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Processo n.º 380/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 Relatório
 Por acórdão da 2ª Vara Mista de Sintra, de 28.04.2005, A. foi condenado, na pena 
 de 10 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico agravado, p.p pelos 
 artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, als. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, e na pena 
 de 12 meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, 
 tendo, em cúmulo, sido condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão. 
 
  
 Inconformado recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou 
 parcialmente procedente o recurso, tendo condenado o referido arguido na pena 
 
 única de 9 anos e 4 meses de prisão.
 
  
 Uma vez mais inconformado recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 que, por acórdão de 22-2-2008, julgou parcialmente procedente o recurso, tendo 
 condenado o arguido na pena única de 6 anos e 4 meses de prisão.
 
  
 Interpôs então o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, com os seguintes fundamentos: 
 
 “Por acórdão da 2.ª vara Mista de Sintra, de 28.04.2005, o Recorrente A., foi 
 condenado, na pena de 10 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico 
 agravado p.p artigos 21º, nº 1, e 24º, als. b) e c), do Decreto-Lei nº 15/93; na 
 pena de 12 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma ilegal; 
 e em cúmulo, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão. 
 Inconformado recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde ali veio a ser 
 fixada a pena única de 9 anos e 4 meses de prisão. 
 Uma vez mais, inconformado recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, em 
 
 3.11.2006, pedindo a sua absolvição, ou, subsidiariamente, a redução da pena, no 
 quadro do tráfico menor. 
 O Tribunal recorrido (TRL) enquadrou, sem qualquer hesitação, os factos provados 
 na previsão do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com a 
 agravação contida na previsão do artigo 24º daquele diploma legal. 
 Com efeito, o texto do Acórdão recorrido não indiciava que tivesse sido feito 
 qualquer exercício com vista a verificar se os factos poderiam designadamente 
 preencher a hipótese menos grave prevista no artigo 25º daquele diploma legal. 
 Alegou em síntese que caberia perceber que tipo de tráfico estava em causa, dada 
 a distinção operada pelo legislador, entre os casos graves e os casos pouco 
 graves, ao invés, de “meter todos no mesmo saco” – cfr. Ac. do S.T.J., de 
 
 13.02.03. 
 No caso concreto, não havia ficado cabalmente provado que a droga encontrada em 
 casa da B., arguida id.  nos autos, fosse pertença do recorrente A.. 
 Extrair outra conclusão que não fosse a da mera existência de dúvida razoável 
 sobre o verdadeiro detentor da referida droga, (recorda-se o silêncio da arguida 
 a este respeito) releva de uma interpretação da lei (cfr. artigo 9º, nº 2 do CC. 
 
 – a letra da lei constitui o elemento intransponível da sua interpretação) que 
 afrontava claramente os princípios constitucionais da necessidade e 
 proporcionalidade ou da proibição do excesso, retirados desde logo do artigo 18º 
 da C.R.P.. 
 Por seu turno, o doutíssimo aresto do S.T.J. julgou parcialmente procedente o 
 recurso interposto, decidindo-se pela requalificação da sua conduta como de 
 tráfico comum de drogas ilícitas, condenando-o na pena de 6 anos de prisão, e em 
 cúmulo com a pena de 12 meses de prisão, na pena de seis anos e quatro meses de 
 prisão. 
 No essencial, a despeito da considerável redução operada na medida da pena, não 
 foi atendida a pretensão arrogada pelo arguido de ser absolvido ou, no limite, 
 ver a imputada conduta enquadrada na previsão consignada no artigo 25º do 
 Decreto-Lei nº 15/93 (tráfico de menor gravidade), sendo assim rejeitada 
 liminarmente a sugerida subsunção. 
 Por conseguinte, o acórdão recorrido perfilou a tese segundo a qual a imputada 
 conduta se reconduz à previsão do artigo 21º (tráfico comum) do já citado 
 diploma legal. 
 E é precisamente devido a tal subsunção que, na prática, se impõe ao arguido o 
 cumprimento de uma pena de prisão efectiva, por este julgada, perante o cotejo 
 da matéria dada como provada, exagerada e severa. 
 Considera assim o Recorrente que 
 a) no que se reporta à medida da pena, atendendo aos princípios gerais de 
 direito e à tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa 
 e, acima de tudo, contraproducente a medida da pena. 
 b) Ainda para mais quando resulta do próprio texto do aresto que da avaliação da 
 personalidade unitária do agente não resulta a recondução a uma tendência 
 criminosa (a págs. 20 do acórdão, ponto 9.3). 
 c) E dos vários elementos pessoais e sociais carreados para os autos ressalta à 
 saciedade que o suporte económico do arguido é assegurado por este e pela 
 companheira através da exploração de um Restaurante; tem cinco filhos menores a 
 quem assegura a assistência económica de todos; revela ser possuidor de uma 
 certa cultura, com gosto pela auto-valorização e curiosidade intelectual. 
 d) Enquanto esteve preso mostrou-se ajustado às normas institucionais, 
 continuando a investir na sua formação, sempre com espírito empreendedor, e numa 
 base comportamental consentânea com a normatividade social. 
 e) Por esses factos afigura-se forçoso concluir que a aplicação da uma pena 
 privativa da liberdade a este cidadão se mostra adverso ao tal juízo de prognose 
 favorável à reintegração social que o acórdão parece querer evidenciar. 
 f) Salvo o devido respeito, não foram levados em consideração os critérios 
 enunciados no nº 2 do artigo 71º do C.P.. 
 g) Dentro da moldura de prevenção cabe à prevenção especial – em função das 
 necessidades de socialização do agente – encontrar o quantum exacto da pena: 
 advertência, socialização, intimidação individual e segurança individual 
 
 (inocuização) são quatro campos de actuação da dimensão preventivo-especial. 
 h) A própria condição pessoal, profissional e social do agente, é de molde a 
 decidir-se por medida que contribua para a reintegração e não para a segregação, 
 cumprindo-se assim o disposto no artigo 40º do C.P.. 
 i) O doseamento da pena arbitrado pelo tribunal a quo denuncia uma nítida 
 violação do princípio da proporcionalidade das penas. 
 j) A este respeito, desde já se advoga que as normas constitucionais que se 
 consideram violadas são as vertidas no nº 2 do artigo 32º e nº 6 do artigo 29º 
 da Constituição da República Portuguesa. 
 k) Crê-se que estão reunidas as condições de facto e de direito para uma 
 efectiva redução da pena, de modo a impedir a reclusão do arguido, desde já se 
 invocando a violação dos sacrossantos princípios constitucionais da presunção de 
 inocência e da proporcionalidade das penas, (já suscitada durante o processo – 
 al. b), do nº 1 do artigo 70º da Lei do TC), na interpretação dada aos artigos 
 
 70º e 71º, nºs 1 e 2, do C.P..”
 
  
 Por despacho de 13-3-2008 o Conselheiro relator não admitiu o recurso 
 interposto, por falta de adequada suscitação de questão de inconstitucionalidade
 
  
 O recorrente reclamou desta decisão, nos seguintes termos:
 
 “1. O doutíssimo aresto do S.T.J. julgou parcialmente procedente o recurso 
 interposto, decidindo-se peia requalificação da sua conduta como de tráfico 
 comum de drogas ilícitas, condenando-o na pena de 6 anos de prisão, e em cúmulo 
 com a pena de 12 meses de prisão, na pena de seis anos e quatro meses de prisão. 
 
 
 
 2. No essencial, a despeito da considerável redução operada na medida da pena 
 não foi atendida a pretenso arrogada pelo arguido de ser absolvido ou, no 
 limite, ver a imputada conduta enquadrada na previsão consignada no artigo 25º 
 do Decreto-Lei nº 15/93 (tráfico de menor gravidade), sendo assim rejeitada 
 liminarmente a sugerida subsunção. 
 
 3 Em suma, alegou que 
 a) no que se reporta a medida da pena, atendendo aos princípios gerais de 
 direito e à tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa 
 e, acima de tudo, contraproducente a medida da pena. 
 b) Ainda para mais quando resulta do próprio texto do aresto que da avaliação da 
 personalidade unitária do agente não resulta a recondução a uma tendência 
 criminosa (a págs. 20 do acórdão, ponto 9.3). 
 c) E dos vários elementos pessoais e sociais carreados para os autos ressalta à 
 saciedade que o suporte económico do arguido é assegurado por este e pela 
 companheira através da exploração de um Restaurante; tem cinco filhos menores a 
 quem assegura a assistência económica de todos; revela ser possuidor de uma 
 certa cultura, com gosto pela auto-valorização e curiosidade intelectual. 
 d) Enquanto esteve preso mostrou-se ajustado às normas institucionais, 
 continuando a investir na sua formação, sempre com espírito empreendedor, e numa 
 base comportamental consentânea com a normatividade social. 
 e) Por esses factos afigura-se forçoso concluir que a aplicação da uma pena 
 privativa da liberdade a este cidadão se mostra adversa ao tal juízo de prognose 
 favorável à reintegração social que o acórdão parece querer evidenciar. 
 f) Salvo o devido respeito, não foram levados em consideração os critérios 
 enunciados no nº 2 do artigo 71º do C.P,. 
 g) Dentro da moldura de prevenção cabe à prevenção especial – em função das 
 necessidades de socialização do agente – encontrar o quantum exacto da pena: 
 advertência, socialização, intimidação individual e segurança individual 
 
 (inocuização) são quatro campos de actuação da dimensão preventivo-especial. 
 h) A própria condição pessoal, profissional e social do agente, é de molde a 
 decidir-se por medida que contribua para reintegração e não para a segregação, 
 cumprindo-se assim o disposto no artigo 40º do C.P.. 
 l) O doseamento da pena arbitrado pelo tribunal a quo denuncia uma nítida 
 violação do princípio da proporcionalidade das penas. 
 j) A este respeito, desde já se advoga que as normas constitucionais que se 
 consideram violadas são as vertidas no nº 2 do artigo 32º e nº 6 do artigo 29º 
 da Constituição da República Portuguesa. 
 k) Crê-se que estão reunidas as condições de facto e de direito para uma 
 efectiva redução da pena, de modo a impedir a reclusão do arguido, desde já se 
 invocando a violação dos sacrossantos princípios constitucionais da presunção de 
 inocência e da proporcionalidade das penas, (já suscitada durante o processo – 
 al. b), do nº 1 do artigo 70º da Lei do TC), na interpretação dada aos artigos 
 
 70º e 71º, nºs 1 e 2, do C.P.. 
 
 4. Quando esgotados todos os recursos ordinários, é possível recorrer para o 
 Tribunal Constitucional sempre que a interpretação/aplicação de determinadas 
 normas belisque o disposto na CRP. 
 
 5. Foi o que fez o Recorrente, alegando a inconstitucionalidade motivada pelo 
 sentido em que foram aplicadas as supra referidas normas, de resto já suscitada, 
 nos vários recursos que apresentou. 
 
 6. Esgotados os recursos ordinários, o Recorrente apenas se encontra em 
 condições de ver apreciada a inconstitucionalidade das normas interpretadas no 
 sentido em que o foram, por via do presente recurso, 
 Nestes termos e no mais de direito, deve a presente Reclamação ser atendida e 
 ser apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada às normas 
 indicadas.”
 
  
 O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a reclamação 
 apresentada.
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional, e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 O recorrente, no requerimento de interposição de recurso não pretende a 
 fiscalização constitucional de qualquer norma ou de qualquer interpretação 
 normativa sustentada na decisão recorrida, mas sim do sentido da própria decisão 
 da qual discorda.
 O nosso sistema de recursos de constitucionalidade não prevê o apelidado 
 
 “recurso de amparo”, pelo que se mostra correcta a decisão de não admitir o 
 recurso interposto, devendo ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                       *
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. do despacho que não 
 admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça proferido em 22-2-2008.
 
  
 
                                                       *
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 13 de Maio de 2008
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos