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Processo n.º 698/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1. Na presente acção de responsabilidade financeira intentada pelo Ministério 
 Público perante o Tribunal de Contas, A. e outros, respectivamente Presidente e 
 Vereadores da Câmara Municipal de Vila do Conde, interpuseram recurso para o 
 Plenário da 3ª Secção desse Tribunal da sentença proferida em 1ª instância pela 
 mesma Secção, pela qual foram condenados pela prática de infracções financeiras 
 sancionatórias, bem como na reintegração nos cofres públicos de certas 
 importâncias, a título de responsabilidade reintegratória.
 
  
 Na parte que se refere à responsabilidade financeira adveniente do pagamento 
 integral de remunerações a aposentados que se encontravam em exercício de 
 funções ao serviço da autarquia, que agora mais interessa considerar, 
 formularam, no recurso, as seguintes conclusões:
 
  
 
 “ […]
 
 10ª Diversamente do que se assevera na douta sentença sub judicio, «à data dos 
 factos» (2002, não vigorava já, por força do disposto no art. 8º do Dec-Lei nº 
 
 215/87, de 29 de Maio, a redacção originária das normas dos arts. 78 e 79 do 
 Estatuto da Aposentação, tendo passado a ser do Primeiro Ministro a competência 
 para autorizar o pagamento, a aposentados, de montante superior a 1/3 da 
 remuneração que competir a essas funções, até ao limite da mesma remuneração. 
 
 11. Cometeu, destarte, o Tribunal a quo erro de direito. 
 
 12. Sendo certo que a aludida competência do Primeiro Ministro não pode abranger 
 os funcionários das autarquias (onde à figura do Primeiro Ministro corresponde a 
 do Presidente da Câmara), padecem de inconstitucionalidade os preceitos dos 
 arts. 78/c e 79 do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pelo 
 Dec.-Lei n.° 215/87), na interpretação efectuada pela sentença sub censura, por 
 ofensa do princípio da autonomia do poder local; 
 
 13 Tal como padecem de inconstitucionalidade, sempre segundo a interpretação 
 efectuada naquela sentença, por violarem o princípio «para trabalho igual, 
 salário igual», consagrado sob o art. 59-l/a da CRP. […]”.
 
  
 Por acórdão de 9 de Julho de 2008, o Plenário da 3ª Secção do Tribunal de Contas 
 negou provimento ao recurso, aduzindo em relação à aplicação do disposto no 
 artigo 79º do Estatuto da Aposentação, a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “[…]
 B) Contratação de Assessores Aposentados
 
 8. Nesta matéria, que respeita aos demandados A. e B., agora 1.º e 2.º 
 Recorrentes, levantam os mesmos questões relativas a:
 
 ● Erro de direito;
 
 ● Princípio da Autonomia do Poder Local;
 
 ● Princípio “para trabalho igual, salário igual”;
 
 ● Interpretação do artigo 79º do Estatuto da Aposentação;
 
 ● Culpa, e
 
 ● Responsabilidade solidária.
 
 8.1. Começam os Recorrentes por afirmar que o Tribunal a quo cometeu erro de 
 direito, porquanto, diversamente do que se assevera na douta sentença, à data 
 dos factos, não vigorava já, por força do disposto no art. 8º do Decreto-Lei n.º 
 
 215/87, de 29 de Maio, a redacção originária das normas dos arts. 78º e 79º do 
 Estatuto da Aposentação, tendo passado a ser do Primeiro-Ministro a competência 
 para autorizar o pagamento, a aposentados, de montante superior a 1/3 da 
 remuneração que competir essas funções, até ao limite da mesma remuneração, e 
 que, por ofensa do princípio da autonomia do poder local, por a aludida 
 competência do Primeiro-Ministro não poder abranger os funcionários das 
 autarquias, padecem de inconstitucionalidade os preceitos dos arts. 78º/c e 79º 
 do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 
 
 215/87), na interpretação efectuada pela sentença.
 
 8.2. É verdade que, por força da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 
 
 215/87, de 29 de Maio, aos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, deixou 
 de ser o Conselho de Ministros o competente para as a autorizações referidas em 
 tais preceitos legais, passando tal competência para o Primeiro-Ministro, sob 
 proposta do membro do Governo que tenha poder hierárquico ou tutela sobre a 
 entidade onde prestará o seu trabalho, mas tal circunstância não afecta 
 minimamente a solução de direito definida na sentença, sendo, aliás, de 
 salientar que, no que concerne à autorização a que alude o artigo 78º, não se 
 coloca na decisão a sua aplicabilidade, mas tão-somente a que se refere à norma 
 do artigo 79º, e, logo, fica prejudicado o conhecimento do recurso no que tange 
 ao preceito do artigo 78º.
 
 8.3. A sentença incorreu no lapso de considerar que, à data dos factos, a 
 competência para a autorização a que refere o artigo 79º do Estatuto da 
 Aposentação era do Conselho de Ministros, o que não altera, contudo, a decisão 
 de direito.
 
 8.4. Estamos no plano de uma competência administrativa do Governo (autorização 
 de exercício de funções públicas a aposentados e concessão de abono) conferida, 
 por via legislativa emanada do próprio Governo, primeiramente ao Conselho de 
 Ministros e, posteriormente, ao Primeiro-Ministro.
 
 8.5. É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à 
 sua própria organização e funcionamento (art. 198º, n.º 2, da Constituição).
 
 8.6. Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas praticar todos 
 os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e 
 de outras pessoas colectivas públicas (art. 199º, alínea e), da Constituição).
 
 8.7. As competências do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro 
 encontram-se definidas nos artigos 200º e 201º da Constituição, respectivamente, 
 sendo de salientar, quanto ao último, a alínea d) do n.º 1 do artigo 201º, no 
 sentido de competir ao Primeiro-Ministro exercer as demais funções que lhe sejam 
 atribuídas pela Constituição e pela lei.
 
 8.8. Assim, nada impede que a autorização realizada ao abrigo do disposto nos 
 artigos 79º do Estatuto da Aposentação seja atribuída ao Primeiro-Ministro, nem 
 se vislumbra que a situação mude de natureza, em termos de eventual 
 inconstitucionalidade, por ofensa ao princípio de autonomia do poder local, por, 
 a respectiva competência, já não caber ao Conselho de Ministros.
 
 8.9. O princípio da autonomia do poder local está consagrado nos artigos 6º, n.º 
 
 1, 237º e 242º da Constituição, e implica que a Administração Central não possa 
 actuar directamente ou por substituição na prática de actos administrativos dos 
 
 órgãos das autarquias locais que prossigam a realização dos interesses próprios 
 das populações respectivas.
 
 8.10. Na sua actuação as autarquias locais regem-se pela Constituição e a lei, 
 sendo da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo 
 autorização ao Governo, sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o 
 regime das finanças locais (artigo 165º, n.º 1, alínea q), da Constituição), 
 sendo certo que a matéria agora em apreciação não se mostra atribuída às 
 autarquias locais, nem envolve qualquer interferência nos interesses próprios 
 das respectivas comunidades, tanto mais que trata de um regime excepcional de 
 autorização de um abono, e, como bem refere a sentença recorrida, “sendo matéria 
 de interesse e âmbito nacional nunca seria justificável que os pagamentos a 
 aposentados da função pública pudessem ser diferenciados por decisões 
 casuísticas dos presidentes dos cerca de 300 municípios portugueses”.
 
 8.11. Surge, portanto, evidente que a norma do artigo 79.º do Estatuto da 
 Aposentação (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 215/87) não padece do vício 
 de inconstitucionalidade, nem existe esse vício na interpretação feita na 
 sentença (que se reportou à redacção originária do preceito), desatendendo-se, 
 nesta parte, a pretensão dos 1.º e 2.º Recorrentes.
 
 8.12. Consideram ainda os mesmos Recorrentes que padecem também de 
 inconstitucionalidade, sempre segundo a interpretação efectuada naquela 
 sentença, por violarem o princípio «trabalho igual, salário igual, consagrado 
 sob o art. 59-1/a da CRP».
 
 8.13. Não têm razão, pois, conforme é indicado na sentença, esta matéria já foi 
 apreciada no Acórdão n.º 386/91 do Tribunal Constitucional, de 22 de Outubro 
 
 (publicado no D.R. II Série, de 02-04.92, pág. 3112 e segs.), concordando-se 
 inteiramente com o seu teor, e, em consequência, só haverá inconstitucionalidade 
 nos casos, diferente do agora em apreciação, em que a norma permite que o 
 montante da pensão somado ao abono de uma terça parte da remuneração pelo 
 desempenho de outras funções públicas por parte do aposentado seja inferior ao 
 quantitativo da remuneração correspondente às funções desempenhadas.
 
 8.14. No mesmo sentido, refira-se o Acórdão do mesmo Tribunal n.º 285/02, de 18 
 de Junho de 2002, em que se diz:
 
 «Contrariamente ao sustentado pelo tribunal recorrido, não é inconstitucional, 
 por violação do princípio de que “para trabalho igual salário igual”, consagrado 
 no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição, a norma do artigo 79º do 
 Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, sempre que o aposentado não receba 
 integralmente a remuneração correspondente ao desempenho das funções públicas 
 que lhe seja permitido desempenhar. Só existirá violação desse princípio se, 
 como se sublinha no mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional, o aposentado 
 receber, a final, menos do que um trabalhador no activo que exerça em quantidade 
 e qualidade iguais”.
 
 8.15. Sendo de uma total clareza ambos os acórdãos citados, tornam-se 
 desnecessários outros desenvolvimentos, constatando-se que a sentença proferida, 
 nesta parte, não merece qualquer censura, sendo, consequentemente de improceder 
 a pretensão dos recorrentes.
 
 […]”.
 
  
 Os recorrentes interpuseram então recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 nos seguintes termos:
 
 “[…]
 As normas cuja fiscalização concreta de constitucionalidade se pretende são as 
 contidas: 
 
 - as do artigo 67-2 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, do 
 artigo 48-2/d do Dec.-Lei n.° 59/99 e do artigo 15/b do Código Penal; 
 
 - dos preceitos dos artigos 78/c e 79 do Estatuto da Aposentação (na redacção 
 introduzida pelo Dec.-Lei n.° 215/87); 
 Tais normas, interpretadas nos termos constantes do douto aresto recorrido, 
 padecem de inconstitucionalidade - como os Recorrentes sustentaram na sua 
 alegação para o Tribunal recorrido -, por violação, respectivamente: 
 
 - do conceito de Estado de Direito Democrático, consagrado sob o artigo 2.° da 
 nossa Lei Fundamental; 
 
 - por ofensa do princípio da autonomia do poder local (artigo 235, 242-1-2 e 
 
 243-1-2, CRP) e do princípio “para trabalho igual, salário igual” (artigo 
 
 59-1/a, CRP). 
 
  […]”.
 
  
 Na sequência de despacho de aperfeiçoamento do relator, através do qual foram 
 convidados a identificar as interpretações normativas que pretendem submeter à 
 apreciação do Tribunal Constitucional, vieram os recorrentes dizer o seguinte:
 
  
 
 “A) As normas em apreço. 
 
 1. O preceito do artigo 67-2 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de 
 Contas (na redacção introduzida pela Lei n.° 48/2006, de 29 de Agosto) reza: 
 
 “O Tribunal de Contas gradua as multas tendo em consideração a gravidade dos 
 factos e as suas consequências, o grau de culpa, o montante material dos valores 
 públicos lesados ou em risco, o nível hierárquico dos responsáveis, a sua 
 situação económica, a existência de antecedentes e o grau de acatamento de 
 eventuais recomendações do Tribunal.” 
 
 2. Estatui-se sob o artigo 48-2 do Dec.-Lei n.° 59/99: 
 
 “São os seguintes os procedimentos aplicáveis, em função do valor estimado do 
 contrato: 
 
 […]
 d) Ajuste directo, quando o valor estimado do contrato for inferior a 5000 
 contos, sendo obrigatória a consulta a três entidades.” 
 
 3. Dispõe o artigo 15 do Código Penal: 
 
 “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as 
 circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: 
 
 […]
 b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.” 
 
 4. Consta do Estatuto da Aposentação (na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 
 
 215/87): 
 
 “Artigo 78.°
 Incompatibilidades
 
 1 - Os aposentados ou reservistas das Forças Armadas não podem exercer funções 
 públicas ou a prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas, excepto se 
 se verificar alguma das seguintes circunstâncias:
 
 […]
 c) Quando, sob proposta do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou 
 tutela sobre a entidade onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, 
 o Primeiro-Ministro, por despacho, o autorize, constando do despacho o regime 
 jurídico a que ficará sujeito e a remuneração atribuída.
 Artigo 79º
 Exercício de funções públicas por aposentados
 Nos casos em que aos aposentados ou reservistas seja permitido, nos termos do 
 artigo anterior, desempenhar funções públicas ou prestação de trabalho 
 remunerado nas empresas públicas ou entidades equiparadas, é-lhes mantida a 
 pensão de aposentação ou de reforma, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta 
 do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade 
 onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, autorizar montante 
 superior, até ao limite da mesma remuneração.”
 B) A aplicação, pelo tribunal recorrido, das normas transcritas. 
 
 5. O Tribunal a quo entendeu que age com culpa um autarca experiente e com 
 conhecimentos [in casu, o 1.º Recorrente], quando segue a orientação proposta 
 pelo competente Director do Departamento Administrativo e Financeiro, no sentido 
 de que mantém a natureza de empréstimo de curto prazo aquele que é amortizado no 
 ano civil subsequente ao da sua contracção, mas sem que o período de vigência 
 exceda um ano e que, por conseguinte, não há que suscitar a intervenção do 
 executivo e da Assembleia Municipal, com vista à sua transformação em empréstimo 
 de médio ou longo prazo. 
 
 6. Pretende-se que este Alto Tribunal verifique se o conceito de culpa assim 
 perfilhado, em interpretação e aplicação das normas do artigo 67-2 da Lei de 
 Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida pela Lei 
 n.° 48/2006, de 29 de Agosto) e do artigo 15/b do Código Penal, se coaduna com o 
 princípio do estado de direito democrático (art. 2°, CRP). 
 
 7. Julgou o Tribunal recorrido que os preceitos dos artigos 78/c e 79 do 
 Estatuto da Aposentação, na redacção (em vigor à data dos factos em causa) acima 
 transcrita, confere ao Primeiro-Ministro a competência para autorizar o 
 exercício de funções, por aposentados, nas autarquias locais e para fixar 
 remuneração superior a um terço da que corresponde a esse exercício. 
 
 8. A questão que se submete a este Tribunal Constitucional é a de apurar se essa 
 interpretação se conforma com o princípio da autonomia do poder local (artigo 
 
 235, 242-1-2 e 243-1-2, CR2) e com o princípio «para trabalho igual, salário 
 igual» (artigo 59-1/a, CRP). 
 
 9. Finalmente, o Tribunal a quo decidiu que age com culpa o autarca que, 
 seguindo a orientação proposta pelos serviços competentes, adjudica, por ajuste 
 directo, no mesmo dia - mas em procedimentos que tiveram origem e se 
 desenrolaram autonomamente e que respeitavam a obras absolutamente independentes 
 e distantes entre si muitos quilómetros -, trabalhos que, no seu conjunto, 
 excedem o limite imposto sob o artigo 48-2 do Dec.-Lei n.° 59/99. 
 
 10. Também aqui se pretende que este Alto Tribunal verifique se o conceito de 
 culpa assim perfilhado, em interpretação e aplicação das normas do artigo 67-2 
 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida 
 pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto) e do artigo 15/b do Código Penal, se 
 coaduna com o princípio do estado de direito democrático (artigo 2.º, CRP). ”.
 
  
 Por despacho de fls. 172 e seguintes, o relator notificou os recorrentes para 
 produzirem alegações, com a advertência de que apenas seria de conhecer do 
 objecto do recurso no tocante à questão da conformidade constitucional da 
 interpretação que se reporta aos artigos 78º, n.º 1, alínea c), e 79º do 
 Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de 
 Maio.
 
  
 Em alegações, os recorrentes nada disseram em relação à possível restrição do 
 objecto do recurso, e, quanto ao mais, concluíram do seguinte modo:
 
  
 
 1.ª À luz do estatuído nos artigos 235, 242-1-2 e 243-1-2 da CRP, a 
 interpretação das normas do artigo 78-1/c e 79 tem de ser no sentido de que a 
 referência, nelas, ao Primeiro-Ministro deve considerar-se feita, quando esteja 
 em causa o exercício de funções em determinado município, ao presidente da 
 respectiva câmara municipal.
 
 2.ª A limitação do abono a receber pelos aposentados a uma terça parte (ou a 
 qualquer outra percentagem) da remuneração correspondente às funções por eles 
 desempenhadas constitui violação do princípio «para trabalho igual, salário 
 igual» (art. 59-1/a, CRP).
 
 3.ª A interpretação normativa perfilhada pelo aresto sub censura viola, por 
 conseguinte, os princípios e preceitos constitucionais invocados.”.
 
  
 Nas contra-alegações, o representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional veio sustentar que, face ao decidido no acórdão recorrido,  não 
 poderá considerar-se efectivamente aplicado o regime normativo constante do 
 artigo 78º do Estatuto da Aposentação, encontrando-se o objecto do recurso 
 limitado, desse modo, à questão da constitucionalidade da norma constante do 
 artigo 79º do mesmo Estatuto. Formulou ainda as seguintes conclusões:
 
  
 
 1ª A regra constante do artigo 79º do Estatuto da Aposentação, ao outorgar ao 
 Primeiro Ministro a competência par outorgar o recebimento, em acumulação com a 
 pensão de reforma de verba superior a 1/3 da remuneração correspondente às 
 funções exercidas – independentemente da natureza da entidade pública em que as 
 funções são desempenhadas – não viola qualquer preceito ou princípio 
 constitucional.
 
 2ª Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 Os recorrentes não responderam à questão prévia colocada pelo Ministério 
 Público, respeitante à não aplicação, na decisão recorrida, do regime constante 
 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 2. O recurso de constitucionalidade interposto pelos recorrentes incide sobre as 
 normas dos artigos 67º, n.º 2, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de 
 Contas (na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto), 48.º, 
 n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, e 15º, alínea b), do 
 Código Penal, e ainda sobre as normas dos artigos 78º, alínea c), e 79º do 
 Estatuto da Aposentação, na redacção do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio.
 
  
 Convidado a especificar as interpretações normativas que, em cada caso, estão em 
 causa, os recorrentes, relativamente àquele primeiro grupo de disposições, 
 vieram esclarecer que pretendem que o Tribunal Constitucional verifique se o 
 conceito de culpa perfilhado pelo tribunal recorrido em aplicação desses 
 referidos preceitos se coaduna com o estado de direito democrático.
 
  
 Assim sendo, nesse ponto, os recorrentes não questionam a conformidade 
 constitucional de qualquer interpretação normativa que tenha sido formulada pelo 
 tribunal recorrido, e limitam-se antes a censurar a própria decisão recorrida 
 face aos termos que efectuou a qualificação jurídica dos factos tidos como 
 assentes.
 Ora, o Tribunal Constitucional não possui competência para analisar a 
 constitucionalidade de decisões judiciais, mas apenas de normas ou 
 interpretações normativas de que essa decisão tenha feito aplicação, na 
 apreciação do caso concreto (como, com evidência, decorre do artigo 280º da CRP 
 e das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), 
 pelo que não pode conhecer-se do objecto do recurso no que se refere a qualquer 
 desses aspectos.
 
  
 Entretanto, o Ministério Público, nas contra-alegações, suscitou ainda a questão 
 prévia do não conhecimento do objecto do recurso em relação à norma do artigo 
 
 78º, alínea c), do Estatuto da Aposentação, por entender que esta não foi 
 aplicada na decisão recorrida, matéria sobre a qual, os recorrentes, notificados 
 para se pronunciarem, não deduziram oposição.
 
  
 E, na verdade, o Plenário da 3ª Secção do Tribunal de Constas, tomando por 
 assente que o recurso perante ele interposto incidia sobre a interpretação dos 
 artigos 78º, alínea c), e 79º do Estatuto da Aposentação, expressamente afastou 
 a aplicabilidade ao caso concreto da primeira dessas disposições, que se 
 reportava ao regime de incompatibilidades dos aposentados para o exercício de 
 funções remuneradas em serviços públicos, e, em necessária decorrência, apenas 
 se pronunciou sobre a norma do artigo 79º, deixando prejudicado o conhecimento 
 do recurso quanto à questão suscitada por aquela outra disposição.
 
  
 Ora, tendo em conta que a aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja 
 conformidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, constitui um dos 
 pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, é de considerar procedente a questão prévia 
 colocada pelo Ministério Público, pelo que também não pode conhecer-se do 
 objecto do presente recurso, quanto à norma do artigo 78º, n.º 1, alínea c), do 
 Estatuto da Aposentação.
 
  
 Nestes termos, o recurso circunscreve-se à norma do artigo 79º do Estatuto da 
 Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção 
 emergente do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio, na interpretação segundo a 
 qual aos aposentados a quem seja permitido desempenhar outras funções públicas 
 apenas pode ser abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas 
 funções e é o primeiro-ministro que detém competência para fixar remuneração 
 superior a essa. 
 
  
 Mérito do recurso
 
  
 
 3. Estão em causa, no presente recurso, dois diferentes segmentos normativos do 
 artigo 79º do Estatuto da Aposentação: de um lado, a limitação a um terço da 
 remuneração a auferir por aposentados, que, nessa situação, se encontrem a 
 exercer outras funções públicas, o que, segundo os recorrentes, ofende o 
 princípio “para trabalho igual, salário igual”, consagrado no artigo 59º, n.º 1, 
 alínea a), da Constituição; de outro, a atribuição de competência ao 
 primeiro-ministro para autorizar um abono superior a esse, que se entende 
 infringir o princípio da autonomia do poder local consignado nos artigos 235º, 
 
 242º, n.º s 1 e 2, e 243º, n.º s 1 e 2, da Constituição.
 
  
 Na sua redacção originária, a referida norma do artigo 79º do Estatuto da 
 Aposentação tinha a seguinte redacção:
 
  
 Artigo 79º
 
 (Exercício de funções públicas por aposentados)
 Nos casos em que aos aposentados seja permitido desempenhar outras funções 
 públicas é-lhes mantida a pensão de aposentação e abonada uma terça parte da 
 remuneração que competir a essas funções, salvo se lei especial determinar ou o 
 Conselho de Ministros autorizar abono superior, até ao limite da mesma 
 remuneração.
 
  
 Entretanto por força da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 
 de Maio, aqui aplicável por ser a vigente à data dos factos, passou a dispor do 
 seguinte modo:
 
  
 Artigo 79º
 Exercício de funções públicas por aposentados
 Nos casos em que aos aposentados ou reservistas seja permitido, nos termos do 
 artigo anterior, desempenhar funções públicas ou prestação de trabalho 
 remunerado nas empresas públicas ou entidades equiparadas, é-lhes mantida a 
 pensão de aposentação ou de reforma, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta 
 do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade 
 onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, autorizar montante 
 superior, até ao limite da mesma remuneração.”
 
  
 Reportando-se à primitiva versão do preceito, o Tribunal Constitucional já teve 
 oportunidade de apreciar, no acórdão n.º 386/91, de 22 de Outubro, a 
 conformidade constitucional do princípio da limitação da remuneração, aí 
 prevista, tendo julgado inconstitucional por violação da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 59º da Constituição, a norma do artigo 79º do Estatuto da Aposentação, 
 
 «mas somente na medida em que permite que o montante da pensão de reforma 
 percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte da remuneração 
 que competir ao permitido desempenho de outras funções públicas por parte do 
 mesmo aposentado, seja inferior ao quantitativo de tal remuneração».
 
  
 Afirmou-se então o seguinte:
 
  
 
 “[...]
 
 5. Na versão originária da Constituição consagrava-se na alínea a) do artigo 53º 
 que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade, 
 religião ou ideologia tinham direito à retribuição do trabalho segundo a 
 quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho 
 igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
 Tais direito e proibição discriminatória continuaram a perdurar, em moldes em 
 tudo idênticos, no texto constitucional resultante da revisão operada pela Lei 
 Constitucional nº 1/82 [artigo 60º, nº 1, alínea a)] e da revisão operada pela 
 Lei Constitucional nº 1/89 [artigo 59º, nº 1, alínea a)].
 Nas citadas disposições constitucionais reafirma-se o princípio fundamental da 
 igualdade, consagrado no artigo 13º da Lei Básica, vertido na óptica dos 
 direitos dos trabalhadores, efectuando-se uma determinação negativa [a proibição 
 da discriminação], referindo-se um parâmetro positivo [a igualdade de 
 retribuição], sujeito a avaliação, mediante critérios objectivos e materiais – 
 logo não meramente formais – da quantidade, qualidade e natureza do trabalho, 
 aos quais não poderá ser alheia a realidade social e, por fim, definindo-se como 
 objectivo a garantia de uma retribuição do trabalho permissora de um trem de 
 vida, individual e do agregado familiar, adequado ao grau económico generalizado 
 do Pais (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 2ª ed., 1º vol., págs. 321 e segs., Jorge Leite, Direito do 
 Trabalho e da Segurança Social, págs. 305 e segs., e Francisco Lucas Pires, Uma 
 Constituição para Portugal, 1975, págs. 62 e segs.).
 
 6. Face a estes contornos, será que ofende o preceito constitucional vasado na 
 alínea a) do artigo 53º da versão originária da Constituição, na alínea a) do nº 
 
 1 do artigo 60º da versão de 1982 e na alínea a) do nº 1 do artigo 59º da actual 
 versão, uma norma que estabeleça limites à cumulação de remuneração devida pelo 
 desempenho de outras funções públicas por um ex-servidor do Estado, com a pensão 
 de aposentação (ou reserva) por ele já percebida?
 Entende-se que a resposta a esta questão genérica terá de ser negativa.
 
 6.1. É que, por um lado, a pensão auferida (que até, numa certa visão das 
 coisas, poderia ser entendida como o posterior pagamento daquela parte da 
 retribuição do trabalho desempenhado pelo servidor do Estado enquanto se manteve 
 no activo, pagamento esse que lhe não foi feito, porque, ao menos em parte, 
 descontado no vencimento líquido então auferido a título de subscrição para a 
 C.G.A., e que, ajuntado à parte já paga, justificava a remuneração ilíquida 
 global como ajustada à quantidade, qualidade e natureza do trabalho efectuado) 
 pode, ou deve, ser entendida como a atribuição de um quantitativo ajustado à 
 prossecução da existência condigna de vida do servidor, atentas as condições 
 sociais e familiares que deterá aquando da sua aposentação.
 A ser assim, estaria efectivada a garantia ínsita na parte final da alínea a) do 
 nº 1 do artigo 59º da Constituição (versão actual).
 E, por isso, a remuneração pelo desempenho de outras funções públicas – ainda 
 que limitada – representaria um «plus» retributivo a acrescer ao percebido a 
 título de pensão pelo aposentado.
 Na verdade, os proventos auferidos pelo funcionário no activo e decorrentes do 
 exercício de funções ou cargos públicos em qualidade e quantidade iguais às 
 desempenhadas pelo aposentado autorizado a exercê-las constituem, quanto ao 
 primeiro, o núcleo essencial da respectiva retribuição, que há-de obedecer ao 
 comando garantístico da parte final do mencionado preceito da Constituição, 
 derivando, ainda, de algum modo, do próprio direito ao trabalho concedido aos 
 cidadãos.
 Ora, se aos aposentados da função pública a garantia de existência condigna está 
 assegurada pela atribuição da pensão de reforma, é claro que o quantitativo que 
 percebem além da pensão e advindo do permitido desempenho de outro emprego ou 
 cargo públicos, colocá-los-á, relativamente a essa garantia, em situação não 
 igual à dos funcionários do activo que exercem funções iguais, em quantidade e 
 qualidade, às que o aposentado está autorizado a desempenhar.
 A remuneração auferida pelo trabalhador da função pública aposentado e em 
 consequência do trabalho «cumulado», constitui, pois, um «plus» retributivo que 
 não tem origem, directamente, no seu direito ao trabalho, conquanto, obviamente, 
 derive do trabalho desempenhado.
 
 6.2. Por outro lado, e primordialmente, é necessário não olvidar que no próprio 
 texto constitucional (nº 4 do artigo 269º, correspondente, na primeira versão, 
 ao nº 4 do artigo 270º) se descortina credencial bastante para legitimar o 
 legislador ordinário a definir os casos e as condições em que a regra da 
 proibição da acumulação de empregos ou cargos públicos aí contida pode ser 
 excepcionada.
 
 6.3. Concluir-se-á, desta arte, que, em termos genéricos, não será feridente da 
 Lei Fundamental e, designadamente, do que se consagra na já referida a1ínea a) 
 do nº 1 do seu artigo 59º, norma infraconstitucional que venha estabelecer um 
 limite à cumulação de remunerações advindas da pensão de reforma de um 
 aposentado da função pública e da retribuição pelo exercício de funções ou 
 cargos públicos que ele se encontre legalmente autorizado a desempenhar, 
 independentemente da concretização, numa ou noutra, desse limite.
 
 7. Mas, se a tal conclusão se chegou, a indagação do problema não pode quedar-se 
 por aqui.
 De facto, tendo em conta o direito fundamental garantido na mencionada alínea a) 
 do nº 1 do artigo 59º, concretizador daqueloutro da igualdade, e o princípio de 
 justiça que lhe está subjacente, mister é que o total recebido pelo aposentado 
 se não mostre inferior ao vencimento percebido pelo trabalho desempenhado pelo 
 funcionário no activo, sob pena de, havendo exercício de trabalho em qualidade e 
 quantidade iguais por parte de dois trabalhadores, um deles receber, a final, 
 menos do que o outro.
 Pois bem:
 Se mercê de limitação à globalidade remuneratória imposta por normação 
 ordinária, o total auferido pelo aposentado – resultado da pensão e do 
 
 «vencimento» proveniente do desempenho autorizado de função ou cargo públicos –  
 se mostrar de quantitativo inferior ao «salário» atribuído ao trabalhador do 
 activo que exerce função ou cargo iguais aos que o aposentado está permitido 
 exercer, então o citado princípio de justiça subjacente à referida norma 
 constitucional ver-se-á inequivocamente abalado.
 
 8. A ser assim, como é, perante o dispositivo constante da norma em apreciação, 
 poderão surgir hipóteses em que a soma da pensão de reforma do aposentado e do 
 montante da retribuição do autorizado desempenho de outra função ou cargo 
 públicos – montante esse derivado do limite imposto pela mesma norma – seja de 
 quantitativo inferior ao do auferido pelo funcionário no activo que exerce igual 
 função ou cargo.
 Ora, em tais casos, originados pela estatuição da norma em causa, criar-se-ão 
 situações conflituantes com os assinalados princípio de justiça e garantia 
 respectivamente ínsito e consagrada na Lei Básica.
 
 [...]”.
 
  
 Este entendimento veio a ser retomado no acórdão n.º 258/02, de 18 de Junho, em 
 que se aditaram as seguintes considerações:
 
  
 
 […] não é inconstitucional, por violação do princípio de que “para trabalho 
 igual salário igual”, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da 
 Constituição, a norma do artigo 79º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, 
 sempre que o aposentado não receba integralmente a remuneração correspondente ao 
 desempenho das funções públicas que lhe seja permitido desempenhar. Só existirá 
 violação desse princípio se, como se sublinha no mencionado acórdão do Tribunal 
 Constitucional, o aposentado receber, a final, menos do que um trabalhador no 
 activo que exerça trabalho em quantidade e qualidade iguais. 
 Na verdade, e como salienta o Ministério Público nas alegações que produziu 
 junto deste Tribunal, “não são manifestamente situações idênticas aquelas em que 
 certo cidadão exerce, em exclusivo, certa função e em que tal função é exercida 
 cumulativamente com outra, podendo legitimamente tal situação de acumulação 
 ditar uma redução – proporcional e adequada – da remuneração global auferida.”.
 Não sendo idênticas as situações do aposentado que exerce certa função pública e 
 a do trabalhador no activo que só exerce essa função, desde logo porque aquele 
 acumula a qualidade de aposentado, auferindo a correspondente pensão de 
 aposentação, é evidente que a questão de constitucionalidade apreciada pelo 
 tribunal recorrido não pode ser equacionada nos termos simples em que 
 assumidamente o foi. O princípio da igualdade não postula o tratamento igual de 
 situações substancialmente diversas, não sendo necessário incorrer na censurada 
 
 “excessiva teorização” para assim concluir.
 Por outro lado, mantendo o aposentado a pensão de aposentação e recebendo uma 
 parte da remuneração que, acrescida àquela, não é inferior ao quantitativo da 
 remuneração que compete às funções que desempenha, não se verifica qualquer 
 enriquecimento indevido do Estado à custa do trabalhador, contrariamente ao 
 defendido no acórdão recorrido. E isto porque o trabalhador, como sucede no caso 
 dos autos, acaba por auferir uma quantia que, globalmente considerada, não é 
 inferior àquela que compete às funções que desempenha, não sofrendo portanto um 
 correlativo empobrecimento.
 Conclui-se assim que não é inconstitucional o segmento normativo do artigo 79º 
 do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, que – consentindo embora a redução 
 da remuneração global devida a um aposentado que for autorizado a exercer outra 
 função pública –, garanta ao aposentado a percepção do quantitativo que competir 
 a essa função pública.
 
  
 A argumentação dos recorrentes em nada põe em causa esta orientação 
 jurisprudencial.
 
  
 Por um lado, afirmam que para a aplicação do princípio “para trabalho igual, 
 salário igual” releva apenas a circunstância de o trabalho ser ou não igual, e 
 não a circunstância de o trabalhador ser ou não aposentado; por outro lado, 
 consideram que o princípio da redução da remuneração dos aposentados que exercem 
 outras funções públicas, a ser constitucionalmente conforme, seria também 
 aplicável aos trabalhadores no activo que se encontrem em acumulação de funções, 
 solução não consentida pelos artigos 27º e 28º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de 
 Fevereiro.
 Relativamente ao primeiro ponto, importa precisar que a norma do artigo 59º, n.º 
 
 1, alínea a), da Constituição visa essencialmente assegurar o direito a uma 
 justa retribuição do trabalho e é em vista à realização desse direito que se 
 devem entender os princípios fundamentais que aí se estabelecem para efeito da 
 fixação da remuneração: (a) ela deve ser conforme à quantidade, natureza e 
 qualidade do trabalho; (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade 
 deve corresponder salário igual, proibindo-se as discriminações entre 
 trabalhadores; (c) a retribuição deve garantir uma existência condigna.
 O princípio da igualdade salarial, como componente do direito a uma justa 
 retribuição, não pode, por conseguinte, ser interpretado num sentido 
 estritamente formal, mas antes à luz do objectivo constitucional que é traçado 
 pela referida disposição do artigo 59º, n.º 1, alínea a).
 
  
 Como refracção do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, da 
 Constituição, o que a referida norma constitucional proíbe é o estabelecimento 
 de diferenciações arbitrárias em matéria de retribuição e, por isso, a distinção 
 de tratamento entre trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho sem que 
 para isso subsista um fundamento material bastante (neste sentido, o acórdão n.º 
 
 424/2003).
 No caso concreto, a limitação da remuneração é determinada pela circunstância de 
 os cargos públicos se encontrarem a ser desempenhados por pessoas em situação de 
 aposentação, relativamente às quais, desde logo, se encontra garantido o 
 pagamento de uma pensão mensal que assegura a manutenção de um nível de vida 
 correspondente àquele que já detinham quando se encontravam no activo. O 
 critério legal assenta, por outro lado, em considerações de política legislativa 
 que visam a proibição do exercício de funções remuneradas na Administração 
 Pública por parte de quem, tendo mantido já uma relação jurídica de emprego 
 público, se encontre a beneficiar do correspondente regime de previdência 
 social, e que apenas conhece as excepções especialmente previstas no artigo 78º 
 do Estatuto da Aposentação.
 A redução do montante remuneratório a um terço nos casos em que seja legalmente 
 permitido a renovação de um vínculo de emprego público, como prevê o artigo 79º 
 do Estatuto de Aposentação, não impede que o interessado continue a auferir a 
 totalidade da pensão, e representa, em si, um regime mais vantajoso que o 
 anteriormente existente, que impunha que os aposentados nessas condições 
 optassem pela remuneração correspondente ao cargo exercido ou pelo pagamento da 
 pensão de aposentação (cfr. ponto 6 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 
 de Dezembro).
 Em qualquer caso, como decorre do segmento final do mesmo artigo 79º, não fica 
 afastada a possibilidade, em situações que se mostrem justificadas, que venha a 
 ser autorizada, caso a caso, o pagamento de um montante superior àquele até ao 
 limite da remuneração que for legalmente devida pelo exercício do cargo.
 Como se vê, o regime legal assenta num critério correctivo de natureza objectiva 
 e mostra-se justificado por razões de moralização do sistema previdencial 
 público, e não põe em causa, de nenhum modo, o direito a uma existência 
 condigna, que é desde logo assegurada pelo pagamento da pensão de aposentação – 
 questão que sempre poderia ser avaliada em concreto através do procedimento de 
 autorização previsto no artigo 79º, in fine.
 Nada permite, por isso, concluir pela invocada inconstitucionalidade.
 A invocação do regime jurídico vigente para a acumulação de funções no activo 
 não possui também qualquer valor argumentativo.
 Antes de mais, as soluções normativas adoptadas, no plano do direito ordinário, 
 em relação a quaisquer outros aspectos do ordenamento jurídico, ainda que possam 
 constituir lugares paralelos, não podem servir de parâmetro de 
 constitucionalidade relativamente à questão que vem colocada no presente 
 recurso, justamente porque se trata de direito infra-constitucional. Nem cabe 
 agora averiguar se essa outra legislação é ou não, ela própria, conforme com a 
 Constituição para efeito de se poder estabelecer um qualquer padrão comparativo.
 Acresce que o novo regime de vinculação, carreiras e remunerações dos 
 trabalhadores da Administração Pública, a que os recorrentes pretendem 
 referir-se, não deixa de instituir um regime de exclusividade do exercício de 
 funções públicas (artigo 26º), e só permite a acumulação com outras funções 
 públicas quando estas não sejam remuneradas ou nos casos taxativamente indicados 
 na lei, desde que haja manifesto interesse público nessa acumulação e prévia 
 autorização da entidade competente (artigos 27º e 29º).  O que conduz a concluir 
 que há, também, neste âmbito, um regime fortemente restritivo, que é consentâneo 
 com o estabelecido para o exercício de funções públicas por parte de pessoas em 
 situação de aposentação.
 Seja como for, nunca o referido regime legal poderia servir de elemento de 
 aferição de um julgamento de constitucionalidade, visto que estamos perante 
 soluções normativas, que sendo em si mesmas distintas, visam também diferentes 
 propósitos legislativos (garantia de imparcialidade, num caso; regulação do 
 sistema previdencial, no outro), relativamente aos quais seria lícito ao 
 legislador instituir distintos critérios legais.
 
 4. Pretendem ainda os recorrentes que a disposição do artigo 79º do Estatuto da 
 Aposentação envolve a violação do princípio da autonomia do poder local, 
 consagrado nos artigos 235º, 242º, n.º s 1 e 2, e 243º, n.º s 1 e 2, da 
 Constituição.
 
  
 Esse princípio, também consagrado no artigo 6º da Constituição, significa que 
 
 «as autarquias locais são formas de administração autónoma territorial, de 
 descentralização territorial do Estado, dotadas de órgãos próprios, de 
 atribuições específicas correspondentes a interesses próprios e não meras formas 
 de administração indirecta ou mediata do Estado» (Gomes Canotilho /Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed., Coimbra 
 Editora, 2007, pág. 234).
 
  
 Daí decorre que o legislador fica constitucionalmente vinculado a uma concepção 
 de descentralização administrativa, que implica a devolução de atribuições e 
 poderes aos entes públicos autárquicos infraestaduais. Essa devolução de poderes 
 tem como consequência a atribuição de uma autonomia administrativa, que envolve 
 a competência para a prática de actos administrativos e o exercício de poder 
 regulamentar, sem sujeição a qualquer vínculo de dependência hierárquica em 
 relação ao Estado, embora sem prejuízo da tutela administrativa de estrita 
 legalidade - artigos 241º e 242º da Constituição (Gomes Canotilho /Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, 
 
 1993, pág. 886).
 
  
 Essas competências não podem, no entanto, deixar de ser confinadas aos 
 respectivos limites territoriais e às tarefas de incidência local que não sejam 
 atribuídas, por lei, a outros titulares da Administração (cfr. artigo 199º e 
 
 267º da Constituição). E, evidentemente, abrange apenas funções administrativas 
 e não funções legislativas, que estão necessariamente confiadas à Assembleia da 
 República e ao Governo e, no âmbito regional, aos órgãos de governo próprio das 
 Regiões Autónomas (artigos 161º e segs. e 227º da Constituição).
 
  
 
 É à Assembleia da República que compete legislar, salvo autorização ao Governo, 
 sob as bases do sistema de segurança social, bem como sobre as bases e âmbito da 
 função pública, competindo ao Governo fazer decretos-leis de desenvolvimento dos 
 princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis (artigos 165º, 
 n.º 1, alínea f), e t), e 198º, n.º 1, alíneas b) e c), da Constituição).
 
  
 Estando em causa, no caso vertente, o exercício cumulativo de funções públicas 
 por parte de aposentados, e sendo essa matéria atinente ao estatuto da 
 aposentação do funcionalismo público, a competência para legislar pertencia, nos 
 termos antes expostos, aos órgãos de soberania, incluindo-se no âmbito da 
 discricionariedade legislativa a indicação da entidade a quem deveria competir a 
 autorização prevista na lei para o abono de remuneração superior à que está 
 legalmente fixada.
 
  
 Sendo essa competência atribuída ao primeiro-ministro, e tratando-se de matéria 
 que diz respeito a interesses colectivos de índole geral e que manifestamente 
 excedem a mera incidência local (independentemente de os destinatários do 
 procedimento autorizativo poderem ser funcionários autárquicos), torna-se claro 
 que não há, na referida atribuição de competência administrativa, qualquer 
 violação do princípio da autonomia local.
 
  
 Assim é de não julgar inconstitucional a norma do artigo 79º do Estatuto da 
 Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção 
 emergente do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio, na interpretação segundo a 
 qual aos aposentados a quem seja permitido desempenhar outras funções públicas 
 apenas pode ser abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas 
 funções e é o primeiro-ministro que detém competência para fixar remuneração 
 superior a essa. 
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
 
  
 a) Não conhecer do objecto do recurso, quanto às normas dos artigos 67º, n.º 2, 
 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (na redacção introduzida 
 pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto), 48.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei 
 n.° 59/99, de 2 de Março, e 15º, alínea b), do Código Penal, e 78º do Estatuto 
 da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro (na 
 redacção emergente do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio);
 
  
 b) Negar provimento ao recurso na parte que dele se conhece. 
 
  
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
 
  
 
  
 Lisboa, 27 de Maio de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão