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Processo n.º 534/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                     1. Relatório
 
                                     A. foi pronunciado como autor, em concurso 
 real de infracções, de um crime de injúria agravado (através de escrito dirigido 
 ao juiz denunciante, B.), previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 
 
 184.º, de um crime de denúncia caluniosa (através de participação apresentada ao 
 Conselho Superior da Magistratura – CSM), previsto e punido pelo artigo 365.º, 
 n.ºs 1 e 2, e de dois crimes de difamação agravados (um através da referida 
 participação ao CSM e outro através de exposição dirigida ao Conselho Distrital 
 de Lisboa da Ordem dos Advogados – CDLOA), previstos e punidos, cada um deles, 
 pelos artigos 180.º e 184.º, todos do Código Penal (CP).
 
                                     Submetido a julgamento, foi, por sentença de 
 
 26 de Abril de 2006 do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, absolvido do crime de 
 injúria agravado e de um dos dois crimes de difamação agravado (o cometido 
 através da participação endereçada ao CSM), e condenado, como autor do outro 
 crime de difamação agravado (cometido através da exposição dirigida ao CDLOA), 
 na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, como autor do crime de 
 denúncia caluniosa, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e, em 
 cúmulo jurídico, na pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
 
                                     Apresentou então o arguido, em 27 de Abril 
 de 2006, requerimento em que, além de requerer a confiança do processo a fim de 
 elaborar a motivação do recurso quando à matéria de direito, igualmente 
 solicitou, uma vez que o recurso que intentava interpor incidia também sobre a 
 matéria de facto, que lhe fosse fornecida, nos termos dos artigos 101.º e 412.º, 
 n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal (CPP), “transcrição da gravação da prova 
 testemunhal produzida na audiência final e respectivas actas de audiência de 
 discussão e julgamento, incluindo as da anterior audiência anulada, 
 suspendendo‑se o prazo de recurso até fornecimento das mesmas”. Este 
 requerimento foi subscrito por advogado então constituído pelo arguido, mas 
 cuja intervenção como mandatário veio a ser considerada inadmissível, por 
 despacho de 12 de Maio de 2006, uma vez que esse advogado interviera no 
 julgamento na qualidade de testemunha. O arguido veio a constituir novo 
 mandatário, que ratificou o processado.
 
                                     Por despacho de 23 de Maio de 2006, foi: (i) 
 indeferido o aludido requerimento na parte em que se pedia a suspensão do prazo 
 de recurso até ao fornecimento da transcrição da gravação da prova testemunhal 
 produzida em audiência; (ii) determinado o fornecimento de cópias das actas de 
 audiência, nos termos requeridos; (iii) declarado suspenso o prazo de recurso 
 desde o dia 27 de Abril de 2006 (data da entrada do referido requerimento) até 
 ao dia seguinte ao da notificação ao arguido desse despacho, dia a partir do 
 qual estavam disponíveis, na secretaria do Tribunal, as cassetes contendo a 
 gravação da prova produzida em audiência de julgamento; e (iv) deferido o pedido 
 de confiança do processo, pelo prazo de dez dias.
 
                                     Em 2 de Junho de 2006, o arguido apresentou 
 a motivação do seu recurso, que termina com a formulação das seguintes 
 conclusões:
 
  
 
                   “1.ª A transcrição da prova produzida e gravada em audiência 
 de julgamento deve ser fornecida ao arguido para este poder recorrer, sendo que 
 a interpretação contrária dada ao n.º 4 do artigo 412.º do CPP torna tal norma 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da CRP.
 
                   2.ª O arguido não esteve representado de facto na audiência, 
 conforme a própria defensora o referiu e demonstrou, pelo que houve violação dos 
 artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, 
 constituindo tal nulidade, nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP, sob 
 pena de, ao não considerar‑se assim, tornar as referidas normas 
 inconstitucionais, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 32.º, n.ºs 1, 
 
 2, in fine, e 3, da CRP.
 
                   3.ª Ao ser‑lhe fornecido ao participante/testemunha factos 
 constantes dos autos de inquérito, maxime de documentos que consubstanciavam a 
 defesa do arguido no CDLOA e apresentados por este, tal viola o artigo 89.º, n.º 
 
 2, do CPP e artigo 195.º do CP, e porque, tal tendo sido feito, obriga a guardar 
 segredo o participante, implica nulidade da acusação/pronúncia nessa parte, não 
 podendo tal facto ser considerado até porque o eventual crime não estava 
 consumado se não fosse a violação do segredo e a denúncia seria extemporânea.
 
                   4.ª O dispositivo da sentença deveria especificar os crimes 
 reportando‑os aos factos que os originaram, até devido à imperceptibilidade da 
 acusação/pronúncia e da fundamentação da sentença, pois só assim se pode dar 
 cabal cumprimento ao estatuído no artigo 374.º, n.º 2, alínea b), do CPP, 
 conjugado com os princípios da clareza e percepção dos actos judiciais, sob 
 pena de, a não ser assim, a sentença ser nula, por violação do artigo 379.º, n.º 
 
 1, alínea a), do CPP.
 
                   5.ª A sentença deveria ter julgado os factos alegados nos 
 pontos 3, 5, 6, 14, 16 e 18 da contestação, porque relevantes para a causa, pelo 
 que tal omissão viola o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
 
                   6.ª Entre duas sessões da audiência de julgamento mediaram 
 mais de 30 dias, pelo que foi violado o artigo 428.º, n.º 6, do CPP.
 
                   7.ª Se o julgamento não for nulo, a prova produzida na 
 primeira sessão perdeu a sua eficácia, até porque incluída nos fundamentos da 
 sentença.
 
                   8.ª Como tal prova foi feita no interesse do arguido, a sua 
 perda de eficácia prejudica‑o e, porque tal consta da motivação da sentença, 
 implica ilegalidade desta por violação do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e b), 
 do CPP.
 
                   9.ª A não ser assim, haveria que renovar‑se a prova, sob pena 
 de interpretação contrária a dar ao artigo 428.º, n.º 6, do CPP, no sentido que 
 a perda de eficácia da prova não conduz à ilegalidade da sentença e/ou à 
 renovação da prova, tornar tal norma inconstitucional, por violação dos artigos 
 
 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
 
                   10.ª O despacho judicial não é meio idóneo para apresentar 
 queixa crime e o envio de peças processuais de autos da OTM viola os artigos 
 
 168.º do CPC e 12.º do EMJ (até porque não se pediu autorização ao CSM), 
 conforme se vê da conjugação destes normativos com toda a OTM e artigo 113.º e 
 seguintes do CP e artigos 49.º e 242.º do CPP, ex vi artigo 188.º, n.º 1, alínea 
 a), do CP.
 
                   11.ª A decisão instrutória é nula, pois não existe clareza na 
 remissão dos factos e dos crimes imputados, pelo que interpretar no sentido 
 contrário as normas dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, 
 as torna inconstitucionais, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 
 e 205.º, n.º 1, da CRP.
 
                   12.ª A consideração de fls. 14 da sentença, de que o arguido 
 tinha consciência e vontade de cometer os crimes imputados, não tem qualquer 
 suporte legal nos autos nem na prova produzida em audiência, mas antes pelo 
 contrário, pelo que tais factos não se podem considerar provados, sob pena de 
 violar‑se o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP.
 
                   13.ª O testemunho do Dr. B. foi mal apreciado, já que o mesmo 
 foi considerado e provado documentalmente como parcialmente falso, pelo que se 
 violou o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
 
                   14.ª Não foram consideradas partes importantes dos depoimentos 
 das testemunhas de defesa, pelo que se violou o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, 
 com a consequente nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, 
 alínea a), do CPP.
 
                   15.ª Bem como as afirmações gratuitas de fls. 19/20 quanto à 
 actuação do arguido, falsidade dos factos e intenção de prejudicar o 
 participante, sem qualquer prova para tal, extravasa do artigo 127.º do CPP, 
 havendo erro de julgamento e violação do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do 
 CPP.
 
                   16.ª No que concerne ao crime de denúncia caluniosa, não é 
 verdade e não tem suporte probatório que os factos constantes da participação ao 
 CSM eram falsos e o arguido o sabia, pelo que se verifica novamente o estatuído 
 no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
 
                   17.ª E, sobre tal facto, porque a decisão não se manifestou 
 sobre a alegada exclusão da ilicitude e/ou da culpa, temos pela violação do 
 artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
 
                   18.ª Quanto à exposição dirigida ao CDLOA, a afirmação de que 
 o arguido teve a intenção de ofender também não tem qualquer suporte 
 probatório, bem como tais factos, ao serem alegados em sede de direito de 
 defesa (e o anterior de participação disciplinar), excluem a ilicitude e a 
 culpa, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, alíneas b) e c), 34.º e 36.º do CP e, 
 porque a sentença não se manifestou sobre tal, que foi alegado, viola o artigo 
 
 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
 
                   19.ª A interpretação contrária dada ao artigo 31.º, n.º 2, 
 alínea b), do CP o torna inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 
 
 4, 37.º e 208.º da CRP e artigos 6.º e 13.º da CEDH, além da violação do artigo 
 
 154.º, n.º 3, do CPC.
 
                   20.ª Além disso, o crime nunca poderia ser o de difamação, 
 posto que a exposição dirigida ao CDLOA não foi dirigindo‑se a terceiros, pois o 
 CDLOA não pode ser terceiro (até porque não é pessoa singular).
 
                   21.ª Não apurou a sentença o dolo genérico, bem como os 
 requisitos do artigo 180.º, n.º 2, do CP, pelo que existe nulidade por violação 
 do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
 
                   22.ª Assim, caso não se absolva o arguido e/ou se revogue a 
 decisão ora em crise, é de renovar‑se toda a prova produzida em audiência, bem 
 como a não produzida por «falta» da mandatária, ou o reenvio do processo 
 
 (artigos 412.º, n.ºs 3 e 4, 426.º e 430.º do CPP).
 
                   23.ª Por fim, deverão os recursos retidos subir conjuntamente 
 com o presente.”
 
  
 
                                     Por acórdão de 13 de Fevereiro de 2007, o 
 Tribunal da Relação de Lisboa julgou “extinto, por prescrição, o procedimento 
 criminal relativamente ao crime de difamação agravada, previsto e punido pelos 
 artigos 180.º e 184.º do Código Penal, com as necessárias consequências, 
 nomeadamente ao nível da decisão de condenação pelo referido crime e ao nível 
 da execução da pena, o que obsta à apreciação das questões suscitadas 
 especificamente no que se refere a este crime”, mas, no mais, julgou 
 improcedente o recurso do arguido, mantendo a decisão recorrida.
 
                                     Foi contra este acórdão que o arguido 
 interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), 
 referindo no requerimento de interposição de recurso que visava a “apreciação da 
 constitucionalidade das normas vertidas no artigo 412.º [por lapso, referiu 
 
 410.º], n.º 4, do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da CRP; das normas 
 dos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do 
 CPP, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 32.º, n.ºs 1, 2, in fine, 
 e 3, da CRP; da norma do artigo 328.º [por lapso, referiu 428.º], n.º 6, do CPP, 
 por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP; das 
 normas dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, por violação 
 dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1, da CRP; e da norma do 
 artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 
 
 37.º e 208.º da CRP e 6.º e 13.º da CEDH, cuja inconstitucionalidade foi 
 suscitada na motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa”.
 
                                     O recurso foi admitido pelo Desembargador 
 Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, decisão que, como é sabido, não 
 vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
 
                                     No Tribunal Constitucional, o relator 
 proferiu, em 29 de Maio de 2007, despacho a convidar o recorrente, nos termos 
 do disposto no artigo 75.º‑A, n.º 6, da LTC, “a esclarecer se pretende a 
 apreciação da constitucionalidade das normas constantes do seu requerimento de 
 interposição de recurso na sua directa estatuição ou antes em determinada 
 interpretação que delas terá sido feita pela decisão recorrida, devendo, nesta 
 
 última hipótese, identificar com precisão o sentido dessas interpretações 
 normativas que reputa inconstitucionais”.
 
                                     Em resposta a esse convite, veio o 
 recorrente referir que:
 
  
 
                   “(…) pretende a apreciação da constitucionalidade das normas 
 na interpretação que a decisão recorrida delas fez, conforme alegado na 
 motivação de recurso para o TRL, a saber:
 
                   – Artigo 412.º [por lapso, referiu 410.º], n.º 4, do CPP: na 
 interpretação de que não é obrigatório o fornecimento das transcrições da prova 
 provada (ponto I das «Questões Prévias» da motivação);
 
                   – Artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, 
 alínea b), do CPP: na interpretação de que ao arguido lhe basta a presença 
 física de um defensor para ter o seu direito de defesa garantido, 
 independentemente de este nada fazer, por desconhecer os autos e não ser 
 tecnicamente competente e tendo‑se impedido o arguido de litigar em causa 
 própria (ponto II das «Questões Prévias» da motivação);
 
                   – Artigo 328.º, n.º 6, do CPP: na interpretação de que a perda 
 de eficácia da prova produzida não conduz à ilegalidade da sentença e/ou à 
 renovação da prova (ponto III das «Nulidades da sentença» da motivação), não se 
 olvidando o requerimento de 13/7/2006 sobre o assunto; bem como o prazo a que 
 alude o preceito apenas se refere aos casos de oralidade pura da audiência e não 
 
 à documentada; sobre esta questão encontra‑se pendente recurso para fixação de 
 jurisprudência;
 
                   – Artigo 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP: na 
 interpretação dada de que não é necessária a «…conjunta menção dos tipos penais 
 convocados, sem estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos 
 ilícitos imputados e o trecho fáctico correspondente» (ponto II de «Da sentença» 
 da motivação);
 
                   – Artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP: na interpretação dada 
 de que factos alegados em sede de defesa ou do exercício do direito de 
 participação disciplinar podem constituir «corpo de delito» para crimes a 
 imputar a quem os alegou (ponto VIII de «Da sentença» da motivação).”
 
  
 
                                     Por despacho do relator, de 26 de Junho de 
 
 2007, foi determinada a apresentação de alegações, “devendo as partes 
 pronunciar‑se, querendo, sobre a eventualidade de não se tomar conhecimento do 
 recurso, nas partes relativas às questões de inconstitucionalidade reportadas: 
 
 (i) aos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), 
 do Código de Processo Penal (CPP), por o acórdão recorrido não ter feito 
 aplicação (cf. seu n.º 3.4, a fls. 1459‑1460) da interpretação, arguida de 
 inconstitucional, “de que ao arguido lhe basta a presença física de um defensor 
 para ter o seu direito de defesa garantido, independentemente de este nada 
 fazer, por desconhecer os autos e não ser tecnicamente competente e tendo‑se 
 impedido o arguido de litigar em causa própria”; (ii) aos artigos 308.º, n.º 2, 
 e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, por se poder entender que o acórdão recorrido 
 assenta num fundamento autónomo, insusceptível de ser afectado pelo eventual 
 provimento desta parte do recurso de constitucionalidade: não ser o recurso da 
 decisão final o local próprio para colocar em crise a decisão instrutória (cf. 
 n.º 3.6, a fls. 1460 e 1462) – para além de se poder entender não vir 
 adequadamente suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 sendo a violação de normas legais e constitucionais imputada directamente a 
 decisão judicial; e (iii) ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, por 
 não ter sido adequadamente suscitada, a respeito deste preceito, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, com identificação da interpretação 
 do mesmo que se reputava inconstitucional, para além de que o acórdão recorrido 
 expressamente considerou que, entre outras, a conclusão 19.ª, única relativa a 
 esta questão, “respeitando ao crime de difamação, [mostra‑se] prejudicada pela 
 prescrição” (fls. 1468), pelo que não terá feito aplicação de tal norma.
 
                                     O recorrente apresentou resposta autónoma em 
 que sustentou a cognoscibilidade das três questões por último enunciadas e 
 posteriormente apresentou alegações, que terminam com a formulação das 
 seguintes conclusões:
 
  
 
                   “1.º – A transcrição da prova produzida em audiência de 
 discussão e julgamento, para efeitos de recurso, é obrigatória ser fornecida ao 
 arguido, e não apenas ao Tribunal Superior e ao MP, pelo que a interpretação 
 dada ao n.º 4 do artigo 412.º do CPP, de que tal não é necessário, viola o n.º 5 
 do artigo 32.º da CRP, tornando aquela norma inconstitucional.
 
                   2.º – As normas constantes do artigo 61.º, n.º 1, alínea e), 
 
 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, devem ser interpretadas no 
 sentido de que o arguido deve ter um efectivo patrocínio judiciário, e não 
 apenas formal, pelo que haverá que atender‑se a cada caso em concreto para se 
 apurar se assim é, e nos presentes autos tal não aconteceu, pelo que as torna 
 inconstitucionais na interpretação dada de que ao arguido lhe bastaria um 
 defensor estagiário, a quem se concedeu pouco tempo para análise destes autos 
 que são extensos e complexos, pelo que serão tais normas inconstitucionais por 
 violação do artigo 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, da CRP.
 
                   3.º – Igualmente porque se poderia ter permitido ao arguido a 
 litigância em causa própria, como requerido, pelo que a interpretação dada às 
 normas referidas de que tal não é permitido viola também os artigos 20.º, n.º 1, 
 e 32.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP, e artigo 6.º, n.º 3, alínea e), e 14.º, n.º 3, 
 alínea c), da CEDH, pelo que serão inconstitucionais.
 
                   4.º – A interpretação dada à norma contida no n.º 6 do artigo 
 
 328.º do CPP, no sentido de que a perda de eficácia da prova produzida não 
 conduz à ilegalidade da sentença e/ou à renovação da prova, viola os artigos 
 
 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, tornando‑o inconstitucional.
 
                   5.º – A interpretação dada às normas contidas nos artigos 
 
 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, no sentido de que não é 
 necessária a «... conjunta menção dos tipos penais convocados, sem 
 estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos ilícitos imputados e 
 o trecho fáctico correspondente», e por tal não permitir uma percepção clara da 
 decisão judicial e consequente defesa, as torna inconstitucionais por violação 
 dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1, da CRP.
 
                   6.º – Bem como, por tal implicar uma falta de fundamentação, 
 viola também o artigo 205.º, n.º 1, da CRP.
 
                   7.º – E quanto ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código 
 Penal, a sua não consideração quando se está no exercício de um direito e em 
 sede de defesa, tendo este servido de «corpo de delito» de crime de denúncia 
 caluniosa, não tendo havido qualquer infracção ao direito de liberdade de 
 expressão, e estando um advogado a litigar em causa própria, viola os artigos 
 
 20.º, n.ºs 1 e 4, 37.º e 208.º da CRP, tornando‑o inconstitucional.”
 
  
 
                                     O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal contra‑alegou, manifestando concordância com o despacho do relator no 
 sentido de que o objecto do recurso se circunscreve às duas questões de 
 constitucionalidade reportadas, uma ao artigo 412.º, n.º 4, e a outra ao artigo 
 
 328.º, n.º 6, ambos do CPP, e concluindo:
 
  
 
                   “1.º Não é inconstitucional a norma constante do n.º 4 do 
 artigo 412.º do Código de Processo Penal, interpretada em termos de permitir ao 
 recorrente o cumprimento do ónus de especificação, aí previsto, mediante 
 requerimento tempestivamente formulado, nos termos do artigo 7.º do Decreto‑Lei 
 n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, destinado a obter os suportes técnicos que 
 reproduzem a gravação magnética dos depoimentos prestados em audiência.
 
                   2.º Não viola os princípios de acesso ao direito e das 
 garantias de defesa a interpretação normativa do artigo 328.º, n.º 6, do Código 
 de Processo Penal que restringe a perda de eficácia da prova produzida, quando 
 ocorra adiamento por período superior a 30 dias, aos casos em que os depoimentos 
 prestados não estão a ser integralmente registados.
 
                   3.º Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
                                     Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                     
 
 2. Fundamentação
 
                                     2.1. Não conhecimento da questão de 
 constitucionalidade reportada aos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, 
 e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
 
                                     Na resposta ao convite para aperfeiçoamento 
 do requerimento de interposição de recurso, indicou o recorrente que pretendia 
 ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 61.º, 
 n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, “na 
 interpretação de que ao arguido lhe basta a presença física de um defensor para 
 ter o seu direito de defesa garantido, independentemente de este nada fazer, por 
 desconhecer os autos e não ser tecnicamente competente e tendo‑se impedido o 
 arguido de litigar em causa própria (ponto II das «Questões Prévias» da 
 motivação)”.
 
                                     No despacho do relator que determinou a 
 apresentação de alegações, foram as partes convidadas a pronunciar‑se, querendo, 
 sobre a eventualidade de não se tomar conhecimento desta questão, por o acórdão 
 recorrido não ter feito aplicação da interpretação arguida de inconstitucional.
 
                                     Na sua resposta, o recorrente sustenta, em 
 suma, que o acórdão recorrido, por não ter analisado bem os autos, terá errado 
 de facto e, consequentemente, de direito, tendo feito aplicação das normas na 
 interpretação arguida de inconstitucional.
 
                                     A propósito desta questão, lê‑se no acórdão 
 recorrido (n.º 3.4., a fls. 1459‑1460):
 
  
 
                   “3.4. O recorrente alega que não foi representado de facto em 
 audiência pelas razões que invoca nas suas conclusões (2.ª).
 
                   A questão relativa à impossibilidade legal de o arguido de 
 litigar em causa própria, em direito penal – que o recorrente agora reitera – 
 foi decidida já no processo e tendo sido indeferido o pedido de dispensa de 
 patrocínio da defensora oficiosa, dadas as razões invocadas atinentes à vontade 
 do arguido de advogar em causa própria (vide acta de 6 de Abril de 2006), que, 
 por tal motivo, manteve a representação do arguido, não tendo este usado da 
 faculdade que lhe foi dada nos termos do artigo 40.º da Lei n.º 24/2004, de 29 
 de Julho, apesar do adiamento de uma sessão de julgamento a que houve lugar, 
 para viabilizar a escolha de defensor pelo arguido (actas de 29 de Março de 
 
 2006 e de 6 de Abril de 2006).
 
                   De todo o modo, não resulta dos autos, nomeadamente das actas 
 que reproduzem as sessões de audiência de julgamento, que o arguido não tenha 
 estado devidamente representado, não se verificando nenhuma das situações aqui 
 trazidas pelo recorrente, nomeadamente pelo facto de a defensora oficiosa, 
 nomeada após a renúncia do primitivo mandatário sem que o arguido tivesse 
 constituído outro mandatário, ter prescindido de testemunhas, nem resultando dos 
 autos que esta não tenha podido produzir alegações. A defensora exerceu a 
 representação do arguido da forma que considerou eficaz e idónea, não tendo, 
 nomeadamente, requerido qualquer diligência ou prazo suplementar para organizar 
 a defesa, nem lhe tendo sido negada a possibilidade de o fazer em momento algum 
 do processo, tendo até essa preocupação estado presente nos adiamentos ou 
 suspensões de audiência a que houve lugar, sempre que requeridos, para 
 assegurar a defesa (cf. acta de 26 de Janeiro de 2006).
 
                   Como tal, não existe razão para considerar coarctadas ou 
 diminuídas as garantias e direitos inerentes à defesa do arguido ou para ter por 
 violados os preceitos dos artigos citados pelo recorrente, nomeadamente dos 
 artigos 61.º, alínea e), 62.º, n.º 2, e 64.º, n.º 1, alínea b), do CPP, nem se 
 vê que a defesa que lhe foi proporcionada não tenha obedecido aos princípios 
 constitucionais em função dos quais está consagrado o direito à defesa (artigos 
 
 20.º e 32.º da CRP).
 
                   Improcede, pois, igualmente esta arguição.”
 
  
 
                                     Como resulta desta transcrição, tendo já 
 sido decidida no processo (e, portanto, insusceptível de ser recolocada) a 
 impossibilidade legal de o arguido litigar em causa própria, o acórdão conclui 
 que o recorrente beneficiou sempre de assistência de defensor, seja mandatário 
 por ele constituído, seja (quando o primitivo mandatário renunciou ao mandato e 
 o arguido optou por não constituir novo mandatário) através de defensor 
 oficioso. O juízo negativo que o recorrente parece fazer relativamente à 
 qualidade da actuação da defensora oficiosa (juízo, aliás, não compartilhado 
 pelo acórdão recorrido e a respeito do qual, como é óbvio, não cabe a este 
 Tribunal tomar qualquer posição), sendo certo que ele teve sempre possibilidade 
 de proceder à sua substituição por mandatário constituído, de modo algum 
 consente que se reconheça ter o acórdão recorrido adoptado o critério normativo 
 segundo o qual para o arguido ter o seu direito de defesa garantido basta a 
 presença física de um defensor, independentemente de este nada fazer.
 
                                     A admissibilidade do recurso previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende, como é sabido, de ter a 
 decisão recorrida feito aplicação, como ratio decidendi, do critério normativo 
 arguido de inconstitucional. Não se verificando, no caso, esta coincidência, o 
 recurso é, nesta parte, inadmissível, pelo que não se conhecerá do 
 correspondente objecto.
 
  
 
                                     2.2. Não conhecimento da questão de 
 constitucionalidade reportada aos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea 
 c), do CPP.
 
                                     No aperfeiçoamento ao requerimento de 
 interposição de recurso, mencionou o recorrente pretender ver apreciada a 
 inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, 
 n.º 3, alínea c), do CPP, “na interpretação dada de que não é necessária a 
 
 «…conjunta menção dos tipos penais convocados, sem estabelecimento de uma 
 autónoma relação entre cada um dos ilícitos imputados e o trecho fáctico 
 correspondente» (ponto II de «Da sentença» da motivação)”.
 
                                     Suscitou o relator a questão do eventual não 
 conhecimento desta questão, “por se poder entender que o acórdão recorrido 
 assenta num fundamento autónomo, insusceptível de ser afectado pelo eventual 
 provimento desta parte do recurso de constitucionalidade: não ser o recurso da 
 decisão final o local próprio para colocar em crise a decisão instrutória (cf. 
 n.º 3.6, a fls. 1460 e 1462) – para além de se poder entender não vir 
 adequadamente suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 sendo a violação de normas legais e constitucionais imputada directamente a 
 decisão judicial”.
 
                                     Retorquiu o recorrente que o acórdão 
 recorrido se debruçou sobre esta matéria, tendo concordado com a sentença, na 
 parte em que esta não julgara inconstitucionais as normas em causa.
 
                                     A questão ora em causa foi suscitada pelo 
 recorrente na sua contestação, em que arguíra a nulidade do despacho de 
 pronúncia, por alegada falta de clareza na remissão dos factos e dos crimes 
 imputados. Esta arguição foi indeferida na sentença da 1.ª instância, com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
                   “Da nulidade do despacho de pronúncia.
 
                   Sob invocação do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 
 
 2, e 205.º, n.º 1, todos da CRP, argúi o arguido a nulidade do despacho de 
 pronúncia com fundamento na circunstância de, tal como se verificou 
 relativamente à acusação, terminar pela conjunta indicação da totalidade dos 
 crimes imputados, sem estabelecer uma relação entre cada um dos tipos legais 
 convocados e os factos que autonomamente lhes correspondem, o que, na 
 perspectiva seguida, é impeditivo de uma defesa eficaz.
 
                   Cumpre apreciar e decidir.
 
                   Decorre expressamente da conjugação do preceituado nos artigos 
 
 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), que o despacho de pronúncia contém, sob 
 pena de nulidade, a indicação das disposições legais aplicáveis.
 
                   Tal nulidade, conforme claramente resulta dos normativos 
 processuais em presença, prende‑se com a omissão da indicação dos preceitos 
 penais a que devam subsumir‑se os factos narrados no despacho acusatório, e não 
 também, conforme reivindicado pelo arguido, com a conjunta menção dos tipos 
 penais convocados, sem estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos 
 ilícitos imputados e o trecho fáctico correspondente.
 
                   Improcede, portanto, por ausência de legal fundamento, a 
 invocada nulidade, conclusão não prejudicada pelas disposições constitucionais 
 simultaneamente indicadas.”
 
  
 
                                     Na parte da motivação do recurso para a 
 Relação onde, segundo o recorrente, teria sido suscitada a questão que se 
 pretende agora ver apreciada (Parte II da Secção “Da sentença – Erros de 
 julgamento”, integrando os n.ºs 32 e 33), limitou‑se ele a manifestar 
 discordância com o não reconhecimento da nulidade do despacho de pronúncia, por 
 falta de clareza na remissão dos factos e dos crimes imputados, e a referir que 
 
 “interpretados os artigos 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP, no 
 sentido de que não é necessária a «…conjunta menção dos tipos penais 
 convocados, sem estabelecimento de uma autónoma relação entre cada um dos 
 ilícitos imputados e o trecho fáctico correspondente», torna tal 
 inconstitucional, por não permitir uma percepção clara da decisão judicial e 
 consequente defesa, violando‑se assim os artigos 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 
 
 205.º, n.º 1, da CRP”.
 
                                     Quanto a este ponto, o acórdão recorrido 
 começou por referir a impropriedade do meio processual utilizado – recurso da 
 decisão final – para colocar em crise a decisão instrutória, embora de seguida, 
 a título complementar, tenha manifestado concordância com o a esse respeito 
 decidido na sentença então impugnada, reproduzindo a parte atrás transcrita.
 
                                     Neste contexto, para além da inutilidade – 
 atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade – de 
 conhecimento de uma questão de constitucionalidade reportada apenas a um dos 
 dois fundamentos autónomos de uma determinada decisão, é manifesto que os 
 termos em que o recorrente colocou a questão se mostram incindivelmente ligados 
 
 à especificidade do caso concreto, e, portanto, destituídos de carácter 
 normativo, o que torna, desde logo, inadmissível esta parte do recurso.
 
                                     Anote‑se, aliás, que dos quatro crimes por 
 que o arguido foi pronunciado (um de injúria agravado, um de denúncia caluniosa 
 e dois de difamação agravado), apenas subsiste a condenação pelo de denúncia 
 caluniosa (foi absolvido na 1.ª instância do crime de injúria agravado e de um 
 dos dois crimes de difamação agravado, tendo a Relação, no acórdão ora 
 recorrido, declarado prescrito o procedimento criminal pelo outro crime de 
 difamação agravado), não se vislumbrando qualquer dúvida legítima sobre quais 
 os factos que sustentaram a pronúncia pelo crime de denúncia caluniosa.
 
                                     Não se conhecerá, pois, desta segunda 
 questão de constitucionalidade.
 
  
 
                                     2.3. Não conhecimento da questão de 
 constitucionalidade reportada ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP.
 
                                     No aludido complemento ao requerimento de 
 interposição de recurso, o recorrente indicou visar o controlo da 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do 
 CP, “na interpretação dada de que factos alegados em sede de defesa ou do 
 exercício do direito de participação disciplinar podem constituir «corpo de 
 delito» para crimes a imputar a quem os alegou (ponto VIII de «Da sentença» da 
 motivação)”.
 
                                     A possibilidade de não conhecimento desta 
 questão foi levantada pelo relator com o fundamento de “não ter sido 
 adequadamente suscitada, a respeito deste preceito, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, com identificação da interpretação do mesmo que 
 se reputava inconstitucional, para além de que o acórdão recorrido 
 expressamente considerou que, entre outras, a conclusão 19.ª, única relativa a 
 esta questão, «respeitando ao crime de difamação, [mostra‑se] prejudicada pela 
 prescrição» (fls. 1468), pelo que não terá feito aplicação de tal norma”.
 
                                     Respondeu o recorrente que “nos pontos 15 e 
 seguintes da contestação levantou‑se a questão da exclusão da ilicitude e da 
 culpa, tendo‑se alegado que a violação do direito de defesa violava os artigos 
 
 20.º, 37.º e 208.º da CRP, reportando‑se directamente à interpretação do artigo 
 
 31.º, n.º 2, alínea b), do CP (e outras)”, questão que a sentença desatendeu, 
 considerando inexistir violação deste último preceito legal, mas que o 
 recorrente recolocou na motivação do recurso, no ponto VIII da parte relativa à 
 
 “Sentença”, arguindo a inconstitucionalidade de tal norma, “na interpretação 
 dada na sentença, por violação das supra referidas normas constitucionais”. O 
 facto de o acórdão recorrido não se ter pronunciado sobre tal questão implica 
 omissão de pronúncia, reiterando o recorrente que “a interpretação dada ao 
 artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP na sentença, aplicável a todos os crimes, 
 como não se reporta só ao crime de difamação, mas a todos, pelo que não está 
 prejudicada pela prescrição de alguns dos crimes”.
 
                                     A questão de constitucionalidade suscitada 
 no ponto indicado pelo recorrente (Parte VIII da Secção “Da sentença – Erros de 
 julgamento”, integrando os n.ºs 51 a 56), respeita à parte da sentença (fls. 
 
 1265 a 1267), em que se analisa o crime de difamação agravado cometido através 
 de exposição endereçada ao CDLAO (como, aliás, expressamente se refere no n.º 51 
 da motivação do recurso para a Relação), consistiu na alegação de que os factos 
 constantes dessa exposição, “alegados em sede de defesa”, “não podem nunca 
 consubstanciar crimes, sob pena de violarem os artigos 20.º da CRP e 154.º, n.º 
 
 3, do CPC e 37.º e 208.º da CRP e artigos 6.º e 13.º da CEDH, na interpretação 
 dada ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP, o que o tornaria inconstitucional” 
 
 (n.º 52), tese esta retomada nas conclusões 18.ª (“Quanto à exposição dirigida 
 ao CDLAO, a afirmação de que o arguido teve a intenção de ofender também não tem 
 qualquer suporte probatório, bem como tais factos ao serem alegados em sede de 
 direito de defesa (e o anterior de participação disciplinar) excluem a ilicitude 
 e a culpa, nos termos dos artigos 31.º, n.º 2, alíneas b) e c), 34.º e 36.º do 
 CP, e, porque a sentença não se manifestou sobre tal, que foi alegado, viola o 
 artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP”) e 19.ª (“A interpretação contrária dada 
 ao artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP o torna inconstitucional, por violação 
 dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 37.º e 208.º da CRP e artigos 6.º e 13.º da CEDH, 
 além da violação do artigo 154.º, n.º 3, do CPC”) da motivação do recurso para a 
 Relação.
 
                                     O acórdão ora recorrido, após salientar ter 
 a sentença então impugnada emitido pronúncia expressa sobre a existência de 
 
 “alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, nomeadamente se o agente 
 actuara em realização ou no âmbito do exercício ou da defesa dos seus direitos, 
 tendo concluído negativamente, pelas razões que aponta e que merecem a nossa 
 concordância, por, no essencial, serem notoriamente inúteis à finalidade 
 processual em causa”, acrescenta que “de todo o modo, as conclusões 18.ª, 19.ª, 
 
 20.ª e 21.ª, respeitando ao crime de difamação, mostram‑se prejudicadas pela 
 prescrição”.
 
                                     É, assim, manifesto que a presente questão 
 de inconstitucionalidade – para além de não ter sido adequadamente suscitada 
 através da identificação, com o mínimo de precisão, da interpretação normativa, 
 dotada de generalidade e abstracção, reputada inconstitucional – foi levantada 
 a propósito do crime de difamação qualificado cometido através de exposição 
 endereçada ao CDLOA, cujo procedimento criminal o acórdão recorrido julgou 
 prescrito e, em conformidade, julgou prejudicado o conhecimento de tal questão.
 
                                     Não tendo, assim, o acórdão recorrido feito 
 aplicação do critério normativo arguido de inconstitucional, também não se 
 conhecerá desta parte do recurso.
 
  
 
                                     2.4. Questão de constitucionalidade 
 reportada ao artigo 412.º, n.º 4, do CPP.
 
                                     Sobre este ponto, ponderou‑se no acórdão 
 recorrido:
 
  
 
                   “3.3. Suscitada questão prévia acerca da violação do seu 
 alegado direito a ter acesso à transcrição da gravação da prova para efeito de 
 interpor recurso, haverá que referir que o recorrente também não tem razão no 
 que afirma a este propósito.
 
                   Ao contrário do que defende, a transcrição da prova não é um 
 auxiliar de que o recorrente deva dispor para interpor recurso.
 
                   Esta, sendo obrigatória no processo penal caso haja recurso da 
 matéria de facto (artigo 412.º, n.º 4, do CPP: «… havendo lugar a transcrição»), 
 não tem a finalidade de permitir ao recorrente o acesso à prova produzida, pois 
 este é assegurado através dos suportes técnicos. A finalidade da transcrição 
 será então apenas a de facultar ao tribunal de recurso o reexame da prova.
 
                   Pretendendo o recorrente colocar em causa a forma como o 
 tribunal apreciou a prova, deverá indicar expressamente quais os depoimentos 
 testemunhais ou declarações produzidas que imporiam diversa decisão de facto, o 
 que deverá fazer por referência aos suportes magnéticos contendo os depoimentos 
 gravados, para o que poderia, previamente à apresentação da motivação de 
 recurso, ter solicitado que lhe fossem facultados tais suportes técnicos, nos 
 termos do disposto no artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, 
 com vista a poder dar cumprimento ao comando do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do 
 CPP.
 
                   Compete ao recorrente especificar (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, 
 do CPP), com indicação dos suportes técnicos e com a citação ou invocação das 
 passagens que justificam decisão diversa, inseridas num contexto mínimo que 
 permita ao tribunal enquadrar tais passagens na globalidade da prova, pois 
 sobre ele recai o ónus de enunciar as exactas questões que pretende ver 
 reapreciadas pelo tribunal e com referência a concretos factos de cuja fixação 
 discorda.
 
                   E ao recorrido é dada a faculdade de indicar outro 
 enquadramento em que se inserem as ditas passagens e de citar outras passagens 
 desses depoimentos ou indicar outros depoimentos que servem para demonstrar 
 que, no contexto global em que se inserem uns e outros, não terá razão de ser a 
 discordância do recorrente.
 
                   Esta a forma correcta de sustentar um recurso de facto, o que 
 
 é viabilizado pela faculdade de acesso que os sujeitos processuais têm às 
 cópias das cassetes áudio contendo a gravação da prova.
 
                   Impor‑se ao recorrente o ónus de fazer referência às 
 pertinentes passagens da gravação da prova em que se baseia, por referência aos 
 suportes respectivos, para extrair a conclusão de que o tribunal cometeu um 
 erro de julgamento da matéria de facto, não priva o arguido do direito de 
 recorrer nem torna o exercício de tal direito excessivamente oneroso, conhecendo 
 o recorrente o teor dos depoimentos prestados e o seu sentido, pois de outro 
 modo não faria sentido a sua discordância acerca da forma como o tribunal 
 avaliou a prova.
 
                   Não se mostra, pois, que a referida interpretação lese 
 qualquer direito fundamental do recorrente, nomeadamente o que alega.
 
                   Trata‑se da concretização do dever de as partes especificarem 
 claramente o âmbito e motivos da sua dissidência em relação ao decidido na 1.ª 
 instância, apontando e especificando quais os exactos pontos de facto que 
 considera incorrectamente julgados e quais as concretas provas mal valoradas 
 pelo julgador.
 
                   Foi decidido pelo Pleno das Secções Criminais do STJ, por 
 Acórdão de 16 de Janeiro de 2003, que a transcrição referida no artigo 412.º, 
 n.ºs 3 e 4, incumbe ao tribunal, o que não contraria, assim o entendemos, o ónus 
 que se impõe sobre o recorrente atrás enunciado.
 
                   A transcrição, como se disse, não se destina a possibilitar o 
 recurso em matéria de facto, para tanto existem os suportes técnicos e a 
 documentação escrita quando esta foi feita, mas sim permitir ao tribunal de 
 recurso a identificação e apreciação das questões concretas em matéria de facto 
 colocadas em crise pelo recorrente pelo que a ela só haverá lugar se for 
 interposto recurso da matéria de facto.
 
                   Só esta interpretação encontra contexto nas normas 
 respeitantes ao recurso sobre matéria de facto e de obrigatoriedade da 
 documentação dos depoimentos orais mencionados e é a que se mostra mais ajustada 
 ao sentido literal do artigo 412.º, n.º 4, do CPP, sem comprometer as 
 finalidades acerca da admissibilidade de recurso da matéria de facto.
 
                   Improcede, pois, esta argumentação.”
 
  
 
                                     O critério normativo adoptado nesta parte do 
 acórdão recorrido não padece de inconstitucionalidade, designadamente por 
 alegada violação das garantias de defesa em processo criminal e especificamente 
 do direito ao recurso, conforme tem sido entendido por reiterada jurisprudência 
 deste Tribunal sobre esta questão.
 
                                     Como se referiu, designadamente, no Acórdão 
 n.º 17/2006 (Diário da República, II Série, n.º 33, de 15 de Fevereiro de 2006, 
 p. 2188; Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º vol., p. 273; e texto 
 integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt) – que não julgou 
 inconstitucionais as normas constantes dos artigos 411.º, n.º 1, e 412.º, n.º 4, 
 do CPP, interpretados no sentido de que o prazo de interposição de recurso 
 penal em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se procedeu a 
 gravação da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, 
 agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova 
 gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação 
 
 –:
 
  
 
                   “O Tribunal Constitucional já foi, por diversas vezes, chamado 
 a pronunciar‑se sobre a constitucionalidade de normas relativas ao início do 
 prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo 
 penal, que deve, por regra, conter a respectiva motivação (ou ao início do prazo 
 para apresentação da motivação do recurso, no único caso em que esta pode ser 
 posterior à interposição: interposição, por simples declaração na acta, de 
 recurso de decisão proferida em audiência – artigo 411.º, n.º 3, do CPP).
 
                   O critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal 
 prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), 
 actuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, 
 completo e inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda 
 recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova 
 produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, 
 actuando diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método 
 de registo utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, 
 gravação magnetofónica ou audio‑visual).
 
                   (…)
 
                   Versando hipótese idêntica à ora em causa, o Acórdão n.º 
 
 433/2002 decidiu não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 107.º, 
 n.º 2, do CPP, segundo a qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte 
 material da prova gravada, a impossibilidade de acesso às transcrições das 
 declarações prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva 
 gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo 
 impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em 
 processo penal. Esse acórdão salientou a diferença da situação então em apreço 
 com aquela sobre que incidiu o Acórdão n.º 363/2000 (em que o único suporte de 
 registo das declarações prestadas em audiência eram as actas escritas, que 
 ainda não estavam elaboradas), pois agora, em que existia gravação 
 magnetofónica, embora ainda não transcrita, «a impugnação do julgamento da 
 matéria de facto pode perfeitamente basear‑se no próprio suporte material da 
 prova gravada (que é, afinal, o registo originário da prova), à disposição do 
 arguido desde o início do prazo para a interposição do competente recurso», pelo 
 que «não tem razão o recorrente quando alega (...) que, não lhe sendo facultada 
 a transcrição da prova gravada em tempo útil, lhe é cerceada a possibilidade de 
 interpor recurso, resultando violada a norma do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição».
 
                   Foi também numa situação em que não se questionava a 
 possibilidade de acesso efectivo, por banda do arguido, às cassetes de gravação 
 de prova desde o dies a quo do cômputo do prazo para a apresentação da motivação 
 de recurso interposto por declaração para a acta feita na audiência onde foi 
 proferido o acórdão condenatório, recurso que versava também a decisão da 
 matéria de facto, que o Acórdão n.º 542/2004 decidiu que o não acréscimo, ao 
 prazo de 15 dias fixado no artigo 411.º, n.º 1, do CPP, do prazo de 10 dias 
 estabelecido no artigo 698.º, n.º 6, do CPC, não violava o direito de recurso 
 
 (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), por se entender que aquele prazo de 15 dias para 
 apresentação da motivação não se mostrava desrazoável ou inadequado, «mesmo 
 tendo em conta que o asseguramento efectivo dessas possibilidades de defesa 
 passará pela audição das cassetes e pela preparação, estudo e elaboração da 
 alegação de recurso, com as referidas especificações [as exigidas no artigo 
 
 412.º, n.ºs 3, alíneas b) e c), e 4, do CPP]», nem ofendia o princípio da 
 igualdade (artigo 13.º da CRP), face ao regime processual civil, por a 
 celeridade processual ter, no processo penal (o artigo 32.º, n.º 2, da CRP 
 inclui entre as garantias do arguido a de «ser julgado no mais curto prazo 
 compatível com as garantias de defesa»), «uma fonte e intensidade 
 constitucional diferente da que concerne à defesa de outros direitos, à qual se 
 refere o n.º 4 do artigo 20.º da CRP». Por isso, nesse Acórdão n.º 542/2004 se 
 decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 411.º, n.ºs 1 e 
 
 3, do CPP, na interpretação segundo a qual não acresce o prazo de 10 dias a que 
 se refere o artigo 698.º, n.º 6, do CPC, em caso de recurso que tenha por 
 objecto a reapreciação da prova gravada.
 
                   A este propósito assinale‑se que, no recente Acórdão n.º 
 
 9/2005, do plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 11 de Outubro de 2005 (Diário da República, I Série‑A, n.º 233, de 6 de Dezembro 
 de 2005, p. 6936), foi fixada a seguinte jurisprudência: «Quando o recorrente 
 impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o 
 recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias, fixado no artigo 411.º, n.º 
 
 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em 
 processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil». 
 Tal conclusão fundou‑se no entendimento de que o actual regime legal de recursos 
 em processo penal constitui um sistema autónomo, inexistindo lacuna que 
 justifique a aplicação da norma processual civil. A demonstração da 
 razoabilidade daquele regime, no que especificamente concerne à interposição e 
 motivação do recurso em que se questione a decisão da matéria de facto, assentou 
 essencialmente na explanação das finalidades específicas da motivação, por um 
 lado, e da gravação da prova e sua subsequente transcrição, por outro. Segundo 
 o aludido acórdão, «a motivação constitui (ou deveria constituir quando bem 
 compreendido o sistema) tão‑só a enunciação dos fundamentos do recurso com a 
 função de delimitar o respectivo objecto, podendo os recorrentes desenvolver a 
 fundamentação nas alegações, por regra a produzir oralmente na audiência no 
 tribunal de recurso – artigos 411.º¸ n.º 4, e 423.º do CPP». Já quanto à 
 gravação e transcrição, ponderou‑se no mesmo aresto:
 
                   
 
 «7. No caso de impugnação da decisão proferida em matéria de facto, o recorrente 
 deve especificar nas conclusões os pontos de facto que considera 
 incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, e 
 as provas que devem ser renovadas – artigo 412.º¸ n.º 3¸ alíneas a)¸ b) e c), do 
 CPP.
 Quando as provas tenham sido gravadas, dispõe o n.º 4 do artigo 412.º, as 
 especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem‑se por referência 
 aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
 Esta disposição, que descreve um iter procedimental para quando seja impugnada a 
 decisão sobre a matéria de facto, separa inteiramente dois momentos, partindo 
 do pressuposto e da função da gravação da prova e dos respectivos suportes 
 técnicos e da função e finalidade da transcrição das provas gravadas.
 A gravação da prova, enquanto meio que permite a constituição de uma base para a 
 reapreciação da decisão em matéria de facto pelo tribunal de recurso, obedece a 
 modos regulamentados de execução constantes dos artigos 3.º a 9.º do Decreto-Lei 
 n.º 39/95, de 15 de Fevereiro.
 Dos procedimentos regulados quanto ao modo como se efectua a gravação resulta 
 que os suportes técnicos (fitas magnéticas ou outros suportes contendo a 
 gravação) devem ser colocados pelo tribunal à disposição das partes no prazo 
 máximo de oito dias a contar da respectiva diligência.
 Deste modo, é a tais suportes técnicos (fitas gravadas ou outros) que a lei se 
 refere no artigo 412.º, n.º 4, do CPP, e não a quaisquer transcrições da prova 
 gravada; a especificação das provas que no entender do recorrente impõem 
 decisão diversa e das provas que devem ser renovadas não é feita por referência 
 
 à transcrição, mas por referência aos suportes técnicos donde consta a gravação 
 das provas.
 E como decorre da lógica imediata da sequência dos procedimentos, só após tal 
 identificação e na estrita medida da referência feita, é que se procederá à 
 transcrição do que for relevante – não transcrição de toda a prova, mas apenas 
 dos elementos que sejam previamente identificados e referidos pelo recorrente 
 no cumprimento do ónus de especificação que lhe impõe a referida norma do artigo 
 
 412.º, n.º 4, do CPP.
 A transcrição é um acto posterior que incumbe ao tribunal efectuar (cf. Acórdão 
 de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2003, de 16 de Janeiro de 2003¸ in Diário da 
 República, I Série‑A, de 30 de Janeiro de 2003) nos termos e na medida 
 delimitada previamente pelo recorrente, e destina‑se a permitir (rectius, a 
 facilitar) ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova 
 documentada.
 Mas, sendo assim, a oneração ou tarefa complementar (e posterior) da 
 transcrição rigorosamente nada tem a ver com o prazo de recurso; é‑lhe 
 posterior, e pressupõe mesmo que esteja definido o objecto do recurso na 
 motivação, e consequentemente interposto o recurso em devido tempo.
 Esta interpretação, que resulta da simples descrição das sequências 
 procedimentais, é inteiramente compatível com o respeito pelas exigências 
 impostas pelo respeito dos prazos do recurso.
 Com efeito, como dispõe o artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 de 
 Fevereiro, o tribunal facultará cópia das gravações, devendo o mandatário, com a 
 solicitação da cópia, fornecer as fitas magnéticas necessárias; a resposta do 
 tribunal, no prazo máximo que a lei impõe (oito dias) harmoniza‑se por modo 
 adequado com o exercício do direito ao recurso nos prazos fixados, sendo que, em 
 caso de demora na disponibilidade das cópias, o interessado sempre disporá da 
 faculdade de invocar justo impedimento. No rigor das coisas, os elementos 
 necessários à impugnação da matéria de facto – suportes materiais da prova 
 gravada – podem estar à disposição do recorrente desde o início do prazo para a 
 interposição do recurso.
 E semelhante interpretação tem caução de constitucionalidade (cf., por todos, o 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 542/2004, de 15 de Julho de 2004 – proc. 
 n.º 609/04).
 
 (...)
 
 9. (...)
 
                   Como se referiu, o regime estabelecido em processo penal 
 relativo aos procedimentos de impugnação da decisão em matéria de facto, 
 revela‑se coerente, com inteira autonomia, e não apresenta qualquer espaço 
 vazio; é um sistema que, nos termos descritos, funciona completamente por si, 
 na previsão, nos procedimentos e nos resultados da sua execução.
 
                   Apresentando‑se como regime completo, que funciona com 
 autonomia, e que permite realizar, por inteiro, e de modo razoável e 
 constitucionalmente capaz, a função para que foi concebido, não há espaços não 
 regulados que necessitem de complemento; não deixando espaços de regulamentação 
 em aberto que importe preencher, não existe, pois, lacuna de regulamentação.
 
                   E na sua completude é diverso, em momentos essenciais, do 
 regime relativo à impugnação da matéria de facto em processo civil, e uma tal 
 diversidade remete para o plano do legislador e não da pauta valorativa da lei.
 
                   No processo civil, com efeito, e para além do diverso prazo de 
 interposição (artigo 685.°, n.° l, do Código de Processo Civil), e das 
 diferentes modalidades para a apresentação dos fundamentos, a indicação dos 
 concretos meios de prova em que se funda (‘passagens da gravação’ – artigo 
 
 690.°‑A, n.º 2, do CPC) é feita por referência à transcrição.
 
                   Por outro lado, a motivação em processo penal, que tem de ser 
 apresentada no prazo de interposição, constitui, quando bem interpretada na 
 sua função e finalidade processual, apenas uma delimitação do objecto do recurso 
 e a enunciação dos fundamentos, sendo o desenvolvimento dos fundamentos do 
 recurso objecto de intervenções posteriores, seja nas alegações na audiência, 
 seja, quando o recorrente o requeira, em alegações escritas.
 
                   A sequência da evolução legislativa dos modelos de recurso no 
 processo civil e no processo penal revela que evoluíram de modo autónomo 
 relativamente à admissibilidade, natureza e modo de concretização do recurso 
 em matéria de facto.
 
                   O recurso em matéria de facto no regime do CPP/87 era 
 admitido mediante a reapreciação através da documentação das declarações 
 prestadas em audiência nos casos de julgamento perante tribunal singular, ou 
 com a renovação da prova.
 
                   No processo civil, foi apenas com a Reforma de 1995 
 
 (Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro) que a lei admitiu o recurso em 
 matéria de facto com base em suportes gravados, mas sem aplicação, porque os 
 regimes eram diversos, ao processo penal.
 
                   A Reforma do processo penal de 1998, visando dar maior 
 eficácia à garantia do duplo grau de jurisdição em matéria penal (a revisão 
 constitucional de 1997 expressamente constitucionalizou o direito ao recurso 
 como uma das garantias de defesa – artigo 32.º, n.º 1, in fine), permitiu o 
 recurso em matéria de facto de decisões do tribunal colectivo, tendo por base o 
 suporte das provas gravadas, fixando‑lhe o respectivo regime de interposição – 
 as especificações da motivação referidas no artigo 412.º, n.º 3, do CPP. E, em 
 coerência de tempos, a lei aumentou o prazo de interposição de recurso de dez 
 para quinze dias.
 
                   Se nesse momento o legislador não unificou ou aproximou os 
 regimes no que respeita à identidade de prazos de interposição do recurso, 
 limitando‑se a alargar o prazo do recurso em processo penal, foi certamente 
 porque, atendendo às diferenças entre os modelos e aos diversos interesses em 
 confronto, não entendeu que fosse necessária, adequada ou justificada uma tal 
 identificação.»
 
  
 
                   Embora, em rigor, no presente recurso não esteja directamente 
 em causa a divergência interpretativa sobre que incidiu o Acórdão de fixação de 
 jurisprudência acabado de referir (isto é: a aplicabilidade aos recursos penais 
 da regra do acréscimo de 10 dias dos prazos para alegações estabelecidos no 
 artigo 698.º do CPC sempre que o recurso tenha por objecto a reapreciação da 
 prova gravada, mas antes a questão de saber se é constitucionalmente imposto que 
 o início do prazo de interposição e de motivação de recurso penal visando 
 
 (também) a matéria de facto, quando tenha havido gravação da prova, se conte 
 apenas a partir da data em que o tribunal disponibiliza ao recorrente a 
 transcrição dessa gravação), o certo é que as considerações nele tecidas sobre 
 a finalidade desta transcrição – facilitar ao tribunal superior a apreciação, 
 nos limites do recurso, da prova documentada, e já não habilitar o recorrente a 
 elaborar a sua motivação (que, bem compreendida, deve constituir tão‑só a 
 enunciação dos fundamentos do recurso, com a função de delimitar o respectivo 
 objecto, podendo o recorrente desenvolver a fundamentação nas alegações, orais 
 ou escritas, a produzir no tribunal ad quem – artigos 411.º, n.º 4, e 423.º, n.º 
 
 3, do CPP), pois para tal lhe basta, para lá da assistência e intervenção em 
 toda a audiência de julgamento e do conhecimento do teor integral da decisão 
 condenatória, o acesso às gravações da prova produzida (até porque é em relação 
 a estes suportes técnicos, e não à sua posterior transcrição, que devem ser 
 feitas as especificações exigidas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º 
 do CPP) – reforçam o juízo de razoabilidade do regime estabelecido que, na 
 sequência do Acórdão n.º 433/2002, se entende não poder ser reputado como 
 envolvendo uma limitação constitucionalmente intolerável do direito de recurso 
 em matéria penal.
 
                   (…)
 
                   Conclui‑se, assim, que, não tendo o recorrente solicitado, 
 podendo tê‑lo feito, o acesso à gravação da prova logo após a notificação da 
 sentença, e considerando‑se que com a possibilidade desse acesso o arguido 
 ficava em condições de exercitar – consciente, fundada e eficazmente – o seu 
 direito de recurso, nenhuma censura merece o juízo de não inconstitucionalidade 
 constante do acórdão recorrido.”
 
  
 
                                     De acordo com esta orientação, conclui‑se 
 que não padece de inconstitucionalidade o critério normativo adoptado no 
 acórdão recorrido, confirmativo da decisão da 1.ª instância, que expressamente 
 declarou suspenso o prazo de interposição de recurso até ao dia da efectiva 
 disponibilização dos suportes contendo a gravação da prova produzida em 
 audiência, elementos estes tidos por suficientes para um consciente e eficiente 
 exercício do direito de recurso.
 
                                     Improcede, assim, nesta parte, o presente 
 recurso.
 
  
 
                                     2.5. Questão de constitucionalidade 
 reportada ao artigo 328.º, n.º 6, do CPP.
 
                                     Tendo o recorrente alegado que entre as 
 sessões de audiência de julgamento de 26 de Janeiro de 2006 e de 29 de Março de 
 
 2006 haviam decorrido mais de 30 dias, o que violaria o disposto no artigo 
 
 328.º, n.º 6, do CPP, determinando ou a nulidade do julgamento ou a perda de 
 eficácia da prova produzida na sessão de 26 de Janeiro de 2006, sob pena de 
 inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 
 e 2, da CRP, de interpretação contrária daquele preceito, o acórdão recorrido 
 adoptou o entendimento de que aquela regra não é aplicável quando haja 
 documentação da prova produzida em audiência, mas apenas nos casos de “oralidade 
 pura”.
 
                                     Como o próprio acórdão recorrido dá notícia, 
 existe divergência, ao nível dos tribunais comuns, quanto ao âmbito de aplicação 
 da segunda parte do n.º 6 do artigo 328.º do CPP (“O adiamento [da audiência de 
 julgamento] não pode exceder trinta dias. Se não for possível retomar a 
 audiência nesse prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.”), 
 registando‑se decisões que entendem que essa regra vale também nos casos em que 
 tenha existido documentação da prova produzida em audiência, e outras decisões 
 que reduzem a sua aplicabilidade aos casos de “oralidade pura”.
 
                                     A referida norma constituiu uma inovação do 
 actual CPP, no contexto da afirmação do princípio da continuidade da audiência, 
 salientando os comentadores que ela “radica na oralidade e imediação da prova, 
 que se não pode esvanecer na mente dos julgadores” (M. Maia Gonçalves, Código 
 de Processo Penal Anotado, 14.ª edição, Coimbra, 2004, p. 642).
 
                                     Não compete, como é óbvio, ao Tribunal 
 Constitucional pronunciar‑se sobre a correcção, ao nível da interpretação do 
 direito ordinário, da opção assumida pelo acórdão recorrido, mas tão‑só apreciar 
 se esse critério normativo, que é recebido como um dado da questão de 
 constitucionalidade suscitada, ofende, ou não, qualquer norma ou princípio 
 constitucionais.
 
                                     Ora, não se vislumbra – nem o recorrente, em 
 rigor, consubstancia a imputação de inconstitucionalidade que formula – que 
 determine uma intolerável restrição do direito de acesso aos tribunais, do 
 direito a decisão em prazo razoável mediante processo equitativo, das garantias 
 de defesa do arguido, incluindo o direito de recurso, da presunção de inocência 
 do arguido ou do direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as 
 garantias de defesa (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), o 
 entendimento de que não perde eficácia a prova produzida em audiência de 
 julgamento, que foi objecto de gravação, pela circunstância de se ter verificado 
 um intervalo de cerca de dois meses entre duas sessões desse mesmo julgamento. 
 As preocupações de celeridade seriam até afectadas se, em vez de se reconhecer 
 eficácia à prova produzida na sessão anterior à interrupção, se impusesse a 
 renovação de todo o julgamento ou a repetição dessa prova. E, por outro lado, a 
 existência de documentação de prova e a não desmesurada dilação entre as duas 
 sessões é de molde a afastar o risco de esvanecimento ou confusão na memória 
 dos intervenientes processuais das ocorrências verificadas na sessão anterior. 
 Como se salienta nas contra‑alegações do Ministério Público, existindo registo 
 integral, facilmente consultável, quer pelo tribunal, quer pelos sujeitos 
 processuais, da prova produzida em audiência, a interrupção, mesmo por período 
 temporal superior a 30 dias, das diligências probatórias, não é de molde a 
 afectar a correcta e adequada valoração final das provas.
 
                                     Improcede, assim, esta última questão de 
 inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente.
 
  
 
                                     3. Decisão
 
                                     Em face do exposto, acordam em:
 
                                     a) Não conhecer das questões de 
 constitucionalidade reportadas aos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º, n.º 2, 
 
 64.º, n.º 1, alínea b), 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alínea c), do Código de 
 Processo Penal e 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal;
 
                                     b) Não julgar inconstitucional a norma do 
 artigo 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de 
 não é obrigatório, para efeitos de interposição de recurso abrangendo também a 
 decisão da matéria de facto, o fornecimento pelo tribunal ao arguido da 
 transcrição da gravação da prova produzida em audiência de julgamento, bastando, 
 para esse efeito, a fornecimento dos suportes magnéticos dessa gravação;
 
                                     c) Não julgar inconstitucional a norma da 
 segunda parte do n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal, interpretado 
 no sentido de ser inaplicável nos casos em que existe documentação da prova 
 produzida em audiência; e, consequentemente,
 
                                     d) Negar provimento ao recurso, confirmando 
 o acórdão recorrido, na parte impugnada.
 
                                     Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
 Lisboa, 25 de Setembro de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos