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Processo n.º 73/12
 
 1.ª Secção
 
 
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 
 
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 
 
 
 1. A.  quis recorrer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de novembro), do acórdão proferido em 23 de novembro de 2011 na Relação do Porto. Invocou que o aresto fizera aplicação de uma norma inconstitucional,  retirada do n.º 1 do artigo 118º; da alínea c) do artigo 119º; da alínea b) do n.º 3 do artigo 196º; do n.º 1 do artigo 332º e do n.º 1 do artigo 333º, todos do Código de Processo Penal, com o sentido de que «não é nula a audiência de discussão e julgamento a que o tribunal deu inicio sem tomar qualquer diligência para obter a comparência do arguido, no caso deste ter passado a manter outro domicílio além do indicado no termo de identidade e residência, cujo endereço não comunicou aos autos». 
 
 
 O recurso foi admitido no tribunal recorrido, mas, no Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 62/2012, por via da qual foi decidido não conhecer do objeto do recurso. A decisão afirma o seguinte:
 
 
 
  
 
 
 
 [...] O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que constituem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como é o presente –, a existência dum objeto normativo, o esgotamento dos recursos ordinários; a suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido; e a aplicação da norma, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida. 
 
 
 Acontece que o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido a questão que pretende ver conhecida no recurso. Na verdade, a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa implica a acusação formal, imputada a determinada norma, de desconformidade constitucional, por forma a que não possa ser, com esse fundamento, aplicada ao caso.
 
 
 Ora, para além de uma referência genérica ao artigo 32º da Constituição quanto à solução do caso, isto é, quanto à solução propriamente dita, o recorrente nunca imputou à norma agora em apreço o vício decorrente de inconstitucionalidade.
 
 
 Assim, conclui-se que a questão, não tendo sido suscitada perante o tribunal recorrido, não pode integrar o objeto do recurso.[...]
 
 
 
  
 
 
 
 2. É contra esta decisão que o recorrente reclama para a Conferência. Alega essencialmente o seguinte:
 
 
 
  
 
 
 
 [...] 19.º
 
 
 No que toca ao 2.º fundamento, tal questão foi suscitada. 
 
 
 
 20.º
 
 
 Analisando a parte III das motivações de recurso apresentadas pelo aqui reclamante (onde está inserida a argumentação do 2.º fundamento), verificamos que este começa por citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30-09-2009, proc. 496/04.1PCCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, e que aqui volta a transcrever: 
 
 
 
 “1. É um poder-dever do Tribunal procurar por todos os meios legais admissíveis obter a presença do arguido, só podendo concluir o julgamento sem a presença do arguido após a realização das diligências necessárias. 
 
 
 
 2. Só, desta forma se respeita a regra da obrigatoriedade da presença do arguido em audiência, os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório, se garantem os direitos de defesa consagrados na nossa Constituição e se assegura suficientemente a tutela dos interesses do arguido sem pôr em causa as necessidades de realização da Justiça. 
 
 
 
 3. É nula a audiência de julgamento quando o tribunal não tomou qualquer medida para obter a comparência do arguido.” 
 
 
 
 21.º
 
 
 Afere-se pela leitura do citado aresto que o Tribunal da Relação de Coimbra, também considera que a preterição da tomada de medidas constante do artigo 333.º n.º 1 do CPP viola “...os direitos de defesa consagrados na nossa Constituição... 
 
 
 
 22.º
 
 
 No entanto, o Douto Tribunal da Relação de Coimbra, quiçá por lapso, também não refere, no sumário do Acórdão citado, qual a norma constitucional posta em causa. 
 
 
 
 23.º
 
 
 Apenas se referindo de uma maneira “genérica” à violação dos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório... 
 
 
 
 24.º
 
 
 Sucede, porém, que o reclamante, após atento estudo, conseguiu chegar à conclusão que o principio do contraditório a que o douto e supracitado aresto se referia era o constante do n.º 5 do artigo 32.º da CRP... 
 
 
 
 25.º
 
 
 E por isso o recorrente, aqui reclamante, lançando mão da “doutrina das cautelas”, não prescindiu de o identificar devidamente nas suas motivações de fls… quando refere que o Tribunal de 1.ª Instância “ao não tomar essas medidas, “por falta de tempo útil” (...) coartou os direitos do arguido, constitucionalmente protegidos, como sendo, por exemplo, o exercido do contraditório (art. 32.º CRP)”. 
 
 
 
 26.º
 
 
 Em resumo, nas conclusões a este propósito apresentadas, encontra-se plasmado o seguinte raciocínio: Apenas quando o Tribunal toma os meios legais admissíveis para obter a presença do arguido (conclusão 6) se respeita a regra da obrigatoriedade da presença do arguido em audiência os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório e se garantem os direitos de defesa consagrados na nossa Constituição (conclusão 7), sendo na audiência que o arguido pode defender-se, mediante o exercício pleno do contraditório (conclusão 8), pelo que o processado in casu violou o artigo 32.º da CRP (conclusão 10) 
 
 
 
 27.º
 
 
 E dúvidas não há que o Tribunal da Relação do Porto compreendeu sem esforço o vício de inconstitucionalidade apontado à interpretação do Juiz do Tribunal de 1.ª Instância dos artigos 61.º, n.º 1 als. a) e b), 332.º, n.º 1 e 333.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal. 
 
 
 
 28.º
 
 
 Até porque veio o douto Tribunal da Relação do Porto esgrimir uma profunda argumentação a propósito desta questão de inconstitucionalidade, resolvendo a dita questão com a necessidade de estabelecer uma concordância prática entre as garantias de defesa do arguido e a realização da justiça penal através dos tribunais – respetivamente artigo 32.º e 202.º da CRP – questão sobre a qual nem sequer se pronunciaria se não constituísse objeto de recurso, conforme foi delimitado pelo recorrente, ora reclamante. [...] 
 
 
 
  
 
 
 O representante do Ministério Público neste Tribunal, respondeu à reclamação. Em seu entender, o reclamante não suscitou no tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade normativa que pretende tratar no recurso, pelo que deverá indeferir-se a reclamação.
 
 
 Sem vistos prévios, o processo vem à Conferência para decisão.
 
 
 
  
 
 
 
 3. Sustentou-se, na Decisão Sumária reclamada, que o recorrente não suscitara, perante o tribunal recorrido, a questão que pretende ver tratada como objeto do recurso, pois, para além de uma referência genérica à violação do artigo 32º da Constituição, quanto à decisão do tribunal de 1ª instância, o recorrente não imputara verdadeiramente à norma agora em apreço (ou a qualquer outra) o vício de inconstitucionalidade, uma vez que, como se afirmou na decisão em reclamação, a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa implica a acusação formal, imputada a determinada norma, de desconformidade constitucional, por forma a que não possa ser, com esse fundamento, aplicada ao caso.
 
 
 Acontece que a alegação agora apresentada não abala o fundamento desta decisão. 
 
 
 Não é efetivamente suficiente, para efeito de suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa, invocar a desconformidade constitucional da decisão proferida pelo tribunal, como fez o reclamante, ao sustentar que 'apenas quando o Tribunal toma os meios legais admissíveis para obter a presença do arguido se respeita a regra da obrigatoriedade da presença do arguido em audiência os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório e se garantem os direitos de defesa consagrados na nossa Constituição sendo na audiência que o arguido pode defender-se, mediante o exercício pleno do contraditório pelo que o processado in casu violou o artigo 32.º da CRP'. Na verdade, desta alegação não é manifestamente possível retirar a imputação de vício de inconstitucionalidade à norma do n.º 1 do artigo 118º, da alínea c) do artigo 119º, da alínea b) do n.º 3 do artigo 196º, do n.º 1 do artigo 332º e do n.º 1 do artigo 333º, todos do Código de Processo Penal, que o recorrente invoca como objeto do recurso. 
 
 
 Não se mostra cumprido, enfim, o requisito previsto no n.º 2 do artigo 72º da LTC.
 
 
 Sendo manifesta tal conclusão, é inútil apreciar outros argumentos invocados pelo reclamante. 
 
 
 
  
 
 
 
 4. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária que decidiu não conhecer do objeto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
 
 Lisboa, 27 de março de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 [ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20120152.html ]