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Processo n.º 670/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                     1. Relatório
 
                                     O representante do Ministério Público no 
 Tribunal Judicial de Abrantes interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra a sentença do respectivo 3.º Juízo, de 17 de Abril 
 de 2007, que – na impugnação deduzida por A. contra a decisão da Delegação de 
 Viação de Portalegre, de 12 de Janeiro de 2006, que lhe aplicou a sanção 
 acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, por ter praticado uma 
 contra‑ordenação (não cumprimento do sinal de paragem obrigatória em 
 entroncamento) classificada como “muito grave” (artigos 21.º, n.º 1, e 23.º, 
 alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 22‑A/98, de 1 de Outubro, e 136.º, 138.º 
 e 146.º, alínea n), do Código da Estrada) – “recus[ou] a aplicação dos artigos 
 
 130.º, n.º 1, alínea a), e 122.º, n.º 4, do Código da Estrada, por violação do 
 artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa” e, em 
 consequência, “julg[ou] não caducada a carta de condução do arguido”, embora 
 tenha confirmado, no mais (aplicação da inibição de conduzir pelo período de 30 
 dias), a decisão da autoridade administrativa.
 
                                     A referida sentença assentou a recusa de 
 aplicação dos artigos 130.º, n.º 1, aliena a), e 122.º, n.º 4, do Código da 
 Estrada, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), e, em consequência, julgou não caducada a carta de condução 
 do arguido, confirmando no mais a decisão da autoridade administrativa, na 
 seguinte fundamentação jurídica:
 
  
 
                   “O arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima, pelo que 
 aceitou a prática da infracção conforme descrito no auto de contra‑ordenação. 
 Portanto, este recurso apenas prossegue restrito à gravidade da infracção e à 
 sanção acessória aplicável (artigos 172.º, n.º 5, e 175.º, n.º 4, ambos do 
 Código da Estrada).
 
                   Nestes termos, não será abordada a questão do erro quanto aos 
 pressupostos de punição, uma vez que tal se prende com a própria prática do 
 facto, o qual foi expressamente aceite por via do pagamento voluntário da coima. 
 O arguido praticou a contra‑ordenação prevista nos artigos 21.º, n.º 1, e 23.º, 
 alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 22‑A/98, de 1 de Outubro, e 146.º, alínea 
 n), do Código da Estrada, qualificada, pela lei, como muito grave. As 
 contra‑ordenações graves e muito graves são punidas com coima e com sanção 
 acessória (artigo 138.º, n.º 1, do Código da Estrada). Esta sanção acessória 
 consiste na inibição de conduzir (artigo 147.º, n.º 1, do Código da Estrada).
 Dispõe o artigo 141.º do Código da Estrada que «pode ser suspensa a execução da 
 sanção acessória aplicada a contra‑ordenações graves no caso de se verificarem 
 os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das 
 penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números 
 seguintes».
 Da simples leitura deste normativo resulta que apenas as contra‑ordenações 
 graves são passíveis de ser suspensas na sua execução.
 Ora, conforme vimos, o arguido praticou uma contra‑ordenação muito grave.
 Deste modo, a lei impõe que o arguido seja punido com inibição de conduzir e que 
 não possa ver suspensa a execução desta sanção acessória.
 A sanção de inibição de conduzir para as contra‑ordenações muito graves tem a 
 duração mínima de dois meses e a máxima de dois anos (artigo 147.º, n.º 2, do 
 Código Estrada).
 Ao arguido foi aplicada esta sanção acessória pelo período de 30 dias. Portanto, 
 a autoridade administrativa aplicou a inibição de conduzir pelo mínimo 
 admissível, o qual já advém da redução para metade do limite mínimo da sanção, 
 por força da atenuação especial do artigo 140.º do Código da Estrada.
 Assim, face à impossibilidade de redução da sanção ou do seu agravamento – este 
 em virtude da proibição do reformatio in pejus (artigo 72.º‑A do Decreto‑Lei n.º 
 
 433/82, de 27 de Outubro) – não relevam os termos da prática da infracção.
 Portanto, o arguido deve ser sancionado com a inibição de conduzir pelo período 
 de 30 dias.
 Sucede que o arguido é titular de carta de condução desde 2 de Fevereiro de 
 
 2005 e cometeu a infracção ora em apreço no dia 2 de Setembro de 2005.
 Dispõe o artigo 122.º, n.º 4, do Código da Estrada que «a carta de condução 
 emitida a favor de quem não se encontra já legalmente habilitado para conduzir 
 qualquer das categorias ou subcategorias de veículos nela previstos tem carácter 
 provisório e só se converte em definitiva se, durante os três primeiros anos do 
 seu período de validade, não foi instaurado ao respectivo titular procedimento 
 pela prática de crime ou contra‑ordenação a que corresponda proibição ou 
 inibição de conduzir».
 Por sua vez, o artigo 130.º, n.º 1, do Código da Estrada estabelece o seguinte: 
 
 «o título de condução caduca quando: a) sendo provisório nos termos dos n.ºs 4 
 e 5 do artigo 122.º, o seu titular tenha sido condenado pela prática de um crime 
 rodoviário, de uma contra‑ordenação muito grave ou de duas contra-ordenações 
 graves (...)». 
 Assim sendo, o arguido é titular de uma carta de condução provisória que, por 
 força da prática da presente contra‑ordenação, teria necessariamente de caducar. 
 Com efeito, a infracção ao Código da Estrada levado a cabo pelo arguido ocorreu 
 dentro dos três anos seguintes à emissão da sua carta de condução – período em 
 que a mesma mantém um carácter provisório –, sendo qualificada pela lei como 
 muito grave. Logo, por imperativo legal, a carta de condução do arguido 
 caducaria.
 Esta medida legal já foi objecto de apreciação por parte do Tribunal 
 Constitucional, o qual, à luz da anterior redacção do Código da Estrada, 
 decidiu o seguinte: «(...) A obtenção da carta ou licença de condução é, assim, 
 um processo com várias fases, que exige o preenchimento de vários requisitos 
 positivos e negativos, o que é justificado pelos potenciais riscos dessa 
 actividade para bens jurídicos essenciais.
 Com efeito, a lei apenas prevê que o requisito da obtenção de licença definitiva 
 seja a não instauração de procedimento por infracção de trânsito, tratando‑se, 
 portanto, de um verdadeiro requisito negativo da extinção do carácter 
 provisório da licença. Por outro lado, ao determinar a caducidade da licença 
 provisória, no caso da condenação em proibição de conduzir ou de inibição de 
 conduzir, a lei apenas consagra um requisito negativo da obtenção da carta.
 Assim sendo, não se verifica sequer um efeito sobre direitos adquiridos, mas 
 apenas a valoração de uma pena relacionada com a condução automóvel nas 
 condições de obtenção da licença de condução.
 
 (...)
 Deste modo, não se verifica a alegada violação do artigo 30.º, n.º 4, da 
 Constituição.» (Acórdão n.º 461/2000, de 25 de Outubro de 2000, Cons.ª Maria 
 Fernanda Palma).
 Porém, não pode deixar de se afirmar que a prática de uma contra‑ordenação 
 muito grave é forçosamente sancionada com a inibição de conduzir (artigo 138.º 
 do Código da Estrada), sendo que a sua prática dentro dos três anos 
 imediatamente posteriores à concessão da carta de condução ao infractor acarreta 
 de um modo inelutável a caducidade deste título de condução, tanto mais que nem 
 sequer é possível a suspensão da execução da inibição de conduzir (artigo 141.º, 
 n.º 1, do Código da Estrada).
 Por conseguinte, ainda que se encare a não prática de contra‑ordenações graves 
 ou muito graves durante o período dos três anos imediatamente posteriores à 
 obtenção de carta como um requisito negativo para obtenção desta, não deixa de 
 ser contrário ao artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa o 
 facto de uma pessoa habilitada a conduzir, ainda que provisoriamente, não mais o 
 possa fazer – sem voltar a obter novo título – como efeito necessário da 
 prática de uma daquelas contra‑ordenações no período referido.
 Trata‑se, na verdade, de um efeito automático da prática das aludidas 
 contra‑ordenações no período em causa, não beneficiando o infractor de qualquer 
 análise, seja da autoridade administrativa seja do Tribunal, sobre a gravidade 
 do facto, em termos de ilicitude e culpa manifestada no mesmo, que permita 
 afastar a sua aplicação.
 Assim, a caducidade da carta de condução nos termos definidos nos artigos 130.º, 
 n.º 1, alínea a), em conjugação com o artigo 122.º, n.º 4, ambos do Código da 
 Estrada, implica uma violação dos princípios da culpa e proporcionalidade das 
 sanções legais, pois afasta a possibilidade de uma ponderação, em concreto, dos 
 contornos da infracção, estabelecendo uma verdadeira sanção ex lege.
 Nestes termos, consideram‑se os artigos 130.º, n.º 1, aliena a), em conjugação 
 com o 122.º, n.º 4, ambos do Código da Estrada, inconstitucionais, por violação 
 do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
 Recusa‑se, por isso, a sua aplicação e, em consequência, não se considera 
 caducada a carta de condução do arguido.”
 
  
 
                                     Neste Tribunal, o representante do 
 Ministério Público apresentou alegações, no termo das quais formulou as 
 seguintes conclusões:
 
  
 
                   “1.º – Face à corrente jurisprudencial firmada nos Acórdãos 
 n.ºs 461/2000, 574/2000 e 45/2001 – que se considera transponível para o regime 
 de caducidade do título de condução, emergente da versão em vigor do Código da 
 Estrada – não viola o princípio constitucional da proibição das penas 
 automáticas o regime legal, decorrente das normas que integram o objecto do 
 presente recurso (artigos 130.º, n.º 1, alínea a), e 122.º, n.º 4, do Código da 
 Estrada), segundo o qual a condenação pela prática de contra‑ordenação muito 
 grave determina a caducidade do título de condução provisório, 
 perspectivando‑se a ausência do cometimento de infracções às regras estradais, 
 tidas pelo legislador como revelando comportamento de especial gravidade, como 
 requisito negativo de extinção do carácter provisório da licença.
 
                   2.º – Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                                     Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                     2. Fundamentação
 
                                     2.1. O Código da Estrada, aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 114/94, de 5 de Maio, previa, na sua versão originária, que 
 
 “quando inicialmente emitidas a favor de quem não seja titular de habilitação 
 legal para conduzir, as cartas de condução têm carácter provisório e só se 
 convertem em definitivas após o decurso dos dois primeiros anos do seu período 
 de validade sem que ao seu titular haja sido aplicada sanção de inibição do 
 direito de conduzir” (n.º 3 do artigo 125.º), dispondo o subsequente n.º 4 que 
 
 “a aplicação da sanção de inibição de conduzir ao titular de carta de condução 
 com carácter provisório implica a caducidade da respectiva carta”. A sanção 
 acessória de inibição de conduzir era, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, 
 aplicável às contra‑ordenações graves (enumeradas no artigo 148.º) e muito 
 graves (enumeradas no artigo 149.º), tendo “a duração mínima de um mês e máxima 
 de seis meses, ou mínima de dois meses e máxima de um ano, consoante seja 
 aplicável às contra‑ordenações graves ou muito graves, respectivamente” (n.º 2 
 do artigo 141.º). Os artigos 143.º, 144.º e 145.º previam a possibilidade de 
 dispensa, atenuação especial e suspensão da execução da referida sanção 
 acessória: ela podia ser dispensada no caso de contra‑ordenações graves, “tendo 
 em conta as circunstâncias da mesma e o facto de o infractor ser infractor 
 primário ou não ter praticado qualquer infracção grave ou muito grave nos 
 
 últimos três anos” (artigo 143.º); especialmente atenuada no caso de 
 contra‑ordenações muito graves, com redução para metade da sua duração mínima e 
 máxima, verificadas as mesmas condições do artigo precedente (artigo 144.º); e 
 suspensa a sua execução, por período a fixar entre seis meses e dois anos, 
 
 “verificando‑se os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a 
 suspensão da execução das penas”, suspensão em regra condicionada à prestação de 
 caução de boa conduta, a fixar entre 20 000$00 e 200 000$00, tendo em conta a 
 medida da sanção e a situação económica do infractor (artigo 145.º).
 
                                     Na revisão do Código da Estrada operada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, continuou a atribuir‑se carácter 
 provisório ao título de condução emitido a favor de quem não se encontrasse já 
 legalmente habilitado para conduzir qualquer das categorias de veículos nele 
 previstas, dependendo a sua conversão em definitivo da circunstância de, 
 
 “durante os dois primeiros anos do seu período de validade, não [ter sido] 
 instaurado ao respectivo titular procedimento pela prática de crime ou 
 contra‑ordenação a que correspondam proibição ou inibição de conduzir” (n.º 4 
 do artigo 122.º), pois, se similar procedimento tiver sido instaurado, “o título 
 de condução mant[inha] o carácter provisório até que a respectiva decisão se 
 torn[asse] definitiva ou transit[asse] em julgado” (n.º 5 do artigo 122.º), 
 caducando a carta de condução quando “sendo provisória nos termos dos n.ºs 4 e 5 
 do artigo 122.º, for aplicada ao seu titular pena de proibição de conduzir ou 
 sanção de inibição de conduzir efectiva” (artigo 130.º, n.º 1, alínea a)). A 
 sanção acessória de inibição de conduzir era, nos termos do artigo 139.º, n.º 1, 
 aplicável às contra‑ordenações graves (enumeradas no artigo 146.º) e muito 
 graves (enumeradas no artigo 147.º), tendo “a duração mínima de um mês e máxima 
 de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja 
 aplicável às contra‑ordenações graves ou muito graves, respectivamente” (n.º 2 
 do artigo 139.º). Continuava a prever‑se a possibilidade de dispensa de 
 aplicação da sanção de inibição de conduzir cominada para as contra‑ordenações 
 graves, “tendo em conta as circunstâncias da infracção, se o infractor não tiver 
 praticado qualquer infracção grave ou muito grave nos últimos cinco anos” 
 
 (artigo 141.º, n.º 1); a redução para metade dos limites mínimo e máximo da 
 sanção de inibição de conduzir cominada para as contra‑ordenações muito graves, 
 nas mesmas condições do número anterior (artigo 141.º, n.º 2); e a suspensão da 
 sua execução, por período a fixar entre seis meses e dois anos, “no caso de se 
 verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da 
 execução das penas”, suspensão que podia ser condicionada à prestação de caução 
 de boa conduta, a fixar entre 25 000$00 e 250 000$00, tendo em conta a duração 
 da inibição de conduzir e a situação económica do infractor (artigo 142.º).
 
                                     Finalmente, de acordo com as alterações 
 introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, manteve‑se a 
 atribuição de carácter provisório à carta de condução emitida a favor de quem 
 não se encontrasse já legalmente habilitado para conduzir qualquer das 
 categorias ou subcategorias de veículos nela previstas, dependendo a sua 
 conversão em definitiva da circunstância de, “durante os três primeiros anos do 
 seu período de validade, não [ter sido] instaurado ao respectivo titular 
 procedimento pela prática de crime ou contra‑ordenação a que correspondam 
 proibição ou inibição de conduzir” (n.º 4 do artigo 122.º), pois, se similar 
 procedimento tiver sido instaurado, “a carta de condução mantém o carácter 
 provisório até que a respectiva decisão transite em julgado ou se torne 
 definitiva” (n.º 5 do artigo 122.º), caducando o título de condução quando 
 
 “sendo provisório nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 122.º, o seu titular tenha 
 sido condenado pela prática de um crime rodoviário, de uma contra‑ordenação 
 muito grave ou de duas contra‑ordenações graves” (artigo 130.º, n.º 1, alínea 
 a)). Nesta nova redacção, dispõe‑se genericamente que “as contra‑ordenações 
 graves e muitos graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória” 
 
 (artigo 138.º, n.º 1). O artigo 147.º prevê que “a sanção acessória aplicável 
 aos condutores pela prática de contra‑ordenações graves ou muito graves 
 previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de 
 conduzir” (n.º 1), que “tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou 
 mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às 
 contra‑ordenações graves ou muito graves, respectivamente, e refere‑se a todos 
 os veículos a motor” (n.º 2). Deixou de se prever especificamente a 
 possibilidade de dispensa de aplicação da sanção acessória. Quanto à sanção 
 acessória cominada para as contra‑ordenações muito graves prevê‑se a sua 
 atenuação especial, através da redução para metade dos respectivos limites 
 mínimo e máximo, “tendo em conta as circunstâncias da infracção, se o infractor 
 não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contra‑ordenação grave ou 
 muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na 
 condição de se encontrar paga a coima” (artigo 140.º). Por seu turno, o artigo 
 
 141.º possibilita a suspensão da “execução da sanção acessória aplicada a 
 contra‑ordenações graves” [o que tem sido entendido como vedando a possibilidade 
 de suspensão da execução da sanção acessória aplicada a contra‑ordenações muito 
 graves, solução que o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional nos 
 Acórdãos n.ºs 603/2006, 604/2006, 629/2006, 6/2007 e 32/2007], “no caso de se 
 verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da 
 execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas 
 nos números seguintes” (n.º 1), a saber: (i) “se o infractor não tiver sido 
 condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de 
 qualquer contra‑ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser 
 determinada pelo período de seis meses a um ano” (n.º 2); e (ii) se o infractor, 
 nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra‑ordenação grave, a 
 suspensão pode ser determinada pelo período de um a dois anos, devendo ser 
 condicionada, singular ou cumulativamente, à prestação de caução de boa conduta 
 
 (a fixar entre € 500 e € 5000, tendo em conta a duração da sanção acessória 
 aplicada e a situação económica do infractor), ao cumprimento do dever de 
 frequência de acções de formação (quando se trate de sanção acessória de 
 inibição de conduzir) e ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros 
 diplomas legais (n.ºs 3 e 4).
 
  
 
                                     2.2. O Tribunal Constitucional já foi 
 chamado a pronunciar‑se sobre a constitucionalidade material, face ao artigo 
 
 30.º, n.º 4, da CRP, das normas dos artigos 122.º, n.ºs 4 e 5, e 130.º, n.º 1, 
 alínea a), do Código da Estrada, na redacção do Decreto‑Lei n.º 2/98, enquanto 
 determinava a caducidade da carta de condução provisória se, durante os dois 
 primeiros anos do seu período de validade, for aplicada ao respectivo titular 
 sanção acessória de inibição de conduzir. Fê‑lo nos Acórdãos n.ºs 461/2000, 
 
 574/2000 e 45/2001, tendo sempre concluído – a par da não inconstitucionalidade 
 orgânica das normas em causa – pela não verificação da alegada 
 inconstitucionalidade material.
 
                                     Como se explanou no Acórdão n.º 461/2000:
 
  
 
                   “6.  Os artigos 122.º, n.ºs 4 e 5, e 130,º, n.º 1, alínea a), 
 do Código da Estrada, ao preverem a caducidade da carta ou licença de condução 
 provisórias no caso de condenação na pena de proibição de conduzir ou na sanção 
 de inibição de conduzir, violarão o princípio da proibição de penas automáticas 
 consagrado no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição?
 
                   A proibição de penas automáticas pretende impedir que haja um 
 efeito automático da condenação penal nos direitos civis do arguido. A sua 
 justificação é simultaneamente a de obviar a um efeito estigmatizante das 
 sanções penais e a de impedir a violação dos princípios da culpa e da 
 proporcionalidade das penas, que impõem uma ponderação, em concreto, da 
 adequação da gravidade do ilícito à da culpa, afastando‑se a possibilidade de 
 penas fixas ou ex lege. Todavia, a proibição de penas automáticas não pode 
 abranger os casos em que a um certo tipo de crime corresponda uma sanção do tipo 
 proibição ou inibição de conduzir, principal ou acessoriamente, desde que não 
 tenha carácter perpétuo e possa ser fundamentada em termos de ilicitude e de 
 culpa pela mediação do juiz (cf., entre outros, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional n.ºs 362/92 – DR, II Série, de 8 de Abril de 1993, 183/94 – 
 inédito, 264/99 – DR, II Série, de 13 de Julho de 1999, e 327/99 – DR, II Série, 
 de 19 de Julho de 1999).
 
                   7.  No caso concreto, é efeito necessário da instauração de 
 procedimento pela prática de crime ou contra‑ordenação a que correspondam 
 proibição ou inibição de conduzir a não conversão em definitivo de um título de 
 condução provisório. É determinante da caducidade de carta ou licença de 
 condução provisória a condenação em pena de proibição de conduzir ou sanção de 
 inibição de conduzir efectiva.
 
                   Consubstanciará esta prescrição legal um efeito automático da 
 condenação?
 
                   A resposta negativa impõe‑se por duas razões fundamentais: o 
 direito a conduzir decorre de uma licença, que no caso é apenas provisória, e 
 que está dependente da verificação de um conjunto de condições de perícia e de 
 comportamento psicológico; apenas existe um direito generalizado a obter uma 
 licença se certas condições se verificarem, mas não existe, obviamente, um 
 direito absoluto de conduzir fora desse condicionamento.
 
                   Por outro lado, prevê‑se um período experimental e de 
 licenciamento provisório, em que o condutor terá de confirmar as condições 
 pessoais adequadas para lhe ser conferida uma licença definitiva.
 
                   A obtenção da carta ou licença de condução é, assim, um 
 processo com várias fases, que exige o preenchimento de vários requisitos 
 positivos e negativos, o que é justificado pelos potenciais riscos dessa 
 actividade para bens jurídicos essenciais.
 
                   Com efeito, a lei apenas prevê que requisito da obtenção de 
 licença definitiva seja a não instauração de procedimento por infracção de 
 trânsito, tratando‑se, portanto, de um verdadeiro requisito negativo da extinção 
 do carácter provisório da licença. Por outro lado, ao determinar a caducidade da 
 licença provisória, no caso da condenação em proibição de conduzir ou de 
 inibição de conduzir, a lei apenas consagra um requisito negativo da obtenção 
 da carta.
 
                   Assim sendo, não se verifica sequer um efeito sobre direitos 
 adquiridos, mas apenas a valoração de uma pena relacionada com a condução 
 automóvel nas condições de obtenção da licença de condução.
 
                   Ora, que a não condenação numa pena de inibição de conduzir 
 possa ser um requisito de uma licença relacionada com a verificação de 
 requisitos adequados para obter uma licença de condução é algo de natureza 
 absolutamente diferente do efeito automático de uma condenação sobre direitos 
 existentes anteriormente, pois, como se referiu, situa‑se no plano da formulação 
 dos requisitos para a obtenção de licença em que a condenação na pena pode ser 
 reveladora da inexistência das condições necessárias à obtenção da licença. Por 
 outro lado, não há qualquer não razoabilidade ou falta de proporcionalidade em 
 prever que a não instauração de procedimento por infracção de trânsito seja 
 condição de uma decisão de licenciamento definitivo ou que a caducidade de uma 
 licença provisória se verifique quando haja uma condenação em inibição de 
 conduzir.
 
                   Aliás, a ausência de possibilidade de não conversão da licença 
 provisória em definitiva faria perder todo o sentido à existência de período 
 provisório no processo de obtenção de carta ou da licença de condução – o qual 
 constitui, materialmente, uma espécie de período probatório.
 
                   8.  Mas, ainda numa certa concepção poderá entender‑se que 
 qualquer efeito automático de natureza penal sobre a licença provisória só 
 poderia verificar‑se se fosse igualmente automática a condenação em inibição de 
 conduzir ou se a instauração do procedimento determinasse logo a caducidade da 
 licença provisória. Todavia, nem resulta dos crimes de trânsito tal 
 automaticidade, nem é essa questão que agora é submetida à apreciação do 
 Tribunal Constitucional. Com efeito, nessa concepção, se a condenação em 
 inibição de conduzir depende de juízos de culpa sobre o facto, não decorre 
 automaticamente do facto, ex vi lege, qualquer efeito para o licenciamento 
 provisório.
 
                   Deste modo, não se verifica a alegada violação do artigo 30.º, 
 n.º 4, da Constituição.”
 
  
 
                                     Este entendimento foi reiterado nos Acórdãos 
 n.ºs 574/2000 e 45/2001, que versaram sobre a mesma questão, reportada à mesma 
 redacção das normas em causa (no último acórdão citado, para além da rejeição da 
 tese da violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP, também se julgou improcedente a 
 alegação da violação do artigo 13.º da CRP).
 
  
 
                                     2.3. No presente caso, diferentemente do que 
 ocorrera nos casos sobre que versaram os três acórdãos citados, a questão de 
 inconstitucionalidade vem colocada face à redacção dada às pertinentes normas do 
 Código da Estrada pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005.
 
                                     No novo regime, para além da elevação de 
 dois para três anos do período durante o qual a carta de condução tem carácter 
 provisório, a alteração fundamental, face à versão de 1998, deriva de a 
 caducidade do título de condução (provisório) resultar da condenação pela 
 prática de um crime rodoviário, de uma contra‑ordenação muito grave ou de duas 
 condenações muito graves, enquanto anteriormente derivava de ter sido aplicada 
 ao seu titular pena de proibição de conduzir ou sanção de inibição de conduzir 
 efectiva. Esta exigência da efectividade da sanção de inibição de conduzir 
 consentia, na versão de 1998, que a condenação por contra‑ordenação muito grave 
 não determinasse necessariamente a caducidade do título de condução: bastava que 
 a sanção acessória tivesse sido suspensa na sua execução (o que então era 
 possível mesmo relativamente a contra‑ordenações muito graves, faculdade que 
 desapareceu na versão de 2005).
 
                                     Apesar destas alterações, entende‑se ser de 
 manter o juízo de não violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP, que proíbe a perda 
 de direitos civis, profissionais e políticos como efeito necessário da aplicação 
 de uma pena (mesmo que se entenda que esta proibição visa também os efeitos 
 automáticos ligados à condenação por certos ilícitos, e não apenas a proibição 
 de efeitos automáticos ligados à condenação em certo tipo de penas).
 
                                     Na verdade, mantém validade o argumento de 
 que, no caso, não estamos, em rigor, perante a perda de um direito civil já 
 adquirido, mas antes perante a constatação de que, no decurso do “período 
 probatório” a que o titular de uma licença de condução provisória estava 
 sujeito, o mesmo não satisfez uma condição legal da conversão dessa licença em 
 definitiva. Aliás, não estamos perante a perda definitiva ou dilatada no tempo 
 da faculdade de conduzir veículos automóveis: a caducidade da licença de 
 condução provisória apenas determina, a par da impossibilidade da sua conversão 
 em definitiva, o dever de o interessado se submeter a novo exame de condução 
 
 (n.º 3 do artigo 130.º), não existindo nenhum período de impossibilidade de 
 concessão de novo título, como ocorre nos casos de cassação da carta, em que o 
 artigo 148.º, n.º 3, impõe um período de espera de dois anos.
 
                                     Por outro lado, como se salienta na alegação 
 do Ministério Público, não é exacto afirmar‑se que o infractor “não beneficiou 
 de «qualquer análise» sobre a gravidade do facto, em termos de ilicitude e culpa 
 manifestada no mesmo: é que, como decorre da primeira parte da decisão 
 recorrida, nela se considerou que o arguido praticou efectivamente a 
 contra‑ordenação que lhe era imputada e devia ser, consequentemente, sancionado 
 com a inibição de conduzir pelo período de 30 dias (sem que se mostre, aliás, 
 questionado o regime de insusceptibilidade de suspensão da sanção de inibição 
 de conduzir, decorrente do cometimento de contra‑ordenação muito grave, e sendo 
 certo que, face ao regime legal em vigor, seria irrelevante a hipotética não 
 aplicação de tal «pena», já que, como se viu, o regime actualmente em vigor 
 apenas atenta na natureza da infracção cometida)”.
 
  
 
                                     3. Decisão
 
                                     Em face do exposto, acordam em:
 
                                     a) Não julgar inconstitucional a norma que 
 resulta dos artigos 130.º, n.º 1, alínea a), e 122.º, n.º 4, do Código da 
 Estrada, na redacção do Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a 
 qual a condenação pela prática de contra‑ordenação muito grave determina a 
 caducidade do título de condução provisório; e, consequentemente,
 
                                     b) Conceder provimento ao recurso, 
 determinando a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o 
 precedente juízo de constitucionalidade.
 
                                     Sem custas.
 Lisboa, 25 de Setembro de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos