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Processo n.º 121/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Os presentes autos vêm do Tribunal Central Administrativo Sul e neles é 
 recorrente o Presidente da Câmara Municipal de Évora e recorrido A. 
 
  
 Nos autos de procedimento cautelar, identificados pelo Proc. n.º 250/06.6BEBJA, 
 o ora recorrido veio requerer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que 
 decretasse (cfr. fls. 5 a 20):
 
  
 
 “a) A suspensão da eficácia do acto do Presidente da Câmara Municipal de Évora 
 que se auto designou representante da Câmara Municipal de Évora na Comissão 
 Regional da Região de Turismo de Évora, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 68º da LAL, nos termos do artigo 112º/2 a) CPTA;
 
  
 b) A intimação do Requerido para se abster de participar na Comissão Regional de 
 Turismo de Évora ou de praticar qualquer acto no procedimento eleitoral da 
 Região de Turismo como representante da Câmara Municipal de Évora, nos termos do 
 artigo 112º/2 f) CPTA;
 
  
 c) A intimação do Requerido para convocar reunião extraordinária da Câmara 
 Municipal de Évora, nos termos do artigo 112º/2 f) CPTA.”
 
  
 
 2. Porque o Tribunal Administrativo de Beja decidiu decretar todas as 
 providências cautelares requeridas (fls. 287 a 312) – com excepção da 2ª parte 
 da alínea b) do pedido, pelo facto de o referido procedimento eleitoral já ter 
 ocorrido –, o ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central 
 Administrativo Sul (fls. 320 a 352), alegando, designadamente, que “a 
 interpretação da alínea b) do n.º 1 do n.º 1 do artigo 12º dos Estatutos da RTE 
 no sentido de considerar atribuída ao órgão câmara municipal a competência para 
 designar o representante da autarquia na comissão regional da região de turismo, 
 em detrimento, da regra geral de representação autárquica prevista na alínea a) 
 do n.º 1 do art. 68º da Lei das Autarquias Locais, é manifestamente 
 inconstitucional por violação da reserva legislativa da Assembleia da República” 
 
 (fls. 350).
 
  
 O Tribunal Central Administrativo Sul proferiu acórdão, em 14 de Dezembro de 
 
 2006 (fls. 479 a 486), que julgou improcedente o recurso interposto por não 
 considerar verificada qualquer inconstitucionalidade na interpretação conferida 
 pela primeira instância à norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º 
 dos Estatutos da Região de Turismo de Évora, visto que, “tendo em consideração 
 que o disposto no artº 68/1/a da LAL, atribui aos presidentes poderes de 
 representação do Município e não das Câmaras municipais, sucedendo que o artº 
 
 64/7/d) da mesma LAL atribui às câmaras municipais competência residual, «ou 
 seja, qualquer outro normativo pode atribuir-lhe uma competência específica como 
 acontece com o artº 12º dos Estatutos da RTE»” (fls. 485-verso).
 
  
 
 3. Notificado em 18 de Dezembro de 2006 (fls. 489) e inconformado com esta 
 decisão, o ora recorrente interpôs recurso para este Tribunal, o qual foi 
 admitido pelo tribunal “a quo” (fls. 495), tendo a Exma. Conselheira Relatora 
 junto deste Tribunal, em 29 de Janeiro de 2007, ordenado a notificação do 
 recorrente para alegar, no prazo de 15 dias (fls. 500), por força do n.º 2 do 
 artigo 79º da LTC.
 
  
 Em sede de alegações (fls. 502 a 531), veio o recorrente concluir que:
 
  
 
 “A. O presente recurso tem objecto a norma contida na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 12.º dos Estatutos da Região de Turismo de Évora, constantes do 
 Decreto-Lei n.º 73/93, de 10 de Março, interpretada e aplicada ao caso concreto 
 pelo Tribunal a quo, no sentido de atribuir a competência de representação na 
 Comissão Regional da RTE aos representantes das câmaras municipais;
 B. O fundamento do recurso é o de que esta norma, na interpretação mencionada, 
 viola a reserva legislativa de competência da Assembleia da República, conforme 
 consagrada na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição;
 C. Resulta da interpretação conjugada da natureza e regime jurídicos das regiões 
 de turismo que estas são compostas por municípios pelo que no seu órgão 
 deliberativo Comissão Regional devem ter assento os representantes dos 
 municípios e não das câmaras municipais, uma vez que são interesses da pessoa 
 colectiva que importa assegurar, e não interesses do órgão;
 D. Ainda que seja discutível o alcance absoluto da reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República sobre o estatuto das 
 Autarquias Locais, é inegável que aquela reserva abrange a definição das 
 competências dos respectivos órgãos;
 E. Assim sendo, a norma da alínea d) do n.º 7 do artigo 64.º da Lei das 
 Autarquias Locais nunca poderá extravasar o âmbito da reserva legislativa da 
 Assembleia da República, nos termos em que a mesma se encontra consagrada;
 F. Nesse sentido, não é admissível considerar a norma da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 12.º dos Estatutos da RTE, aprovados por um decreto-lei não autorizado, 
 como um dos casos de concretização daquela norma da Lei das Autarquias Locais; 
 G. A interpretação da norma contida [na] alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º dos 
 Estatutos da RTE que se apresenta conforme à Constituição é aquela que atribui a 
 competência de representação do município ao presidente da câmara municipal, na 
 medida em que, decorrendo directamente das competências expressamente previstas 
 na Lei das Autarquias Locais e não de nenhuma norma residual, não revela 
 qualquer carácter inovador em face da reserva parlamentar;
 H. Este entendimento é reforçado pelas conclusões que o Tribunal Constitucional 
 alcançou na análise de situações análogas, nomeadamente, naquelas que se 
 encontram vertidas nos acórdãos n.º 678/ 95 e n.º 502/2001;
 I. Em qualquer caso, mesmo que fosse admissível ao Governo, sem autorização, 
 legislar em matéria de competência dos órgãos autárquicos, tal jamais poderia 
 pôr em causa o conteúdo essencial do sistema de governo autárquico e a 
 concomitante repartição de competências tal como gizados pela Lei das Autarquias 
 Locais;
 J. Nesse esquema de repartição, desde logo avulta que a competência de 
 representação do município se encontra atribuída ao presidente da câmara 
 municipal, sendo tal regra – parte integrante ou matéria essencial do Estatuto 
 das Autarquias Locais — ostensivamente violada pela norma contida na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 12.º dos Estatutos da Região de Turismo de Évora, 
 interpretada no sentido de atribuir a competência de representação na Comissão 
 Regional da RTE aos representantes das câmaras municipais;
 K. Em suma, a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º dos Estatutos 
 da RTE – no sentido de considerar atribuída à câmara municipal a competência 
 para designar o representante da autarquia na Comissão Regional da RTE – é 
 inconstitucional por violação da alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da 
 Constituição”.
 
  
 
 4. Por sua vez, em 12 de Março de 2007, o recorrido viria a apresentar as suas 
 contra-alegações (fls 564 a 590), que, resumidamente, consistem nos seguintes 
 argumentos:
 
  
 
 “a)          A norma cuja constitucionalidade o recorrente questiona — art. 
 
 12º/1/b) dos Estatutos da RTE -, é simultaneamente aplicável na presente 
 providência cautelar e na acção principal; 
 b)             Face à natureza provisória e instrumental das providências 
 cautelares, não é admissível o recurso para o Tribunal Constitucional de normas 
 que, tendo sido aí aplicadas, podem ser objecto de apreciação na acção 
 principal, sob pena do juízo de constitucionalidade ser igualmente provisório 
 
 (v., por todos, Ac. TC nº 442/00, de 25.10.2000); 
 c)             Face aos pressupostos para o decretamento de providências 
 cautelares, não cabe aqui apreciar a constitucionalidade dos Estatutos da RTE 
 
 (v. art. 120º do CPTA); 
 d)             Além disso, o presente recurso não é susceptível de alterar o 
 decidido no douto acórdão recorrido — confirmação da sentença recorrida que 
 decretou as providências cautelares –, não tendo assim qualquer efeito útil, 
 pois o ora recorrente não impugnou o referido aresto na parte em que considerou 
 que, 
 
 - “o art. 64º/7/d) da (...) LAL atribui às câmaras municipais competência 
 residual, ou seja, qualquer outro normativo pode atribuir-lhe uma competência 
 específica “,
 que, 
 
 - “a pretendida inconstitucionalidade daqueles Estatutos por violação do 
 disposto no art. 165º/1/q) da CRP, não seria susceptível de alterar o decidido 
 em 1ª instância, pois que do disposto no art. art. 68º/1/a) da LAL não resulta 
 que a CME tivesse que legalmente ser representada na RTE pelo seu Presidente, o 
 qual apenas representa o Município “, 
 e que, 
 
 - “ esta questão não se mostra decisiva na adopção das medidas cautelares 
 decretadas em 1ª instância” (cfr. Acórdão recorrido - sombreados nossos),
 não tendo o ora recorrente suscitado sequer a inconstitucionalidade daqueles 
 preceitos da LAL, maxime na interpretação normativa adoptada no douto aresto 
 recorrido (v. Ac. TC nº 241/2003, de 20.05.2003); 
 e)             Acresce que, o douto acórdão recorrido não apreciou ou decidiu 
 qualquer questão de constitucionalidade 
 f)              Finalmente, o Tribunal a quo não interpretou o art. 12º/1/b) dos 
 Estatutos da RTE no sentido invocado pelo ora recorrente no requerimento de 
 interposição de recurso e nos nºs 4 e segs. das suas doutas Alegações; 
 g)             De resto, nas alegações de recurso para o TCA Sul, a fis. 293 e 
 segs. dos autos, o ora recorrente não suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade da “interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º dos 
 Estatutos da RTE”, no mesmo sentido que vem agora invocar junto deste Venerando 
 Tribunal Constitucional (v. conclusões m) e segs. das alegações a fls. 322; cfr. 
 Req. de interposição de recurso de 22.12.2006, e nºs 4 e segs. das Alegações do 
 Recorrente)”. 
 
  
 
 5. Por despacho de 15 de Março de 2007 (fls. 619), a Ex.ma Conselheira Relatora 
 junto deste Tribunal ordenou a notificação do recorrente para se pronunciar 
 sobre os obstáculos ao conhecimento do recurso suscitados pelo recorrido, nos 
 termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 704º do CPC, aplicável “ex vi” 
 artigo 69º da LTC.
 
  
 Em 30 de Março de 2007, o recorrente viria a pronunciar-se, considerando, 
 nomeadamente, que:
 
  
 a)         A norma em apreço havia sido efectivamente aplicada, visto que “em 
 suma, nunca poderia estar em causa «apenas a designação de um representante da 
 câmara municipal» - na medida em que a norma em causa erroneamente indica como 
 partes integrantes das regiões de turismo e representadas na Comissão Regional 
 as «câmaras municipais» e não os «municípios» -, pelo que não existe outra 
 solução que a análise da perspectiva do Tribunal «a quo» à luz da terminologia 
 adequada” (fls. 623);
 
  
 b)        Não existe divergência terminológica relevante para efeitos de 
 suscitação de inconstitucionalidade pelo recorrente, pois “é perfeitamente 
 evidente que a diferença de redacção não tem a relevância que o Recorrido 
 pretende apontar: o que o Recorrente pretendeu foi invocar a 
 inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º dos Estatutos da RTE 
 se reportado ao órgão «câmara municipal» e não ao «município», na medida em que 
 dessa forma se estaria a criar uma norma de competência em violação da alínea q) 
 do n.º 1 do artigo 165º da Constituição” (fls. 635 e 636);
 
  
 c)         Nada obsta a que o Tribunal Constitucional possa sindicar a 
 constitucionalidade de normas aplicadas em sede de providências cautelares, na 
 medida em que “impedir a fiscalização da constitucionalidade em sede cautelar 
 não se coaduna com a consagração clara e inequívoca de uma justiça cautelar 
 garantística – aqui, reportada à parte vencida que se deparou com a emissão de 
 providências cautelares violadoras dos seus direitos e decretadas ao abrigo de 
 uma interpretação normativa inconstitucional” (fls. 625);
 
  
 d)        A emissão de uma decisão favorável ao recorrente, pelo Tribunal 
 Constitucional, manteria utilidade processual porque “todos os argumentos 
 invocados pelo Tribunal «a quo» se reconduzem aos fundamentos da 
 inconstitucionalidade alegada pelo Recorrente” (fls. 630);
 
  
 e)         Não é verdade que o tribunal recorrido não tenha aplicado a norma em 
 apreço, já que “tanto apreciou que concluiu não ser a mesma procedente, mas que, 
 ainda assim «mesmo não concordando com a supra aludida tese», a pretendida 
 inconstitucionalidade não alteraria o decidido em 1.ª instância” (fls. 631);
 
  
 f)          Ainda que o tribunal recorrido não tivesse aplicado a norma, “não é 
 a apreciação/decisão da questão de inconstitucionalidade o requisito exigido na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição para a interposição de 
 recurso. O que este preceito determina é que cabe recurso das decisões dos 
 tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido «suscitada» 
 durante o processo” (fls. 631).
 
  
 
 6. Por ter cessado funções neste Tribunal a Exma. Conselheira Relatora, os 
 presentes autos foram redistribuídos e apresentados a conclusão da actual 
 Conselheira Relatora, em 23 de Abril de 2007.
 
  
 
  
 II – QUESTÃO PRÉVIA: DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
 
  
 
  
 
 7. Como se viu, o recorrido, nas contra-alegações, invoca dois fundamentos de 
 não conhecimento do objecto deste recurso, a saber: 
 
  
 a)                            a inadmissibilidade de fiscalização sucessiva 
 concreta da constitucionalidade no processo de providência cautelar por a norma 
 supostamente inconstitucional também ser aplicável na acção principal;
 b)                            a não aplicação efectiva da interpretação reputada 
 de inconstitucional e a suscitação de diversa inconstitucionalidade.
 
  
 Cumpre, pois, começar por apreciar a primeira questão, uma vez que dela depende 
 a apreciação de todas as outras. 
 
  
 
 8. O recorrido alega que “não cabe apreciar no âmbito do presente procedimento 
 cautelar a constitucionalidade de normas que também são aplicáveis na acção 
 principal, sob pena de ser desvirtuada a natureza instrumental do procedimento 
 cautelar – que seria transformado numa verdadeira acção principal –, e 
 desrespeitados os pressupostos legalmente fixados para o decretamento das 
 providências” (cfr. § 8, fls. 599), ao que o recorrente veio responder que 
 
 “impedir a fiscalização da constitucionalidade em sede cautelar não se coaduna 
 com a consagração clara e inequívoca de uma justiça cautelar garantística” (cfr. 
 
 § 18, fls. 641), aduzindo em seu benefício diversos argumentos.
 
  
 A verdade é que as características típicas das providências cautelares – 
 
 “sumariedade”, “provisoriedade”, e “instrumentalidade” – não podem deixar de 
 levantar sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o proferimento de 
 juízos de constitucionalidade. Na medida em que assentam num juízo de mera 
 verosimilhança, as providências cautelares não se revestem de força de caso 
 julgado material, nem tão pouco determinam ou condicionam a decisão a proferir 
 em sede da acção principal da qual dependem.
 
  
 E é por estas – e outras – razões que este Tribunal tem decidido, em 
 jurisprudência constante, embora com alguns votos de vencido, não conhecer do 
 objecto do recurso de constitucionalidade nestes casos. 
 
  
 Foi o que sucedeu, por exemplo, no Acórdão 442/00, de 25 de Outubro de 2000, 
 disponível in www.tribunalconstitucional.pt, no qual se pode ler:
 
  
 
 «Como já teve ocasião de afirmar por diversas vezes (cfr. os acórdãos nºs 
 
 151/85, 400/97 e 664/97, publicados no Diário da República, II Série, de 31 de 
 Dezembro de 1985, 17 de Julho de 1997 e 18 de Março de 1998, respectivamente) 
 não cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões proferidas no âmbito 
 das providências cautelares destinado à apreciação da constitucionalidade de 
 normas em que, simultaneamente, se fundamentam, quer a providência requerida, 
 quer a acção correspondente, dada a natureza provisória do julgamento ali 
 efectuado.
 Como se escreveu no citado acórdão nº 151/85, nestes casos, “não terá o juiz da 
 causa, para decidir sobre a concessão ou não d[a] (...) providência, de 
 esclarecer exaustiva e definitivamente essa questão de constitucionalidade, mas 
 apenas de apreciá-la de modo perfunctório e interino. Concretamente: o que ao 
 juiz caberá formular (nesse momento ou nessa fase processual) é tão-só um juízo 
 sobre a probabilidade séria da ocorrência de inconstitucionalidade, de harmonia 
 com a qual decretará ou não a pretendida” providência.
 
 “Crê-se, de resto, que isto se poderá generalizar, afirmando que nos 
 procedimentos cautelares não cabe senão este tipo de decisão’provisória’ 
 relativamente à questão de constitucionalidade de normas de que substantivamente 
 dependa a resolução da questão a decidir no processo principal e, portanto, a 
 concessão da providência (outro poderá ser o caso, evidentemente, se a 
 inconstitucionalidade respeitar a aspectos diferentes desse, v. g., à tramitação 
 do procedimento em causa)”.
 
 “Visando os procedimentos cautelares uma solução provisória, é no processo 
 principal que hão-de ser dirimidas as questões substantivas, aí decidindo-se em 
 definitivo a matéria da (in)constitucionalidade, pelo que não há que conhecer” 
 do recurso (cit. acórdão nº 664/97).»
 
  
 Esta jurisprudência foi integralmente retomada no Acórdão 235/01, de 23 de Maio 
 de 2001, disponível in www.tribunalconstitucional.pt. 
 
  
 
 9. É certo que a justiça cautelar tem consagração constitucional, desde a 
 revisão constitucional de 1997, enquanto meio de garantir o acesso ao direito e 
 aos tribunais em prazo razoável (nº 5 do artigo 20º da Constituição), mas, 
 retomando, mais uma vez, o citado acórdão 442/00, daí não decorre, de forma 
 alguma, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
 É a circunstância de a mesma norma ser aplicável na providência cautelar e no 
 processo principal que torna inadmissível o recurso interposto no âmbito da 
 providência cautelar, atento o valor meramente provisório do juízo de 
 constitucionalidade emitido igualmente ao julgar a providência cautelar.
 
  
 Como se afirma no citado Acórdão 442/00:
 
  
 
 «Com efeito, se fosse julgada a questão de constitucionalidade numa hipóteses 
 destas, ou o julgamento não constituía caso julgado relativamente à acção 
 principal, admitindo-se que, nesta, se viesse a emitir novo julgamento, 
 eventualmente não coincidente, com possibilidade de outro recurso para o 
 Tribunal Constitucional; ou constituía, subvertendo a lógica inerente à relação 
 de instrumentalidade existente entre a acção e o procedimento, pois que a sorte 
 daquela era traçada por uma decisão tomada no âmbito deste.» 
 
 (…)
 
 7. Finalmente, não se vê em que medida é que o acrescentamento do nº 5 do artigo 
 
 20º da Constituição pela revisão constitucional de 1997 altera a conclusão de 
 que o recurso não é admissível. Na verdade, a consagração constitucional da 
 necessidade de a lei prever “procedimentos judiciais caracterizados pela 
 celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra 
 ameaças ou violações desses direitos” não obriga a que se considerem recorríveis 
 para o Tribunal Constitucional todas as decisões proferidas nesses 
 procedimentos.» 
 
  
 
  
 
 10. Deve notar-se, todavia, que a jurisprudência acabada de mencionar não tem 
 por base providências cautelares administrativas, mas sim providências de outra 
 
 índole, pelo que, antes de a aplicar ao caso em apreço, cumpre averiguar se 
 existem especificidades nas providências cautelares administrativas que 
 justifiquem decisão diferente deste Tribunal.
 
  
 Na verdade, na revisão constitucional de 1997, foi aditado ao n.º 4 do artigo 
 
 268º da Constituição que consagrou o direito fundamental à tutela cautelar 
 administrativa, o que implica que especificamente em sede de Direito Processual 
 Administrativo, a garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos 
 administrados, mediante “a adopção de medidas cautelares adequadas” (artigo 
 
 268º, n.º 4, da CRP) exige que tanto o requerente, como o requerido, como ainda 
 os contra-interessados possam ver apreciadas, ainda que perfunctoriamente, 
 questões relacionadas com a (in)constitucionalidade de normas que sustentam a 
 decretação ou a recusa de providências cautelares administrativas.
 
  
 Quer dizer, o artigo 268º, nº 4, conjugado com o artigo 204º da Constituição não 
 podem deixar de reconhecer o poder dos tribunais administrativos, no exercício 
 de funções cautelares, para apreciar a constitucionalidade de normas aplicadas 
 ou a aplicar. 
 
  
 Mas daqui não decorre, necessariamente, que o Tribunal Constitucional detenha 
 poderes para sindicar, em sede de recurso, essa mesma constitucionalidade, 
 quando a questão deva ser de novo apreciada no processo principal, sob pena de 
 esvaziamento do objecto processual deste último. 
 
  
 Não se verifica, portanto, violação do princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva, dado que a questão de constitucionalidade sempre poderá ser apreciada 
 na acção principal, a qual se pronunciará em definitivo.
 
  
 
 11. Com efeito, a tramitação célere e simplificada que caracteriza a tutela 
 cautelar administrativa não se coaduna com a admissibilidade de fiscalização da 
 constitucionalidade. Aliás, precisamente com fundamento na sumariedade das 
 providências cautelares administrativas, houve até quem colocasse em causa a 
 admissibilidade de suscitação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça 
 das Comunidades Europeias por parte dos juízes cautelares nacionais, por estas 
 não se coadunarem com a natureza urgente daquelas (neste sentido, ver SÉRVULO 
 CORREIA / RUI MEDEIROS / DINIZ DE AYALA, “Vers une protection jurisdictionnelle 
 commune des citoyens en Europe”, in «Estudos de Direito Processual 
 Administrativo», 2002, Lex, Lisboa, p. 51). Idênticas considerações se podem 
 fazer em relação à apreciação de recursos fundados na inconstitucionalidade de 
 normas aplicadas por decisões cautelares, por parte do Tribunal Constitucional.
 
  
 Além disso, a provisoriedade das providências cautelares administrativas que 
 significa que estas apenas visam regular determinada situação 
 jurídico-administrativa até ao proferimento de decisão de fundo sobre a questão 
 controvertida, implicaria sempre que a formulação de um juízo, pelo Tribunal 
 Constitucional, de (in)constitucionalidade de norma aplicada por um tribunal 
 administrativo, nas vestes de juiz cautelar, constituíria um juízo meramente 
 provisório. Isto é, a eventual decisão do Tribunal Constitucional (seja no 
 sentido da inconstitucionalidade ou da não inconstitucionalidade) apenas 
 produziria efeitos jurídicos enquanto não fosse proferida decisão definitiva 
 sobre o incidente de inconstitucionalidade suscitado no âmbito da respectiva 
 acção administrativa principal. Aliás, em caso de decretação de providência 
 cautelar administrativa alvo de confirmação por decisão do Tribunal 
 Constitucional, aquela sempre caducará por força de qualquer uma das 
 circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 123º do CPTA, designadamente, por 
 força do “trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo principal, 
 no caso de ser desfavorável ao requerente” [cfr. alínea f)].
 
  
 Ainda que o Tribunal Constitucional se pronunciasse perfunctoriamente pela 
 inconstitucionalidade de norma aplicada em processo cautelar administrativo, 
 aquela decisão apenas produziria os seus efeitos (ou seja, a desaplicação da 
 norma em causa) de modo provisório. Esta decisão de desaplicação apenas poderia 
 formar caso julgado formal, restrito ao processo cautelar administrativo, pelo 
 que não poderia afectar a liberdade de apreciação quer do juiz cautelar 
 administrativo, em sede de julgamento da acção administrativa principal, quer do 
 próprio Tribunal Constitucional, caso voltasse a ser chamado a pronunciar-se, em 
 sede de recurso de inconstitucionalidade interposto da decisão final da acção 
 administrativa principal, o que não seria admissível.
 
  
 O juízo do Tribunal Constitucional sobre a (in)constitucionalidade da norma 
 aplicada pela decisão recorrida apenas vigoraria enquanto não fosse julgada 
 definitivamente a questão de (in)constitucionalidade nos autos da acção 
 administrativa principal, o que igualmente não é sustentável.
 
  
 Entendimento diverso, isto é, admitir a possibilidade de a decisão deste 
 Tribunal formar caso julgado material, conduziria a que o juiz constitucional se 
 substituísse ao juiz do processo principal. 
 
  
 Ora, o sistema de fiscalização da constitucionalidade não se compadece com uma 
 solução em que o juiz constitucional se substitui ao juiz do processo principal 
 nem comporta a possibilidade de decisões de inconstitucionalidade provisórias.
 
  
 Por último, o julgamento pelo Tribunal Constitucional, em sede de recurso, sobre 
 uma questão de inconstitucionalidade suscitada em autos de providência cautelar 
 administrativa coloca em causa a natureza instrumental das providências 
 cautelares, dado que implica uma antecipação do juízo sobre a 
 inconstitucionalidade de normas a aplicar na acção administrativa principal. 
 Juízo esse a formular quer pelos tribunais administrativos que julgam em 
 primeira instância e, eventualmente, em recurso (artigo 204º da CRP), quer pelo 
 próprio Tribunal Constitucional, caso venha, nesses autos, a ser interposto o 
 competente recurso (artigo 280º da CRP). Só assim não será, conforme tem sido 
 unanimemente reconhecido por este Tribunal (cfr. Acórdãos n.º 235/2001, n.º 
 
 442/2000, n.º 400/97 e n.º 151/85, todos disponíveis in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), se se tratar do conhecimento de questões de 
 inconstitucionalidade de normas que sejam exclusivamente aplicáveis em sede de 
 processo cautelar – v.g., normas processuais que regulem a sua tramitação –, 
 visto que a decisão sobre a inconstitucionalidade se restringe aos autos de 
 processo cautelar.
 
  
 Ora, não é este o caso que se verifica nos presentes autos. Pelo contrário, a 
 norma em relação à qual foi suscitada a questão de inconstitucionalidade, é 
 simultaneamente fundamento da decisão cautelar e fundamento da decisão 
 definitiva, pelo que a instrumentalidade da providência cautelar ficaria 
 prejudicada pelo proferimento de juízo perfunctório sobre a 
 inconstitucionalidade por parte deste Tribunal. 
 
  
 Em conclusão, do exposto resulta que não se deve conhecer do objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide 
 não conhecer do objecto do recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC`S.
 Lisboa, 25 de Setembro de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão