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Processo n.º 457/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins 
 
            ( Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha)
 
  
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, 
 o primeiro vem invocar a inconstitucionalidade do artigo 188º, nº 3, do Código 
 de Processo Penal, «na medida e quando prevê a desmagnetização das escutas 
 telefónicas antes do arguido ter acesso às mesmas, por violação do artigo 32° da 
 Constituição», e ainda a inconstitucionalidade dessa norma «na parte referente à 
 transcrição da matéria seleccionada como foi interpretada e aplicada pela 
 decisão recorrida, violando os princípios contidos nos artigos 32°, n° 8, 34°, 
 n°s 1 e 4, e 18°, n° 2, da CRP». 
 
  
 
 2. Aquando dos autos de instrução criminal que correram termos no 2º Juízo 
 Criminal da Comarca do Barreiro, o ora recorrente invocou a nulidade da prova 
 recolhida por intercepção e gravação de comunicações telefónicas, alegando, além 
 do mais, que a eliminação de certos elementos constantes das gravações, 
 determinada pelo juiz de instrução, por se considerar não serem relevantes para 
 a prova, sem que o arguido a eles pudesse ter tido acesso, violaria as garantias 
 de defesa a que se refere o artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República. 
 
  
 O juiz de instrução julgou improcedente a arguição, por despacho de fls 70 e 
 segs., com fundamento em que o acesso do arguido ao conteúdo das conversações 
 interceptadas «é contrário aos princípios subjacentes à fase de inquérito, fase 
 essa obrigatória, secreta e escrita, regida predominantemente pelo princípio do 
 inquisitório, sendo regra haver apenas lugar a contraditório nos termos e para 
 os efeitos do disposto nos artigos 271.º e 194.º, ambos do Código de Processo 
 Penal», e, caso se «desse conhecimento ao arguido, antes de proceder à 
 destruição dos elementos recolhidos tal tornaria evidentemente inócua a 
 investigação em curso, uma vez que este, alertado que estaria sobre o facto de 
 estar a ser investigado, mormente com o recurso a escutas telefónicas, 
 perturbaria o decurso do inquérito, nomeadamente quanto à conservação ou 
 aquisição da prova». 
 
  
 
 3. Inconformado com esta decisão, o ora recorrente dela interpôs recurso para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, invocando que «a norma constante do n° 3 do 
 artigo 188º do Código de Processo Penal, ao ordenar a destruição do material não 
 seleccionado, numa fase anterior às partes interessadas, terem total acesso às 
 escutas, está ferida de inconstitucionalidade material por violação expressa das 
 garantias de defesa por parte do arguido nos termos do artigo 32º, n°1, da 
 Constituição da República» e, assim sendo, «as escutas telefónicas são nulas e 
 consequentemente nulo o valor das provas obtidas mediante o recurso às mesmas 
 nos termos do artigo 188º, n°s 1 e 3, 189º e 126º do Código de Processo Penal», 
 o qual por acórdão de fls 152 e segs., negou provimento ao recurso, com base nos 
 seguintes fundamentos:
 
  
 
 «Insurge-se o recorrente contra o facto de, antes das partes terem total acesso 
 
 às escutas, ter sido ordenada a destruição do material não seleccionado, o que, 
 na sua perspectiva, viola os seus direitos de defesa. 
 O procedimento adoptado, porém, é o que de forma clara resulta da lei, prevendo 
 o n° 3 do artigo 188º, que o juiz ordene a destruição dos elementos recolhidos 
 que não sejam considerados relevantes. 
 O recorrente não questiona o facto dos elementos seleccionados serem relevantes, 
 mas tão só o facto de terem sido seleccionados numa perspectiva de investigação, 
 afirmando que foram eliminadas conversações que seriam importantes para 
 explicarem certos factos, embora não os concretize com rigor. 
 Segundo o recorrente, tudo o que vai sendo adquirido pelo processo, no seu 
 decurso, tem de permanecer nele até as partes poderem exercer em relação a esses 
 elementos o contraditório, porque o arguido poderá, eventualmente, detectar 
 nesses meios de prova, elementos factuais relativos aos próprios meios de prova 
 ou à realidade cuja existência os mesmos tendem a demonstrar de que poderá 
 beneficiar na sua defesa. 
 Ora, o nosso processo penal não está estruturado sobre esse princípio, que 
 pressuporia a obrigação de quem tem a direcção do processo de acautelar uma 
 hipotética, eventual e indeterminada estratégia de defesa do arguido. 
 As escutas telefónicas representam sempre uma intromissão na reserva da 
 intimidade da vida privada, que só pode ocorrer nos casos e termos previstos na 
 lei (artigo 26º, n° 4, da C.R.P.) e como forma de salvaguarda de outros 
 interesses, em particular, o interesse público de administração da justiça penal 
 
 (artigo 34º, n° 4, da C.R.P.). 
 Não tendo interesse para a investigação, devem essas passagens ser destruídas, 
 em nome dos direitos fundamentais dos escutados, muitas vezes terceiros sem 
 qualquer relação com o processo, o que se traduz em correcção pelo tribunal da 
 intromissão injustificada na reserva da intimidade da vida privada. Manter essas 
 gravações, com perigo de ofensa para direitos fundamentais dos escutados, só 
 porque pode vir o arguido a ter interesse nas mesmas, apresentar-se-ia como uma 
 compressão injustificada de direitos fundamentais, procedimento inadmissível 
 face ao artigo 26º da Constituição. 
 Aliás, estando o juiz obrigado a um critério de objectividade, devendo 
 seleccionar os elementos «…relevantes para a prova...», deve seleccionar as 
 conversações necessárias à compreensão do contexto em que ocorreram, o que não 
 está demonstrado que não tenha ocorrido no caso concreto, já que o recorrente 
 não refere qualquer conversação concreta que permitisse dar às seleccionadas 
 sentido diferente do que lhe é atribuído pela acusação, mencionando, apenas, que 
 não foram seleccionadas conversações que ilustrassem a sua actividade 
 profissional, questão que, manifestamente, pode ser provada por ele com recurso 
 a outros meios de prova, menos ofensivos para direitos fundamentais.
 Por outro lado, o invocado princípio do contraditório, não justifica o 
 procedimento defendido pelo recorrente, pois a Constituição apenas garante esse 
 princípio em relação à audiência de discussão e julgamento e aos actos 
 instrutórios que a lei determinar (artigo 32º, n° 5, da Constituição), o que não 
 abrange a obtenção deste meio de prova em fase de inquérito. 
 Não pode ser ignorado, também, que a ofensa aos direitos fundamentais não 
 ocorre, apenas, com a captação da conversação e sua audição pelos órgãos de 
 polícia criminal e autoridades judiciárias, sendo manifesto que a conservação 
 dessas conversações gerará sempre um perigo acrescido de reprodução e de 
 devassa, como tem revelado a experiência recente em certos processos envolvendo 
 figuras públicas, através da violação do segredo de justiça, o que aconselha a 
 destruição, o mais rápido possível, de todo o material que na análise do juiz de 
 instrução não seja relevante, o que se traduz, precisamente, na concretização da 
 sua principal função de assegurar os direitos, liberdades e garantias do 
 arguido, de outros sujeitos processuais e de quaisquer terceiros, como decorre 
 do n° 4 do artigo 32° da Constituição. 
 Fazer depender, da vontade do arguido, a destruição dos elementos recolhidos por 
 escutas telefónicas, significava colocar direitos de terceiros, merecedores de 
 protecção constitucional, na mão deste, por vezes ficando sujeitos aos seus 
 caprichos, o que abriria caminho para violações de direitos fundamentais, o que 
 não pode ser admitido e retiraria sentido à nulidade cominada pelo n° 8 do 
 artigo 32º, da C.R.P., pois apesar de estar assente que determinada escuta 
 representou uma intromissão injustificada na vida privada de uma pessoa, 
 nomeadamente de um terceiro, poderia ser aproveitada se o arguido alegasse que 
 interessava à sua defesa, o que seria suficiente para legitimar tal ofensa a 
 direitos constitucionalmente protegidos. 
 Em conclusão, existiu controlo judicial em relação às escutas telefónicas 
 efectuadas, a execução da transcrição das passagens seleccionadas pelo juiz de 
 instrução criminal não está sujeita ao imediatismo previsto para aquele 
 controlo, no n°1 do artigo 188º do CPP, e foi efectuada a destruição dos 
 elementos sem interesse, de acordo com o regime legal e constitucional aplicável 
 a este meio de obtenção de prova, razão por que o despacho recorrido não merece 
 censura». 
 
  
 
 4. Na sequência desta decisão, o ora recorrente interpôs recurso de 
 constitucionalidade nos seguintes termos: 
 
  
 
 «O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n°1 do artigo 70º da Lei n° 
 
 28/82, com as alterações posteriores (Lei n° 13-A/98). 
 Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 188º, n° 3, do 
 CPP, na medida e quando prevê a desmagnetização das escutas telefónicas antes do 
 arguido ter acesso às mesmas, por violação do artigo 32° da CRP. 
 Também a inconstitucionalidade da norma do artigo 188°, n° 3, do CPP na parte 
 referente à transcrição da matéria seleccionada como foi interpretada e aplicada 
 pela decisão recorrida, violando os princípios contidos nos artigos 32°, n° 8, 
 
 34°, n°s 1 e 4, e 18°, n° 2, da CRP. 
 Estas questões foram já suscitadas na motivação de recurso e respectivas 
 conclusões».
 
  
 O então Relator, por despacho de fls. 169, determinou que o processo seguisse 
 para alegações quanto à primeira interpretação normativa identificada no 
 requerimento de interposição de recurso, sendo que em relação à segunda 
 interpretação (a referente à transcrição da matéria seleccionada), o recorrente 
 não cumpriu o ónus de suscitação da questão no decurso do processo, pelo que não 
 se encontram preenchidos quanto a essa matéria os pressupostos processuais do 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 Nas alegações de recurso, o recorrente apoia-se, essencialmente, na orientação 
 seguida no acórdão n.º 660/2006, de 28 de Novembro de 2006, deste Tribunal de 
 que faz uma extensa transcrição, formulando a final as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1. O Tribunal da Relação interpretou o n° 3 do artigo 188º do CPP como não 
 sendo inconstitucional o entendimento de permitir ao JIC destruir todo o 
 material não seleccionado sem antes o arguido dele ter conhecimento e 
 consequentemente pronunciar-se sobre a sua relevância; 
 
 2. Foram postos em escutas vários números de telefone, entre eles os 917417354 e 
 
 912327155, referentes ao arguido tendo o material sido destruído pôr não 
 interessar à investigação;
 
 3. Se tivessem sido escutados pelo JIC, órgão imparcial, por certo que teriam 
 eventualmente sido seleccionados também; 
 
 4. Os registos escutados unicamente pela parte acusatória incidem somente sobre 
 o que interessa à investigação, denotando a perspectiva policial da 
 investigação; 
 
 5. A ilustração da actividade profissional do arguido, não era tarefa relevante 
 para os autos, pelo que foram eliminadas conversações que seriam importantes 
 para explicarem certos factos; 
 
 6. Assim, muita matéria existiria quer nestes números, quer naqueles que foram 
 escutados que poderiam interessar à defesa; 
 
 7. Pelo que, o momento adequado para se acautelar a eliminação de todo o 
 material escutado, será após ter sido dada oportunidade às partes 
 intervenientes, de delas tomarem conhecimento e exercerem o contraditório, caso 
 o queiram; 
 
 8. A norma constante do nº 3 do artigo 188º do CPP, ao ordenar a destruição do 
 material não seleccionado numa fase anterior às partes interessadas terem total 
 acesso às escutas está ferido de inconstitucionalidade material por violação 
 expressa das garantias de defesa por parte do arguido nos termos do artigo 32°, 
 n° 1, da CRP; 
 
 9. Deve ser declarada inconstitucional o nº 3 do artigo 188° do CPP, devendo 
 este Tribunal decidir que, para garantir o direito de defesa do arguido, 
 deve-lhe ser garantido acesso às gravações integrais ordenadas pelo JIC, de modo 
 a respeitarem-se, entre outras, as normas dos artigos 11º, n.º 1°, da Declaração 
 Universal dos Direitos do Homem e 32°, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP. 
 
 10. A interpretação a dar ao nº 3 do artigo 188° do CPR terá de ser outra que 
 não aquela que foi dada pelo Tribunal da Relação; 
 
 11. Terá de ser aquela que já foi dada por esse Tribunal no acórdão já citado 
 n.º 660/06; 
 
 12. Devem pois ser declaradas inválidas as intercepções e todos os actos que 
 dependerem das mesmas, nos termos dos artigos 122º e 189º do CPP.”
 
  
 Por sua vez, nas suas contra-alegações, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, 
 louvando-se no entendimento sufragado nos votos de vencido que acompanham o 
 citado acórdão do Tribunal Constitucional, concluiu que «não é inconstitucional 
 a norma do n° 3 do artigo 188° do Código de Processo Penal, no segmento em que 
 estabelece a destruição dos elementos considerados não relevantes, quando 
 interpretada no sentido de que o arguido não tem que deles tomar conhecimento».
 
  
 Aqui chegados, cumpre, pois, apreciar e decidir, após inscrição do processo em 
 tabela, e mudança de Relator.
 
  
 II. FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
  
 A) Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 5. Como se acabou de ver, o recorrente interpôs recurso de constitucionalidade 
 com fundamento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade 
 da norma do artigo 188º, n° 3, do Código de Processo Penal, na medida em que 
 prevê a desmagnetização das escutas telefónicas antes de o arguido ter acesso às 
 mesmas, por violação do artigo 32° da Constituição, e ainda a 
 inconstitucionalidade dessa norma numa outra interpretação, referente à 
 transcrição da matéria seleccionada, neste caso por violação dos princípios 
 contidos nos artigos 32°, n° 8, 34°, n°s 1 e 4, e 18°, n° 2, da Constituição. 
 
  
 Não estando esta última questão suficientemente identificada, desconhecendo-se 
 qual o sentido interpretativo que terá sido adoptado, quanto a essa matéria, na 
 decisão recorrida, não tendo tal questão chegado a ser suscitada de modo 
 processualmente adequado no decurso do processo, como impõem os artigos 70º, n.º 
 
 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da LTC, e não tendo o recorrente nada a objectar ao 
 despacho do primitivo Relator que circunscreveu o objecto do recurso à 
 interpretação normativa do artigo 188º, n.º 3, do Código de Processo Penal no 
 ponto em que impede o arguido de aceder ao conteúdo das conversações telefónicas 
 interceptadas antes de ser ordenada a sua destruição, é apenas esta questão de 
 constitucionalidade que se vai apreciar. 
 
  
 B) Questão de constitucionalidade
 
  
 
  
 
 6. A matéria das escutas telefónicas tem vindo a ser objecto de vários acórdãos 
 por parte deste Tribunal (Ver Acórdãos nºs 407/97; 347/2001; 528/2003; 379/2004; 
 
 223/2005, 426/2005, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).  
 
  
 Deve, todavia, sublinhar-se que relativamente à questão de constitucionalidade 
 ora em apreço, o Tribunal Constitucional já se pronunciou no Acórdão n.º 660/06, 
 de 28 de Novembro de 2006, que decidiu “julgar inconstitucional, por violação do 
 artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código 
 de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite a destruição de 
 elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão 
 de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados 
 irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento 
 e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância” e em Acórdão desta secção 
 proferido no proc. nº 452/07 decidiu “julgar inconstitucional, por violação do 
 artigo 32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 188º, nº 3, do Código de 
 Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite a destruição de 
 elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o orgão 
 de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados 
 irrelevantes pelo juíz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento 
 e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância”.
 
  
 
 7. Recapitulemos, sumariamente, a jurisprudência destes acórdãos, com o 
 objectivo de averiguar se a mesma se deve aplicar ao caso sub judice.
 
  
 O acórdão n.º 660/2006 excluiu que, em caso de intercepção e gravação de 
 conversações telefónicas, e para efeito da eliminação dos conteúdos das 
 comunicações interceptadas, as garantias de defesa do arguido se bastem com o 
 controlo da relevância dos elementos de prova, por parte do juiz de instrução.
 
  
 Para assim concluir, o Tribunal ponderou que a destruição, apenas por decisão do 
 juiz de instrução, sem conhecimento pelo arguido, dos elementos de prova obtidos 
 por intermédio da intercepção de telecomunicações, constitui, por si só, uma 
 compressão inaceitável e desnecessária das garantias de defesa e que é 
 particularmente notória na comparação da sua posição com a da acusação. Isso 
 porque o arguido, que sofreu uma intervenção restritiva nos seus direitos 
 fundamentais ao ser objecto de escutas telefónicas, acaba por ver eliminados os 
 registos dessas comunicações, sem poder tomar conhecimento do seu conteúdo e 
 sobre eles se pronunciar, enquanto que a acusação (ou seja, o órgão de polícia 
 criminal e o Ministério Público) tem acesso ao conteúdo integral e completo das 
 comunicações e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar as partes que considera 
 relevantes (artigo 188.º, n.º 1, parte final), tendo uma intervenção substancial 
 anterior à apreciação do juiz e podendo influenciar a sua decisão sobre a 
 relevância dos elementos coligidos. Verifica-se, portanto, uma desigualdade de 
 armas entre a acusação e a defesa. 
 
  
 O Acórdão entende, por outro lado, que não é possível contrapor, como 
 justificação para a destruição dos registos tidos como irrelevantes, a ideia de 
 que essa operação visa a própria protecção de direitos fundamentais de terceiros 
 ou do próprio arguido, por se tratar de dados que, resultando da intercepção de 
 comunicações, representam em si uma devassa da intimidade da vida privada. Neste 
 plano de consideração, o tribunal chama a atenção para a circunstância de a 
 destruição dos registos, com fundamento no disposto no artigo 188º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal, ter por base exclusivamente a apreciação da relevância 
 das conversações para efeito de prova, por parte do juiz, e não a ilegalidade 
 das escutas ou a protecção dos direitos de terceiros ou do arguido. E, assim, a 
 invocação da protecção de terceiros contra intromissão na vida privada só 
 poderia colocar-se no plano abstracto, da presunção de que todas e quaisquer 
 escutas podem pôr em causa esses direitos de terceiros. 
 
  
 O Tribunal baseou a conclusão no sentido da inconstitucionalidade da dimensão 
 normativa do preceito em apreciação, na jurisprudência do Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem, na comparação com outras ordens jurídicas europeias mais 
 próximas da nossa, e ainda no desenvolvimento da sua jurisprudência anterior em 
 matéria de escutas telefónicas.    
 
  
 No Acórdão tirado por esta Secção, no proc. nº 452/07, o Tribunal Constitucional 
 confirma esta jurisprudência, acrescentando alguns novos argumentos no sentido 
 da inconstitucionalidade desta dimensão normativa do preceito, baseados, por um 
 lado, na coerência do sistema e, por outro lado, na garantia constitucional do 
 direito à palavra e do direito a um processo equitativo.
 
  
 Em primeiro lugar, a coerência do sistema exige que «… como já disse o Tribunal 
 no Acórdão nº 426/2005 (DR, II Série, nº 232, p. 17006) – “seja facultada à 
 defesa (e também à acusação) a possibilidade de requerer que a transcrição de 
 mais passagens do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por 
 entenderem que as mesmas assumem relevância própria quer por se revelarem úteis 
 para esclarecer ou contextualizar o sentido das passagens anteriormente 
 seleccionadas”». E prossegue o Acórdão proferido no proc. nº 452/07 «Para que 
 esta ‘arquitectura’ judicial mantenha coerência, necessário é que se entenda que 
 o exercício do direito que é conferido ao arguido no nº 5 do artigo 188º do 
 Código de Processo Penal pressupõe a possibilidade de acesso da defesa à 
 integralidade das gravações efectuadas no decurso das intercepções telefónicas».
 
  
 Em segundo lugar, este Acórdão considera que a garantia constitucional do 
 direito à palavra e do direito a um processo equitativo implicam que o «acesso 
 
 [às escutas] seja constitucionalmente imposto, não dependendo da livre 
 disposição do legislador ordinário facultá-lo, ou não, à defesa». 
 
  
 Retirando o regime fixado nos artigos 187º e 188º do CPP de uma autorização 
 constitucional expressa — conferida ao legislador — para restringir, «em matéria 
 de processo criminal», o direito ‘inviolável’ do sigilo dos meios de comunicação 
 privada (artigo 34º, nº 4 e nº 1) e considerando que o bem jurídico protegido 
 por tal direito é refracção de outros bens jurídicos, nomeadamente dos 
 protegidos pelo «direito à palavra» e pelo direito à «reserva de intimidade da 
 vida privada» (artigo 26° da CRP), o Acórdão diz o seguinte: 
 
  
 
 «(…) O direito à palavra a que se refere o artigo 26° da CRP — próximo do 
 direito à imagem, enquanto direito pessoal, e por isso estruturalmente distinto 
 do direito à liberdade de expressão (artigo 37°) — pressupõe a existência de uma 
 
 «liberdade de disposição na área da comunicação não pública», em que o que é 
 dito — justamente por ser dito fora do espaço público, ou seja, não com o 
 intuito de ser escutado — faz parte da «acção comunicativa» espontânea, 
 
 «inocente e autêntica» (veja-se MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as proibições de 
 prova em Processo Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 70). A esta esfera 
 da comunicação humana pertencem os discursos fragmentários, a «expressão não 
 reflectida nem contida», ou a «formulação apenas compreensível no contexto de 
 uma situação especial» (Tribunal Constitucional Federal Alemão, apud MANUEL 
 COSTA ANDRADE, ob. e loc. cit.). Quem «escuta» um discurso assim, feito para não 
 ser escutado, infere sentidos. A decisão unilateral e externa (isto é, tomada 
 sem o conhecimento do autor do próprio discurso) quanto ao se e ao modo da 
 descontextualização do mesmo, permite que às inferências de sentido iniciais se 
 venham a sobrepor outras, numa escala potencialmente progressiva de redução da 
 compreensibilidade do que foi dito. 
 Um «processo devido em direito» — ou, como diz a Constituição no nº 1 do artigo 
 
 32°, um processo que «assegura todas as garantias de defesa» —, não pode ignorar 
 que as coisas se passam assim. Sobretudo quando se sabe (e sabe-se porque tal já 
 foi dito pelo Tribunal) que não é constitucionalmente censurável que a acusação, 
 que tem naturalmente acesso à integralidade das gravações, sugira ao juiz quais 
 as ‘partes’ das gravações a transcrever, por serem essas as partes consideradas 
 relevantes para a prova (artigo 188°, nº 1, in fine do CPP), e que a sugestão 
 seja acolhida «não com base em prévia audição das mesmas [por parte do JIC] mas 
 por leitura de textos contendo a sua reprodução… acompanhados das fitas gravadas 
 ou elementos análogas» (Fórmula decisória do Acórdão nº 426/2005). Sabendo-se 
 tudo isto, difícil é não concluir que, no âmbito de ‘todas as garantias de 
 defesa’ a que se refere o nº 1 do artigo 32° da CRP, se conta também a 
 possibilidade de acesso do arguido à integralidade das gravações efectuadas no 
 decurso de operações de «escutas telefónicas», antes que seja dada a ordem da 
 sua destruição parcial. 
 Sustentar-se-á em contrário que uma tal leitura das coisas desconhece que, nos 
 termos do nº 5 do artigo 32° da Constituição, o princípio do contraditório vale 
 apenas para as fases de audiência de julgamento e para os «actos instrutórios 
 que a lei determinar», pelo que argumentar como se argumentou implicaria uma 
 visão radicalmente acusatória de todo o processo penal, em que o principio do 
 contraditório dominaria, também, todo o inquérito — visão essa que, como se 
 sabe, não é aquela que a CRP acolhe. 
 Note-se, no entanto, que não está aqui em causa a transposição, para a fase do 
 inquérito, do princípio da contraditoriedade na produção e valoração da prova — 
 princípio esse que só tem assento constitucional no que respeita à fase de 
 audiência e julgamento. O que está em causa é outra coisa. Trata-se apenas de 
 garantir que toda a prossecução processual se cumpra como se deve cumprir, ou 
 seja, «de modo a fazer ressaltar não só as razões da acusação mas também as da 
 defesa» (assim mesmo, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 1ª 
 ed., 1974, reimp. 2004, Coimbra, Coimbra Editora, p. 150), de tal forma que o 
 arguido tenha uma posição processual equiparada quanto possível à do acusador 
 
 (ibidem p. 149).
 Exigir que semelhante garantia se cumpra não equivale a transfigurar um processo 
 penal de estrutura mitigada em outro diverso, de estrutura radicalmente 
 acusatória. A exigência significa apenas que se obedece ao principio contido no 
 nº 1 do artigo 32° da Constituição, pois que, «[e]m todas as garantias de defesa 
 engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários para o 
 arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical 
 desigualdade material de partida entre acusação (normalmente apoiada pelo poder 
 institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante 
 específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas.» (J.J. GOMES 
 CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 
 
 2007, Coimbra, Coimbra Editora, p. 516.»
 
  
 
 8. A destruição parcial dos registos magnéticos das escutas telefónicas pode, 
 todavia, justificar-se para assegurar os valores e interesses 
 constitucionalmente consagrados atinentes à reserva da intimidade da vida 
 privada do próprio arguido ou de terceiros.
 
  
 Mas, nesse caso, como se afirma no Acórdão proferido no proc. nº 452/07 já 
 mencionado:
 
  
 
 «Colocar-se-á então o problema de saber se, nesses casos, não será (precisamente 
 ao contrário do que até agora se tem vindo a defender) constitucionalmente 
 devida a ordem do JIC de destruição de parte das gravações efectuadas, por 
 corresponder ela «à possibilidade de correcção pelo tribunal de uma intromissão 
 injustificada na reserva de intimidade da vida privada do arguido ou de 
 terceiros (artigo 26°, nº 2 da Constituição).» (DR, II série, nº 7, 10/1/2007, 
 p. 757, Itálico aditado). 
 Não existem dúvidas quanto à inevitabilidade da colocação do problema. 
 Por serem expressão da «liberdade de disposição da comunicação não pública», 
 inscrita no exercício do «direito à palavra», as comunicações privadas que são 
 interceptadas pelas «escutas» não contêm só discursos potencialmente 
 fragmentários, cujo sentido só pode ser, para quem «escuta», apenas inferido. 
 Faz parte também da especial estrutura comunicativa deste tipo de discurso, com 
 as suas fronteiras fluidas, que ele raramente se restrinja à esfera pessoal 
 daqueles que nele participam. Enquanto devassa da privacidade — na sua esfera 
 mais íntima — as «escutas» são por isso, frequentemente, manchas que alastram: 
 muitas vezes e por seu intermédio, «a revelação do segredo só se torna possível 
 com a revelação de segredos de terceiros.» (MANUEL DA COSTA ANDRADE, ob. cit. p. 
 
 50).
 Deve por isso ter-se em conta que o problema que nos ocupa — ou seja, a questão 
 de saber se será constitucionalmente admissível que o Juiz de Instrução ordene a 
 destruição de parte do material gravado, sem que dessa parte tenha conhecimento 
 o arguido — poderá em certos casos (que não seguramente o agora em juízo) ser 
 equacionado como um problema de colisão de direitos: o direito do arguido a um 
 processo equitativo, com todas as garantias de defesa, e que inclui, como já 
 vimos, a faculdade de acesso à integralidade das gravações efectuadas, pode 
 conflituar, no modo concreto do seu exercício, com direito ou direitos de 
 outrem, afectando os bens jurídicos por estes últimos protegidos. (Sobre a 
 colisão de direitos, em geral, J.J. GOMES CANOTILHO, ob. cit., p. 1270). No 
 entanto, tal em nada legitima que se conclua que a ordem judicial de destruição 
 de parte das gravações efectuadas será sempre constitucionalmente devida, por 
 corresponder à correcção, feita pelo tribunal, da devassa da intimidade de 
 terceiros. Uma tal conclusão só seria sustentável se os problemas de colisão de 
 direitos pudessem ser resolvidos através do sacrifício unilateral de um deles — 
 como se tivera o juiz constitucional uma habilitação genérica para declarar, em 
 situações de conflito, qual o direito a sacrificar e qual o direito a tutelar. 
 Nada permite sustentar que assim seja. O que não é de excluir é que, nas 
 circunstâncias em que a colisão ocorra, se deva fazer a ponderação entre o 
 direito do arguido a um processo devido e os direitos de terceiros ao segredo e 
 
 à reserva, podendo por isso vir a ser constitucionalmente permitida a 
 destruição, sem a audição do arguido, daquela parte das gravações que lesem 
 especialmente o segredo ou a intimidade de terceiros. Em última análise, porém, 
 caberá ao legislador ordinário identificar os casos em que deva ser feita a 
 ponderação.
 Face ao regime legal vigente — e tendo em conta que ele obriga que todos os 
 participantes nas operações de «escutas» fiquem «ligados ao dever de segredo 
 relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento» (nº 3, in. fine, do 
 artigo 188º do Código de Processo Penal) — não pode deixar de se julgar 
 inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 32º, da Constituição, a norma 
 contida na primeira parte do referido preceito, quando entendida no sentido de 
 permitir que o juiz de instrução ordene, por considerar relevantes para a prova, 
 a transcrição parcial das gravações de conversas telefónicas interceptadas, e 
 prescreva a destruição das partes restantes, antes de o arguido as ter ouvido e 
 controlado.»
 
  
 
 9. Esta jurisprudência é integralmente aplicável ao caso dos autos, sendo 
 irrelevante que a destruição do material não seleccionado o tenha sido na 
 totalidade em relação a dois telefones, uma vez que o não conhecimento pela 
 defesa do material em causa a impede tanto num caso destes, como se apenas 
 tivessem sido destruídos parcialmente os registos de um dado telefone de se 
 pronunciar sobre a sua relevância.
 
  
 Pelos fundamentos expostos, e pelos mais amplos, constantes dos Acórdãos 
 mencionados, inteiramente transponíveis para a discussão do problema de 
 constitucionalidade suscitado no presente recurso, para os quais se remete, 
 conclui-se que a norma do artigo 188º, nº 3, do Código Penal, no segmento em que 
 estabelece que a destruição dos elementos considerados não relevantes, quando 
 interpretada no sentido de que o arguido não tem que deles tomar conhecimento, é 
 contrária ao artigo 32º, nº 1, da Constituição. 
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a)        Não conhecer do recurso na parte que tem por objecto a 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 188º, n° 3, do Código de Processo 
 Penal, na interpretação referente à transcrição da matéria seleccionada;
 b)        Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da 
 Constituição, a norma do artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, na 
 interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos 
 mediante intercepção de telecomunicações, que o orgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juíz de 
 instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa 
 pronunciar sobre a sua relevância;
 c)         Consequentemente, conceder parcial provimento ao recurso e determinar 
 a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juizo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 Sem custas.
 Lisboa, 18 de Setembro de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes (Vencido, quanto à alínea b) da decisão, nos
 termos da declaração de voto do Senhor Conselheiro Carlos
 Fernandes Cadilha, para que, no essencial, remeto).
 Carlos Fernandes Cadilha (vencido quanto à alínea b) da
 decisão, nos termos da declaração de voto em anexo)
 Gil Galvão
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 
  
 No projecto de acórdão que elaborei pronunciei-me pela não inconstitucionalidade 
 da norma do artigo 188º, n° 3, do Código de Processo Penal, quando interpretada 
 no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através 
 de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o 
 arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse 
 para a sua defesa, e, consequentemente, propunha, nessa parte, que se negasse 
 provimento ao recurso.
 
  
 Baseie-me essencialmente nas seguintes ordens de considerações, aqui apenas 
 sintetizadas.
 
  
 O sentido lógico que é possível atribuir às disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 
 
 3 do artigo 188º do Código de Processo Penal, numa interpretação conforme à 
 Constituição (que tenha presente o carácter excepcional dos meios de prova que 
 envolvam a violação de direitos fundamentais dos cidadãos), é aquele que entrevê 
 o procedimento judiciário aí previsto, nas suas diversas fases, como 
 finalisticamente dirigido à obtenção de elementos relevantes para a investigação 
 
 (e apenas desses), com a salvaguarda  possível da protecção da intimidade da 
 vida privada. Assim se compreende que a diligência seja ordenada ou autorizada 
 por um juiz, que os seus resultados lhe sejam imediatamente comunicados e que 
 este desde logo possa efectuar o controlo da relevância probatória dos elementos 
 recolhidos. 
 
  
 Neste contexto, a faculdade processual que é atribuída ao arguido no n.º 5 do 
 mesmo artigo 188º, não poderá deixar de ser entendida em sintonia com o que 
 prevê o n.º 3 desse preceito. O arguido e o assistente, bem como as pessoas 
 cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição 
 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem cópia desses 
 elementos. Mas naturalmente que o exame apenas incide sobre os elementos 
 transcritos, isto é, aqueles que, nos termos do n.º 3, foram, considerados úteis 
 para a investigação e que poderão ser avaliados pelos interessados (incluindo o 
 arguido) para exercerem os direitos processuais que lhe correspondem.
 
  
 A consulta não abrange os elementos não transcritos pela linear razão de que 
 esses elementos, em ordem ao princípio da menor intervenção possível e da 
 proporcionalidade, deverão ser destruídos, por determinação do juiz, como impõe 
 o n.º 3 desse artigo, por não terem qualquer interesse para o processo e não 
 justificarem de per si qualquer reacção defensiva por parte de quem tenha sido 
 objecto de escuta.
 
  
 
  
 
                   A destruição de registos não representa, por outro lado, uma 
 qualquer violação das garantias de defesa do arguido e especificamente do 
 direito do contraditório a que se referem os n.ºs 1 e 5 do artigo 32º da 
 Constiruição da República.
 
  
 As garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional, não vão além, na 
 parte que agora mais interessa considerar, da previsão de um processo criminal 
 com estrutura acusatória em que apenas a audiência de julgamento e certos  actos 
 instrutórios especialmente previstos na lei é que estão subordinados ao 
 princípio do contraditório.
 
  
 Como bem se compreende, o arguido não pode interferir na  actividade de 
 investigação, nem discutir, nessa fase, a relevância das diligências que tenham 
 sido efectuadas ou a importância dos resultados probatórios alcançados. Seria, 
 aliás, inexequível, e inteiramente contrário aos interesses da investigação, que 
 o arguido, ainda na fase do inquérito, pudesse examinar e pronunciar-se sobre os 
 registos de gravação de escutas telefónicas, quando é certo que a autoridade 
 policial tem de dar imediato conhecimento ao juiz da existência das gravações 
 para o aludido efeito de se efectuar a transcrição em auto ou se ordenar a sua 
 destruição. Nesse contexto, a audição do arguido teria de ser feita em tempo 
 
 útil (e, portanto, também, imediatamente), o que lhe permitiria o acesso também 
 imediato às provas já existentes, com a completa inviabilização da ulterior 
 realização de outras operações de intercepção de comunicações.
 
  
 O princípio acusatório e o reconhecimento do direito de contraditoriedade tem, 
 pois, o sentido de assegurar ao arguido a possibilidade de, nas fases ulteriores 
 do processo, contrabater as razões e as provas que tenham sido contra ele 
 coligidas e tomar também iniciativas instrutórias e de realização de prova que 
 considerar pertinentes.
 
  
 No entanto, como é bem de ver, esse direito de contraditório existe em relação 
 
 às provas em que se funda a acusação, as mesmas  que serão ponderadas pelo juiz 
 de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a 
 julgamento, para efeito a condenação do réu.   
 
  
 
 É só em relação a essas provas – e não a quaisquer outras que os investigadores 
 tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado  por considerarem (bem ou 
 mal) imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito -, que o 
 arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados 
 probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar 
 esses resultados.
 
  
 
 É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, 
 que permite justamente equilibrar a posição jurídica da defesa em relação à 
 acusação e dar cumprimento ao princípio da igualdade das armas. E é esse – e 
 apenas esse – o sentido do princípio do acusatório que decorre do disposto no 
 artigo 32º, n.º 5, da Constituição.
 
  
 
 É essa também a essência do processo equitativo ou do due process af law, que 
 justamente envolve como um dos seus aspectos fundamentais (para além da 
 independência e imparcialidade do juiz e a lealdade do procedimento) a 
 consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas as 
 possibilidades de contrariar a acusação.   
 
  
 Todavia, o arguido não tem o direito nem interesse processual a contraditar as 
 provas produzidas no inquérito que foram consideradas irrelevantes (e que não 
 servem de fundamento à acusação), como não tem direito nem interesse processual 
 em conhecer todos os expedientes ou diligências de que os órgãos de polícia 
 criminal se serviram, segundo as estratégias de investigação que consideraram em 
 cada momento adequadas ao caso e que podem, entretanto, ter sido abandonados.
 
  
 Acresce que a não audição do arguido relativamente à relevância das provas 
 recolhidas não agrava nem afecta especialmente a sua posição no processo. Na 
 verdade, as deficiências que puderem ser apontadas à investigação, assim como a 
 insuficiência ou a descontextualização das passagens das gravações, na medida em 
 que dificultam ou impedem a prova dos factos que constam da acusação relevam a 
 favor do arguido, que poderá justamente utilizar a fase de instrução e de 
 audiência de julgamento para fazer valer, em contraditório, as imprecisões e 
 fragilidades das provas em que se funda a acusação.
 
  
 Sendo assim, ainda que possa considerar-se aconselhável de jure condendo 
 assegurar a integralidade das conversações telefónicas interceptadas, por razões 
 de política legislativa que considerem prevalecentes as vantagens daí 
 advenientes para a justiça do caso concreto, tais considerações não justificam 
 um juízo de inconstitucionalidade relativo à norma do artigo 188º, n.º 3, do 
 CPP, na sua versão actual, que, por tudo o que foi dito, não representa uma 
 violação das garantias de defesa do arguido.
 
  
 Ou seja, tendo em conta o sentido jurídico-constitucional do princípio 
 acusatório e a possibilidade de colisão entre o interesse processual em manter 
 intactas as provas coligidas através de intercepção e gravação de comunicações e 
 o correspondente risco de devassa da reserva de intimidade da vida privada, cabe 
 na liberdade de conformação legislativa adoptar um critério mais ou menos 
 restritivo no que se refere ao momento em que, no decurso do processo penal, 
 deverá efectuar-se a destruição dos elementos de prova considerados  
 irrelevantes.
 
  
 
                   Nada obstava, nesta perspectiva, a que se formulasse um juízo 
 de não inconstitucionalidade da apontada norma do artigo 188º, n.º 3, do Código 
 de Processo Penal. 
 
 
 Carlos Alberto Fernandes Cadilha