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Processo n.º 815/07
 Plenário
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
                                                                                  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
 
  
 I – Relatório
 
                   
 
 1. O Presidente da República requereu, em 30 de Julho de 2007, ao abrigo do n.º 
 
 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 1 do 
 artigo 51.º e do n.º 1 do artigo 57.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), 
 que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com o disposto nos artigos 
 
 2.º, 13.º, 18.º, 20.º, 26.º, n.º 1, 52.º, 266.º e 268.º da CRP das normas 
 constantes dos artigos 2.º e 3.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da 
 República, de 5 de Julho de 2007, que “Altera a Lei Geral Tributária, o Código 
 de Procedimento e de Processo Tributário e o Regime Geral das Infracções 
 Tributárias”, recebido na Presidência da República em 23 de Julho de 2007, para 
 ser promulgado como lei.
 O pedido assenta nos seguintes fundamentos:
 
 «1° - A parte final da norma do n° 10 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, 
 agora acrescentada pelo artigo 2° do decreto em apreço, determina que as 
 decisões definitivas de determinação da matéria colectável são comunicadas, não 
 apenas ao Ministério Público, mas também, tratando-se de funcionário ou titular 
 de cargo sob tutela de entidade pública, à tutela deste para efeitos de 
 averiguações no âmbito da respectiva competência. 
 
 2° - Trata-se de uma disposição que suscita fundadas dúvidas de 
 constitucionalidade, em face do artigo 13° da Lei Fundamental, uma vez que 
 estabelece para os funcionários ou titulares de cargos sob tutela de entidade 
 pública, na sua mera qualidade de contribuintes, um regime distinto do aplicável 
 aos demais cidadãos, sem que pareça existir um fundamento material bastante para 
 tal diferenciação. 
 
 3° - O decreto ora submetido a promulgação procede ainda, no seu artigo 3º, a 
 duas alterações ao Código de Procedimento e de Processo Tributário surgindo, 
 também aqui, fundadas dúvidas de constitucionalidade quanto à redacção prevista 
 para os n°s 2 dos artigos 69° e 110º daquele Código. 
 
 4° - Com efeito, as normas dos artigos 69°, n° 2, e 110º, n° 2 do Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário vêm associar ao exercício de um direito de 
 reclamação ou de impugnação contenciosa por parte de um administrado a 
 consequência inelutável de, sem o seu consentimento, a Administração fiscal 
 aceder a informação e documentos bancários que integram a sua reserva de 
 intimidade da vida privada (artigo 26°, n° 1, da CRP). 
 
 5º - Parece verificar-se, assim, uma restrição desproporcionada não apenas do 
 direito à reserva da intimidade da vida privada como também do princípio do 
 acesso ao Direito e aos tribunais, acolhido no artigo 20° da Constituição, 
 enquanto corolário do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2°, 
 com consequente violação do artigo 18°, ambos da Lei Fundamental. 
 
 6° - Ao ligarem o direito de reclamação ou impugnação contenciosa ao 
 levantamento do sigilo bancário as normas sub judicio vêm pôr em causa, de uma 
 forma que parece destituída de fundamento, o direito que a todos os cidadãos 
 assiste de reclamarem de decisões das autoridades — artigo 52° da Constituição — 
 e, bem assim, o direito que o artigo 268.º, n.° 4, da Lei Fundamental atribui 
 aos administrados de impugnarem quaisquer actos administrativos que os lesem, 
 sendo ainda questionável se as citadas normas não afectam o princípio da boa fé 
 da Administração contido no artigo 266° da CRP. 
 
 7º - Afigura-se, por conseguinte, que a possibilidade de acesso a elementos de 
 natureza bancária, aberta pelo simples facto de o particular ter reclamado ou 
 impugnado uma dada situação tributária, não só não surge rodeada de um conjunto 
 necessário de garantias e mecanismos de salvaguarda como configura, em si mesma, 
 uma restrição desproporcionada e irrazoável dos direitos conferidos pelas normas 
 dos artigos 2°, 18°, 20°, 26°, n° 1, 52°, 266° e 268° da Constituição.»
 
  
 Em anexo ao pedido foi remetido um memorando da Assessoria para os Assuntos 
 Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da Presidência da República.
 
  
 
 2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 30 de Julho de 2007 e o 
 pedido foi admitido na mesma data.
 
  
 
 3. Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da LTC, o Presidente da 
 Assembleia da República veio apresentar resposta na qual oferece o merecimento 
 dos autos e junta cópia dos Diários da Assembleia da República que contêm os 
 trabalhos preparatórios relativos ao Decreto n.º 139/X.
 
  
 
 4. Elaborado o memorando a que alude o artigo 58.º, n.º 2, da LTC e fixada a 
 orientação do Tribunal, importa decidir conforme dispõe o artigo 59.º da mesma 
 Lei.
 
  
 
  
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
  5. São duas as questões que o Tribunal deve apreciar.
 A primeira refere-se à apreciação da constitucionalidade da norma constante do 
 artigo 2.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República.
 A segunda concerne à apreciação da constitucionalidade das normas constantes do 
 artigo 3.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República
 
  
 
  
 A) Apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do Decreto 
 n.º 139/X da Assembleia da República
 
  
 
  
 
 6. O artigo 2.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República pretende 
 adicionar um novo número ao artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT) que, na 
 redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, 
 estatui o seguinte:
 
  
 
 «Artigo 89.º-A
 Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados
 
 1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a 
 declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna 
 constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado 
 mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento 
 padrão resultante da referida tabela. 
 
 2 - Na aplicação da tabela prevista no n.º 4 tomam-se em consideração: 
 a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito 
 passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar; 
 b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do 
 respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, 
 por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação 
 maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada 
 ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo; 
 c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em 
 causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar. 
 
 3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea 
 f) do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à 
 realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações 
 de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados. 
 
 4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior 
 relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como 
 rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em 
 causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando 
 não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 
 
 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o 
 rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte: 
 
  
 
       Manifestações de fortunaRendimento padrão
 
       1 –   Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250 000. 20% do 
 
       valor de aquisição. 
 
       2 –   Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50 
 
       000 e motociclos de valor igual ou superior a  € 10 000. 50% do valor no 
 
       ano de matrícula, com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes. 
 
       3 –   Barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25 000. Valor no 
 
       ano do registo, com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes. 
 
       4 –   Aeronaves de turismo. Valor no ano do registo, com o abatimento de 
 
       20% por cada um dos anos seguintes. 
 
       5 –   Suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a 
 
       € 50 000. 50% do valor anual. 
 
 
 
  
 
 5 - No caso da alínea f) do artigo 87.º, considera-se como rendimento tributável 
 em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios 
 fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à 
 administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o 
 acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados 
 pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação. 
 
 6 - A decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante 
 deste artigo é da competência do director de finanças da área do domicílio 
 fiscal do sujeito passivo, sem faculdade de delegação. 
 
 7 - Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto 
 constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito 
 suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento 
 constante dos artigos 91.º e seguintes. 
 
 8 - Ao recurso referido no número anterior aplica-se, com as necessárias 
 adaptações, a tramitação prevista no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e 
 de Processo Tributário. 
 
 9 - Para a aplicação dos n.ºs 3 a 4 da tabela, atende-se ao valor médio de 
 mercado, considerando, sempre que exista, o indicado pelas associações dos 
 sectores em causa.»
 
  
 A alteração resultante do artigo em referência é do seguinte teor:
 
  
 
  
 
 «Artigo 2.º
 Aditamento à Lei Geral Tributária
 
 É aditado um n.º 10 ao artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, aprovada pelo 
 Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, na redacção actual, com a seguinte 
 redacção:
 
 “Artigo 89.º-A
 
 […]
 
 1-             ……………………………………………………………………………
 
 2-             ……………………………………………………………………………
 
 3-             ……………………………………………………………………………
 
 4-             ……………………………………………………………………………
 
 5-             ……………………………………………………………………………
 
 6-             ……………………………………………………………………………
 
 7-             ……………………………………………………………………………
 
 8-             ……………………………………………………………………………
 
 9-             ……………………………………………………………………………
 
 10-          A decisão de avaliação da matéria colectável com recurso ao método 
 indirecto constante deste artigo, após tornar-se definitiva, deve ser comunicada 
 pelo director de finanças ao Ministério Público e, tratando-se de funcionário ou 
 titular de cargo sob tutela de entidade pública, também à tutela deste para 
 efeitos de averiguações no âmbito da respectiva competência.»
 
  
 
  
 
 7. Para bem se compreender o alcance do preceito agora introduzido pelo Decreto 
 n.º 139/X da Assembleia da República e ajuizar da sua validade constitucional, 
 há que ter presente o sentido prescritivo do artigo 89.º-A, em que o mesmo se 
 insere.
 Como da sua epígrafe logo transparece, esta norma dispõe sobre situações 
 tributárias em que «falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie 
 as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o 
 rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, 
 em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela».
 Em qualquer destas duas hipóteses, não se efectua a avaliação directa, mas a 
 avaliação indirecta da matéria colectável. O artigo 89.º-A concretiza, assim, a 
 alínea d) do artigo 87.º, dando corpo a uma das situações em que está legalmente 
 prevista a realização daquela forma de avaliação.
 Verificada a ocorrência de uma das duas previsões constantes do n.º 1, ao 
 contribuinte é dada oportunidade de se pronunciar, nos termos da alínea d) do 
 n.º 1 do artigo 60.º da LGT. Mas inverte-se o ónus da prova, pois deixa de valer 
 a presunção de veracidade da sua declaração, se a tiver efectuado (artigo 75.º, 
 n.º 2, alínea d)). Sobre ele recairá então o ónus de provar que os rendimentos 
 declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de 
 fortuna evidenciadas (n.º 3 do artigo 89.º-A), não gerando rendimentos 
 tributáveis em sede de IRS.
 Não logrando o sujeito passivo efectuar essa prova, apurar-se-á a matéria 
 colectável pelo método indirecto constante do n.º 4 do artigo 89.º-A, a menos 
 que a aplicação dos critérios do artigo 90.º permita à Administração fixar 
 rendimento superior.
 A decisão de avaliação da matéria colectável, por este método, é, hoje, da 
 competência do director de finanças da área do domicílio fiscal do sujeito 
 passivo, sem faculdade de delegação (n.º 6 do artigo 89.º-A, na redacção dada 
 pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro). Da decisão cabe recurso para o 
 tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente 
 
 (n.º 7 do mesmo artigo).
 Deste regime resulta que ao interessado são facultadas garantias bastantes de 
 comprovação da situação fiscal real: a decisão de avaliação da matéria 
 colectável com recurso ao método indirecto só é tomada e só se torna definitiva 
 quando ele não consegue contrariar os indícios de que dispõe de rendimentos 
 tributáveis não declarados.   
 
  
 
 8. O n.º 10 que se pretende aditar ao preceito vem impor ao director de finanças 
 que comunique a decisão definitiva ao Ministério Público «e, tratando-se de 
 funcionário ou titular de cargo sob tutela da entidade pública, também à tutela 
 deste para efeitos de averiguações no âmbito da respectiva competência».
 
 É este segmento da norma cuja conformidade à Constituição é questionada, no 
 pedido de fiscalização preventiva, nos seguintes termos:
 
 «Trata-se de uma disposição que suscita fundadas dúvidas de constitucionalidade, 
 em face do artigo 13.º da Lei Fundamental, uma vez que estabelece para os 
 funcionários ou titulares de cargos sob tutela de entidade pública, na sua mera 
 qualidade de contribuintes, um regime distinto do aplicável aos demais cidadãos, 
 sem que pareça existir um fundamento material bastante para tal diferenciação.»
 Há que averiguar, pois, se a lei tributária, com a introdução do n.º 10 do 
 artigo 89.º-A, estabelece, para os funcionários ou titulares de cargos sob 
 tutela de entidade pública, na sua mera qualidade de contribuintes, um regime 
 distinto do que vigora para a generalidade dos cidadãos. Em caso afirmativo, 
 cumpre apreciar se essa diferenciação encontra uma justificação razoável, de 
 acordo com um critério materialmente fundado e constitucionalmente relevante.
 Ora, no estrito âmbito da relação tributária, o que se constata é uma absoluta 
 paridade de tratamento destes sujeitos em relação aos demais contribuintes. Eles 
 ficam submetidos ao método de avaliação indirecta consagrado no artigo 89.º-A 
 apenas por aplicação da previsão, de âmbito subjectivo universal, constante do 
 n.º 1. O destinatário da norma é “o contribuinte”, sem qualquer especificação 
 qualificativa de uma certa categoria de sujeitos. A aplicação do regime está 
 apenas situacionalmente condicionada, pois depende exclusivamente de uma certa 
 conduta do contribuinte (quem quer que ele seja).
 Pode concluir-se, assim, que os funcionários públicos ou titulares de cargos sob 
 tutela pública detêm, em face da Administração fiscal, em relação aos restantes 
 sujeitos passivos, uma igual posição de direitos e deveres, quanto aos métodos 
 de determinação da matéria colectável. Estes em nada são influenciados pelo seu 
 particular vínculo à Administração Pública. 
 
 É a jusante da relação tributária − findo o processo de determinação da matéria 
 colectável, com recurso ao método indirecto, e obtida uma decisão definitiva, 
 administrativa ou judicial, a tal respeito − que efectivamente se introduz agora 
 uma especialidade de regime: no que toca à generalidade dos cidadãos, impõe-se a 
 comunicação da decisão apenas ao Ministério Público, ao passo que, tratando-se 
 de um funcionário público ou titular de cargo sob tutela de entidade pública, a 
 comunicação deve ser endereçada também à tutela. Quanto a esta, esclarece-se que 
 a comunicação é «para efeitos de averiguações no âmbito da respectiva 
 competência».
 Afrontará esta diferenciação de regimes o princípio da igualdade consagrado no 
 artigo 13.º da Constituição da República?
 Recordemos a situação de base que desencadeia a aplicação do artigo 89.º-A da 
 LGT. A Administração tributária detectou indícios de uma infracção fiscal, 
 resultante de o contribuinte evidenciar manifestações de fortuna, sem que tenha 
 apresentado declaração de rendimentos, ou, tendo-o feito, sem que dela constem 
 rendimentos tributáveis proporcionais aos meios de fortuna aparentados. 
 Sendo-lhe dada possibilidade de justificar essa situação, o contribuinte não 
 consegue fazer prova da regularidade da sua conduta fiscal.
 Neste quadro situacional, tem cabimento a dúvida sobre a forma de aquisição de 
 património por parte do contribuinte. Nessa medida, é comunicada ao Ministério 
 Público a decisão. Sendo o contribuinte funcionário ou titular de cargo sob 
 tutela de entidade pública, pode legitimamente questionar-se se os bens de 
 fortuna alardeados resultam ou não do exercício abusivo, em proveito pessoal, 
 das funções desempenhadas, ou se ele terá ou não exercitado outras actividades 
 não permitidas ou não autorizadas. Por esse facto, a situação é presente à 
 tutela, para que, quando justificado, esta possa proceder a averiguações que 
 permitam esclarecer se houve ou não, por parte do funcionário em causa, 
 infracção aos seus deveres funcionais.
 Fica patente, por força deste enquadramento sistemático, a teleologia subjacente 
 a esta exigência de comunicação. Não se trata de retirar consequências 
 desvantajosas para o sujeito passivo, no plano da sua posição como funcionário 
 ou titular de cargo sob tutela pública, por mero facto da situação fiscal em que 
 ele se colocou. Esta situação apenas dá azo a que se deslinde se, por detrás 
 dela, não haverá irregularidades de conduta no exercício das funções públicas em 
 que o visado está investido. E, nesse outro plano (que não o do relacionamento 
 tributário), a terem lugar consequências sancionatórias, designadamente do foro 
 disciplinar, elas não têm como causa a situação tributária, em si, mas a forma 
 de obtenção dos meios de fortuna que a originaram.  
 Por isso se colocam as averiguações a fazer, pela entidade de tutela, “no âmbito 
 da respectiva competência”. Não uma competência do foro tributário, que não está 
 aqui em causa. Mas a competência resultante da tutela de um certo serviço ou 
 organismo públicos, com um determinado âmbito funcional de actuação. O que pode 
 ser objecto de averiguações são actos do funcionário ou titular de cargo sob 
 tutela pública praticados no exercício das funções que lhe estão cometidas e não 
 o seu relacionamento fiscal com a Administração.
 Não se trata de impor ao funcionário público ou titular de cargo sob tutela de 
 entidade pública, pelo facto de o ser, deveres acrescidos de conduta fora do 
 
 âmbito da sua relação funcional com a Administração, mas de averiguar se, nesse 
 
 âmbito, cumpriu, ou não, os deveres do cargo. A situação patrimonial detectada 
 fiscalmente pode não ser alheia à violação desses deveres. No interesse público, 
 que à Administração, em todas as suas dimensões, cumpre prosseguir, há que 
 proceder a averiguações.
 Não se vislumbra, na exigência de comunicação suplementar, para esse efeito, 
 qualquer discriminação dos sujeitos por ela abrangidos, atentatória do princípio 
 da igualdade, na sua dimensão de proibição de arbítrio e de diferenciações 
 injustificadas.
 Como se salientou no Acórdão n.º 409/99 deste Tribunal:
 
 «Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da 
 discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que 
 estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam 
 distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente 
 não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional.»
 Ora, no caso sub judicio, só quem está na situação descrita reúne condições 
 objectivas para se aproveitar do exercício de funções públicas para auferir 
 ganhos pessoais ilícitos. A delimitação do âmbito subjectivo de aplicação da 
 norma, com a correspondente diferenciação de tratamento dos sujeitos abrangidos, 
 encontra cabal justificação na especificidade objectiva da situação contemplada, 
 em cotejo com a dos cidadãos que não desempenham aquele tipo de funções. 
 
  
 
 9. De acordo com doutrina credenciada, «as diferenciações de tratamento podem 
 ser legítimas quando: a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; b) 
 não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; c) tenham um fim 
 legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; d) se revelem 
 necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo» (GOMES 
 CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, I, 4.ª 
 ed., Coimbra, 2007, 340).
 Todos estes quatro requisitos se encontram aqui preenchidos.
 A distinção objectiva de situações não oferece dúvidas, de acordo com o acima 
 exposto. 
 O mesmo se diga da não ocorrência de qualquer dos motivos ilegítimos de 
 discriminação, enunciados no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República.
 O fim prosseguido com esta medida é também constitucionalmente relevante. Para 
 além do objectivo genérico de combate à corrupção, está em causa a salvaguarda 
 do atendimento exclusivo do interesse e da utilidade públicos por parte da 
 Administração Pública, de acordo com os parâmetros que a Constituição da 
 República lhe traça (artigo 266.º). 
 Ao prescrever uma comunicação da situação fiscal à tutela, para que esta possa 
 proceder a averiguações, o n.º 10 do artigo 89.º-A da LGT aditado pelo Decreto 
 em apreço mais não visa do que propiciar um controlo da observância deste 
 princípio fundamental de toda a nossa arquitectura constitucional. Subordinados 
 
 à Constituição e à lei (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), os órgãos e agentes 
 administrativos “estão exclusivamente ao serviço do interesse público”, como 
 enfaticamente acentua o artigo 269.º, n.º 1. No âmbito da sua competência, a 
 entidade de tutela (aqui entendida em sentido amplo, por forma a abranger todas 
 as formas de direcção e controlo funcionais, independentemente da natureza 
 jurídica do vínculo que liga o visado à Administração Pública) deve assegurar, 
 como imperativo primário, o efectivo cumprimento destas injunções 
 constitucionais. Em conformidade, devem-lhe ser presentes situações anómalas, 
 que um órgão estadual detectou, ainda que a outro nível de funcionamento do 
 aparelho do Estado (mas dentro do exercício do mesmo tipo de poder – o poder 
 executivo do Estado) e que podem ter a ver com irregularidades do serviço pelo 
 qual responde. 
 Já oferece maior problematicidade a apreciação do respeito pelo princípio da 
 proporcionalidade, nas suas três projecções. Se a observância da adequação não 
 levanta dúvidas legítimas, poderá questionar-se se a medida é necessária e 
 proporcionada, em sentido estrito. 
 Quanto ao primeiro aspecto, dir-se-á que a comunicação ao Ministério Público, 
 sempre exigível, já assegura suficientemente a prossecução dos fins visados, 
 tornando dispensável a comunicação também ao órgão de tutela. 
 E é, na verdade, certo que, estando em causa eventuais ilícitos criminais, a 
 intervenção do Ministério Público é ou torna-se sempre necessária, por ele 
 devendo decorrer as averiguações a levar a cabo. Mas, a participação do órgão de 
 tutela pode justificar-se por uma razão diferente: tirar, no plano da 
 organização interna dos serviços, consequências dessa situação e desencadear as 
 medidas que se entendam apropriadas. 
 Por outro lado, convém não esquecer que poderão ter que ser averiguadas práticas 
 do foro exclusivamente disciplinar. Será o caso, por exemplo, do exercício 
 cumulativo de outras funções remuneradas ou lucrativas, quando proibidas ou não 
 autorizadas.
 No que diz respeito ao critério da justa medida, poderá dizer-se que a simples 
 abertura de averiguações é de molde a causar incómodos, sendo certo que pode 
 ficar suficientemente comprovada a total licitude da situação. Mas esse é um 
 
 ónus que não se afigura excessivo, tendo também em conta que ele resulta da 
 atitude omissiva do próprio sujeito, ao não fornecer à Administração tributária 
 prova bastante da fonte dos seus meios de fortuna, nos termos do n.º 3 do artigo 
 
 89.º-A da LGT.
 
  
 
 10. Em face do exposto, considera-se que existe fundamento material bastante 
 para a exigência de comunicação, pelo director de finanças, da decisão de 
 avaliação da matéria colectável com recurso ao método indirecto também à tutela 
 de funcionário ou titular de cargo sob tutela de entidade pública, para efeitos 
 de averiguações no âmbito da sua competência. A situação em que se encontram 
 estes sujeitos, comparativamente aos restantes contribuintes, diferencia-se sob 
 um ponto de vista que não é arbitrário nem irrazoavelmente discriminatório, pelo 
 que a medida legislativa tem suporte material adequado.
 Conclui-se, assim, que não há qualquer violação do princípio da igualdade, mesmo 
 na formulação exigente acima enunciada. 
 
  
 
  
 B) Apreciação da constitucionalidade das normas constantes do artigo 3.º do 
 Decreto n.º 139/X da Assembleia da República
 
  
 
 11. O artigo 3.º do Decreto n.º 139/X altera os artigos 69.º e 110.º do Código 
 de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 433/99, de 26 de Outubro, nos termos seguintes:
 
  
 
 «Artigo 3.º
 Alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário
 Os artigos 69.º e 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, na redacção actual, 
 passam a ter a seguinte redacção:
 
  
 Artigo 69.º
 
 […]
 
 1-             ……………………………………………………………………………
 
 2-             O direito de o órgão instrutor ordenar as diligências referidas 
 na alínea e) do número anterior pode compreender, sempre que fundamentadamente 
 se justifique face aos factos alegados pelo reclamante e independentemente do 
 seu consentimento, o acesso à informação e documentos bancários relativos à 
 situação tributária objecto de reclamação.
 
 3-             Para efeitos do número anterior, o órgão instrutor procede à 
 notificação das instituições de crédito, sociedades financeiras e demais 
 entidades, instruída com a decisão de acesso à informação e documentos 
 bancários, as quais devem facultar os elementos solicitados no prazo de dez dias 
 
 úteis.»
 
  
 
 «Artigo 110.º
 
 […]
 
 1-             ……………………………………………………………………………
 
  
 
 2-             A prova adicional a que se refere o número anterior pode 
 compreender, sempre que se justifique face aos factos alegados pelo impugnante e 
 independentemente do seu consentimento, o acesso à informação e documentos 
 bancários relativos à situação tributária objecto da impugnação.
 
 3-             Para efeitos do disposto no número anterior as instituições de 
 crédito, sociedades financeiras e demais entidades devem facultar os elementos 
 no prazo de 10 dias úteis, sendo o prazo de 90 dias do n.º 1 ampliado nessa 
 medida.
 
 4-             [anterior n.º 2].
 
 5-             [anterior n.º 3].
 
 6-             [anterior n.º 4].
 
 7-             [anterior n.º 5].
 
 8-             [anterior n.º 6].
 
 9-           [anterior n.º 7].»
 
  
 A redacção actual dos citados artigos 69.º e 110.º do CPPT é a seguinte:
 
  
 
 «Artigo 69.º
 Regras fundamentais
 São regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa: 
 a) Simplicidade de termos e brevidade das resoluções; 
 b) Dispensa de formalidades essenciais; 
 c) Inexistência do caso decidido ou resolvido; 
 d) Isenção de custas; 
 e) Limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais 
 de que os serviços disponham,  sem prejuízo do  direito de o  órgão instrutor   
 ordenar   outras   diligências   complementares    manifestamente indispensáveis 
 
 à descoberta da verdade material;                              
 f) Inexistência do efeito suspensivo, salvo quando for prestada garantia 
 adequada nos termos do presente Código, a requerimento do contribuinte a 
 apresentar com a petição, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito 
 pelo órgão periférico local competente.»
 
  
 
 «Artigo 110º
 Contestação
 
 1 - Recebida a petição, o juiz ordena a notificação do representante da Fazenda 
 Pública para, no prazo de 90 dias, contestar e solicitar a produção de prova 
 adicional, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 5 do artigo 112.º
 
 2 - O juiz pode convidar o impugnante a suprir, no prazo que designar, qualquer 
 deficiência ou irregularidade.
 
 3 - O representante da Fazenda Pública deve solicitar, no prazo de três dias, o 
 processo administrativo ao órgão periférico local da situação dos bens ou da 
 liquidação, mas esse expediente não interfere no prazo da contestação previsto 
 no n.º 1.
 
 4 - Com a contestação, o representante da Fazenda Pública remete ao tribunal, 
 para todos os efeitos legais, o processo administrativo que lhe tenha sido 
 enviado pelos serviços.
 
 5 - O juiz pode, a todo o tempo, ordenar ao serviço periférico local a remessa 
 do processo administrativo, mesmo na falta de contestação do representante da 
 Fazenda Pública.
 
 6 - A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados 
 pelo impugnante.
 
 7 - O juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos.»
 
  
 
 12. Vem pedida a apreciação da conformidade das normas constantes daquele artigo 
 
 3.º com o disposto nos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 26.º, n.º 1, 52.º, 266.º e 268.º 
 da CRP.
 O pedido convoca, pois, como parâmetros constitucionais de apreciação, os 
 seguintes:
 i) Direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP);
 ii) Direito à tutela jurisdicional efectiva, uma das dimensões do conteúdo do  
 artigo 20.º da Constituição, entendido como corolário do princípio do Estado de 
 direito, consagrado no artigo 2.º; 
 iii) Direito de reclamação (artigo 52.º da CRP) e direito de os  administrados 
 impugnarem judicialmente quaisquer actos administrativos que os lesem  (artigo 
 
 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental);
 iv) Princípio da proporcionalidade (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP);
 v) Princípio da boa fé da Administração, contido no artigo 266.º da CRP.
 
  
 
 13. O artigo 3.º do Decreto sob escrutínio altera os artigos 69.º e 110.º do 
 CPPT no sentido de permitir o levantamento do sigilo bancário em caso, 
 respectivamente, de reclamação graciosa ou de impugnação judicial pelos 
 contribuintes, desde que fundadamente tal se justifique, nos termos que a seguir 
 melhor se explicitará.
 Para sua apreciação, impõe-se começar por uma breve análise do actual regime de 
 acesso, pela Administração fiscal, à informação protegida por sigilo bancário.
 O sigilo bancário encontra-se contemplado, como dever de segredo profissional, 
 nos artigos 78.º a 84.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades 
 Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
 Prescreve o artigo 84.º do RGICSF que a violação do dever de sigilo bancário é 
 punível nos termos do Código Penal (artigo 195.º), sem prejuízo de outras 
 sanções aplicáveis.
 A primeira excepção ao dever de observância do sigilo bancário é a dispensa 
 voluntária desse dever mediante autorização do cliente transmitida à instituição 
 bancária (artigo 79.º, n.º 1 do RGICSF). Para além disso, a lei prevê um 
 conjunto de situações de dispensa legal do dever de sigilo e até de imposição do 
 dever legal de informar.
 Verifica-se que, ao longo do tempo, houve uma evolução extensiva do âmbito das 
 derrogações ao sigilo bancário: primeiro, em benefício do Banco de Portugal e da 
 Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, enquanto autoridades de supervisão 
 
 (Decreto-Lei n.º 298/92, que estabeleceu o Regime Geral das Instituições de 
 Crédito e Sociedades Financeiras); mais tarde, em prol da Administração 
 tributária, embora circunscrito ao necessário para preparar o relatório de 
 inspecção tributária, quando pedida por iniciativa do contribuinte (Decreto-Lei 
 n.º 6/99, de 8 de Janeiro); depois, em benefício das autoridades judiciárias, no 
 
 âmbito do combate ao branqueamento de capitais (Decreto-Lei n.º 313/93, de 15 de 
 Setembro), ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas 
 
 (Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), à criminalidade organizada e à 
 criminalidade económica (Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro).
 Com as alterações decorrentes da Lei n.º 30-G/2000, foram introduzidas novas 
 possibilidades de acesso a informações protegidas pelo segredo bancário, por 
 determinação directa da Administração tributária.
 Concretamente, o artigo 63.º-B da LGT (com alterações, por último, pela Lei n.º 
 
 55-B/2004, de 30 de Dezembro), admite as seguintes derrogações ao sigilo 
 bancário: 
 a)                                       Acesso sem prévia autorização judicial 
 e sem solicitar previamente a colaboração do contribuinte, quando existam: i) 
 indícios da prática de crime em matéria tributária; ii) factos concretamente 
 identificados, indiciadores da falta de veracidade do declarado (n.º 1 do artigo 
 
 63.º-B da LGT);
 b)                                      Acesso sem prévia autorização judicial, 
 após recusa de exibição ou de autorização para consulta e após audiência prévia 
 do contribuinte, nos casos tipificados nas alíneas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 
 
 63.º-B (artigo 63.º-B, n.ºs 2, 3 e 5, da LGT);
 c)                                       Acesso com prévia autorização judicial 
 no caso de informação bancária relativa a familiares ou terceiros que se 
 encontrem numa relação especial com o contribuinte (n.º 8 do artigo 63.º-B).
 Nos casos acima referidos nas alíneas a) e b), estabelece-se o acesso directo da 
 Administração à informação (isto é, sem dependência de autorização judicial 
 prévia), mas apenas para as situações aí expressamente enumeradas, mediante o 
 preenchimento de determinados requisitos e assegurando algumas garantias ao 
 contribuinte (v. PAULA BARBOSA, “Do valor do sigilo – o sigilo bancário, sua 
 evolução, limites: em especial o sigilo bancário no domínio fiscal – a reforma 
 fiscal” in RFDUL, 2005, vol. XLVI, n.º 2, 1265).
 Essas garantias e requisitos são os seguintes:
 
 - necessidade de fundamentação da decisão, «com expressa menção dos motivos 
 concretos que as justificam» − n.º 4 do artigo 63.º-B;
 
 - audiência prévia do contribuinte visado (com excepção dos casos previstos no 
 n.º 1 do artigo 63.º-B em que se permite um acesso directo e imediato) – n.º 5 
 do artigo 63.º-B;
 
 - competência exclusiva do director-geral dos Impostos ou do director-geral das 
 Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo ou dos seus substitutos 
 legais para tomarem este tipo de decisão (sem possibilidade de delegação) – n.º 
 
 4 do artigo 63.º-B;
 
 - possibilidade de recurso judicial da decisão, através do meio processual 
 urgente previsto no artigo 146.º-B do CPPT que, embora só tenha efeito 
 suspensivo nos casos do n.º 3 do artigo 63.º-B, conduz, nos casos de deferimento 
 do recurso, à impossibilidade de utilização dos elementos de prova entretanto 
 obtidos em desfavor do contribuinte - n.ºs 5 e 6 do artigo 63.º-B.
 
  
 
 14. As normas constantes do artigo 3.º do Decreto sob escrutínio vêm estabelecer 
 ex novo que a Administração tributária pode suscitar a derrogação do dever de 
 sigilo bancário, no âmbito do procedimento administrativo de apreciação de 
 reclamação graciosa, assim como no âmbito do processo judicial de impugnação de 
 acto tributário.
 Vejamos em que termos, num caso e noutro.
 No procedimento administrativo de reclamação graciosa, que se caracteriza por 
 ser um procedimento simples e breve (artigo 69.º, alínea a), na redacção 
 actual), o órgão instrutor pode ordenar “outras diligências complementares 
 manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material” (alínea e) do 
 mesmo artigo). 
 Note-se que a reclamação graciosa desencadeada pelo contribuinte destina-se a 
 obter uma reanálise de uma certa situação pela Administração fiscal e é uma via 
 normal de resolução de um litígio entre esta e o sujeito passivo do imposto. Ou 
 seja, através deste procedimento, o contribuinte pretende obter a anulação 
 
 (extrajudicial) de actos tributários, maxime, do acto de liquidação do imposto 
 
 (artigo 68.º, n.º 1, do CPPT), com fundamento, nomeadamente, na errónea 
 qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e 
 outros factos tributários; na incompetência; na ausência ou vício da 
 fundamentação legalmente exigida; na preterição de outras formalidades legais 
 
 (artigo 99.º, aplicável por força do artigo 70.º, n.º 1, do CPPT).
 Além disso, há casos em que impugnação judicial é obrigatoriamente precedida de 
 reclamação graciosa. É o que se passa, designadamente, nas situações previstas 
 nos artigos 131.º, n.º 1, 132.º, n.º 3, 133.º, n.º 2, e 134.º n.ºs 3 e 7, do 
 CPPT, e no artigo 86.º, n.ºs 2 e 5, da LGT.
 O acesso à informação bancária seria permitido nos termos que constam do n.º 1, 
 alínea e), e do n.º 2 do artigo 69.º, na redacção do artigo 3.º do Decreto n.º 
 
 139/X:
 i) sem prévio consentimento do contribuinte e sem prévia autorização judicial;
 ii) desde que «fundamentadamente se justifique face aos factos alegados pelo 
 reclamante» e se apresente como uma diligência complementar manifestamente 
 indispensável à descoberta da verdade material; 
 iii) desde que a informação e documentos bancários cujo acesso se pretende sejam 
 relativos à «situação tributária objecto de reclamação». 
 Nos termos do disposto no artigo 73.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, a competência para a 
 instrução da reclamação graciosa, incluindo a decisão de ordenar o acesso à 
 informação e documentos bancários relativos à situação tributária objecto de 
 reclamação, cabe, em princípio, ao serviço periférico local, ou seja, em regra, 
 ao serviço de finanças da área do domicílio do contribuinte, da situação dos 
 bens ou da liquidação.
 A situação descrita aplica-se mutatis mutandis ao caso de levantamento do sigilo 
 bancário pela Administração fiscal em sede de processo judicial de impugnação.
 No processo de impugnação judicial − que visa a eliminação (anulação, declaração 
 de nulidade ou de inexistência) de actos tributários, com os fundamentos acima 
 referidos (cfr. artigos 99.º e seguintes do CPPT) − a Fazenda Pública pode, em 
 sede de contestação, solicitar a produção de prova adicional (n.º 1 do artigo 
 
 110.º).
 A nova redacção do n.º 2 do artigo 110.º, vem permitir que essa prova adicional 
 compreenda, “sempre que se justifique face aos factos alegados pelo impugnante e 
 independentemente do seu consentimento, o acesso à informação e documentos 
 bancários relativos à situação tributária objecto da impugnação”.
 
 À semelhança do que dispõe o novo n.º 3 do artigo 69.º, o n.º 3 do artigo 110.º 
 
 (na redacção do artigo 3.º do Decreto n.º 139/X) esclarece que, para efeitos do 
 acesso a essa informação «as instituições de crédito, sociedades financeiras e 
 demais entidades devem facultar os elementos no prazo de 10 dias úteis», sendo o 
 prazo para contestar ampliado nessa medida.
 Em suma, tanto na situação de reclamação graciosa como na de impugnação judicial 
 de actos tributários, prevê-se a possibilidade de a Administração fiscal aceder 
 directamente, isto é, sem o consentimento prévio do interessado e sem 
 necessidade de autorização judicial, a informação coberta pelo sigilo bancário, 
 desde que esse acesso se mostre justificado perante os factos alegados pelo 
 reclamante/impugnante e desde que a informação bancária esteja relacionada com a 
 situação tributária objecto da reclamação/impugnação.
 
  
 
 15. Descrito o regime vigente e apontadas as alterações contidas no artigo 3.º 
 do Decreto n.º 139/X, é altura de estabelecer o confronto entre ambos. 
 As novas normas apresentam diferenças assinaláveis relativamente ao regime do 
 artigo 63.º-B da LGT, acima descrito.
 A primeira e mais saliente inovação prende-se com o facto de a derrogação ser 
 desencadeada por uma iniciativa do contribuinte, em defesa dos seus direitos. Na 
 verdade, prevê-se o acesso à informação bancária na sequência de um procedimento 
 administrativo de segundo grau iniciado pelo contribuinte (reclamação) ou na 
 sequência de impugnação judicial do acto tributário. Em qualquer caso, a 
 actividade da Administração e os poderes inquisitórios que lhe compete exercer 
 estarão conformados pelo objecto da reclamação ou da impugnação, decorrentes do 
 pedido formulado (neste sentido, v., em anotação ao artigo 58.º da LGT, LEITE DE 
 CAMPOS/ BENJAMIM RODRIGUES/ LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, comentada e 
 anotada, 3ª ed., 2003, Lisboa, 269).
 Em segundo lugar, na redacção dada pelo Decreto n.º 139/X aos n.ºs 2 e 3 do 
 artigo 69.º e aos n.ºs 2 e 3 do artigo 110.º, não se prevê a audiência prévia do 
 contribuinte, nem se prevê que a informação bancária seja solicitada, em 
 primeiro lugar, ao seu titular.
 Esta conclusão resulta, desde logo, da inexistência de previsão expressa dessa 
 audiência prévia, sendo de salientar que a primeira versão da Proposta de lei 
 n.º 85/X, que esteve na génese do Decreto n.º 139/X, propunha uma redacção 
 diferente do artigo 69.º da LGT, que a seguir se transcreve:
 
 «3 – Para efeitos do número anterior, o órgão instrutor solicita ao reclamante, 
 por simples via postal, para no prazo de 10 dias úteis fornecer a informação e 
 os documentos bancários relevantes para a apreciação da reclamação.
 
 4 – Caso a informação solicitada não seja fornecida no prazo indicado, ou seja 
 considerada insuficiente, o órgão instrutor procede à notificação das 
 instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades, instruída 
 com a decisão de acesso à informação e documentos bancários, as quais devem 
 facultar os elementos solicitados no prazo de 10 dias úteis.» (v. Proposta de 
 lei n.º 85/X publicada no Diário da Assembleia da República, II Série A, de 29 
 de Julho de 2006).
 Esta solicitação prévia ao contribuinte foi abandonada na redacção final que 
 veio a ser aprovada e que consta do Decreto em apreço, da qual agora resulta 
 que, uma vez tomada a decisão de aceder à informação, a Administração procede à 
 notificação das instituições bancárias, que devem facultar os elementos no prazo 
 de 10 dias. 
 Por outro lado, a fase do procedimento de reclamação em que se insere o problema 
 do acesso à informação bancária é a fase da instrução, pelo que não é ainda 
 aplicável o princípio geral de audição do interessado consagrado no artigo 60.º 
 da LGT. Na verdade, só após a conclusão da instrução e tendo a Administração 
 formado um projecto de decisão (decisão essa que, em certos casos, nem é da 
 competência do órgão que instruiu a reclamação – cfr. o artigo 73.º do CPPT), 
 será o reclamante notificado para exercer o seu direito de audição previsto no 
 artigo 60.º da LGT. 
 Não há um dever geral de prévia audição do reclamante quanto às diligências de 
 prova que a Administração considera necessárias para a instrução da reclamação. 
 Por isso mesmo é que o artigo 63.º-B da LGT, nos casos em que a quis assegurar, 
 veio dizê-lo expressamente (n.º 5). Ao invés, a nova previsão é totalmente 
 omissa quanto a essa garantia.
 A inexistência de uma previsão que contemple a audiência do interessado antes da 
 decisão de aceder à informação bancária é ainda mais óbvia quando esteja em 
 causa a impugnação judicial do acto tributário. Pois aqui a Administração 
 tributária tomará essa decisão em sede de contestação do processo, pela Fazenda 
 Pública. Ora, como expressamente resulta do disposto no novo n.º 3 do artigo 
 
 110.º, uma vez tomada a decisão, a Administração solicita as informações às 
 instituições de crédito, que as devem facultar no prazo de 10 dias, sendo do seu 
 interesse comunicar tais diligências ao tribunal, para efeitos de obter a 
 ampliação do prazo para a contestação.
 Em terceiro lugar, e também ao contrário do que expressamente resulta do n.º 5 
 do artigo 63.º-B da LGT, não se prevê especificamente a possibilidade de recurso 
 judicial da decisão de aceder à informação bancária tomada no âmbito do artigo 
 
 69.º ou do artigo 110.º do CPPT.
 Essa omissão não pode evidentemente significar a inimpugnabilidade judicial 
 daquela decisão da Administração, pois, além do mais, tal solução brigaria com o 
 direito de acesso à justiça administrativa que o artigo 268.º, n.º 4, da CRP, 
 consagra, como concretização da garantia de acesso aos tribunais (artigo 20.º). 
 Na falta de indicação normativa específica, o intérprete sente-se levado a 
 lançar mão do recurso urgente previsto no artigo 146.º-A do CPPT. Na verdade, no 
 seu n.º 1, esta norma refere genericamente as «situações legalmente previstas de 
 acesso da Administração tributária à informação bancária para fins fiscais», 
 pelo que abrange formalmente as hipóteses em apreço.
 Simplesmente, não se vislumbra como será possível articular o procedimento de 
 reclamação e, principalmente, o processo de impugnação judicial com um processo 
 judicial autónomo de apreciação da legalidade da decisão de acesso à informação 
 bancária, sem norma expressa que, nomeadamente, fixe os efeitos desse recurso 
 judicial. Estando a decorrer uma impugnação judicial, seria inusitado e 
 verdadeiramente anómalo abrir um novo processo para decisão sobre um meio de 
 prova a utilizar naquela.
 Parece, por isso, de concluir que o meio judicial urgente de impugnação da 
 decisão de acesso à informação bancária, a que eventualmente se poderia 
 recorrer, dificilmente poderá ser exercitado, muito menos em tempo útil, nos 
 casos aqui em apreço.
 Em quarto lugar, não pode deixar de se assinalar a diferença entre os órgãos 
 competentes para decidir a necessidade de acesso à informação bancária. Enquanto 
 que, no artigo 63.º-B, essa competência é reservada aos directores-gerais ou 
 seus substitutos legais, no caso da reclamação graciosa, a competência para 
 decisão idêntica é atribuída ao órgão periférico local (em regra, serviço de 
 finanças), a quem incumbe a instrução da reclamação. A atribuição de competência 
 a órgãos superiores da Administração fiscal oferece, à partida,  maiores 
 garantias, do ponto de vista competencial, e diminui fortemente o risco de 
 proliferação de decisões desencontradas, quanto à interpretação dos pressupostos 
 relevantes.
 Estas assinaláveis diferenças de regime não podem deixar de ser ponderadas na 
 avaliação da conformidade constitucional das medidas em apreço.
 
 É essa conformidade que vamos passar a analisar, começando pela afectação, ou 
 não, do direito à reserva da vida privada.
 
  
 
 16. O segredo bancário não esperou pela moderna consagração dos direitos de 
 personalidade e dos direitos fundamentais para vigorar na prática bancária. Pode 
 dizer-se que desde sempre esteve institucionalmente presente na actividade deste 
 sector económico, como factor e garantia do funcionamento eficiente do sistema. 
 
  Mas é incontroverso que a fundamentação jurídica desse regime ganhou um novo 
 respaldo com a sua recondução, por largos sectores doutrinais e 
 jurisprudenciais, à tutela da privacidade. Com isso, o instituto rompeu as 
 fronteiras da relação contratual banqueiro-cliente, para assumir uma dimensão e 
 implicações jurídico-constitucionais.
 A confirmar-se o acerto deste enquadramento, o direito ao sigilo fica dotado de 
 uma reforçada força de resistência a intrusões no âmbito protegido. De facto, se 
 o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 
 
 1, da Constituição da República) puder ser visto como integrando o direito ao 
 segredo sobre os dados bancários respeitantes ao sujeito titular, a este direito 
 será aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente 
 consagrado.
 Esse regime contém, como nota saliente, a vinculação das entidades públicas e 
 privadas aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e 
 garantias (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República), bem como a 
 salvaguarda de certos limites a respeitar nas intervenções que os restrinjam 
 
 (n.ºs  2 e 3 do mesmo artigo). 
 Deste modo, a questão de saber se o segredo bancário recai no âmbito de 
 protecção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada é uma 
 verdadeira questão prévia, cuja solução marca decisivamente a oponibilidade à 
 Administração Pública, e seus termos, da proibição de acesso aos dados bancários 
 dos particulares. 
 
 É pela resposta a essa questão que começaremos o nosso percurso argumentativo.
 
  
 
 16.1. Das três manifestações em que se fracciona o conteúdo do direito à reserva 
 da intimidade da vida privada e familiar – direito à solidão, direito ao 
 anonimato, e autodeterminação informativa – é esta última a sua expressão 
 cimeira e mais relevante, e aquela que particularmente nos interessa quando está 
 em causa o estatuto constitucional do sigilo bancário. 
 Por autodeterminação informativa poderá entender-se o direito de subtrair ao 
 conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do 
 sujeito na condução da sua vida privada. Compete a cada um decidir livremente 
 quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante 
 
 à sua vida privada e familiar.
 Mas a determinação do domínio de reserva do sujeito, como objecto desse direito, 
 não é tarefa fácil, dada a dificuldade de delimitação precisa do que seja a 
 
 “vida privada”.
 Indicativamente poderá dizer-se que o conceito cobre a esfera de vida de cada um 
 que deve ser resguardada do “público”, como condição de plena realização da 
 identidade própria e de salvaguarda da integridade e da dignidade pessoais.
 Independentemente da posição perfilhada quanto a certas teorias que – em termos, 
 aliás, não unívocos – diferenciam várias esferas concêntricas da vida privada, 
 adere-se à posição de que, quer no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da 
 República, quer no artigo 80.º do Código Civil, se consagra um direito genérico 
 
 à reserva, cobrindo todo o âmbito da vida privada. A fórmula “reserva sobre a 
 intimidade da vida privada”, em ambas as normas utilizadas, não pode, pois, ser 
 interpretada no sentido de circunscrever o domínio de protecção a uma certa 
 parte da vida privada – a vida íntima, como núcleo central da vida privada.
 Um pouco redundante, aquela fórmula normativa terá querido denotar o interesse 
 protegido, demarcando-o do interesse coberto pela liberdade de condução de vida, 
 e em particular da vida privada, de acordo com as opções próprias (nesse 
 sentido, P. MOTA PINTO, “O direito à reserva sobre a intimidade da vida 
 privada”, Boletim da Faculdade de Direito, LXIX (1993), 479 s., 530-531, 
 referenciando T. AULETTA). Sendo ambos os direitos serventuários de valores de 
 liberdade, e estando eles unificados no muito genérico conceito norte-americano 
 de privacy, são entre nós tratados distintamente – o livre desenvolvimento da 
 personalidade (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República e artigo 70.º do 
 Código Civil), como liberdade comportamental, de livre conformação e expressão 
 da personalidade, e o direito à reserva, facultando o livre controlo da 
 informação sobre aquilo que, em decorrência dessa liberdade de conduta, cada um 
 faz na sua esfera privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República e 
 artigo 80.º do Código Civil).
 No plano constitucional, esta interpretação no sentido de que toda a vida 
 privada é objecto de reserva obtém um claro apoio no disposto no artigo 12.º da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aí se proclama que «ninguém sofrerá 
 intromissões na sua vida privada (…)», sem qualquer especificação restritiva. 
 Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da Constituição da República, «os 
 preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser 
 interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos 
 do Homem».
 Sem embargo do que fica dito, e sem prejuízo da unidade do valor coenvolvido no 
 dever de reserva enquanto autodeterminação informativa, reconhece-se, todavia, 
 que é possível e justificado estabelecer graduações diferenciadoras entre zonas 
 da vida privada, consoante a sua maior ou menor ligação aos atributos 
 constitutivos da personalidade. Ainda que se deva evitar as sectorizações 
 rigidamente tipificadoras, é forçoso admitir que as exigências de 
 inviolabilidade da esfera privada não se fazem sentir de forma “plana” e 
 uniforme, no interior da área de tutela. O que tem reflexos de regime, sobretudo 
 no que diz respeito ao apuramento da gravidade da lesão e dos seus efeitos 
 danosos, para fixação de montantes indemnizatórios e para a realização adequada 
 da tarefa de ponderação com outros interesses constitucionalmente protegidos.
 Sendo este o âmbito objectivo do direito à reserva sobre a intimidade da vida 
 privada, é altura de perguntar: cabe nele o sigilo bancário?
 
  
 
 16.2. A integração no âmbito normativo de protecção do direito à reserva da 
 intimidade da vida privada dos dados relativos à situação económica de uma 
 pessoa em poder de uma instituição bancária é de molde a provocar alguma 
 perplexidade, se tivermos em conta a natureza e o sentido tutelador dos direitos 
 da personalidade, que, neste ponto, constituem a matriz do imperativo 
 constitucional. Poderá, na verdade, pensar-se que, estando em causa a protecção 
 dos atributos da pessoa, dos bens constitutivos e expressivos da sua 
 personalidade, só podem ser abrangidas situações subjectivas existenciais, sendo 
 de rejeitar, à partida, a inclusão de aspectos patrimoniais, respeitantes ao ter 
 da pessoa. 
 A isso há a contrapor que não é possível estabelecer, sobretudo nas sociedades 
 dos nossos dias, uma separação estanque entre a esfera pessoal e a patrimonial. 
 A posição económica de cada um não deixa de ser uma projecção externa da pessoa, 
 constituindo um dado individualizador da sua identidade. E o sujeito pode ter, 
 também no plano pessoal, um interesse tutelável, e tutelável 
 constitucionalmente, a que, não só o montante e o conteúdo do seu património, 
 mas também certas vicissitudes, favoráveis e desfavoráveis, que ele pode 
 experimentar (saída de um prémio de um jogo, recebimento de uma herança, 
 encargos com uma determinada opção de vida, por exemplo) sejam mantidos fora do 
 conhecimento dos outros.
 Não custa, assim, admitir “uma esfera privada de ordem económica, também 
 merecedora de tutela” (ALBERTO LUÍS, Direito bancário, Coimbra, 1985, 88), como 
 componente da mais geral esfera da privacidade.
 No caso particular dos dados e documentos na posse de instituições bancárias, 
 concernentes às suas relações com os clientes, há um argumento suplementar, que 
 cremos decisivo, nesse sentido. Mormente no que respeita às operações passivas 
 de movimentação da conta, não é apenas, nem é tanto, o conhecimento da situação 
 patrimonial, em si mesma, que pode ser intrusivo da privacidade. O que 
 sobremaneira importa é o facto de esse conhecimento, numa época em que se 
 vulgarizou e massificou a realização de transacções através dos movimentos em 
 conta, designadamente pela utilização de cartões de crédito e de débito – o 
 chamado “dinheiro de plástico” – propiciar um retrato fiel e acabado da forma de 
 condução de vida, na esfera privada, do respectivo titular.
 
 É sobretudo como instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal, de 
 natureza não patrimonial, que, de outra forma, seriam indirectamente revelados, 
 que o sigilo bancário deve ser constitucionalmente tutelado. 
 Na verdade, como se disse no processo decidido pelo Tribunal Constitucional 
 espanhol, pelo acórdão 110/1984, de 26 de Novembro, «uma conta-corrente pode 
 constituir ‘a biografia pessoal em números’ do contribuinte» (apud PISÓN CAVERO, 
 El derecho a la intimidade en la jurisprudencia constitucional, Madrid, 1993, 
 
 179). Através da análise do destino das importâncias pagas na aquisição de bens 
 ou serviços, pode facilmente ter-se uma percepção clara das escolhas e do estilo 
 de vida do titular da conta, dos seus gostos e propensões, numa palavra, do seu 
 perfil concreto enquanto ser humano. O conhecimento de dados económicos permite, 
 afinal, a invasão da esfera pessoal do sujeito, com revelação de facetas da sua 
 individualidade própria – daquilo que ele é e não apenas daquilo que ele tem. 
 Conhecimento que, por sua vez, e para além de tudo o mais, é susceptível de 
 exploração económica (veja-se o florescente mercado de informações sobre dados 
 dos consumidores), propiciando afinadas estratégias de marketing, frequentemente 
 violadoras do direito à reserva, agora na sua veste de direito a estar só.
 Conclui-se, assim, que o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de 
 protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, 
 da Constituição da República.
 Essa inclusão só é problemática em relação às pessoas colectivas, muito 
 particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo 
 menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações 
 fundamentadoras acima aduzidas, que se apoiam na possibilidade de acesso à 
 esfera mais pessoal.
 
  
 
 16.3. Mas uma coisa é o âmbito de protecção, prima facie, de uma previsão de um 
 direito fundamental, outra é o seu âmbito de garantia efectiva (cfr. GOMES 
 CANOTILHO, “Dogmática de direitos fundamentais e direito privado”, in INGO 
 SARLET (org.), Constituição, direitos fundamentais e direito privado, 2.ª ed., 
 Porto Alegre, 2006, 341 s., esp. 346 s.).
 Este só se recorta, neste caso, em resultado de um balanceamento entre os 
 interesses e valores ligados à tutela da privacidade e os interesses, também 
 constitucionalmente protegidos, com eles conflituantes.
 Nessa ponderação, e na lição de CANARIS (a propósito dos imperativos 
 constitucionais de protecção, mas com considerações transponíveis, ao que 
 julgamos, para uma metodologia geral da ponderação), há que levar em conta, não 
 só a relação hierárquica abstracta entre os bens em conflito, mas também “o peso 
 concreto dos bens e interesses envolvidos” – cfr. Direitos fundamentais e 
 direito privado, trad. port. de Ingo Sarlet e P. Mota Pinto, Coimbra, 2003, 112 
 s. E, nesta ponderação contextualizada de interesses, não pode deixar de se dar 
 relevo decisivo ao “nível do direito fundamental afectado” e ao grau da sua 
 lesão.
 Ora, o segredo bancário localiza-se no âmbito da vida de relação, à partida fora 
 da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de 
 tutela. Ainda que compreendido no âmbito de protecção, ocupa uma zona de 
 periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de 
 acolhimento de princípios e valores contrastantes.
 Posição esta defendida no recente Acórdão n.º 42/2007 deste Tribunal, onde 
 expressamente se afirma: “O segredo bancário não é abrangido pela tutela 
 constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da 
 vida pessoal”.
 A susceptibilidade de “restrições [ao segredo bancário] impostas pela 
 necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos” foi, também, amplamente admitida pelo Acórdão n.º 278/95 deste 
 Tribunal, logo após se ter considerado o sigilo bancário integrado no âmbito de 
 protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada. 
 Por outro lado, quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração 
 fiscal, não pode olvidar-se que ela não implica a abertura desses dados ao 
 conhecimento geral, não tendo o impacto de abrir a porta a uma devassa pública. 
 Na verdade, os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão 
 sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a 
 sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do 
 sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste 
 Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro).
 Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos 
 dados que dele são objecto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, o que 
 permitiu que se afirmasse que “a tutela dos legítimos interesses dos 
 contribuintes que seria propiciada pelo sigilo bancário continua a estar 
 garantida ainda que noutra sede e com menos condições” (BENJAMIM RODRIGUES, “O 
 sigilo bancário e o sigilo fiscal”, in AAVV., Sigilo bancário, Lisboa, 1997, 103 
 s., 112).
 Só não é inteiramente assim porque o conteúdo do direito à reserva, 
 contrariamente ao que o termo inculca, abrange não só a não difusão de dados, 
 mas também a própria tomada de conhecimento. O acesso, em si mesmo e para 
 prevenir a posterior divulgação, também está protegido (cfr., por todos, PAULO 
 MOTA PINTO, “A protecção da vida privada e a Constituição”, Boletim da Faculdade 
 de Direito, LXXVI (2000), 153 s., 169).
 Ora, com a derrogação do sigilo bancário por parte da Administração fiscal, 
 verifica-se o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados 
 protegidos (ainda que se trate de pessoas obrigadas a guardar segredo), com “o 
 inerente risco de este mais facilmente poder vir a ser violado”. Mas, não 
 obstante, é absolutamente certo que, em caso de levantamento do sigilo bancário 
 pela Administração fiscal, o sigilo fiscal “deixa salvaguardado o conteúdo 
 essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos 
 contribuintes como da dinâmica da actividade bancária” (CASALTA NABAIS, O dever 
 fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, 619; para uma qualificação do 
 sigilo fiscal como “instrumento jurídico privilegiado” de garantia do direito à 
 reserva da vida privada e familiar, cfr. o Acórdão n.º 256/2002 do Tribunal 
 Constitucional).
 Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo 
 francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da 
 Administração tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido. 
 
  
 
 16.4. Se é assim do lado do direito à reserva, o que é que pode dizer-se do lado 
 dos interesses ligados à Administração fiscal que poderão justificar o seu 
 sacrifício?
 Leia-se o que, neste contexto de confronto com o sigilo bancário, se escreveu 
 sobre os fins do sistema fiscal, no relatório apresentado, em 1996, pela 
 Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal (Comissão Silva Lopes): 
 
 «Trata-se de prosseguir, não um, mas vários objectivos de interesse público, 
 tantos quantas são as funções reconhecidas ao imposto: a da obtenção das 
 receitas necessárias à efectivação das despesas públicas, de acordo com a qual 
 cada indivíduo deverá pagar segundo a sua capacidade contributiva; a da 
 regulação da actividade económica, sempre que o imposto seja utilizado como 
 instrumento de políticas económicas conjunturais; e, por último, a de repartição 
 da carga fiscal em harmonia com os princípios da equidade horizontal e da 
 progressividade. Sucede que a adequada distribuição dos encargos tributários, 
 tendo em vista a consecução de um ou de todos aqueles objectivos de interesse 
 público, só pode alcançar-se através da atribuição à Administração Fiscal de 
 meios efectivos de controlo. Não será aceitável que o direito à privacidade 
 tenha de ser protegido nos casos em que esteja a ser invocado para que algumas 
 pessoas singulares ou colectivas possam escapar às obrigações fiscais cumpridas 
 por outros contribuintes em situação semelhante» (apud PAULA BARBOSA, ob. cit., 
 
 1255, n. 43).
 Estamos, pois, perante um relevantíssimo interesse público e, o que é mais, 
 perante um interesse público a satisfazer de acordo com parâmetros 
 constitucionalmente fixados. Em face da exigência primária de obtenção de 
 receitas para suporte das despesas públicas e a realização dos fins do Estado 
 social de direito, aos cidadãos é imposto, como encargo de cidadania, “o dever 
 fundamental de pagar impostos”. O modo de cumprimento desse dever e a 
 estruturação do sistema fiscal que o enquadra estão submetidos a princípios, de 
 tributação segundo a capacidade contributiva e de distribuição equitativa da 
 carga fiscal, que visam, em último termo, assegurar a justiça fiscal.  
 No âmbito da tributação do rendimento, aceita-se hoje pacificamente, nas 
 
 “sociedades bem ordenadas”, que o modo eficiente de realizar estes objectivos 
 assenta em que a matéria colectável seja determinada com base na declaração 
 tributária do contribuinte (nas sociedades comerciais, com base no lucro apurado 
 através da sua contabilidade). 
 Ora, na lógica do sistema de uma Administração fiscal de cunho predominantemente 
 fiscalizador e de controlo, e na prossecução dos valores de justiça e equidade 
 que informam a constituição fiscal, essa posição do contribuinte não pode deixar 
 de ter como contrapartida o seu dever de cooperação, traduzido na apresentação, 
 nos prazos fixados, da declaração de rendimentos e na sujeição do seu conteúdo à 
 verdade material (cfr. SALDANHA SANCHES, “Segredo bancário, segredo fiscal: uma 
 perspectiva funcional”, Fiscalidade, 21 (2005), 33 s., 37-40).
 O princípio da tributação segundo a declaração do contribuinte tem, pois, como 
 natural corolário, a possibilidade de controlo por parte da Administração, sob 
 pena de resultarem irremediavelmente frustrados aqueles objectivos e valores que 
 moldam a “estrutura básica” (para empregarmos um conceito de JOHN RAWLS) da 
 sociedade politicamente organizada.
 A esse controlo não podem subtrair-se, de plano e sem mais, os elementos sobre o 
 património e rendimentos do contribuinte em poder das instituições bancárias com 
 quem ele está em relação, em particular os saldos e movimentações referentes a 
 depósitos bancários. Atendendo ao peso relativo dos interesses aqui ligados à 
 tutela da privacidade e ao diminuto grau da sua afectação, em concreto, pelo 
 levantamento do sigilo bancário, por um lado, e à intensidade da exigência de 
 efectivação da justiça fiscal, por outro, pode concluir-se que, em certas 
 condições, é constitucionalmente legítima a restrição, com este fundamento, do 
 direito à privacidade.
 O princípio da distribuição equitativa da carga fiscal capacita a Administração 
 para realizar uma investigação tributária que não pode ser limitada, em 
 absoluto, pelo sigilo bancário. Mesmo num sistema, como o nosso, fortemente 
 garantístico, em termos de direito comparado, não existe base constitucional 
 para que os dados que, em princípio, estão cobertos pelo segredo constituam uma 
 espécie de “reduto inacessível” ao poder inspectivo da Administração fiscal. 
 Ainda quando perspectivado como representando uma restrição a um direito 
 fundamental, o acesso a esses dados está legitimado, em certas condições, pela 
 vinculação das entidades públicas à preservação de outros bens 
 constitucionalmente consagrados.
 
  
 
 16.5. Ponto é que, na modelação concreta do regime legal, se prevejam resguardos 
 e se consagrem mecanismos que, na medida do compatível com o essencial dos 
 objectivos que estão por detrás do levantamento do sigilo bancário, acautelem 
 ainda, de certa maneira, os interesses cobertos pela tutela constitucional da 
 privacidade.
 Nos seus pressupostos e na sua forma processual e procedimental de exercício, a 
 derrogação do sigilo deve obedecer a critérios que evitem uma pouco condicionada 
 ou excessiva intromissão, para além do necessário à satisfação dos fins 
 constitucionais que a ela presidem. 
 Como se escreveu no Acórdão n.º 602/2005 deste Tribunal:
 
 «Sendo o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes, 
 como método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente (…), e 
 postando-se como necessário – e, quantas vezes para tanto como imprescindível – 
 o conhecimento das respectivas operações, não se poderá deixar de concluir que 
 se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da 
 distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever 
 fundamental de pagar impostos, a procura da consagração de uma articulação 
 ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida privada, ao 
 menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo 
 bancário e dos interesses decorrentes dos citados direito e dever».
 O que implica uma cuidada ponderação de eventuais meios alternativos, menos 
 intrusivos, susceptíveis de conjugar harmonicamente ambas as exigências: as de 
 tutela da privacidade e as de justiça e igualdade fiscais (cfr. SANTAMARIA 
 PASTOR, “Derecho a la intimidad, secretos y otras cuestiones innombrables”, 
 Revista española de derecho constitucional, n.º 15, 1985, 159 s., 171.
 Para esse efeito, tendo as normas contidas no artigo 3.º do Decreto n.º 139/X da 
 Assembleia da República conexionado a perda da reserva da privacidade com uma 
 iniciativa procedimental ou processual do contribuinte, em defesa dos seus 
 interesses, há que ajuizar se os princípios constitucionais que asseguram o 
 acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, com garantias de equidade 
 procedimental e processual, foram ou não suficientemente acautelados. Eles 
 próprios, em si mesmos, direitos fundamentais, com o estatuto dos direitos, 
 liberdades e garantias, gozando portanto, de valência autónoma, esses direitos 
 servem à protecção de outros direitos, entre os quais o de reserva da 
 privacidade.
 Temos, pois, que fazer entrar, no campo valorativo, esses direitos e princípios, 
 para apreciar se eles são afectados pela disciplina legal em concreto 
 estabelecida.
 
  
 
 17. Na óptica do que fica dito, há que ajuizar se o regime que o n.º 3 do 
 Decreto 139/X da Assembleia da República visa introduzir satisfaz ou não as 
 exigências constitucionais garantísticas, quanto ao procedimento e ao processo 
 administrativos. 
 Nesta matéria, o princípio primário é o do Estado de direito democrático, 
 consagrado no artigo 2.º, particularmente no segmento que baseia a República 
 Portuguesa «no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades 
 fundamentais». Esse princípio projecta-se no direito do acesso ao direito e à 
 tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP), o qual, por sua vez, no que 
 respeita à relação cidadão-Administração, encontra uma concretização 
 particularizadora no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. 
 Todas estes preceitos formam um bloco normativo, pelo que os trataremos conjunta 
 e articuladamente. Antes, porém, de entrarmos no fundo da questão, importa fazer 
 uma curta alusão ao enquadramento constitucional do direito a reclamar.
 
  
 
 17.1. Não é uniforme, entre nós, o entendimento sobre qual o suporte normativo 
 da tutela constitucional do direito de reclamação, enquanto direito no âmbito de 
 um específico procedimento administrativo.
 No sentido de que essa tutela não se inclui no disposto no artigo 52.º da CRP, 
 já se pronunciou este Tribunal, no Acórdão n.º 198/2003, defendendo que nessa 
 norma se trata de «um direito que comporta os direitos de representação, 
 reclamação ou queixa, que se desenvolvem em paralelo com os direitos que se 
 desenvolvem no procedimento administrativo ou na acção jurisdicional formais».
 Na doutrina, aparentemente, admite-se a posição contrária (cfr. JORGE MIRANDA/ 
 RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2005, 495-496; GOMES 
 CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, ob. cit., 696, e M. REBELO DE SOUSA/A. SALGADO DE 
 MATOS, Direito administrativo geral, III, Lisboa, 2007, 207-208).
 De todo o modo, aquela primeira posição não põe em causa a dignidade 
 constitucional de um «direito à actuação administrativa perspectivado na 
 dimensão de um direito à decisão», no qual não pode deixar de se incluir o 
 direito à reclamação. Como se escreve no acórdão citado:
 
 «(...) tal direito considerar-se-ia implícito nos grandes princípios 
 constitucionais, sejam eles o direito a uma resposta da Administração, conforme 
 resulta do citado artigo 52.º, n.º 1, da CR, seja o princípio da legalidade a 
 que a Constituição, no seu artigo 266.º, subordina a Administração Pública (ou 
 de constituir uma decorrência deles, se não mesmo do próprio princípio do Estado 
 de Direito, conjugado com o “monopólio da autoridade” do Estado), seja ele ainda 
 o dos “direitos dos administrados”, de que se trata no artigo 268.º daquela».
 Independentemente da posição a tomar nesta matéria, o que cumpre, neste 
 contexto, sobremodo salientar, até pelas atinências com pontos que 
 posteriormente teremos que tratar, é que, como diz GOMES CANOTILHO, «a exigência 
 de um procedimento juridicamente adequado para o desenvolvimento da actividade 
 administrativa considera-se como dimensão insubstituível da administração do 
 Estado de direito democrático», Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 
 
 7.ª ed., Coimbra, 274-275.
 Daí que o legislador, ao consagrar soluções, mesmo quando não forçosas 
 constitucionalmente, esteja obrigado a fazê-lo de modo consentâneo com aquelas 
 exigências.
 Como se diz no Acórdão n.º 628/2005, a propósito da garantia constitucional do 
 direito ao recurso:
 
 «Na verdade, tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, 
 pressupõe, igualmente, que na regulação o legislador não adopte soluções 
 arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – 
 mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não 
 constitucionalmente obrigatórios (assim, v. os Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional n.ºs 1229/96 e 462/2003 (…)».
 Reportando estas considerações ao direito de reclamar, é inteiramente seguro 
 que, onde previsto este mecanismo de defesa do administrado, a sua conformação 
 deve obedecer às exigências do procedimento equitativo. Até porque, em muitos 
 casos, quer no domínio fiscal, como já referido, quer fora dele, a reclamação é 
 um passo obrigatório para acesso à impugnação judicial.
 E mesmo quando assim não é, não pode esquecer-se a complementaridade entre ambos 
 os meios de defesa, como salienta PEDRO MACHETE, acrescentando:                
 
 «Os direitos e interesses dos particulares devem ser satisfeitos logo no 
 procedimento, de modo a que o recurso ao tribunal funcione apenas como uma 
 ultima ratio» – v.  A audiência dos interessados no procedimento administrativo, 
 Lisboa, 1995, 86.
 Por tudo, deve entender-se que o direito ao processo equitativo, consagrado no 
 n.º 4 do artigo 20.º da CRP, tem uma extensão necessária, com as devidas 
 adaptações, ao procedimento administrativo.  
 
  
 
 17.2. A primeira questão que urge apreciar é a de saber se o pressuposto-base da 
 derrogação do sigilo bancário prevista no artigo 3.º do Decreto 139/X da 
 Assembleia da República – a iniciativa do contribuinte em apresentar reclamação 
 graciosa ou impugnação judicial do acto tributário – só por si, e 
 independentemente dos demais contornos do regime legal, fere ou não de morte a 
 conformidade constitucional das disposições constantes daquele artigo.
 Na verdade, se a abertura do sigilo bancário é um mal para o titular da posição 
 atingida (até, eventualmente, por razões alheias à relação tributária), pode 
 dizer-se que a ligação dessa consequência prejudicial àquelas iniciativas de 
 defesa tem um efeito desincentivador à sua prática. Para evitar a provável perda 
 do sigilo, o contribuinte retrair-se-á de accionar essas garantias 
 impugnatórias, por mais fundadas que, a seus olhos, sejam as razões que lhe 
 assistem. 
 Deste modo, é a própria lei que cria um contra-motivo ao exercício de direitos 
 básicos do administrado, também eles direitos fundamentais: no que se refere à 
 impugnação administrativa, o de apresentar reclamações para defesa dos seus 
 direitos; no que toca à impugnação judicial, o de tutela jurisdicional efectiva 
 
 (artigo 20.º), a implicar, além do mais, a conformação do processo de forma 
 equitativa (n.º 4 do mesmo artigo). Como garantia de defesa dos direitos e 
 interesses do administrado, essa tutela abrange, nos termos do n.º 4 do artigo 
 
 268.º, «(…) a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem (…)», 
 pelo que também esta garantia é afectada.
 Do ponto de vista da garantia da efectividade, designadamente da tutela 
 jurisdicional, é difícil não encarar com reserva medidas deste tipo que, 
 deixando formalmente intocada uma via de acção ou de defesa, criam 
 indirectamente entraves fortes à sua real utilização. Se reclama ou impugna, o 
 administrado arrisca-se seriamente a sacrificar o direito à reserva da 
 privacidade; se, para evitar essa consequência, o não faz, então está, com essa 
 atitude, a abrir mão de um instrumento fundamental de tutela dos direitos que a 
 decisão administrativa pode lesar. Para exercitar um direito verdadeiramente 
 nuclear do Estado de direito democrático, o contribuinte tem que estar disposto 
 a pagar o preço elevado de perder o segredo sobre os dados em poder de entidades 
 bancárias.
 Só por si, no puro plano do princípio da efectividade das posições 
 constitucionalmente protegidas e do direito a um procedimento e a um processo 
 equitativos, a colocação do contribuinte nesta situação dilemática faz propender 
 para um juízo de desvalor constitucional. 
 Mas, também aqui, não nos podemos ficar por um juízo em abstracto, fortemente 
 apoiado numa pré-compreensão e desligado da consideração dos fins prosseguidos e 
 dos meios concretamente fixados para os atingir. Para se alcançar, em 
 definitivo, uma avaliação segura da conformidade constitucional da extensão do 
 poder administrativo de derrogação do sigilo bancário que se pretende introduzir 
 teremos, pois, que valorar, do ponto de vista daquelas garantias, as condições e 
 os termos que a regem. Tarefa esta que, atenta a possibilidade de violação 
 frontal dos princípios constitucionais referidos, deve ser conduzida com a 
 consciência de que só uma conformação severamente restritiva e particularmente 
 garantidora permitirá “salvar” a constitucionalidade daquela medida legislativa.
 Obedecerão a essas exigências as condições de exercício daquele poder 
 administrativo, tal como fixadas nas normas constantes do artigo 3.º do Decreto 
 n.º 139/X? A resposta a dar remete-nos para uma análise concreta do regime 
 legal, e para a sua correlação com os fins que ele prossegue.
 
  
 
 17.3. Ora, o que, desde logo, se constata é que, tendo que ser fundamentada e 
 notificada, a decisão administrativa de levantamento do sigilo bancário não 
 sofre, aparentemente, qualquer outro condicionamento.
 Faculta um acesso directo à informação, sem dependência de autorização judicial 
 prévia e do consentimento do visado, como já foi referido. O que, pondo de lado 
 as situações particulares do n.º 2 do artigo 63.º-B da LGT, só tem paralelo nas 
 duas hipóteses do n.º 1 do mesmo artigo. Mas aí estão em causa indícios da 
 prática de crime em matéria tributária (alínea a) do preceito) ou de falta de 
 veracidade do declarado (alínea b) do mesmo artigo). E lembre-se que, em 
 processo executivo, a penhora de depósitos bancários (artigo 861.º-A do Código 
 de Processo Civil) é um dos raros casos em que, após a reforma de 2003, subsiste 
 o despacho judicial ordenatório. E, nesse âmbito, para além do interesse 
 particular do exequente, está também em causa o interesse público – o da 
 realização da justiça, conexionado com o princípio da efectividade da tutela 
 jurisdicional.
 Em segundo lugar, a derrogação administrativa não é um último recurso, de 
 aplicação subsidiária, só actuante na falta de cooperação do interessado. Este 
 não é chamado a exibir os documentos ou a autorizar a sua consulta. As entidades 
 inspectivas podem, de imediato, notificar as instituições bancárias, pelo que o 
 contribuinte não é chamado a uma participação voluntária no processo de decisão. 
 
 
 Em terceiro lugar, não estando especificamente previsto o direito de audição, 
 também não parece, como já referido, que o seu reconhecimento, para este fim e 
 nesta fase, possa ser integrado numa das previsões do artigo 60.º, n.º 1, da 
 LGT. Sendo assim, parece que ao contribuinte fica vedado qualquer exercício de 
 contraditório prévio, o que, por sua vez, faz perder grande parte do sentido 
 
 útil do dever de fundamentação adequada.
 Por último, não estando especificamente previsto o controlo judicial, não se 
 afigura, na prática, viável o recurso ao processo urgente previsto no artigo 
 
 146.º-A do CPPT.
 O que é particularmente notório quando a questão se coloque no âmbito da 
 contestação a impugnação judicial. Na verdade, se tivesse sido intenção 
 legislativa possibilitar, de forma célere e eficaz, o recurso judicial da 
 decisão de acesso aos dados bancários, então muito mais facilmente teria sido 
 prevista a possibilidade de o interessado pedir ao tribunal onde corre esse 
 processo a apreciação da legalidade da decisão de acesso. Assim se permitiria 
 que a questão fosse enxertada no próprio processo de impugnação judicial 
 regulado nos artigos 99.º e seguintes do CPPT. O que, repete-se, sem norma 
 expressa não parece possível.
 
  
 
 17.4. Persistem, assim, em pontos decisivos, fundadas dúvidas quanto aos 
 direitos do contribuinte de participação no procedimento de decisão do acesso ao 
 sigilo bancário e de impugnação judicial dessa decisão. 
 Esta falta de certeza e segurança jurídicas, só por si, vulnerabiliza a posição 
 defensiva do contribuinte, em temos constitucionalmente censuráveis, por 
 violadores do princípio do Estado de direito e do direito fundamental de acesso 
 ao direito e à via judiciária (v. GOMES CANOTILHO, ob. cit., 497).
 Como diz impressivamente o Tribunal Constitucional espanhol, a propósito de 
 garantia similar à do artigo 20.º da CRP, consagrada no artigo 24.1 da 
 Constituição do país vizinho: Esta tutela para ser “efectiva”, como exige el 
 artículo 24.1 da Constitución, ha de ser expedita y fácilmente determinable y no 
 se puede obligar a un litigante a que averigüe y, casi adivine, en el conjunto 
 del complejo ordenamiento procesal, qué medios tiene para obtener la protección 
 de sus derechos e intereses legítimos (STC 30/1984, de 6 de Março, apud 
 SÁNCHEZ-CRUZAT, Derecho fundamental al proceso debido y el Tribunal 
 Constitucional, Pamplona, 1992, 213).
 
  
 
  
 
 17.5. Para além de impreciso quanto às garantias de defesa que oferece, o regime 
 em análise dá-nos, no seu desenho global, uma nova previsão de derrogação 
 administrativa do sigilo bancário excessivamente aberta e pouco condicionada.
 Precisamente numa situação em que essa medida, para além da afectação do direito 
 
 à reserva da privacidade, como inevitavelmente acontece em todos os casos de 
 levantamento que não passem pelo consentimento do titular, põe em causa também o 
 direito à reclamação e à tutela jurisdicional efectiva, o legislador não 
 predispõe medidas cautelares e atenuadoras, possíveis sem sacrifício do 
 objectivo visado. Isto é, naquele caso em que a efectividade e consistência das 
 garantias ao contribuinte mais se justificavam, é precisamente aquele em elas 
 são mais descuradas. 
 Ao dizermos que essas garantias, e a sua efectividade prática, eram aqui 
 particularmente requeridas, estamos sobretudo a pensar no contexto e na fase 
 procedimental ou processual em que se faculta o acesso. Note-se que a 
 Administração fiscal, durante a instrução que deu origem ao acto agora 
 impugnado, não dispunha, salvo nas hipóteses do artigo 63.º-B da LGT, do poder 
 de acesso directo a dados bancários. Quando o contribuinte se apresenta a 
 exercer o seu direito de reclamação ou impugnação, ela, por esse facto, passa a 
 deter um poder de acesso que anteriormente lhe estava negado, a pretexto da 
 prossecução da verdade material a que já anteriormente estava vinculada.
 No caso da impugnação judicial, é particularmente nítida a desconformidade ao 
 princípio do processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP). Na verdade, 
 houve uma decisão administrativa cuja validade já está a ser sindicada por um 
 tribunal. E o que se verifica é que, em sede de contestação aos vícios que o 
 requerente imputa a essa decisão, a Administração ganha novos poderes 
 administrativos, que depois pode fazer frutificar, a seu ganho, no processo 
 judicial a decorrer. Para isso, é-lhe inclusivamente concedido um prazo 
 suplementar de contestação (n.º 3, in fine, do artigo 110.º do CPPT, na redacção 
 dada pelo artigo 3.º do Decreto n.º 139/X).  
 Numa espécie de reposição do procedimento tributário cuja decisão está a ser 
 apreciada, os poderes administrativos, agora reforçados com uma nova 
 prerrogativa, prolongar-se-iam, assim, na fase judicial.
 Decorrendo à margem do processo de impugnação judicial, a derrogação do sigilo 
 tem repercussão no seu resultado, sem que se mostre devidamente satisfeito, nem 
 antes, nem após a prolação da decisão, o princípio fundamental do contraditório. 
 
 
 Assim, a violação do princípio do procedimento e do processo equitativo, quanto 
 ao regime de derrogação do sigilo bancário na hipótese em apreço, vai conduzir a 
 um condicionamento substancial do exercício, pelo contribuinte, das suas 
 garantias impugnatórias de actos tributários. Não sendo directa e frontalmente 
 restringido o direito de reclamar ou impugnar judicialmente, a verdade é que a 
 forma não equitativa como está prevista a perda do sigilo e o factor causal que 
 a determina esvaziam, em grande medida, aqueles direitos da sua efectividade 
 prática.
 Deste modo, mostram-se violados os artigos 2.º e os seus corolários: artigo 
 
 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República.
 
  
 
 18. Se passarmos de uma análise mais concentrada nos direitos fundamentais de 
 natureza adjectiva para levarmos a cabo uma ponderação de bens, também no plano 
 substantivo, somos levados a concretizar e desenvolver reflexões já feitas sobre 
 as restrições à reserva da privacidade, à luz do princípio da proporcionalidade.
 
   Recordemos que, na exposição de motivos da Proposta de lei n.º 85/X, que está 
 na génese da Decreto n.º 139/X da Assembleia da República, se apresentam duas 
 razões para as alterações legislativas. 
 Numa fase do processo em que se previa ainda que elas tivessem incidência apenas 
 na reclamação graciosa, é-lhes apontado como fim, em primeiro lugar, 
 
 «possibilitar à Administração Tributária, em estrita execução do princípio do 
 inquisitório a que está subordinado o seu procedimento nos termos do artigo 58.º 
 da Lei Geral Tributária, a averiguação plena dos factos alegados pelo 
 contribuinte em sede de reclamação graciosa, designadamente mediante o acesso 
 aos elementos pertinentes protegidos pelo sigilo bancário, de modo a que se 
 obtenha do modo mais completo possível a verdade dos factos». A este objectivo, 
 adiciona-se o de «impedir que, por dificuldades conhecidas nos poderes 
 instrutórios, a contestação de factos tributários perante a administração seja 
 utilizada como meio dilatório do pagamento da dívida tributária» (Diário da 
 Assembleia da República, II Série-A, n.º 132, 29 de Julho de 2006, 60).
 Estas medidas são expressamente relacionadas com as conclusões do Relatório 
 sobre o Combate à Evasão e Fraude Fiscais, apresentado na Assembleia da 
 República, em Janeiro de 2006. Conclusões que, na parte que agora interessa, 
 foram do seguinte teor: 
 
 «O exposto não nos impede, no entanto, de admitir que, à semelhança do regime 
 belga, se possa associar a contestação administrativa de actos tributários ao 
 necessário acesso à informação protegida pelo sigilo bancário, na exacta medida 
 em que seja essencial para a decisão administrativa. Tal seria, também, um meio 
 de dissuadir a litigância menos sustentada» (Relatório da Proposta de lei n.º 
 
 85/X, Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 5, 6 de Outubro de 
 
 2006, 22).
 
 É em função destes objectivos que temos que ajuizar da observância das três 
 exigências em que analiticamente se desdobra o princípio da proporcionalidade: 
 adequação, necessidade e proibição do excesso. Esta estrutura de valoração, 
 verdadeiro postulado normativo de correlação de meios a fins, encontra-se hoje 
 consolidada na jurisprudência portuguesa, tendo sido enunciada no Acórdão n.º 
 
 634/93 deste Tribunal, da seguinte forma:
 
 «O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio 
 da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem 
 revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com 
 salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); 
 princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para 
 alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos 
 restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou 
 proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, 
 desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos.»
 
  
 
 18.1. Consideremos inicialmente o fim primeiramente enunciado.
 A busca da verdade material, em execução do princípio do inquisitório, 
 corresponde a um relevante princípio constitucional da tributação – o da 
 igualdade fiscal, pautada pela capacidade contributiva, como expressão concreta 
 do princípio da igualdade material. Não previsto num específico e directo 
 preceito, o seu fundamento constitucional obtém-se do princípio da igualdade 
 articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição 
 fiscal” (nesse sentido, CASALTA NABAIS, Direito fiscal, 4.ª ed., Coimbra, 2006, 
 
 154). 
 Saliente-se, no entanto, que esta apreciação tem de ser relativizada quando 
 estamos situados num procedimento administrativo de segundo grau iniciado por 
 acção do contribuinte ou quando a Administração é chamada a contestar uma 
 impugnação judicial.
 No procedimento que conduziu à decisão ora objecto de reclamação ou impugnação, 
 a Administração já teve oportunidade de lançar mão de todas as diligências 
 instrutórias previstas na lei. E recorde-se que, quanto ao acesso a dados 
 bancários, essas diligências estão restringidas pelos pressupostos e garantias 
 previstos no artigo 63.º-B da LGT, acima sumariamente enunciados. 
 A questão a pôr, em termos precisos, é portanto a de saber se, quando a 
 actividade instrutória a desenvolver pela Administração é apenas a necessária 
 para decidir a reclamação ou para contestar a impugnação, se justifica a 
 facilitação da possibilidade de acesso a dados cobertos por sigilo bancário. 
 Isto é, se, por força dessa reacção impugnatória, a Administração deve ser 
 dotada de um poder inspectivo que anteriormente não detinha.
 Sendo nesta fase a actividade instrutória delimitada pelo pedido formulado na 
 reclamação ou na impugnação, será o regime em apreciação adequado, necessário e 
 proporcionado?
 
  
 
 18.2. A adequação parece evidente, em relação ao fim imediato de obtenção da 
 verdade material que, estando relacionada com o objecto da reclamação ou 
 impugnação, possa estar oculta pelo sigilo bancário. Permitindo o acesso a dados 
 até aí sigilosos, as novas disposições legislativas permitem uma certificação 
 segura das alegações com eles relacionados. 
 Pode dizer-se até que, nessa medida, ela é a que mais se adequa ao sentido 
 
 ínsito na iniciativa do contribuinte. Impugnando este, judicial ou 
 extrajudicialmente, um acto tributário, na determinação de cujo conteúdo já 
 esteve presente o princípio do inquisitório, pelo que a Administração já terá 
 esgotado os meios de conhecimento ao seu dispor, justifica-se então que a 
 atenção recaia sobre os dados cujo conhecimento lhe estava até aí vedado. Se o 
 procedimento anterior tiver sido correctamente executado, a discrepância, a 
 existir, resultará da impossibilidade de acesso aos elementos cobertos pelo 
 sigilo bancário. Sendo assim, e na própria lógica do sentido útil da impugnação 
 
 (que, naturalmente, é instaurada para ser atendida), é adequado o levantamento 
 do sigilo.
 Já quanto ao objectivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal, que, 
 confessadamente, constitui o pano de fundo e a teleologia última da medida 
 legislativa, o veredicto tem que ser o oposto. Não se descortina uma conexão 
 plausível entre situações de sonegação fiscal e iniciativas de reclamação por 
 parte daqueles que a elas dão azo. Pelo contrário, plausível é que os 
 infractores se preocupem em não suscitar a mínima atenção da máquina fiscal, 
 pelo que serão esses, precisamente, os contribuintes menos dispostos a 
 desencadear um procedimento de investigação suplementar. Não se vê, pois, que a 
 medida possa contribuir para atingir o objectivo proclamado. Sendo, nesta 
 perspectiva, ineficaz, a sua inadequação é manifesta.
 
  
 
 18.3. Quanto à necessidade ou exigibilidade, por falta de soluções alternativas 
 menos gravosas, adensam-se as dúvidas quanto à conformidade constitucional, 
 deste ponto de vista, das medidas em análise.
 Relembre-se a fase do relacionamento tributário em que a questão se coloca. Como 
 referido, a Administração fiscal já tomou uma decisão, para a qual pôde, de 
 acordo com o princípio do inquisitório (artigo 58.º da Lei Geral Tributária) e 
 do princípio da legalidade fiscal (artigo 55.º do mesmo diploma), ordenar 
 oficiosamente as diligências probatórias indispensáveis ao apuramento da verdade 
 material, mesmo que elas se tenham destinado a provar os factos alegados pelo 
 sujeito passivo. 
 Este reclama ou impugna. A partir daqui o que cumpre sobremaneira assegurar é 
 que uma obstaculização abusiva do acesso às informações bancárias faça 
 permanecer uma situação, sob o ponto de vista probatório, desfavorável à 
 Administração fiscal, nomeadamente por força das regras do ónus da prova 
 aplicáveis.
 Na verdade, se a resolução de tais dúvidas for incontroversamente possível 
 mediante o acesso às informações bancárias, parece pouco justificado que o 
 contribuinte se possa prevalecer de uma atitude obstativa para alcançar ganho de 
 causa. Seria premiar um venire contra factum proprium, uma conduta oportunista 
 de manipulação de um direito da esfera pessoal para obter vantagens ilícitas de 
 ordem patrimonial.
 Evitar essa consequência de todo injustificada, não só é um objectivo 
 constitucionalmente legítimo, como pode dizer-se que corresponde ao imperativo 
 de justiça e igualdade fiscais. Mas, para o atingir, outras soluções menos 
 gravosas, designadamente um regime de ónus da prova adequado, são facilmente 
 representáveis. Sem perda assinalável de eficácia, elas deixariam intocadas as 
 exigências do processo justo e conduziriam a uma menor afectação do direito ao 
 sigilo. 
 Para isso, bastaria que, onde fundadamente se demonstrasse a pertinência do 
 conhecimento dos dados bancários para a decisão da reclamação ou impugnação, 
 ficasse na disponibilidade do contribuinte (e não, imediata e directamente, na 
 esfera de poder da Administração) a preservação ou não do segredo. Uma decisão 
 impeditiva infundada teria sempre consequências processuais desfavoráveis, em 
 termos probatórios. 
 
 É nesta medida que a expressa dispensa de consentimento do contribuinte é 
 particularmente penalizadora, de forma desmesurada e injustificada, para o bem 
 jurídico tutelado pelo direito à reserva da privacidade. De facto, em face deste 
 regime, embora não se possa dizer que o levantamento do sigilo bancário é uma 
 consequência inelutável da reclamação, pois a Administração pode sempre 
 considerar que não há fundamento para tal, a verdade é que, com a sua 
 iniciativa, o contribuinte perde, de imediato, e em bloco, aquilo que, ao fim e 
 ao cabo, aquele direito lhe visava assegurar: o controlo sobre o fluxo 
 informativo concernente a dados da sua esfera pessoal. Com isso, verifica-se o 
 aniquilamento da posição e do valor de liberdade que o direito à reserva 
 garante, não só quanto ao quando (neste aspecto, inevitavelmente, a partir da 
 reclamação), mas também quanto ao modus faciendi de levar ao conhecimento da 
 Administração tributária e ao conteúdo da informação a prestar.
 E, mesmo que a Administração decida não derrogar o sigilo, a verdade é que, pelo 
 simples facto de ter reclamado, o contribuinte fica completamente desinvestido 
 de qualquer poder de decisão, transferido, in toto, para a esfera de poder da 
 entidade administrativa. Só com isso é excessivamente afectada, de forma 
 arbitrária, a autodeterminação informativa da pessoa do contribuinte.
 Uma solução alternativa, dentro destes limites, estaria, em termos de direito 
 substantivo, em sintonia com a natureza da prerrogativa que o direito à reserva 
 lhe reconhece (um direito de liberdade, perfeitamente susceptível de limitações 
 voluntárias). 
 Com a vantagem suplementar de, ao prestar o seu consentimento, o contribuinte 
 ter a possibilidade de indicar com precisão, ou mesmo, apresentar 
 comprovadamente, os dados relevantes, evitando uma extensão da inspecção a 
 outras informações sob sigilo. Mas isso já tem a ver com a proibição do excesso, 
 que abaixo trataremos.
 Dir-se-á que uma solução deste tipo não satisfaz as exigências de verdade 
 material, pois pode subtrair as informações sob reserva ao poder inquisitório 
 das autoridades fiscais. Mas a verdade material não é uma verdade absoluta, é a 
 verdade alcançável pelos meios processuais adequados, de acordo com o princípio 
 do processo devido. As directrizes do due process of law são um claro limite ao 
 poder inquisitório. 
 Recorde-se que, de acordo com o atrás expendido, é apenas o abuso do direito à 
 reserva que se justifica impedir. Ora, a medida em apreço ultrapassa em muito 
 esse objectivo, pelo que não satisfaz o critério da necessidade. 
 
   
 
 18.4. Mas é no plano da proporcionalidade em sentido estrito que mais se 
 evidenciam aspectos de regime contrários ao imposto pelo princípio da 
 proporcionalidade, em sentido amplo. As condições de exercício do poder de 
 derrogação ferem excessivamente, segundo cremos, a garantia de tutela 
 jurisdicional efectiva e o direito à reserva da privacidade.
 
   É certo que a derrogação não é automática, nem imediata, dependendo de uma 
 decisão da Administração fiscal, vinculada a três parâmetros. Por expressa 
 remissão do n.º 2, que se intenta acrescentar ao artigo 69.º do CPPT, essa 
 medida integra-se nas diligências suplementares previstas na actual alínea e) do 
 mesmo artigo, e estas só devem ser ordenadas quando se revelem “manifestamente 
 indispensáveis à descoberta da verdade material”. Por outro lado, o novo n.º 2 
 precisa que o acesso aos documentos bancários deve circunscrever-se aos 
 
 “relativos à situação tributária objecto de reclamação” e só pode ser 
 determinado “sempre que fundadamente se justifique face aos factos alegados pelo 
 reclamante”. Indicações análogas às duas últimas foram introduzidas no artigo 
 
 110.º, quando se alargou à impugnação judicial o regime de derrogação.
 Simplesmente, a efectiva consistência prática destes resguardos só pode ser 
 valorada tendo em conta a sua exequibilidade e em articulação com os restantes 
 aspectos do regime legal.
 Quanto à primeira, é manifesto que a limitação do acesso aos dados bancários que 
 tenham a ver com a situação tributária corresponde a um simples “voto pio”, 
 tendendo a ficar irremediavelmente letra morta, na “praxis” corrente da 
 actividade da administração tributária. De facto, a selecção, de entre a massa 
 dos documentos disponíveis, das informações que interessam à decisão da 
 reclamação ou da impugnação judicial, implica uma consulta e análise de todos os 
 elementos respeitantes à relação ou relações bancárias do contribuinte. Se este 
 tiver contactos negociais com mais do que uma instituição, todos os documentos a 
 eles referidos terão que ser inspeccionados, para se poder identificar os que 
 interessam à comprovação da situação em litígio.
 Para a delimitação do acesso, com solicitação apenas das informações atinentes 
 ao caso, seria necessário que a Administração fiscal dispusesse de conhecimento 
 antecipado, de forma precisa, da localização dos dados relevantes. O que, na 
 maioria dos casos, não acontecerá, sobretudo quando o regime prescinde da 
 audiência prévia do interessado, como acima se explicitou. Pelo que o critério 
 da justa medida (aqui, a medida dos fundamentos alegados), que aquelas 
 indicações normativas visam salvaguardar, não poderá, em muitíssimas situações, 
 ser respeitado.
 
 É certo que a decisão tem que ser fundamentada (o que já resultaria do artigo 
 
 268.º, n.º 3, da CRP, do artigo 77.º da LGT e do artigo 123.º do Código do 
 Procedimento Administrativo) e notificada ao contribuinte (artigo 268.º, n.º 3, 
 da CRP e artigo 77.º, n.º 6, da LGT). Tendo este conhecimento da diligência, 
 poderá vir espontaneamente fornecer informações que permitam a identificação 
 precisa dos dados relevantes.
 Mas, por um lado, é o próprio princípio do inquisitório que não permitirá à 
 Administração dar como certo que são apenas esses os elementos comprovativos, 
 pelo que ela não ficará dispensada, em princípio, de alargar a investigação, de 
 modo a obter uma certificação segura. Por outro lado, nada na lei impede que, 
 simultaneamente com a notificação ao contribuinte, a Administração faça seguir a 
 notificação à entidade bancária, não esperando por uma eventual reacção de 
 cooperação do visado. E então dependerá da atitude desta entidade a 
 possibilidade de uma participação auxiliar do contribuinte.
 
  
 
  
 
 18.5. Se é assim quanto ao primeiro objectivo enunciado, o de prossecução da 
 verdade fiscal, o que dizer do segundo, o de «impedir que (…) a contestação de 
 actos tributários perante a administração seja utilizada como meio dilatório do 
 pagamento da dívida tributária», ou, como vem expresso no Relatório sobre o 
 combate à evasão e à fraude fiscais, reproduzido na exposição de motivos da 
 Proposta de lei, como «um meio de dissuadir a litigância menos sustentada»? 
 Trata-se, em primeira linha, de uma razão de conveniência ou de utilidade, de 
 uma policy, não de um principle, como diria DWORKIN, ainda que, indirectamente, 
 o funcionamento eficiente do sistema fiscal se repercuta na realização da 
 justiça fiscal.
 Ora, razões de utilidade não podem ser invocadas para restringir direitos com 
 estatuto dos direitos, liberdades e garantias.
 De todo o modo, mesmo que a valoração se concentre no objectivo último de 
 assegurar, a nível sistémico e macrojurídico, o funcionamento adequado da 
 máquina administrativa e do aparelho judiciário fiscais, como condição de 
 realização da justiça, sempre se dirá que, no regime em apreço, esse objectivo é 
 levado a cabo por meios que vão para além do estritamente necessário.
 Na realidade, não custa representar meios alternativos menos gravosos, 
 designadamente por não acarretarem o sacrifício de bens da esfera pessoal, nem o 
 abandono de garantias judiciárias nucleares para a efectividade do acesso à 
 justiça.
 Eles já estão presentes, aliás, no nosso ordenamento jurídico. Refira-se, antes 
 de mais, o regime geral da litigância de má fé, aplicável no processo fiscal 
 
 (artigos 104.º da LGT e 122.º, n.º 2, do CPPT). No próprio procedimento fiscal, 
 está previsto que, em caso de pedido de revisão da matéria colectável fixada por 
 métodos indirectos, possa ser aplicado ao sujeito passivo «um agravamento até 5% 
 da colecta reclamada quando se verificarem cumulativamente as seguintes 
 circunstâncias: a) Provar-se que lhe é imputável a aplicação de métodos 
 indirectos; b) A reclamação ser destituída de qualquer fundamento; c) Tendo sido 
 deduzida impugnação judicial, esta ser considerada improcedente» (artigo 91.º, 
 n.º 9, da LGT). 
 Se o legislador, dentro da margem da sua livre apreciação e conformação, for de 
 entendimento que os meios existentes são insuficientes, tem sempre a 
 possibilidade de alargar o âmbito aplicativo de medidas deste tipo. Tratando-se 
 de sanções de natureza pecuniária, sem efeitos colaterais em bens de outra 
 ordem, elas, sem perda da eficácia pretendida, estão, à partida, em boas 
 condições para superarem o test da proporcionalidade, desde que se contenham, em 
 termos quantitativos, dentro de limites razoáveis.
 Nos moldes em que vêm formuladas, as alterações operadas aos artigos 69.º e 
 
 110.º do CPPT, pelo artigo 3.º do Decreto n.º 139/X, independentemente do que 
 esteve presente na mens legislatoris, têm objectivamente por efeito 
 obstaculizar, não apenas as reclamações notoriamente infundadas, de propósitos 
 meramente dilatórios, mas, pura e simplesmente, em geral, a faculdade de 
 reclamar e de impugnar judicialmente actos da Administração fiscal. 
 Por isso, e em conclusão, elas não se limitam “ao necessário para salvaguardar 
 outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos” (n.º 2 do artigo 
 
 18.º da Constituição da República), tendo um carácter desproporcionado.
 
  
 
 19. Em face de tudo o que fica dito, podemos concluir que, tal como vem 
 concretamente regulada, a solução sub judice não garante um procedimento e um 
 processo justos no que diz respeito às condições de derrogação do sigilo 
 bancário. Só por si, tal constituiria fundamento bastante para uma decisão de 
 inconstitucionalidade.
 Mas aquele vício, traduzido na falha de efectivação do “direito à normação 
 procedimental”, de forma precisa e adequada, repercute-se agravadamente no 
 processo em que se reclama ou impugna, fundamentalmente na medida em que coloca 
 o cidadão-contribuinte perante um dilema constitucionalmente inaceitável: ou 
 corre o risco forte de perder a reserva sobre a sua privacidade, ou perde um 
 instrumento importante de defesa dos seus direitos e interesses. Em vez de uma 
 limitação harmónica e equilibrada das duas posições, permitindo a preservação 
 simultânea do essencial das vantagens que elas propiciam, aquelas alterações 
 
 “forçam” o contribuinte a uma opção entre uma ou outra.
 O que não pode deixar de se considerar constitucionalmente inadmissível.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, ao abrigo do artigo 278.º da Constituição da República, o Tribunal 
 Constitucional decide:
 
  
 a)                                       Não se pronunciar pela 
 inconstitucionalidade da parte final da norma do n.º 10 do artigo 89.º-A da Lei 
 Geral Tributária, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto n.º 139/X da 
 Assembleia da República. 
 
  
 b)                                      Pronunciar-se pela inconstitucionalidade 
 dos n.ºs 2 e 3 do artigo 69.º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 110.º, ambos do Código 
 de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção dada pelo artigo 3.º do 
 Decreto n.º 139/X da Assembleia da República, por violação dos artigos 2.º, 
 
 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 26.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da 
 República Portuguesa. 
 
  
 Lisboa,  14 de Agosto de 2007.
 
  
 Joaquim Sousa Ribeiro
 Maria Lúcia Amaral
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Vítor Gomes (com declaração de voto anexa)
 Benjamim Rodrigues (com a declaração anexa)
 Ana Maria Guerra Martins (com declaração de voto anexa)
 Mário José de Araújo Torres (vencido quanto à alínea a) da decisão, pelas razões 
 constantes da declaração de voto  do Exmo. Conselheiro Carlos Cadilha, que 
 inteiramente subscrevo, e ainda pela intolerável indeterminabilidade  da menção 
 a “titular de cargo sob tutela de entidade pública”)
 Carlos Fernandes Cadilha (vencido quanto à alínea a) da Decisão pelas razões 
 constantes da declaração de voto junta)
 João Cura Mariano (vencido quanto à alínea a) da decisão, pelas razões 
 constantes da declaração de voto do Exmo Conselheiro Carlos Cadilha, que 
 inteiramente subscrevo)
 Gil Galvão (vencido quanto à alínea b) da decisão, conforme declaração anexa)
 Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração.
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE VOTO
 
  
 
                                                                        
 
                   Considero que a inclusão do sigilo bancário de que sejam 
 titulares pessoas colectivas no âmbito de protecção do direito à reserva da 
 intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, 
 não será apenas problemática, como o acórdão concede (n.º 16.2, último 
 parágrafo), mas é, mais radicalmente, de afastar. E, como só na medida em que 
 constitui refracção deste direito à reserva da privacidade se me afigura 
 possível dar guarida ao sigilo bancário no elenco dos direitos fundamentais, 
 entendo que o legislador não está subordinado, no reconhecimento e conformação 
 do sigilo bancário relativamente a pessoas colectivas (e entes equiparados), ao 
 regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias.
 
                   Efectivamente, os direitos fundamentais são primordialmente 
 direitos de indivíduos, de pessoas singulares. As pessoas colectivas somente são 
 titulares daqueles direitos fundamentais que sejam compatíveis com a sua 
 natureza (artigo 12.º, n.º 2, da CRP), o que coloca um problema de determinação 
 que só casuisticamente pode ser resolvido. É certo que ser ou não compatível com 
 a natureza das pessoas colectivas depende da própria natureza de cada um dos 
 direitos fundamentais e que, em si mesmo, no conteúdo de protecção e poderes em 
 que se analisa, as pessoas colectivas podem gozar do direito ao segredo 
 bancário, como o direito ordinário torna evidente. Mas o que aqui se pondera é a 
 cobertura do sigilo bancário pelo direito fundamental à reserva da intimidade da 
 vida privada. Ora, mesmo quando seja concebível a conexão de certo direito 
 fundamental com a personalidade colectiva, daí não se segue que a sua 
 aplicabilidade nesse domínio opere nos mesmos termos e com a mesma amplitude com 
 que decorre relativamente às pessoas singulares (Cfr. Jorge Miranda e Rui 
 Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, pag. 113).
 
                   Como o acórdão bem salienta, o que pode justificar que 
 aspectos do 'segredo do ter' da pessoa, patentes na conta e noutros dados da 
 situação económica do titular em poder de uma instituição bancária, sejam 
 assimilados ao 'segredo do ser' protegido pela reserva da intimidade da vida 
 privada é o que esses elementos podem revelar das escolhas ou contingências de 
 vida do indivíduo, dos seus gostos e propensões, do seu perfil concreto enquanto 
 ser humano, que cada um deve ser livre de resguardar do conhecimento e juízo 
 moral de terceiros. Esta teleologia intrínseca surge eminentemente ligada à 
 protecção da dignidade da pessoa humana, não sendo extensível a entes que apenas 
 tem uma capacidade jurídica funcional, limitada pelo princípio da especialidade 
 do fim que estatutariamente prosseguem, que não têm projecto de vida livremente 
 determinado, pelo que o direito ao segredo bancário que contratual e legalmente 
 se lhes reconheça não goza da protecção constitucional especificamente conferida 
 pela inclusão do bem protegido pelo sigilo no âmbito do direito à reserva da 
 intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
 
                   Aliás, não deve olvidar-se que a potenciação da capacidade de 
 agir a coberto da personalidade colectiva é um dos mais poderosos factores de 
 exponenciação do risco que o sigilo bancário comporta para outros interesses ou 
 valores constitucionais, designadamente para aqueles que à Administração fiscal 
 compete prosseguir. 
 
                   Todavia, a negação da fundamentalidade do direito quando 
 esteja em causa a situação de pessoas colectivas (e entes equiparados) não obsta 
 a que acompanhe a pronúncia pela inconstitucionalidade da solução normativa a 
 que se refere a alínea b) da Decisão, pelas mais razões que levam o acórdão a 
 concluir que ela não garante um procedimento e um processo justos no que diz 
 respeito às condições de derrogação do sigilo bancário.
 Vítor Gomes
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votando, embora, ambas as pronúncias do Tribunal, restam-me, porém, algumas 
 dúvidas sobre a fundamentação da decisão construída em torno da violação do 
 direito constitucional de reserva à intimidade da vida pessoal e familiar, 
 consagrado no art.º 26.º, n.º 1, da CRP.
 
 É que já defendemos que o sigilo bancário, consubstanciando, essencialmente e na 
 sua matriz originária, um dever de sigilo profissional, não valia na direcção da 
 administração fiscal (Benjamim Rodrigues, “O sigilo bancário e o sigilo fiscal”, 
 op. cit.).
 Mas desde a altura em que sustentámos essa posição – e já lá vai uma década - 
 muita coisa mudou quer no domínio do risco objectivo de uma cada vez mais 
 difícil gestão controlada da informação obtida, aqui incluída a informação 
 bancária, quer no da possibilidade e facilidade de identificação, no seio da 
 administração tributária e dos media, dos autores da violação do dever de sigilo 
 fiscal, que nos infunde fundadas dúvidas sobre se, hoje, o sigilo bancário não 
 deve ser entendido como integrando a reserva de privacidade económica, 
 constitucionalmente tutelada.
 Na verdade, os meios tecnológicos de que o homem, hoje, dispõe, associados à 
 extensão dos dados que puderam passar a constar dos registos bancários por força 
 do acesso directo e quase universal dos cidadãos ao sistema bancário e à 
 possibilidade e facilidade da sua descodificação, permitem desnudar 
 verdadeiramente o cidadão-contribuinte.
 Os registos bancários permitem hoje, em relação aos utilizadores  do sistema – e 
 
 é preciso registar que são quase a totalidade dos cidadãos-contribuintes – 
 identificar não só os movimentos de crédito, de débito e de financiamento, como 
 a generalidade das pessoas com quem foram efectuadas essas operações, e até o 
 tipo de bens a que elas respeitam, e, com eles, o estilo de vida pessoal que se 
 tem.
 Por seu lado, a facilidade de análise de todos esses dados quase permite afirmar 
 que o tempo da obtenção da informação digital é quase coetâneo do tempo do 
 acesso ao sistema e que aquela pode abranger o passado histório quase com a 
 mesma visibilidade do presente, por força da amplitude arquivística que o 
 registo histórico pode abranger.
 A tudo isto acresce a desmaterialização dos meios de registo, as dificuldades em 
 identificar não só a pessoa que lança a informação como aquela que a distrai do 
 sistema e a torna pública, com o facilitismo que os mesmos meios tecnológicos 
 permitem, e a extensíssima amplitude do conhecimento sobre a pessoa que o 
 cruzamento de dados e das bases de dados faculta.
 O acesso em si mesmo à informação transporta, hoje, por isso, um elevadíssimo 
 risco de apreensão de factos que podem nada têm a ver com a razão desse acesso, 
 bem como de uma posterior divulgação, feita de forma precisa, extensa, anónima 
 ou dificilmente identificável. 
 
                   Ora, numa altura em que cada vez mais as pessoas são também o 
 que têm, deve questionar-se se este bem não cabe na reserva constitucionalmente 
 recortada no art. 26.º, n.º 1, da CRP.
 
                   E estas dúvidas não se me esfumam, mesmo considerada a 
 especial vinculação constitucional e legal da administração fiscal. É que, 
 dentro da actual estrutura orgânica administrativa, cada vez mais se perde a 
 relação entre o facto e o agente-pessoa e com isso os elementos desveladores de 
 quem ilicitamente deixou sair para fora do seu foro funcional informação nele 
 obtida.
 Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Não acompanhei a fundamentação de nºs 16, por considerar que não é pacífica a 
 inclusão do sigilo bancário no direito à reserva da intimidade da vida privada 
 
 (no mesmo sentido, GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Anotação ao artigo 26º, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 2007, pg. 469).
 
  
 Em meu entender – tal como o próprio Acórdão admite no nº 19 – a violação do 
 direito a um procedimento e a um processo justos, só por si, afigura-se como 
 fundamento bastante para justificar a pronúncia pela inconstitucionalidade das 
 normas constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 69.º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 
 
 110.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção 
 dada pelo artigo 3.º do Decreto n.º 139/X da Assembleia da República. 
 Lisboa, 14 de Agosto de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 
  
 
                                                     
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 A possibilidade consagrada no n.º 10 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, na 
 redacção introduzida pelo Decreto n.º 139/X da Assembleia da República, de 
 comunicação da decisão de avaliação da matéria colectável através de métodos 
 indiciários à entidade da tutela, para efeitos de averiguações, quando essa 
 decisão se reporte a funcionário ou titular de cargo, é susceptível de violar o 
 princípio da igualdade no ponto em que a diferenciação que assim se estabelece 
 em relação a qualquer outro cidadão contribuinte não se encontra justificada por 
 um qualquer fundamento material válido.
 
  
 A aludida norma não poderá deixar de ser interpretada como impondo à 
 Administração tributária a obrigação de comunicar a um órgão administrativo (que 
 detenha poderes de inspecção sobre o funcionário ou titular de cargo) a simples 
 decisão de submeter esse funcionário ou agente a um procedimento de avaliação 
 indirecta para efeitos da determinação da matéria tributável. A comunicação 
 deverá conduzir, como necessária decorrência da imposição legal, à abertura de 
 um processo de averiguações que, dentro do quadro jurídico definido pelo artigo 
 
 88º do Estatuto Disciplinar, implica a realização de diligências destinadas a 
 detectar a eventual existência de faltas ou irregularidades no funcionamento dos 
 serviços, e que poderão culminar com a subsequente instauração de um processo de 
 inquérito ou um processo disciplinar.
 
  
 Embora se reconheça, em tese geral, a existência de um princípio de cooperação 
 entre as entidades administrativas relativamente à notícia e participação de 
 factos praticados por um qualquer funcionário ou agente que sejam susceptíveis 
 de integrarem uma infracção disciplinar (artigo 46º do Estatuto Disciplinar), o 
 que sobreleva no dever de comunicação previsto na citada norma do n.º 10 do 
 artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, é a circunstância de a Administração 
 tributária se aproveitar do conhecimento privilegiado de que dispõe 
 relativamente à situação fiscal de um funcionário para despoletar a realização 
 de averiguações sobre eventuais comportamentos disciplinarmente puníveis, quando 
 
 é certo que, por um lado, os dados recolhidos sobre a situação tributária dos 
 contribuintes está sujeita, em princípio, a uma reserva de confidencialidade 
 
 (artigo 64º da Lei Geral Tributária), e, por outro lado, o que está na origem do 
 dever de comunicação é uma mera decisão de procedimento tributário, e, por isso, 
 uma decisão administrativa que em si mesma não é indiciária do cometimento de 
 qualquer falta ou irregularidade que deva ser valorada disciplinarmente.  
 
  
 
 É claro que a Administração Pública e os seus funcionários e agentes, quando no 
 exercício da suas funções, estão vinculados a um princípio de legalidade (artigo 
 
 266º da CRP). Porém, a principal consequência que daí decorre é a de que os 
 cidadãos poderão reagir jurisdicionalmente contra quaisquer actuações materiais 
 ilícitas ou decisões administrativas ilegais que lesem os seus direitos ou 
 interesses legalmente protegidos (artigo 268º, n.ºs 4 e 5, da CRP); e, no plano 
 das relações internas, o Estado e as demais entidades públicas poderão ainda 
 accionar a responsabilidade civil, criminal e disciplinar dos seus funcionários 
 e agentes pelas acções e omissões praticadas no exercício das suas funções e por 
 causa desse exercício (artigo 271º, n.º 1, da CRP). Nestes termos, a 
 responsabilidade específica do funcionário e agente público pressupõe uma 
 conexão funcional com o serviço, não podendo estar em causa simples 
 comportamentos privados, nem bastando uma relação indirecta ou ocasional com o 
 serviço (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, pág. 952).
 
  
 Assim se compreende que, contrariamente ao que resultava do antigo estatuto 
 disciplinar de 1943, o actual regime legal tenha passado a definir a infracção 
 disciplinar como o facto praticado «com violação de algum dos deveres gerais ou 
 especiais decorrentes da função», tendo deixado de a caracterizar como uma 
 infracção desse tipo a violação de deveres sociais e, portanto, a simples a 
 contravenção de deveres inerentes à vida privada do funcionário (cfr. artigo 3º, 
 n.º 1, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de 
 Janeiro, no confronto com o artigo 2º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 32659, de 9 de Fevereiro de 1943).
 
  
 No caso vertente, o que está em causa é a prolação pela Administração tributária 
 de uma decisão procedimental que implica a sujeição do contribuinte a uma 
 avaliação indirecta da matéria tributável, quando se considerem verificados os 
 pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, e que 
 se traduzem na possível divergência entre a situação declarada pelo interessado, 
 para efeitos tributários, e os meios de fortuna que externamente evidencie. Essa 
 decisão, de natureza administrativa, é susceptível de recurso para o tribunal 
 tributário, por parte do contribuinte (artigo 89º-A, n.º 6), que poderá desde 
 logo discutir, por essa via, a validade dos indicadores que serviram de base à 
 avaliação indirecta. Por outro lado, a decisão, para além de poder ser revista 
 jurisdicionalmente, não indicia em si mesma a prática de qualquer comportamento 
 disciplinarmente censurável. Isto é, o que se pretende que seja comunicado ao 
 serviço ou entidade administrativa com competência disciplinar sobre o 
 contribuinte-funcionário não é a ocorrência de quaisquer factos indiciários de 
 faltas ou irregularidades cometidas no âmbito da relação de serviço de que se 
 tenha tomado conhecimento no âmbito de um procedimento tributário, mas 
 unicamente a decisão (adoptada nesse procedimento) de que resulta para o 
 interessado uma certa consequência fiscal.
 
  
 E o que é importante notar é que essa comunicação é impulsionada por uma 
 situação da vida particular do funcionário, como é o facto de este, enquanto 
 mero cidadão, se ter relacionado com a Administração no âmbito de uma relação 
 jurídica tributária.
 
  
 O comando contido na referenciada norma do n.º 10 do artigo 89º-A da Lei Geral 
 Tributária evidencia, como bem se vê, uma injustificável permeabilidade entre a 
 relação jurídica tributária e a relação de serviço, e coloca o funcionário ou 
 agente administrativo numa situação mais gravosa de qualquer outro cidadão 
 contribuinte, sem que para isso subsista um fundamento material válido.
 
  
 
 É patente que não há uma qualquer equivalência entre a sujeição comum de 
 qualquer cidadão de vir a ser objecto, fundada ou infundadamente, de uma 
 denúncia que envolva a eventual instauração de um processo sancionatório, e a 
 situação particular do funcionário que, apenas pelo facto de o ser, passa a ter 
 um tratamento diferenciado em relação a qualquer outro  cidadão contribuinte, a 
 ponto de a sua inclusão numa certa situação fiscal vir a desencadear, não apenas 
 as consequências que estão definidas, em geral, para todos os contribuintes, mas 
 também a suspeição do envolvimento em irregularidades em termos de justificar a 
 abertura de um processo de averiguações.
 
  
 
 É claro que um tal processo de averiguações, tendo por base uma decisão de 
 procedimento tributário que prefigura uma divergência entre os meios de fortuna 
 que o funcionário ostenta na sua vida privada e a declaração de rendimentos para 
 efeitos fiscais, apenas pode ter como objectivo a indagação de factos que possam 
 indiciar a obtenção de ganhos ilícitos – e que, por isso, se relaciona 
 directamente, não com quaisquer considerações de interesse público que possam 
 justificar uma reorganização dos serviços ou uma modificação do seu 
 funcionamento, mas com a própria posição jurídica do funcionário. E neste plano 
 de análise, o que interessa reter – conforme se deixou já esclarecido - é que 
 não é uma simples decisão administrativa incidente sobre a situação fiscal do 
 contribuinte, desligada de factos indiciários da prática de infracção 
 disciplinar (que, a existirem, justificariam a instauração de processo 
 disciplinar e não de mero processo de averiguações), que pode vir a interferir 
 ao nível na relação de serviço, quando o contribuinte detenha também a qualidade 
 de funcionário. Isso porque, como também se anotou, não é o presuntivo 
 incumprimento de um dever fiscal (por não correspondência entre os rendimentos 
 declarados e os rendimentos efectivamente existentes) que pode constituir, por 
 si, uma infracção disciplinar.
 
  
 De outro modo, a aceitar-se uma diferença específica com base no estatuto 
 profissional dos contribuintes, sempre se poderia perguntar por que é que 
 idêntico regime não é tornado extensivo a qualquer trabalhador activo, que, 
 mesmo que inserido numa relação de trabalho de direito privado, está igualmente 
 sujeito ao poder disciplinar da entidade empregadora.
 
  
 Por tudo, entende-se que a parte final da norma do n.º 10 do artigo 89º-A da Lei 
 Geral Tributária, na redacção introduzida pelo Decreto n.º 139/X da Assembleia 
 da República, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, n.º 1, 
 da Constituição da República, enquanto determina uma diferenciação entre 
 cidadãos, com base em condições meramente subjectivas, e potencia, nesses 
 termos, uma desigualdade na aplicação do direito. Pelo que, também nessa parte, 
 ter-me-ia pronunciado pela inconstitucionalidade do referido segmento normativo. 
 
 
 
  
 Carlos Alberto Fernandes Cadilha
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Votei vencido quanto à alínea b) da decisão, no essencial pelas razões que, 
 dadas as circunstâncias, muito sumariamente, passo a expor:
 
  
 
 1. Em primeiro lugar, porque considero que a Constituição da República 
 Portuguesa não consagra um direito fundamental ao sigilo bancário para os 
 clientes das instituições financeiras sujeitas ao dever de segredo.
 
  
 Desde logo, porque um tal direito não consta de disposição expressa da 
 Constituição, mas também porque considero que o sigilo bancário resultante do 
 dever de segredo imposto às instituições financeiras se não encontra coberto 
 pela reserva de intimidade da vida privada consagrada no artigo 26º, n.º 1 da 
 Constituição. Na verdade, os elementos constantes dos ficheiros e documentos 
 sujeitos ao dever de segredo por parte das instituições financeiras, além de 
 dizerem respeito a transacções em que a própria instituição financeira é parte, 
 não fazem naturalmente parte da esfera íntima do cliente e, em última instância, 
 contêm apenas informação voluntariamente cedida às instituições financeiras, no 
 decurso de transacções financeiras comuns, sem que daí decorra que, de cada vez 
 que uma tal transacção acontece, o cliente esteja a expor a intimidade da sua 
 vida privada a todos os empregados bancários com acesso às respectivas contas ou 
 ao tratamento dos elementos da respectiva transacção.
 
  
 
 2. Em segundo lugar, consequentemente, porque, não sendo o sigilo bancário um 
 direito fundamental dos clientes das instituições financeiras, estamos fora do 
 
 âmbito de direitos, liberdades e garantias, o que implica que a liberdade de 
 conformação do legislador não está necessariamente sujeita aos estritos limites 
 constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição. E, sendo assim, como 
 iniludivelmente me parece que é, a criação pelo legislador, dentro da sua 
 liberdade de conformação, de um sistema em que a Administração Tributária - 
 incumbida da liquidação e cobrança da tributação que, constitucionalmente, visa 
 a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades 
 públicas, bem como uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza e, também 
 ela, sujeita ao dever de segredo – tem acesso a dados protegidos pelo sigilo 
 bancário legalmente estabelecido, não afronta, em si mesmo, o Estado de direito 
 democrático, nem quaisquer preceitos ou princípios constitucionais. Sendo ainda 
 certo que, não valendo o actual artigo 63º-B da Lei Geral Tributária como 
 parâmetro de aferição da validade de quaisquer medidas legislativas respeitantes 
 ao levantamento do referido sigilo, as diferenças de regime eventualmente 
 existentes, além de se poderem incluir na já mencionada liberdade de 
 conformação, não têm de “ser ponderadas na avaliação de conformidade 
 constitucional das medidas em apreço”.
 
  
 
 3. Finalmente, porque entendo, ao contrário da maioria que fez vencimento, que o 
 acesso por parte da Administração Tributária a dados cobertos pelo sigilo 
 bancário, quando, face a factos alegados pelo contribuinte, que pretende a 
 anulação de actos tributários, tal se apresente como uma diligência 
 manifestamente indispensável (e, consequentemente, em absoluto, fundadamente se 
 justifique) para concretizar a justiça fiscal e a igualdade contributiva 
 constitucionalmente exigidas e menos consideradas na tese vencedora (conferindo 
 ou negando razão ao reclamante/impugnante), não afecta, em nada, quaisquer 
 direitos de reclamação ou de impugnação. Aliás, nos casos em análise, 
 constatando-se que, na ausência de um tal acesso, é consabido que é a 
 Administração Tributária quem tem “o braço mais curto”, tal acesso, ao invés de 
 constituir um “contra-motivo ao exercício de direitos básicos do administrado” e 
 de pôr em causa a tutela jurisdicional efectiva e o direito a um processo 
 equitativo, constituirá, porventura, condição essencial para que este último 
 tenha efectivamente lugar. Sendo ainda certo que, em última instância, caberá 
 sempre a um tribunal apreciar a prova adicional produzida e o respectivo valor.
 
  
 
 4. Neste contexto, pronunciei-me pela não declaração de inconstitucionalidade 
 dos n.ºs 2 e 3 do artigo 69º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 110º, ambos do Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário, na redacção dada pelo artigo 3º do 
 Decreto n.º 139/X da Assembleia da República.
 Gil Galvão
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1– Devo começar por dizer, quanto à alínea b) da decisão – que todavia subscrevo 
 
 –, que, na minha opinião, o Acórdão n.º 198/2003 pretendeu não tomar posição 
 sobre se 'o direito de reclamação' se inclui, ou não inclui, 'no disposto no 
 artigo 52º da Constituição', diferentemente do que se afirma no ponto 17.1. do 
 presente aresto, onde se diz que o Tribunal, no referido Acórdão, optou por 
 entender que 'essa tutela não se inclui no disposto no artigo 52º da CRP'.
 
  
 
 2– E votei vencido quanto à alínea a) da decisão pelas razões que, em síntese, 
 são as seguintes: 
 A norma impugnada determina que, no caso de a avaliação da matéria colectável 
 ocorrer com recurso ao método indirecto, a respectiva decisão da administração 
 fiscal deverá ser comunicada ao Ministério Público e, no caso de o contribuinte 
 ser funcionário público ou agente de entidade pública,  também 'à tutela deste', 
 
 'para efeitos de averiguações no âmbito da respectiva competência'. 
 Esta técnica (seja qual for o real alcance da norma, que não foi averiguado) 
 radica no entendimento – que o acórdão subscreve mas que, salvo o devido 
 respeito, não acompanho – de que a divergência entre a declaração de rendimentos 
 do contribuinte e aquilo que o legislador entende ser o padrão médio de vida do 
 cidadão com tais rendimentos, conduz irrecusavelmente a um juízo de censura 
 social do contribuinte, não dando margem a que se tenha por não ilegítimo um 
 comportamento (leia-se, declaração de rendimento para efeitos fiscais) que se 
 revele não totalmente coincidente com a avaliação da administração fiscal, mesmo 
 nos casos em que, na determinação final, não ocorre a intermediação de um órgão 
 independente, como é um tribunal.
 Nesta óptica, a norma não terá outra utilidade que não a de exercer uma clara 
 função intimidadora do contribuinte, especialmente quando este é funcionário ou 
 agente público que, por esta via, vê ligar-se a estabilidade do seu emprego e a 
 reserva da intimidade da sua vida privada e familiar à docilidade com que aceita 
 as prescrições administrativas da autoridade fiscal. 
 
 É que as regras legais em vigor – retiradas, por exemplo, do estatuto do 
 Ministério Público, do processo penal e do estatuto da Função Pública –, já 
 impõem o dever de denúncia de crimes, ou de ilícitos disciplinares, às 
 autoridades com competência para a investigação criminal, ou para o procedimento 
 disciplinar, conforme os casos, quando a notícia de qualquer uma destas 
 infracções é conhecida no decorrer da actividade das autoridades públicas.
 Mas não é isto – por evidente desnecessidade – que a norma pretende reafirmar: o 
 que se pretende é que, mesmo não ocorrendo nenhuma infracção, quer de natureza 
 criminal, quer de natureza disciplinar, a administração passe a denunciar a 
 situação fiscal do contribuinte, comunicando ao serviço onde presta funções o 
 funcionário ou o agente a 'decisão de avaliação da matéria colectável', decisão 
 onde necessariamente constam dados sobre a vida privada do cidadão, permitindo 
 ainda – dada a imprecisão normativa – que, de um modo totalmente abusivo, se 
 possa entender que a incorrecta declaração fiscal signifique autonomamente 
 ilícito disciplinar.
 A meu ver, a norma provoca, sem justificação suficiente, a violação do sigilo 
 fiscal, garantia que este Tribunal já reconheceu assumir 'um carácter 
 instrumental de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada' 
 
 (Acórdão n.º 256/2002).
 Votei, portanto, no sentido da inconstitucionalidade da norma, por 
 desconformidade com o artigo 26º n.ºs 1 e 2 da Constituição.
 Carlos Pamplona de Oliveira