 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 440/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Em 10 de Julho de 2007 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não 
 tomar conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A..
 Este recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo do disposto no 
 artigo 70.°, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Évora, de 30 de Janeiro de 2007, tem como objecto a 
 apreciação da “inconstitucionalidade da norma dos artigos 315.º, n.º 1, 374.º, 
 n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, 672.º e 677.º 
 do C.P.C., com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida”. 
 Segundo o recorrente, “(T)tais normas violam os artigos 13.º e 32.º, n.º 1 da 
 Constituição”.
 A decisão de não conhecimento do objecto do recurso assentou nos seguintes 
 fundamentos: 
 
  
 
 2.  Analisados os autos, conclui-se que é de proferir decisão sumária ao abrigo 
 do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82 (Lei do Tribunal 
 Constitucional).
 Com efeito, são requisitos da interposição do recurso previsto na alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a indicação da norma 
 aplicada pela decisão recorrida apesar da acusação da sua desconformidade 
 constitucional e a suscitação durante o processo da questão de 
 
 (in)constitucionalidade normativa.
 No presente caso, a afirmação, em abstracto, que uma dada interpretação de um 
 conjunto de preceitos legais é inconstitucional, sem indicar, clara e 
 adequadamente, a dimensão ou interpretação normativa que enferma desse vício, 
 não representa a enunciação da norma cuja constitucionalidade se pretende ver 
 fiscalizada pelo Tribunal.
 Por outro lado, a suscitação da questão de (in)constitucionalidade normativa 
 
 (referida aos preceitos dos artigos 315.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 
 
 672.º e 677.º do Código de Processo Civil) ocorreu, conforme declara o 
 recorrente, no incidente pós-decisório de fls. 665 dos autos, altura em que já 
 não é possível ao tribunal que decide apreciar questões novas. 
 Não se considera, assim, suscitada durante o processo a questão de 
 
 (in)constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, 
 na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade (v., entre muitos outros, o Acórdão n.º 155/95, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995). 
 Embora fosse possível suprir a irregularidade relativa à não enunciação da norma 
 objecto do presente recurso, é certo que a não suscitação durante o processo da 
 questão de (in)constitucionalidade normativa constitui obstáculo inultrapassável 
 ao respectivo conhecimento (artigo 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal 
 Constitucional).
 
  
 
  
 
 2.  Notificado desta decisão, A. veio, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, reclamar para a conferência, dizendo, 
 entre o mais, o seguinte: 
 
  
 Na verdade, o recorrente arguiu uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, 
 a pós-decisão de fls. 665. 
 Mas será esse facto motivo para que o douto Tribunal não admita o recurso e tome 
 conhecimento da (in) constitucionalidade? 
 Salvo o devido respeito por opinião contrária, pensamos que não! 
 Vejamos então! 
 As nulidades insanáveis podem ser arguidas e conhecidas oficiosamente em 
 qualquer estado do processo, enquanto não houver decisão com trânsito em julgado 
 proferida sobre o fundo da causa, o que, de facto, no caso, aconteceu uma vez 
 que a nulidade foi arguida depois de proferida a decisão, de mérito, mas antes 
 do seu trânsito em julgado. 
 Assim sendo, era ainda possível ao tribunal recorrido conhecer também da questão 
 de constitucionalidade que estava subjacente a tal arguição de nulidade. 
 Com efeito, tratava-se de matéria da causa que, em excepção ao artigo 666.°, n.° 
 
 1 do Código de Processo Civil, o tribunal recorrido podia conhecer, apesar de 
 ter sido proferida decisão final, e em relação à qual o seu poder jurisdicional 
 não se havia ainda esgotado. 
 Condição, pois, da admissibilidade do recurso, tendo a questão 
 de inconstitucionalidade sido suscitada após a prolação da decisão, é a 
 de a questão se conexionar com outra relativamente à qual o poder de jurisdição 
 do tribunal a quo se não esgotou com a decisão e de tal forma que esse tribunal 
 ainda possa reexaminar, por via de reclamação, essa outra questão. 
 
  
 
  
 Assim, entendeu o Tribunal Constitucional, Acórdão n.° 158/90 de 22/05/90, in 
 
 www.dgsi.pt, que decidiu: 
 
 “I – O recurso para o Tribunal Constitucional fundado na alínea b), do n. 1, do 
 artigo 70 da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, ao exigir que a 
 inconstitucionalidade da norma apreciada haja sido suscitada durante o processo 
 deverá ser entendido não num sentido puramente formal mas antes num sentido 
 funcional. 
 II – Com efeito, deverá interpretar-se esse preceito não apenas no sentido de 
 que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada ate a extinção da instância, 
 mas sim antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a 
 mesma questão de inconstitucionalidade respeita, ou seja, em momento em que o 
 Tribunal “a quo” ainda pudesse conhecer da questão. 
 III – Quando a questão de constitucionalidade se conexiona com outra 
 relativamente a qual o poder de jurisdição do Tribunal “a quo” se não haja 
 esgotado com a anterior decisão, e de tal forma que esse Tribunal ainda possa 
 reexaminar, por via de reclamação, essa outra questão, então estará o 
 interessado ainda a tempo de, nessa reclamação, invocara inconstitucionalidade. 
 IV – Assim tratando-se de uma nulidade de processo de que o Tribunal “a quo” 
 ainda podia tomar conhecimento, na correspondente reclamação também ainda 
 poderia o interessado invocar essa questão de inconstitucionalidade”. 
 No mesmo sentido o Acórdão do TC n.° 109/90 de 18/04/90, in www.dgsi.pt, onde se 
 lê: 
 
 “Ora, nos termos do artigo 280, n° 1 da Constituição, cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais “que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”. A questão da 
 inconstitucionalidade foi suscitada durante o incidente atípico, enxertado nos 
 autos principais, após a decisão final, mas antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do Tribunal da Relação, logo, entende-se que a questão foi 
 suscitada durante o processo, e que a posição assumida quanto a questão no 
 acórdão – desfavorável a pretensão da requerente – e susceptível de impugnação 
 para o Tribunal Constitucional”. 
 No caso dos autos, a inconstitucionalidade fora arguida pelo recorrente no 
 requerimento onde arguir a nulidade insanável de conhecimento oficioso, para 
 fundamentar a tese de que lhe era lícito invocar nesse momento determinada causa 
 de nulidade do acórdão condenatório. 
 Tratava-se, pois, de uma questão «nova», sobre a qual o tribunal recorrido não 
 se havia pronunciado, nem tal lhe era possível, pela própria natureza da 
 questão, e, portanto, para a qual aquele tribunal ainda dispunha de poder 
 jurisdicional. 
 Ora, estando a questão de constitucionalidade conexionada com aquela outra, a 
 sua suscitação na arguição no requerimento de arguição de nulidade insanável foi 
 atempada, pois, que, também, pela sua natureza, não o podia ter sido antes. 
 Precisando melhor: o requisito da admissibilidade do recurso previsto no artigo 
 
 70.°, n.° 1 alínea b), no que respeita ao significado da locução «durante o 
 processo», deve ser tomado não em sentido puramente «formal», tal que a 
 inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instancia, mas num 
 sentido puramente «funcional», tal que essa invocação haverá de ser feita em 
 momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão. Por outras 
 palavras: a inconstitucionalidade haverá de se suscitar antes de esgotado o 
 poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma questão de 
 inconstitucionalidade respeita (Acs. 90/85, 94/88, 352/94, 584/96).
 
  
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu 
 pela seguinte forma à reclamação:
 
  
 
 1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2°
 Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento, por 
 não abalar os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada.
 Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, no nosso sistema de fiscalização 
 concentrada e incidental da constitucionalidade não compete ao Tribunal 
 Constitucional conhecer da eventual inconstitucionalidade de decisões judiciais 
 em si mesmo consideradas. No recurso de constitucionalidade, tal como foi 
 delineado pela Constituição da República e pela Lei do Tribunal Constitucional, 
 este é apenas um órgão de fiscalização da constitucionalidade de normas, tal 
 como estas foram interpretadas e aplicadas na sentença de que se recorre. Não 
 pode, pois, ser apreciada a questão de (in)constitucionalidade da decisão – do 
 acto de aplicação do direito –, mas, apenas, da norma que nela haja sido 
 aplicada. Como se pode ler no Acórdão n.º 604/93, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 29 de Abril de 1994:
 
 [...] Importa referir que o legislador constituinte referencia como elemento 
 definidor do objecto típico da actividade do Tribunal em matéria de fiscalização 
 de constitucionalidade – designadamente, de fiscalização concreta – o conceito 
 de ‘norma jurídica’. Assim, apenas as normas podem ser objecto de controlo 
 constitucional e não as decisões judiciais enquanto tais. 
 A este respeito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Fundamentos da 
 Constituição, 1991, p. 258): “pode-se atacar uma decisão judicial – recorrendo 
 dela para o TC – se ela aplicou uma norma arguida de inconstitucionalidade ou se 
 deixou de aplicar uma norma por motivo de inconstitucionalidade. Mas não se pode 
 impugnar junto do TC uma decisão judicial, por ela mesma ofender por qualquer 
 motivo a Constituição.”» (Cfr. também os Acórdãos n.ºs 595/97, 338/98, 520/99 e 
 
 232/2002, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
  
 Nada obsta, portanto, a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou 
 dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, o recorrente 
 tem o ónus de indicar, de modo claro e perceptível, perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, a exacta dimensão normativa do preceito que 
 entende não dever ser aplicada por ser incompatível com a Constituição. Como se 
 disse, entre muitos outros, no Acórdão n.º 21/2006 (também ele disponível no 
 sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt), “identificar uma interpretação 
 normativa é, no mínimo, indicar com precisão o sentido dado à norma, para que o 
 Tribunal, se vier a julgar inconstitucional essa mesma norma – entendida nesse 
 preciso sentido –, possa enunciar, na decisão que proferir, de modo que todos os 
 operadores jurídicos disso fiquem cientes, qual a interpretação que não pode ser 
 adoptada, por ser incompatível com a Constituição”.
 No requerimento de recurso de constitucionalidade o recorrente invocou que 
 
 “pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma dos artigos 315.º, n.º 
 
 1, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, 
 
 672.º e 677.º do C.P.C., com a interpretação com que foi aplicada na decisão 
 recorrida”. No seu entendimento, “(T)tais normas violam os artigos 13.º e 32.º, 
 n.º 1 da Constituição”.
 Porém, nenhuma destas “normas” foi impugnada perante o tribunal a quo, de forma 
 a permitir que este se pronunciasse sobre tal(ais) questão(ões) de 
 
 (in)constitucionalidade e a permitir que a intervenção do Tribunal 
 Constitucional se fizesse em via de recurso, reapreciando uma decisão anterior.
 
  
 De facto, tal(ais) questão(ões) de (in)constitucionalidade nunca foi(ram) 
 suscitada(s) ao tribunal recorrido, nem sequer quando se arguiu a “nulidade de 
 conhecimento oficioso da competência do Tribunal da Relação de Évora” a fls. 665 
 e segs. dos autos. O que nesta altura se escreveu quanto à(s) questão(ões) de 
 
 (in)constitucionalidade foi, tão só, o que seguidamente se transcreve:
 O Venerando Tribunal ao não considerar tempestiva a contestação apresentada pelo 
 arguido em 13/01/2003, fez uma interpretação dos artigos 315.º, n.º 1 do CPP e 
 
 672 e 677.º do C.P.C. contrária aos princípios consignados nos artigos 13.º e 
 
 32.º da CRP. (Fl. 671 dos autos)
 
  
 Ora, mesmo que se admitisse – como o reclamante pretende – que nessa altura 
 ainda se não esgotara o poder jurisdicional do tribunal a quo, em resultado de 
 que se tratava “de matéria da causa que, em excepção ao artigo 666.º, n.º 1 do 
 Código de Processo Civil, o tribunal recorrido podia conhecer, apesar de ter 
 sido proferida decisão final, e em relação à qual o seu poder jurisdicional não 
 se havia ainda esgotado” (fl. 712 dos autos), ao não suscitar nessa altura, como 
 não suscitou, de modo processualmente adequado quaisquer questões de 
 inconstitucionalidade normativa, o ora reclamante estaria a deixar de cumprir o 
 seu ónus de adopção de uma “estratégia processual adequada” (cfr. Acórdão n.º 
 
 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992).
 Daí que perca todo o sentido a discussão sobre se “as nulidades insanáveis podem 
 ser arguidas e conhecidas oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto 
 não houver decisão com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, o 
 que, de facto, no caso, aconteceu uma vez que a nulidade foi arguida depois de 
 proferida a decisão, de mérito, mas antes do seu trânsito em julgado” (fl. 712 
 dos autos); ainda que assim tivesse sido, ao não suscitar de modo 
 processualmente adequado a(s) questão(ões) de (in)constitucionalidade normativa, 
 o ora reclamante pôs de parte qualquer possibilidade de o Tribunal 
 Constitucional poder vir a apreciar a conformidade constitucional da 
 interpretação (não concretizada de forma processualmente adequada) dos “artigos 
 
 315.º, n.º 1, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo 
 Penal, 672.º e 677.º do C.P.C.”, adoptada na decisão de 30 de Janeiro de 2007 do 
 Tribunal da Relação de Évora, ao menos ao abrigo do recurso de 
 constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, que exige, como se escreveu na decisão reclamada, a 
 suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo.
 Por falta de verificação dos requisitos indispensáveis para tanto – os quais já 
 não poderiam ser supridos mediante qualquer convite para aperfeiçoamento do 
 requerimento de recurso –, não podia, pois, o Tribunal Constitucional tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade, razão pela qual é de confirmar a 
 decisão reclamada, que não admitiu tal recurso, indeferindo-se a presente 
 reclamação.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 o reclamante em custas, com  20  unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 25 de Setembro de 2007
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão