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Processo n.º 491/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I.              Relatório 
 
  
 
  
 
  
 Por sentença de 30 de Setembro de 2006, o Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Lisboa, desaplicou a norma do artigo 80º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação 
 
 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro), quando interpretada no 
 sentido de que o tempo de serviço contado para efeitos da atribuição de uma 
 pensão de aposentação, a que entretanto o interessado renunciou, não pode já ser 
 considerado para efeito do cálculo de uma nova pensão, dando assim provimento, 
 por vício de violação de lei, ao recurso contencioso interposto do acto 
 administrativo da Direcção de Serviços da Caixa Geral de Aposentações que não 
 havia atendido ao referido tempo de serviço.
 
  
 Dessa decisão, o Ministério Público veio interpôr recurso obrigatório para o 
 Tribunal Constitucional, formulando, nas suas alegações, as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 1ª - A norma constante do n° 2 do artigo 80º do Estatuto da Aposentação, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n° 498/72, ao considerar irremediavelmente precludida 
 a relevância de todo o tempo de serviço prestado pelo interessado, anteriormente 
 
 à primeira aposentação — a que renunciou para continuar a exercer as funções com 
 base nas quais obteve a segunda pensão de aposentação — colide com o princípio 
 afirmado pelo n° 4 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa.
 
 2ª - Na verdade — e embora o legislador infraconstitucional goze de alguma 
 margem de discricionariedade legislativa no delinear das fórmulas técnicas 
 destinadas a compatibilizar as pensões de aposentação “acumuladas” pelo 
 interessado, — não pode afectar o “núcleo essencial” do direito, análogo aos 
 direitos fundamentais, outorgado pelo citado artigo 63°, n°4. 
 
  
 Não houve contra-alegações.
 
  
 Colhidos os vistos dos Exmos Juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 Através de despacho datado de 19 de Agosto de 2002, a Direcção de Serviços da 
 Caixa Geral de Aposentações, baseando-se no estatuído no artigo 80°, n.º 2, do 
 Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de Dezembro), 
 
  não levou em conta, para efeitos do cálculo da pensão de aposentação, o tempo 
 de serviço prestado pelo requerente, nos Serviços Geográficos e Cadastrais de 
 Moçambique, entre 21 de Junho de 1958 e 31 de Dezembro de 1966.
 
  
 Esse tempo de serviço fora, no entanto, tido em atenção para o cálculo de uma 
 primeira pensão de aposentação que o interessado requerera ao abrigo do disposto 
 no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, e que fora concedida em 1986, mas 
 a que renunciara, por requerimento apresentado em 19 de Abril de 1988, por 
 pretender continuar a desempenhar a sua actividade profissional.
 
  
 Pela decisão ora recorrida, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa,  
 anulou o referido acto administrativo, por vício de violação de lei, com 
 fundamento em preterição do disposto n° 4 do artigo 63° da Constituição da 
 República, desaplicando, para esse efeito, a citada norma do n° 2 do artigo 80° 
 do Estatuto da Aposentação, quando interpretada no sentido de que o tempo de 
 serviço contado para uma pensão (que já não produz efeitos, por renúncia do 
 interessado), não pode ser levado em consideração para o cálculo da nova pensão.
 
  
 
 É desta decisão que vem interposto recurso de constitucionalidade, por parte do 
 Ministério Público, de carácter obrigatório, com invocação do disposto no artigo 
 
 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 No recurso sustenta-se, em todo o caso, a inconstitucionalidade da referida 
 disposição do n° 2 do artigo 80° do Estatuto da Aposentação, por colidir com o 
 princípio afirmado n° 4 do artigo 63° da Constituição da República, aderindo-se 
 assim inteiramente ao juízo de inconstitucionalidade que havia já sido 
 formulado, nesse âmbito, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 411/99, de 
 
 29 de Junho de 1999.
 
  
 Foi também com apoio nesse aresto, para cuja fundamentação  remeteu, que a 
 decisão recorrida concluiu pela desaplicação ao caso concreto do mencionado 
 preceito do Estatuto da Aposentação.
 
  
 
 É, pois, esta a questão de constitucionalidade que cabe dilucidar.
 
  
 O artigo 80º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, inserindo-se nas disposições do 
 Capítulo V atinentes à situação de aposentação, e sob a epígrafe Nova 
 aposentação, na sua redacção primitiva, dispunha:
 
  
 
 1 - Se o aposentado, quer pelas províncias ultramarinas quer pela Caixa, tiver 
 direito de inscrição nesta última pelo novo cargo que lhe seja permitido exercer 
 poderá optar pela aposentação correspondente a esse cargo e ao tempo de serviço 
 que nele prestar, salvo nos casos em que a lei especial permita a acumulação das 
 pensões. 
 
 2 - Não será de considerar para cômputo da nova pensão o tempo de serviço 
 anterior à primeira aposentação. 
 
  
 A Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, aditou, entretanto, os n.ºs 3 e 4, que 
 vieram consignar o seguinte:
 
  
 
 3 - Nos casos em que o aposentado opte por manter a primeira aposentação haverá 
 lugar à divisão da pensão respectiva, a qual só pode ser requerida depois da 
 cessação de funções a título definitivo e é devida a partir do dia 1 do mês 
 imediato ao da apresentação do pedido. 
 
 4 - O montante da pensão a que se refere o número anterior é igual à pensão 
 auferida à data do requerimento multiplicada pelo factor resultante da divisão 
 de todo o tempo de serviço prestado, até ao limite máximo de 36 anos, pelo tempo 
 de serviço contado no cálculo da pensão inicial.
 
  
 Na redacção originária, o n.º 1 confere a quem já se encontre aposentado a 
 possibilidade de optar por uma pensão de aposentação a que tenha direito pelo 
 exercício de um outro cargo, excluindo, no entanto – como determina o 
 subsequente n.º 2 -, que o tempo de serviço contado para a anterior pensão seja 
 considerado no cálculo da pensão devida pelo novo cargo.
 
  
 Interpretadas conjugadamente, essas disposições admitem, assim, um mero direito 
 de opção entre pensões que sejam devidas por cargos diversos, consagrando um 
 princípio de inacumulabilidade de pensões.
 
  
 Foi esse, de resto, o entendimento que a doutrina coeva lhes conferiu, conforme 
 resulta da seguinte anotação de Simões de Oliveira (Estatuto da Aposentação 
 Anotado e Comentado, Coimbra, 1973, pág. 184):
 
  
 O presente artigo prevê o caso de ao aposentado (incluindo beneficiário da 
 pensão de aposentação pelo ultramar) ser permitido exercer um cargo que dê o 
 direito de subscritor da Caixa, nos termos dos artºs. 1º e 2.°, desde que ainda 
 esteja em idade de inscrição ao abrigo do art. 4.° (v. o caso do art. 22°, nº 
 
 2). Pagará então quota para a Caixa sobre a remuneração total que, segundo a 
 lei, compete ao novo cargo. 
 Se esta inscrição se mantiver de modo a perfazer-se o mínimo de 15 anos de 
 serviço ou se ocorrer acidente de serviço ou facto equiparado que permita a 
 aposentação antes desse limite, poderá o interessado, optar por uma nova 
 aposentação pelo novo cargo, renunciando assim à situação de aposentação em que 
 anteriormente se encontrava e à respectiva pensão. Este regime relativo aos 
 aposentados é inteiramente aplicável aos beneficiários de pensão de invalidez, 
 nos termos do art. 131.°. 
 Para o cômputo da nova pensão, é inteiramente irrelevante todo e qualquer tempo 
 de serviço anterior à primeira aposentação, haja efectivamente influído ou não 
 na pensão fixada e tenha constado ou não do respectivo processo. 
 Deste modo se perfilham dois princípios essenciais, um substantivo e outro 
 processual: o da inacumulabilidade de pensões de aposentação sucessivas, ou do 
 serviço relevante para cada uma, e o da extensão e eficácia da resolução final 
 que, ao fixar a pensão de aposentação, decidiu definitivamente qual o tempo que 
 influía na aposentação e, expressa ou implicitamente, qual o que não influía, 
 abrangendo-se, portanto, no caso resolvido todo o tempo de serviço anterior, e 
 de uma vez para sempre.
 
  
 No entanto, o aditamento, pela Lei n.º 30‑C/92, dos n.ºs 3 e 4, veio alterar 
 substancialmente a situação, determinando que, quando o aposentado optasse por 
 manter a primeira aposentação, havia lugar à revisão dessa pensão, caso em que 
 já será possível considerar no cálculo da pensão revista todo o tempo de serviço 
 prestado, incluindo o que originou a pensão inicial.
 
  
 Temos, por conseguinte, face à redacção actualmente vigente, que o interessado 
 poderá optar pela pensão de aposentação correspondente ao primeiro ciclo de vida 
 laboral, isto é, pela primeira aposentação, havendo então lugar à revisão da 
 pensão [embora o texto do n.º 3 mencione divisão da pensão, do contexto e da 
 nova epígrafe resulta que o que está em causa é a revisão da pensão] quando 
 tenha adquirido direito à aposentação por um outro cargo, caso em que releva, 
 para esse efeito, todo o tempo contributivo; ou poderá optar pela pensão de 
 aposentação correspondente ao segundo ciclo de vida laboral, isto é, pela 
 segunda aposentação, que implica que, no cômputo da nova pensão, não seja 
 considerado o tempo de serviço anterior à primeira aposentação, nos termos do 
 n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação.
 
  
 Em suma, enquanto que, na redacção originária do preceito, cingido aos seus n.ºs 
 
 1 e 2, se dispunha, de acordo com o princípio da impossibilidade de cumulação de 
 pensões, que, findo o novo período de exercício de funções pelo aposentado, este 
 tinha de optar entre uma das duas pensões (pela correspondente ao primeiro 
 período de actividade, sem qualquer revisão que atendesse ao segundo período de 
 actividade; ou pela correspondente ao segundo período de actividade, sem que 
 para o cálculo desta fosse de considerar o tempo de serviço anterior à primeira 
 aposentação), já por força do aditamento dos n.ºs 3 e 4, o aposentado, podendo 
 continuar a optar pela segunda aposentação (em conformidade com o regime 
 estatuído naqueles n.ºs 1 e 2), podia beneficiar, todavia, de uma revisão da 
 pensão (com contagem do tempo de serviço correspondente aos dois períodos de 
 actividade), quando optasse por manter a primeira pensão.
 
  
 A questão que se coloca é a de saber se o dispositivo do n.º 2 do artigo 80º do 
 Estatuto da Aposentação, no ponto em que, perante a opção do interessado pela 
 segunda aposentação, impede a contagem do tempo de serviço referente ao primeiro 
 ciclo de actividade, se mostra conforme o estabalecido no actual artigo 63º, n.º 
 
 4, da Lei Fundamental.
 
  
 Uma resposta afirmativa foi formulada no já citado acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 411/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 10 de 
 Março de 2000), que confirmou o entendimento nesse sentido sufragado pelo 
 acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Outubro de 1998 (Processo 
 n.º 41938), sendo certo que nesse caso se apreciava uma questão concreta que 
 apresentava com a dos presentes autos uma evidente similitude (o interessado, já 
 na situação de aposentado, foi reinscrito na Caixa Geral de Aposentações pelo 
 exercício de um outro cargo, e depois de ter sido fixada a pensão de aposentação 
 com base no tempo de serviço prestado após a primeira aposentação, os serviços 
 declararam sem efeito essa outra pensão).
 
  
 Dispõe, na verdade, o n° 4 do artigo 63° da CRP que «[T]odo o tempo de trabalho 
 contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e de 
 invalidez independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado».
 
  
 Essa norma foi introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/89 (correspondendo ao 
 n.º 5 que foi aditado por essa Lei, com a única diferença de ter sido 
 substituído o termo contribuirá, que constava da versão originária, por 
 contribui), e, como foi então entendido  pela doutrina, pretendeu-se através 
 dela «salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para 
 efeitos de pensões de velhice e invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho 
 prestados em várias actividades e respectivos descontos para diversos organismos 
 da segurança social» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, 1993, pág. 340).
 
  
 E como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, é ainda hoje essa a intenção que se 
 encontra claramente manifestada no actual n° 4 do artigo 63° que resulta da 
 Revisão Constitucional de 1997 (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 
 Coimbra, 2005, pág. 638).
 Foi também esse o propósito dos promotores da alteração do texto constitucional, 
 como se depreende de diversas intervenções que tiveram lugar durante a discussão 
 parlamentar, em que se torna patente ter havido um interesse em assegurar, para 
 efeitos de aposentação, a articulação e intercomunicação entre os tempos de 
 serviços e os períodos contributivos que respeitem a diferentes sistemas de 
 segurança social (Diário da Assembleia da República, II Série, número 23-RC, de 
 
 7 de Julho de 1988, pág. 654, e número 81-RC, de 9 de Março de 1989, pág. 2388). 
 
 
 Porém - como se anotou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 437/2006 -, 
 
 «apesar desta motivação imediata do legislador constituinte, que corresponderá à 
 situação que então se apresentava como de verificação mais frequente ou de 
 efeitos práticos mais visíveis, a norma constitucional tem um alcance mais 
 geral, estabelecendo o imperativo de que todo o tempo de trabalho releve, nos 
 termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, 
 independentemente de o problema de contagem emergir de o trabalhador ter estado 
 integrado em diversos sistemas ou subsistemas de segurança social ou de outra 
 causa, isto é, coloque-se ou não um problema de intercomunicabilidade de 
 sistemas ou regimes de segurança social pública». E é essa também a conclusão a 
 que chega o acórdão n.º 411/99, quando considera que a introdução do novo 
 preceito constitucional foi ditada pela ideia de “promover um aproveitamento 
 total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, independentemente do 
 sistema de segurança social a que ele tenha aderido, e desde que tenha efectuado 
 os descontos legalmente previstos”.
 Por outro lado, como explicita este mesmo aresto,  «quando o texto 
 constitucional remete para os termos da lei, fá-lo para efeitos de concretização 
 do direito, não a título de cláusula habilitativa de restrições. A utilização da 
 expressão todo o tempo de trabalho, em conjugação com o segmento 
 independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado, impõe, 
 nesta matéria, a obrigação para o legislador ordinário, de prever a contagem 
 integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador sem restrições que 
 afectem o núcleo essencial do direito». 
 Ou seja, não é de entender que exista, por efeito da remissão para «os termos da 
 lei», uma total liberdade de conformação do legislador quanto ao cômputo do 
 tempo de serviço prestado pelo trabalhador para efeitos de aposentação
 
  
 Na verdade, o direito à contagem do tempo de serviço para efeitos de 
 aposentação, como prevê o artigo 63º, n.º 4, da CRP, surge como uma 
 concretização  do direito à segurança social, que, por sua vez, se inscreve na 
 constituição social como um direito social de natureza positiva cuja realização 
 exige o fornecimento de prestações por parte do Estado, impondo-lhe verdadeiras 
 obrigações de fazer e de prestar (n.º 2).
 
  
 Acresce que - tal como se afirmou no citado acórdão n.º 411/99 – que a contagem 
 dos tempos de serviço (como um direito social inserido na garantia institucional 
 de um sistema de segurança social) se revista de natureza análoga aos direitos, 
 liberdades e garantias, aplicando-se-lhes o regime destes — constante do artigo 
 
 18° da Constituição da República Portuguesa - por força da extensão operada pelo 
 artigo 17º da Constituição. 
 
  
 Foram estes aspectos que, por sua vez, foram subinhados pelo acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 554/03, que analisou o parâmetro constitucional do direito à 
 segurança social em face de uma outra problemática (o estabelecimento de um 
 limite temporal, por via do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, para ser 
 requerida a pensão de aposentação prevista no Decreto-Lei n.º 362/78), mas em 
 termos que mantêm plena validade no presente caso.
 
  
 Aí se escreveu:
 
  
 Não obstante se estar em presença de um direito fundamental social, em sentido 
 estrito, «isto é direito[s] cujo conteúdo principal típico consiste em 
 prestações estaduais sujeitas a conformação político-legislativa» (cfr. Vieira 
 de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 2.ª edição, 2001, 
 págs. 371), o certo é que, como  adverte este autor, «apesar de estarem sujeitos 
 a um regime constitucional diferente, mormente quanto à determinação do seu 
 conteúdo (cfr. ob. cit., págs. 377 e segs.), eles não constituem uma categoria 
 de natureza naturalmente distinta dos direitos, liberdades e garantias».
 Sem necessidade de se ter de tomar posição quanto à questão de saber se a esse 
 direito à segurança social não deverá ser reconhecido um conteúdo mínimo à face 
 da Constituição, «pela sua referência imediata à ideia da dignidade da pessoa 
 humana», não pode deixar de olhar-se para o direito à pensão de aposentação, 
 seja nos termos previstos na lei geral (Estatuto da Aposentação), seja nos 
 termos excepcionais, como são os que estão definidos no referido Decreto-Lei n.º 
 
 362/78, como correspondendo a uma realização das imposições constitucionais 
 estabelecidas no âmbito de tal direito social, até em termos de concretização da 
 
 «própria estrutura fornecedora das prestações que o Estado deve criar» apontada 
 pela Lei Fundamental.
 Nesta perspectiva, estamos perante «direitos subjectivos [tornados] certos»  por 
 via do poder de conformação conferido ao legislador democrático para estabelecer 
 autonomamente a forma, a medida e o grau em que entendeu concretizar as 
 imposições constitucionais respectivas (aqui com inclusão de uma certa estrutura 
 da prestação já definida pela Lei Fundamental) e não perante direitos cujo 
 conteúdo esteja determinado no seu essencial pela Constituição, como acontece 
 com o regime típico dos direitos, liberdades e garantias. 
 Mas, não obstante essa sua natureza, não se segue daí que o regime do direito à 
 segurança social esteja à mercê do legislador infraconstitucional, visto «não 
 ser total» a sua liberdade de conformação, sendo que, no caso do direito à 
 aposentação, essa liberdade se acha mais constrangida, dada a injunção 
 decorrente do artigo 63º, n.ºs 4 e 5, da CRP quanto à estrutura das prestações 
 
 (a necessária para acudir às referidas situações de carência) e até quanto ao 
 procedimento da sua determinação (cômputo do tempo de trabalho).
 Por isso, como escreve Vieira de Andrade (ob. cit., págs. 386), «os preceitos 
 constitucionais relativos aos direitos sociais também servem de padrão positivo 
 de controle da constitucionalidade das leis», sendo «uma das hipóteses [de 
 violação] de mais fácil verificação a da inconstitucionalidade resultante da 
 violação do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio», a qual 
 poderá acontecer «quando uma lei organize ou regule prestações em cumprimento 
 das imposições constitucionais ligadas ou decorrentes da consagração de direitos 
 sociais e, ao fazê-lo, restrinja injustificadamente o âmbito dos beneficiários, 
 em manifesta contradição com os objectivos da norma constitucional, por força do 
 hábito ou de uma intenção discriminatória».
 
  
 Sendo assim, em rigor, a remissão para a lei, como consta do n.º 4 do artigo 63º 
 da CRP, não pode pôr em causa o princípio do aproveitamento integral dos 
 períodos contributivos do trabalhador, e apenas poderá significar que a 
 Constituição deixa em aberto a concretização das soluções que permitem – por 
 exemplo em relação a um funcionário público, que em momento ulterior, ingressa 
 numa empresa privada – fazer um cálculo conjunto dos vários tempos prestados 
 pelo beneficiário ao serviço de diferentes entidades, em diferentes períodos ao 
 longo da sua vida (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., págs. 638-639).
 
  
 
 É essa ordem de preocupações que está presente no regime jurídico da pensão 
 unificada, que começou por ser instituído pelo Decreto-Lei n.º 143/88, de 22 de 
 Abril, e cujo âmbito de aplicação tem sido sucessivamente ampliado pelos 
 diplomas que se seguiram (Decreto-Lei n.º 159/92, de 31 de Julho, e Decreto-Lei 
 n.º 361/98, de 18 de Novembro, actualmente em vigor), e cujo objectivo, no plano 
 material, foi o de permitir justamente, em relação  a trabalhadores que se 
 encontrem abrangidos por mais de um sistema de protecção social, a totalização 
 dos períodos contributivos existentes no regime de segurança social e no regime 
 da função pública, para efeito da atribuição de uma única pensão.
 
  
 Bem se compreende, neste contexto, que a exclusão, para efeito do cálculo da 
 pensão de aposentação, de uma parte do tempo de trabalho prestado – tal como 
 prevê a falada norma do artigo 80º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação – não se 
 mostre conforme com o disposto no artigo 63º, n.º 4, da Lei Fundamental, que, 
 precisamente, impõe a obrigatoriedade de contagem de todo o tempo de serviço 
 juridicamente relevante, e, portanto, de todo o tempo de serviço sobre que 
 tenham recaído os descontos para a aposentação.
 
  
 Certo é que a lei ordinária não está impedida de estabelecer determinados 
 requisitos de que dependa o reconhecimento do direito à pensão – como, também, o 
 Decreto-Lei n.º 362/78, ao estabelecer um regime especial de aposentação para os 
 funcionários e agentes da antiga administração ultramarina, não deixou de exigir 
 um tempo mínimo de serviço (cinco anos) e a realização dos correspondentes 
 descontos como condição necessária para requerem a atribuição da pensão. Outros 
 requisitos poderão ser fixados pelo legislador no que concerne aos termos em que 
 deverá operar, para efeitos de aposentação, a contagem das diversas parcelas de 
 tempo de serviço que respeitem a diferentes regimes de segurança social ou a 
 diferentes actividades profissionais. Mas contraria o princípio consagrado no 
 texto constitucional a permissão do exercício de um direito de opção entre uma 
 ou outra pensão, por referência a cada um dos cargos que tenham sido exercidos 
 pelo trabalhador, quando simultaneamente se impede, na prática, em qualquer dos 
 termos da opção, que o tempo de serviço num desses cargos possa ser considerado 
 para efeito do cálculo da pensão pela qual se optou.
 
  
 Note-se que, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 366/2006, em que se 
 suscitava, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a 
 inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 80.º, n.ºs 1 e 2, do 
 Estatuto da Aposentação, «na medida em que não permitem a contagem da 
 integralidade do tempo de serviço prestado, na situação em que o aposentado opta 
 pela segunda aposentação», e em que se alegava justamente a violação do 
 princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, 
 consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da Constituição da República, concluiu-se no 
 sentido da não inconstitucionalidade dessas disposições.
 
  
 No entanto, como se aí se reconhece, esse aresto recaiu sobre uma realidade 
 distinta daquela sobre que se pronunciou o acórdão n.º 411/99 e que está em 
 causa, igualmente, no presente caso. 
 
  
 Com efeito, o acórdão n.º 366/06 analisa o regime decorrente dos n.ºs 1  e 2 do 
 artigo 80º do Estatuto da Aposentação, quando interpretado em conjugação com os 
 subsequentes n.ºs 3 e 4, que foram introduzidos pela Lei n.º 30-C/92. 
 Ponderou-se, nesse contexto, que o quadro normativo resultante dessa nova 
 redacção permite ao aposentado (que pretenda  voltar a exercer funções) cumular 
 a pensão que auferia com o vencimento correspondente ao novo cargo ou optar, se 
 acaso entender que isso lhe é vantajoso, por uma pensão calculada apenas com 
 base no tempo de serviço prestado no segundo ciclo de vida laboral.
 
  
 Ou seja, nesta óptica, o aposentado que regresse ao activo dispõe da seguinte 
 alternativa: opta por uma fórmula de cálculo de pensões que respeita o princípio 
 do aproveitamento integral do tempo de serviço e que incorpora, no cálculo da 
 pensão, o segundo ciclo da sua actividade laboral, o que sucede sempre que 
 prefira manter (e continuar a auferir) a pensão correspondente ao primeiro ciclo 
 de vida laboral; escolhe apenas a pensão correspondente ao exercício de 
 funções neste segundo ciclo de vida laboral, na qual já não é contabilizado o 
 tempo de serviço correspondente ao primeiro ciclo, no pressuposto de que essa é 
 para ele, nas circunstâncias do caso, uma situação mais vantajosa.
 
  
 Perante este cenário, entendeu‑se, no referido acórdão, que o respeito pelo 
 princípio constitucional do aproveitamento integral do tempo de serviço não 
 impedia o legislador de estabelecer uma possibilidade que depende de uma escolha 
 do trabalhador e que lhe é mais favorável do que aqueloutra que, essa sim, se 
 refere (e dá pleno cumprimento) ao princípio consignado no n.º 4 do artigo 63.º 
 da CRP. Pois que – acrescenta-se - o que se pretendeu, com a consagração deste 
 princípio pela Lei Constitucional n.º 1/89, foi impedir que, nas situações 
 comuns, existissem parcelas da vida activa dos trabalhadores que, no final, não 
 fossem contabilizadas para efeitos de cálculo do montante da pensão, mas não 
 afastar a possibilidade de, em situações de todo em todo excepcionais, se 
 concedesse ao trabalhador a faculdade de escolher uma solução mais vantajosa, 
 ainda que com “perda” ou “inutilização” de anos de serviço.
 
  
 Não é esse, no entanto, o caso dos autos (como também não o era a situação 
 versada no acórdão n.º 411/99), em que o Tribunal Constitucional, em processo de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade, é chamado a pronunciar‑se sobre a 
 conformidade constitucional da interpretação, acolhida na decisão judicial 
 recorrida, da norma do artigo 80.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, na 
 redacção anterior à Lei n.º 30‑C/92, interpretação essa que implica que a opção 
 pela pensão de aposentação que deva corresponder ao novo cargo determina 
 necessariamente a renúncia à primeira pensão, com a consequência de o tempo de 
 serviço anteriormente prestado (e que está na base daquela primeira pensão) não 
 poder entrar no cômputo da segunda pensão.
 
  
 Esta outra situação – que decorria da primitiva versão do artigo 80º (que apenas 
 contemplava a opção entre a manutenção da pensão já existente e uma nova pensão 
 correspondente ao novo cargo, mas com perda do tempo de serviço anteriormente 
 prestado) – afronta nitidamente o princípio que deriva do artigo 63º, n.º 4, da 
 Constituição, já que, contrariamente ao que sucede em face das alterações 
 introduzidas pela Lei n.º 30-C/92, nesse caso, nenhum dos termos da alternativa 
 facultada ao interessado assegura a relevância integral do tempo de serviço 
 prestado.
 
  
 III – Decisão
 
  
 Em face do exposto, acordam em julgar inconstitucional o n.º 2 do artigo 80º do 
 Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, 
 na sua redacção originária, por violação do artigo 63º, n.º 4, da Constituição 
 da República e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.  
 Sem custas por não serem devidas
 Lisboa, 25 de Setembro de 2007
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão