»
 Nesse sentido, pode ver-se também o Acórdão da Relação de Coimbra, de 
 
 26-02-2004, igualmente disponível em Bases Jurídico-Documentais do Ministério da 
 Justiça, em http://www.gde.mj.pt.
 Daí que também se tenha entendido no acórdão da Relação do Porto, proferido em 
 
 12-07-2004, em Bases Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça, em 
 http://www.gde.mj.pt, que «é o condutor-trabalhador, e não a entidade 
 empregadora, o responsável pela infracção traduzida no incumprimento das 
 disposições legais relativas aos tempos de condução e de repouso.» Isto porque, 
 conforme se sustentou no referido Acórdão:
 
 «A imputação ao trabalhador-condutor da infracção só é compreensível pelo facto 
 de estar em causa, conforme já referido, a segurança nas estradas. Na verdade, 
 quando o trabalhador está na estrada, exercendo as funções de condução, é ele 
 que controla essa actividade e mais ninguém, e por isso tem ele de respeitar as 
 interrupções na condução e os tempos de repouso tendo em conta a sua segurança e 
 a dos demais utentes da estrada.
 E argumentar-se-á: mas assim fica de fora qualquer responsabilidade da entidade 
 patronal. Mas não, já que à entidade patronal compete organizar o serviço e 
 forma a dar cumprimento à regulamentação social em matéria de segurança 
 rodoviária (art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 272/89, de 19 de Agosto, na redacção 
 dada pela Lei 114/99 e art.º 10.º do Regulamento).
 Assim, e tendo em conta a redacção dada pela Lei 114/99 ao art.º 7.º do 
 Decreto-Lei n.º 272/89, em especial o seu n.º 6, quis o legislador imputar ao 
 condutor/ trabalhador e o não cumprimento de qualquer disposição relativa aos 
 tempos de condução e repouso, assim como as interrupções da condução previstas 
 no Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho de 20.12.85.
 Por isso, não pode a recorrente - entidade patronal - ser responsabilizada pela 
 prática da referida infracção na medida em que ela não foi o seu agente, sendo 
 certo que não nos encontramos perante qualquer responsabilidade objectivo ou 
 responsabilidade a título de «culpa in vigilando.»
 Ou seja, a existir qualquer infracção foi ela praticada pelo supra identificado 
 condutor, que é trabalhador da Arguida, pelo que, em consonância com o atrás 
 referido, a responsabilidade pela prática da infracção em causa no presente 
 processo e, consequentemente, pelo pagamento da correspondente coima e das 
 custas do processo, não pode recair sobre aquela.
 Com efeito, face à entrada em vigor do Código de Trabalho e à consequente 
 revogação da Lei 116/99, tem que se entender que o sujeito da referida 
 contra‑ordenação é quem a pratica, ou seja, o motorista. Apenas podendo, também 
 responder a entidade patronal desde que o Auto de Notícia conste a materialidade 
 fáctica que permita a imputação do ilícito à entidade empregadora, quer seja a 
 nível da sua exclusiva autoria, quer, como co-autora, quer a título de cúmplice. 
 Não havendo no Auto de Notícia factos que permitam a imputação directa do 
 referido ilícito à entidade empregadora, impõe-se a respectiva absolvição em 
 processo contra‑ordenacional com base nos art.ºs 614.º do Código do Trabalho e 
 
 26.º e 27.º do Código Penal. Pelo que assim sendo deverá proceder o recurso.
 
 ***
 
 É certo que entretanto entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de 
 Junho de 2007, o qual, no n.º 1 do seu art.º 1.º esclareceu que «o disposto nos 
 artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do 
 Trabalho».
 Ora, o n.º 1 do seu art.º 8.º, veio estipular que «o período de trabalho diário 
 dos trabalhadores de duração não inferior a trinta minutos, se o número de horas 
 de trabalho estiver compreendido entre seis e nove, número de horas for superior 
 a nove» [sic] e no n.º 2 que «os trabalhadores móveis não podem prestar mais de 
 seis horas de trabalho consecutivo.» E por sua vez, o n.º 2 do art.º 10.º desse 
 diploma estabeleceu que «o empregador é responsável pelas infracções ao disposto 
 no presente decreto‑lei.»
 Destarte, aparentemente estaria assim estabelecida nova fonte legal de 
 responsabilização contra-ordenacional para os empregadores cujos trabalhadores 
 fossem motoristas de veículos pesados de mercadorias ou de passageiros que 
 tivessem violado o ali estabelecido sobre os tempos máximos de trabalho/de 
 descanso. Mas vejamos mais cuidadosamente se assim será.
 Conforme estipula o n.º 2 do art.º 1.º do mencionado diploma legal, «o presente 
 diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do 
 Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do 
 tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte 
 rodoviário.»
 Sabemos bem que segundo o n.º 4 do art.º 8.º da Constituição da República, «as 
 disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das 
 suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na 
 ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos 
 princípios fundamentais do Estado de direito democrático.» Ora, sobre essa 
 matéria diz-nos o art.º 249.º do Tratado da Comunidade Europeia diz que «a 
 directiva vincula o Estado‑membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, 
 deixando no entanto às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos 
 meios.» Daí que importe saber se o que sobre isso dispõe a Constituição da 
 República Portuguesa. 
 Releva, desde logo, o n.º 8 do seu art.º 112.º, segundo o qual «a transposição 
 de actos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a 
 forma de lei, decreto-lei ou, nos termos do disposto no n.º 4, decreto 
 legislativo regional.» E também o art.º 165.º, o qual, no que interessa tem o 
 seguinte conteúdo.
 
 «1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 
 seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
 
 (…)
 d) Regime geral … dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo 
 processo;
 
 (…).»
 Ora, o Governo publicou o citado Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho de 
 
 2007 desprovido de qualquer autorização legislativa. De resto, nem escondeu que 
 o fazia, uma vez que ali invocou para legitimar a sua tarefa o disposto no art.º 
 
 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição, o qual, como é de conhecimento 
 generalizado, versa sobre a competência legislativa própria daquele órgão. Que 
 assim é pode facilmente constatar-se lendo seu conteúdo, que é este:
 
 «1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas: 
 a) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República;
 
 (…).» 
 Assim sendo as coisas, afigura-se-nos singelamente claro que aquele diploma é 
 inconstitucional e por isso não pode ser aplicado pelos tribunais, sem ofensa da 
 própria Lei Fundamental (cfr. o seu art.º 204.º). O que, não ignoramos, o 
 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18-02-2008, publicado nas Bases 
 Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça, em http://www.dgsi.pt, não 
 ponderou, tendo aplicado aquele diploma sem qualquer consideração acerca do 
 regime normativo que atrás referimos.
 Daí que a solução seja, como atrás se delineou, aplicar o direito em vigor e que 
 mais não é do que o que atrás deixámos referido, tanto bastando para que proceda 
 o recurso.
 
 ***
 III – Decisão
 Face ao exposto, julgo o recurso procedente e, em consequência, revogo a decisão 
 administrativa que impôs a coima à Recorrente.
 
  
 
             O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional 
 apresentou alegações, nas quais vem delimitar o objecto do recurso, afirmando o 
 seguinte:
 
  
 
 “Deve pois entender-se que constitui objecto do presente recurso a questão de 
 inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 1º, nº 3, 
 
 14º, nº 2, alínea c) e 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, na 
 interpretação que atribui ao empregador a responsabilidade pela contra-ordenação 
 consistente na falta de anotação ou a anotação incompleta das indicações a 
 incluir na folha de registo, no fim do período a que respeita”.
 
  
 
             O representante do Ministério Público conclui as suas alegações do 
 seguinte modo:
 
  
 
 “1. Apenas se situa no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia 
 da República o estabelecimento do regime geral do ilícito de mera ordenação 
 social, podendo o Governo legislar em tal matéria, desde que o faça dentro dos 
 limites impostos por esse regime geral.
 
 2. Face à definição de contra‑ordenação laboral constante do artigo 614º do 
 Código do Trabalho de 2003 (norma integrada no Regime Geral das 
 Contra‑Ordenações Laborais), podem estar incluídos entre os sujeitos 
 responsáveis pela infracção tanto as entidades empregadoras como os 
 trabalhadores.
 
 3. Dessa forma, e uma vez que é respeitado aquele regime geral, a norma 
 resultante da conjugação dos artigos 1º, nº 3, 14, nº 2, alínea c) e 10º, nº 2, 
 do Decreto‑Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, na interpretação que atribui ao 
 empregador a responsabilidade pela contra-ordenação consistente na falta de 
 anotação ou a anotação incompleta das indicações a incluir na folha de registo, 
 no fim do período a que respeita, não viola o artigo 165º, nº 1, alínea d) da 
 Constituição, não sendo, por isso, organicamente inconstitucional.
 
 4. Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
  
 
             Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 2.  Importa começar por delimitar o objecto do recurso, sendo de acompanhar a 
 delimitação efectuada pelo Ministério Público nas alegações que apresentou, 
 apenas restringindo ainda mais o seu objecto porquanto, em rigor, é apenas a 
 norma resultante da conjugação dos artigos 14.º, n.º 2, alínea c) e 10.º, n.º 2, 
 do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, na interpretação que atribui ao 
 empregador a responsabilidade pela contra-ordenação consistente na falta de 
 anotação ou a anotação incompleta das indicações a incluir na folha de registo, 
 no fim do período a que respeita, que foi efectivamente desaplicada, com 
 fundamento em inconstitucionalidade, pelo Tribunal a quo.
 
  
 
  
 Quanto ao mérito
 
  
 
             3.  A norma sub judicio insere-se num decreto legislativo 
 governamental que procede à transposição para a ordem jurídica interna da 
 Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, 
 relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades 
 móveis de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas 
 pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 
 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social 
 no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou 
 pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que 
 Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para 
 ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.
 
             No diploma vem estabelecer-se limites à duração do trabalho diário e 
 semanal dos trabalhadores móveis abrangidos, prevendo-se ainda períodos de 
 descanso mínimos, ao mesmo tempo que se cria como ilícito de mera ordenação 
 social a violação de regras específicas que integram o regime objecto de 
 regulação. Verifica-se, assim, uma preocupação em articular o regime jurídico 
 substantivo com o regime contra-ordenacional, de modo a dotar o primeiro de 
 maior efectividade, como sucede, aliás, com vários outros regimes sectoriais.
 
             É o seguinte o teor do diploma, na parte que releva:
 
  
 CAPÍTULO III
 Contra-ordenações
 
  
 SECÇÃO I
 Regime geral
 
  
 Artigo 10.º
 Disposições Gerais
 
 1. O regime geral previsto nos artigos 614.º e 640.º do Código do Trabalho 
 aplica-se às contra-ordenações do presente decreto-lei, sem prejuízo do disposto 
 nos artigos 11.º e 12.º.
 
 2. O empregador é responsável pelas infracções ao disposto no presente 
 decreto-lei.
 
 […].
 
  
 
  
 
               4.  É entendimento do Tribunal a quo que, com tais preceitos, o 
 legislador governamental estaria a proceder a uma alteração ao regime geral das 
 contra-ordenações, sem que, por se tratar de matéria sujeita a reserva de lei 
 parlamentar nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, 
 para tanto estivesse devidamente habilitado através de autorização legislativa. 
 Vejamos, então, se assim é.
 
  
 
               5.  A alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição apenas 
 reserva à Assembleia da República a competência para a definição do regime geral 
 do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo. A competência 
 exclusiva do Parlamento (salvo autorização ao Governo) limita-se portanto nesta 
 matérias à delineação do regime geral.
 
             Qual seja o âmbito deste regime é questão de que se já ocupou a 
 jurisprudência do Tribunal. Nos Acórdãos n.ºs 56/84 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 3.º Vol., p. 153), 158/92 e 236/2003 (disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), por exemplo, disse-se – atenta a distinção 
 substancial entre ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social – que no 
 
 âmbito da reserva parlamentar relativa a este último e inscrita na alínea d) do 
 n.º 1 do artigo 165.º da CRP se contaria apenas a edição das normas ditas 
 
 “primárias”, cabendo à competência própria do Governo delinear, no quadro dessa 
 normação “primária”, os ilícitos contra-ordenacionais, estabelecer a 
 correspondente punição e moldar regras “secundárias” adjectivas, ou respeitantes 
 ao processo contra-ordenacional. Ao Parlamento caberia assim, apenas, a 
 definição da natureza do ilícito de mera ordenação social; a definição do tipo 
 de sanções aplicáveis às contra-ordenações; a fixação dos limites das coimas; a 
 definição das linhas gerais de tramitação processual. Fora deste âmbito de 
 
 “normação primária”, reservada à Assembleia, deteria o Governo competência 
 legislativa própria, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 198.º da CRP.
 
             Face a esta doutrina, tornar-se-ia claro que, no caso, e ao definir 
 qual o sujeito responsável pelas contra-ordenações previstas no Decreto-Lei n.º 
 
 237/2007, de 19 de Junho, o conteúdo da norma sub judicio versaria ainda o 
 delineamento dos ilícitos contra-ordenacionais criados nesse diploma, matéria 
 que, por não ser de regime geral, não seria incluída na reserva parlamentar, 
 podendo o Governo sobre a mesma dispor ao abrigo da sua competência legislativa 
 própria.
 
  
 
             6.  A decisão recorrida parte no entanto de um outro pressuposto, 
 pois que confronta o disposto no Decreto-Lei n.º 237/2007, não apenas com o 
 regime geral do ilícito contra-ordenacional tout court, mas, e sobretudo, com o 
 regime geral das contra-ordenações laborais, constante hoje do Código de 
 Trabalho.
 
             Ora, como se disse no Acórdão n.º 578/2009 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) “sempre será legítimo ao Governo criar 
 contra‑ordenações num sector de actividade em que a Assembleia da República 
 tenha estabelecido um regime geral sectorial, desde que respeite este regime ou, 
 mais rigorosamente, as regras deste regime sectorial que possam simultaneamente 
 ser concebidas como regras do regime geral das contra‑ordenações (…). Assim 
 sendo, prevendo o regime geral do ilícito de mera ordenação social que as coimas 
 tanto se podem aplicar às pessoas singulares como às pessoas colectivas, e 
 prevendo o artigo 614º do Código do Trabalho de 2003 que, nas respectivas 
 contra‑ordenações, possa ser responsável “qualquer sujeito no âmbito das 
 relações laborais”, incluindo tanto as entidades empregadoras como os 
 trabalhadores, apenas resta concluir que não se vê que as normas que vêm 
 questionadas invadam o âmbito da reserva legislativa da Assembleia da 
 República.”
 
             Valendo este argumento, em geral, para todo o sistema de infracções 
 instituído pelo Decreto-Lei n.º 237/2007, vale ele também para o sistema 
 normativo que integrou o objecto do presente recurso.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
             7.  Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, o Tribunal 
 Constitucional decide:
 a)      Não julgar organicamente inconstitucional, por violação do disposto na 
 alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a norma resultante da 
 conjugação dos artigos 14.º, n.º 2, alínea c) e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 
 
 237/2007, de 19 de Junho, na interpretação que atribui ao empregador a 
 responsabilidade pela contra-ordenação consistente na falta de anotação ou a 
 anotação incompleta das indicações a incluir na folha de registo, no fim do 
 período a que respeita;
 b)      Ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora 
 decidido quanto à questão de constitucionalidade.
 
  
 
             Sem custas.
 
  
 
             Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão