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Processo nº  216/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
   
 
                         1. A., S. A., apresentou reclamação para a 
 conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 14 de Abril de 
 
 2009, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, 
 não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ela interposto.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A., S. A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão da 1.ª 
 Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 22 de Janeiro de 2009, que, 
 concedendo provimento ao recurso de revista interposto pelo Município do Porto, 
 revogou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 12 de 
 Junho de 2008 – que, por seu turno, havia negado provimento ao recurso 
 jurisdicional interposto pelo referido Município contra a sentença do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 27 de Setembro de 2007, que, julgando 
 parcialmente procedente pedido de intimação, intimara o Município do Porto a «à 
 luz do referido instrumento urbanístico (regras estabelecidas no PDM do Porto, 
 na versão anterior àquela que resultou do processo de revisão ratificado por 
 Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006) emitir, no prazo de 30 dias, o 
 acto final no procedimento, sob pena de aplicação ao Presidente da Câmara 
 Municipal e aos demais membros que integram o órgão executivo, de sanção 
 pecuniária compulsória no montante diário de 5% do salário mínimo mais elevado 
 em vigor por cada dia de atraso, para além do prazo fixado» – e, em 
 consequência, julgou improcedente o pedido de intimação para a prática de 
 acto legalmente devido apresentado pela ora recorrente.
 
             A recorrente refere no requerimento de interposição de recurso:
 
  
 
             «4. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o 
 Venerando Tribunal Constitucional aprecie, com esta indicação se cumprindo o 
 segundo pressuposto do artigo 75.º‑A, n.º 1, da mesma Lei, são a interpretação 
 inconstitucional dada aos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2, 112.º, n.ºs 1 e 3, e 
 
 117.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (RJUE) e ainda 
 artigo 13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (RGIGT), porquanto:
 
             4.1. Foi doutrina do douto acórdão e sua fundamentação:
 
             – que ‘só quando a Administração não tenha adoptado medidas 
 preventivas, ou quando a vigência destas tenha cessado, tem ou recobra 
 sentido a aplicação do regime previsto no artigo 117.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 380/99, ou seja, a medida cautelar de suspensão dos procedimentos para 
 salvaguarda das regras contidas no plano em revisão’;
 
             – que ‘As duas medidas não se sobrepõem, antes se coordenam como 
 instrumentos de salvaguarda das novas soluções urbanísticas, na prossecução do 
 interesse público do ordenamento e planeamento;
 
             Ponderação que é também contrabalançada com o limite temporal da 
 suspensão dos procedimentos, tudo assegurando um compromisso equilibrado entre 
 os interesses legítimos dos particulares e a prossecução do interesse público.’ 
 
 (ITIJ, proc. 0619/04).
 
             4.3. Trata-se de invocação pelo douto Tribunal, pela primeira vez, 
 de vários princípios constitucionais como estando na base da interpretação que, 
 a final, outorgou às ditas normas,
 
             4.4. princípios esses que nem sequer tinham sido soerguidos pela 
 parte contrária em alegações de recurso para desfeitear a interpretação 
 corrente das mesmas normas,
 
             4.5. e com cuja invocação a recorrente não podia, por isso, contar,
 
             4.6. razão por que, quer pela falta de oportunidade para ter sido 
 suscitada a inconstitucionalidade das ditas normas, cuja interpretação 
 coordenada se apresentava, como apresenta, linear, quer por a interpretação 
 dada pelo Venerando STA, alicerçada que foi em princípios ditos 
 constitucionais, surge como ‘surpresa’,
 
             4.7. faz ocorrer o requisito ou pressuposto da norma do artigo 72.º, 
 n.º 2, da LTC – como são doutrina e jurisprudência correntes [cf. José Manuel 
 Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2.ª ed., 1992, págs. 
 
 76/77, nota (99)].
 
             5. Deste modo são as normas ou princípios constitucionais 
 considerados violados – com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto 
 do artigo 75.º‑A, n.º 2, da mesma Lei n.º 28/82 – foram:
 
             – que ‘Este entendimento foi sufragado pelo acórdão deste STA, de 6 
 de Julho de 2004 – Rec. 619/04’ – cujos dizeres e doutrina absorve como sua por 
 remissão expressa, acórdão do qual pretende transcrever trechos (cf. pág. 20 da 
 decisão ora recorrida), citação esta de que nos permitimos transcrever por nossa 
 parte (com destaque nosso) as conclusões de que
 
             – as ditas medidas legais ‘não se sobrepõem antes se coordenam de 
 modo que se conformam com o princípio da proporcionalidade, podendo ver‑se nelas 
 uma ponderação dos interesses em presença que resulta equilibrada, isto é, 
 sacrifica o mínimo possível os interesses legítimos dos particulares na 
 prossecução do interesse público que é prosseguido através do planeamento 
 urbanístico’; e
 
             – na mesma coordenação não desproporcionada, ‘os artigos 13.º do 
 RJUE e 117.º do RJIGT devem interpretar‑se no sentido de a suspensão dos 
 procedimentos ter um objecto e um momento de aplicação diferentes das medidas 
 preventivas, e, em consequência, que se trata de regimes que não representam uma 
 cumulação de restrições dos direitos dos particulares, mas restrições diferentes 
 para normas urbanísticas e momentos procedimentais diferentes, que se procuram 
 ajustar à melhor defesa do interesse público com o mínimo de compressão dos 
 interesses particulares’.
 
             4.2. Porque a fundamentação foi ‘sufragada’ expressis verbis pela 
 remissão para aqueloutro acórdão, deverá acrescentar‑se que deste mesmo aresto 
 consta como doutrina (destaques nossos):
 
             – que ‘o legislador coordenou as duas medidas, as preventivas e a 
 suspensão do procedimento, de modo que não se reconduz à cumulação de 
 restrições dos direitos dos particulares para obter o mesmo fim que o 
 recorrente considera desproporcionada. A suspensão dos procedimentos poderia em 
 certa perspectiva ser tida como solução desproporcionada aos objectivos 
 pretendidos se incidisse sobre a mesma situação e visassem os mesmos objectivos 
 que as medidas preventivas anteriormente colocadas em vigor’;
 
             – ‘Mas, como vimos, visam proteger normas que podem ser e serão 
 muitas vezes diferentes e incidem sobre momentos do processo regulamentar muito 
 distintos, um desde o início da decisão de planear ou alterar o planeamento e 
 outra depois de efectuados os estudos e trabalhos de planeamento e de criadas 
 as normas que são postas a discussão pública, quando estas estão já 
 concretizadas e em prazo curto se espera poderem passar a vigorar’;
 
             – ‘Deste modo, tudo vai no sentido de poder afirmar‑se que o 
 legislador ponderou os prejuízos que poderiam advir para os particulares da 
 suspensão dos procedimentos nesta fase próxima do final do processo 
 regulamentar e concluiu que era, pela curta duração da suspensão e pelo remédio 
 de o processo poder entretanto avançar, uma medida adaptada às novas soluções, 
 cujos benefícios superam os danos para o interesse público que poderiam resultar 
 de uma decisão tomada com base nas regras urbanísticas anteriores que no caso 
 seriam sempre as constantes das medidas preventivas, uma vez que estas 
 determinam a suspensão de eficácia do plano a rever – n.º 3 do artigo 107.º do 
 RJIGT’.
 
             5.1. o princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado 
 nos artigos 18.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP, assim também violados; e
 
             5.2. o princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13.º da CRP, assim também violado.
 
             6. A peça processual em que vêm suscitadas as ditas questões de 
 inconstitucionalidade – com esta indicação se cumprindo o segundo pressuposto 
 do artigo 75.º‑A, n.º 2, da mesma Lei n.º 28/82 – foi o douto acórdão 
 recorrido.»
 
  
 
             O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STA, decisão que, 
 como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da 
 LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
             2. A admissibilidade de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação cumulativa dos requisitos de 
 a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», 
 
 «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
             Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota 
 com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo 
 excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 
  
 
             3. A recorrente reconhece não ter suscitado, antes de proferido o 
 acórdão recorrido, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver 
 apreciada, mas sustenta que estamos justamente perante uma das aludidas 
 situações excepcionais em que a parte não teve oportunidade de proceder à 
 prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade do critério normativo 
 aplicado na decisão recorrida, por esta aplicação ser inesperada, constituindo 
 uma «decisão‑surpresa».
 
             Para apreciar a procedência desta alegação, cumpre reproduzir a 
 fundamentação jurídica do acórdão recorrido, na parte em que apreciou o mérito 
 do recurso de revista interposto pelo Município do Porto:
 
  
 
             «4. Nas restantes conclusões da alegação, afronta o recorrente a 
 pronúncia emitida sobre a questão jurídica fundamental que esteve na origem da 
 admissão da revista: a definição e articulação das medidas cautelares de plano 
 em revisão, previstas na lei, concretamente as ‘medidas preventivas’ a que se 
 reporta o artigo 107.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de 
 Setembro, e a ‘suspensão de concessão de licenças’ prevista no artigo 117.º do 
 mesmo diploma, em ordem a saber a que regras urbanísticas se deve subordinar a 
 decisão final do procedimento de licenciamento em causa nos autos: (i) se à 
 versão inicial do PDM de 1993, como decidiu a decisão sob revista; (ii) se às 
 medidas preventivas aprovadas pela Assembleia Municipal do Porto a 22 de Julho 
 de 2002, ratificadas por Resolução do Conselho de Ministros de 15 de Outubro de 
 
 2002; (iii) ou se ao actual PDM resultante da revisão aprovada pela Assembleia 
 Municipal do Porto a 2 de Junho de 2005, ratificada por Resolução do Conselho de 
 Ministros publicada a 3 de Fevereiro de 2006, e que entrou em vigor a 4 de 
 Fevereiro de 2006.
 
             Numa breve resenha da factualidade relevante fixada pelo tribunal a 
 quo, constata‑se que a ora recorrida A. entregou na Câmara Municipal do Porto, a 
 
 1 de Maio de 2005, um pedido de licenciamento de loteamento de um terreno sito 
 na Travessa da …, no Porto, tendo apresentado, a 30 de Setembro de 2005, os 
 elementos instrutórios em falta, cuja apresentação lhe fora entretanto 
 solicitada pelos serviços competentes da Câmara.
 
             Na sequência de Informação destes serviços, a CMP solicitou parecer 
 sobre a operação urbanística a diversas entidades, tendo obtido parecer 
 desfavorável do IPPAR e da CCDRN.
 
             A 22 de Dezembro de 2006, foi prestada a INF/1143/06/DMGUII, na qual 
 se conclui:
 
             ‘(...) Analisadas as características da operação urbanística e sem 
 prejuízo dos pareceres que vierem a ser emitidos pelo GAP e DMUIDPUIDEPU, tendo 
 sido consultadas as entidades externas e serviços da CMP competentes, pode 
 concluir‑se que, face à fundamentação de facto constante dos pareceres 
 desfavoráveis do IPPAR e da CCDRN, o projecto de Loteamento apresentado ... 
 deverá ser indeferido, fundamentado nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 24.º 
 do Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com redacção dada pelo Decreto‑Lei 
 n.º 177/2001, de 4 de Junho (RJUE), precedido de audiência prévia do 
 interessado a ser efectuada nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos 
 
 100.º e 101.º do CPA. (...)’.
 
             A 26 de Dezembro de 2006, a CMP notificou a requerente da sua 
 intenção de indeferir a pretensão pelos factos e fundamentos constantes da 
 informação técnica atrás transcrita, na sequência do que, e face à ausência de 
 decisão final sobre o requerido licenciamento, a autora apresentou o pedido de 
 intimação judicial a que os autos se reportam.
 
             Entretanto, por Resolução do Conselho de Ministros de 15 de Outubro 
 de 2002, publicada no Diário da República, I Série‑B, da mesma data, tinham sido 
 ratificadas as medidas preventivas aprovadas pela Assembleia Municipal do Porto 
 em 27 de Julho de 2002, para a área que abrange todo o Município do Porto, 
 destinadas a ‘evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto 
 existentes que possam limitar a liberdade de planeamento da revisão do Plano 
 Director Municipal do Porto, actualmente em curso, bem como comprometer ou 
 tornar mais onerosa a execução da mesma’, de forma que ‘as medidas preventivas 
 estabelecidas por motivo da revisão do Plano Director Municipal do Porto 
 determinarão a suspensão da eficácia deste na área abrangida por aquelas 
 medidas’.
 
             De acordo com a mesma Resolução, ‘As medidas preventivas vigoram 
 pelo prazo de dois anos a contar da respectiva publicação, caducando com a 
 entrada em vigor da revisão do Plano Director Municipal do Porto’ e ‘Os efeitos 
 da presente Resolução do Conselho de Ministros retroagem a 6 de Setembro de 
 
 2002’, tendo as mesmas vindo a ser prorrogadas por mais 1 ano, por Resolução do 
 Conselho de Ministros, de 27 de Agosto de 2004, publicada no Diário da 
 República, I Série‑B, de 4 de Setembro de 2004, que ratificou deliberação nesse 
 sentido da Assembleia Municipal do Porto.
 
             A discussão pública do novo Regulamento do PDM do Porto iniciou‑se 
 em 28 de Outubro de 2003.
 
             A revisão do PDM do Porto foi aprovada por deliberação da 
 Assembleia Municipal do Porto, de 2 de Junho de 2005, ratificada por Resolução 
 do Conselho de Ministros publicada no Diário da República, I Série‑B, de 3 de 
 Fevereiro de 2006, e entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação 
 
 (artigo 90.º do actual Regulamento do PDM do Porto).
 
             Perante esta factualidade, sobre a enunciada questão jurídica, e 
 confirmando a decisão do TAF, o acórdão sob revista decidiu:
 
             ‘Ora, com efeito, no caso vertente, por Resolução do Conselho de 
 Ministros n.º 125/2002, de 15 de Outubro, publicada no Diário da República, I 
 Série‑B, n.º 238, de 15 de Outubro de 2002, foram ratificadas as medidas 
 preventivas aprovadas pela Assembleia Municipal do Porto, em 22 de Julho de 
 
 2002, para a área que abrange todo o Município do Porto, de forma a evitar a 
 alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possam 
 limitar a liberdade de planeamento da revisão do Plano Director Municipal do 
 Porto.
 
             O prazo de vigência de tais medidas preventivas foi de 2 anos, com 
 efeitos a partir de 6 de Setembro de 2002, prorrogado por um ano.
 
             Isto é, o prazo de vigência das medidas preventivas adoptadas, por 
 razões de revisão do PDM, decorreu entre 6 de Setembro de 2002 e 6 de Setembro 
 de 2005.
 
             Por outro lado, o pedido de licenciamento de loteamento, em 
 referência nos autos, inicialmente formulado em 11 de Maio de 2005, foi 
 completado, por falta de elementos instrutórios em falta, em 30 de Setembro de 
 
 2005.
 
             Assim, aquando da apresentação completa do pedido de licenciamento, 
 aquelas medidas preventivas haviam caducado.
 
             No caso dos autos, a discussão pública do novo Regulamento do PDM do 
 Porto teve início em 28 de Outubro de 2003.
 
             Ora, conforme decorre do enunciado no n.º 1 do artigo 117.º do 
 Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, “Nas áreas a abranger por novas 
 regras urbanísticas constantes de plano municipal ou especial de ordenamento do 
 território ou sua revisão, os procedimentos de informação prévia, de 
 licenciamento e de autorização ficam suspensos a partir da data fixada para o 
 início do período de discussão pública e até à data da entrada em vigor daqueles 
 instrumentos de planeamento”.
 
             Acontece, porém, tal como resulta do n.º 3 do mesmo normativo legal, 
 que “Caso as novas regras urbanísticas não entrem em vigor no prazo de 150 dias 
 desde a data do início da respectiva discussão pública, cessa a suspensão do 
 procedimento, devendo nesse caso prosseguir a apreciação do pedido até à 
 decisão final de acordo com as regras urbanísticas em vigor à data da sua 
 prática”.
 
             Entretanto, o novo Regulamento do PDM do Porto, aprovado por 
 deliberação da Assembleia Municipal do Porto, datada de 2 de Junho de 2005, 
 ratificada por Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006, de 3 de 
 Fevereiro de 2006, apenas entrou em vigor em 4 de Fevereiro de 2006 (artigo 
 
 90.º do RPDM do Porto).
 
             Assim, no caso sub judice, não tendo as novas regras urbanísticas 
 entrado em vigor no prazo de 150 dias desde a data do início da respectiva 
 discussão pública, cessou a suspensão do procedimento, devendo nesse caso 
 prosseguir a apreciação do pedido até à decisão final de acordo com as regras 
 urbanísticas então em vigor.
 
             Assim sendo, tendo o pedido de licenciamento deixado de estar sob a 
 alçada das medidas preventivas, porque entretanto caducaram, bem como da 
 protecção estabelecida pelo n.º 1 do artigo 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99, de 
 
 22 de Setembro, por força do estatuído pelo n.º 3 deste normativo legal, uma vez 
 que o novo regulamento do PDM não entrou em vigor no prazo de 150 dias a contar 
 da data do início da respectiva discussão pública, devia ter sido objecto de 
 apreciação com base nas regras definidas pelo PDM em vigor, isto é, o PDM na 
 versão anterior à última revisão, que apenas entrou em vigor em 4 de Fevereiro 
 de 2006 – cf. artigos 20.º, n.º 3, do RJUE e 90.º do RPDM do Porto.
 
             Deste modo, não se vislumbra qualquer violação dos normativos 
 legais contidos nos artigos 112.º e 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de 
 Setembro, e 13.º do RJUE, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de 
 Dezembro, por parte da sentença recorrida, mas antes o seu estrito 
 cumprimento.’
 
             Dir‑se‑á, desde já, que assiste razão ao recorrente na crítica que 
 dirige ao acórdão recorrido, relativamente à questão em causa, ou seja, à 
 articulação e aplicação das medidas cautelares de plano em trâmite de revisão, 
 previstas no Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro: as medidas preventivas 
 
 (artigo 107.º e seguintes) e a suspensão de concessão de licenças (artigo 
 
 117.º).
 
             Vejamos.
 
             O Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (com as alterações 
 introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 53/2000, de 7 de Abril, e pelo Decreto‑Lei 
 n.º 310/2003, de 10 de Dezembro), que veio estabelecer o regime jurídico dos 
 instrumentos de gestão territorial, prevê dois tipos de medidas cautelares de 
 salvaguarda de novas soluções urbanísticas contidas em plano que se encontre em 
 processo de elaboração, alteração ou revisão, e para a respectiva área de 
 incidência:
 
             a) As medidas preventivas, que se destinam a ‘evitar a alteração 
 das circunstâncias e das condições de facto existentes que possa limitar a 
 liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do 
 plano’, e cujo estabelecimento ‘determina a suspensão da eficácia deste’, na 
 
 área por ele abrangida (artigo 107.º, n.ºs 1 e 2).
 
             Têm um prazo de vigência máximo de 2 anos, prorrogável por mais 1, e 
 cessam com a entrada em vigor do plano que motivou a sua aplicação (artigo 
 
 112.º, n.ºs 1 e 3).
 
             b) A suspensão de concessão de licenças, segundo a qual ‘os 
 procedimentos de informação prévia, de licenciamento e de autorização ficam 
 suspensos a partir da data fixada para o início do período de discussão pública 
 e até à data da entrada em vigor daqueles instrumentos de planeamento’, 
 prevendo‑se que ‘caso as novas regras urbanísticas não entrarem em vigor no 
 prazo de 150 dias desde a data do início da respectiva discussão pública, cessa 
 a suspensão do procedimento, devendo nesse caso prosseguir a apreciação do 
 pedido até à decisão final de acordo com as regras urbanísticas em vigor à data 
 da sua prática’ (artigo 117.º, n.ºs 1 e 3).
 
             Estamos, em ambos os casos, perante medidas que têm por função 
 acautelar opções a plasmar no futuro plano em trâmite de elaboração, alteração 
 ou revisão, de molde a que a aplicação das novas soluções urbanísticas nele 
 contidas não fiquem prejudicadas ou inviabilizadas durante o período que 
 antecede a vigência do novo plano.
 
             E que, como tal, têm em comum estarem intrinsecamente subordinadas 
 ao princípio da necessidade e da proporcionalidade (aplicação restrita às áreas 
 para as quais o plano prevê novas regras urbanísticas, e apenas para os 
 projectos cuja solução seja diferente da do anterior instrumento de 
 planificação).
 
             Mas do referido princípio da necessidade decorre igualmente que a 
 medida cautelar de suspensão do procedimento de concessão de licenças, prevista 
 no artigo 117.º, tem que ser entendida como medida cautelar supletiva das 
 medidas preventivas, de aplicação não simultânea, significando isto que não 
 poderá funcionar a suspensão do procedimento sempre que (e enquanto) estejam 
 em vigor medidas preventivas aplicadas pela entidade licenciadora.
 
             Há, com efeito, uma impossibilidade de coexistência temporal das 
 duas espécies de medidas cautelares, as quais, visando embora proteger 
 interesses e regras urbanísticas coincidentes, têm conteúdo normativo diverso e 
 reportam‑se a momentos procedimentais distintos (cf., neste sentido, Fernanda 
 Paula Oliveira e Dulce Lopes, Medidas Cautelares dos Planos, pág. 61 e 
 seguintes).
 
             Daqui decorre, ainda como reflexo do princípio da necessidade, que a 
 adopção de medidas preventivas antes da fase de discussão pública do plano torna 
 a suspensão de procedimentos desnecessária, pois que através da adopção daquelas 
 fica já salvaguardado o efeito útil do futuro plano, não se justificando, pois, 
 a suspensão de procedimentos.
 
             Deste modo, só quando a Administração não tenha adoptado medidas 
 preventivas, ou quando a vigência destas tenha já cessado, tem ou recobra 
 sentido a aplicação do regime previsto no artigo 117.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 380/99, ou seja, a medida cautelar de suspensão dos procedimentos para 
 salvaguarda das regras contidas no plano em revisão.
 
             As duas medidas não se sobrepõem, antes se coordenam como 
 instrumentos de salvaguarda das novas soluções urbanísticas, na prossecução 
 do interesse público do ordenamento e planeamento.
 
             Este entendimento foi sufragado pelo acórdão deste STA, de 6 de 
 Julho de 2004 – Rec. 619/04, do qual se respigam os seguintes trechos:
 
             ‘A suspensão do procedimento de licenciamento prevista nos artigos 
 
 13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99 e 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99 (RJIGT), de 22 
 de Setembro, aplica‑se em coordenação com as medidas preventivas previstas no 
 artigo 107.º do mesmo Decreto‑Lei n.º 380/99, versando sobre normas diferentes 
 e para momentos temporais diferentes do processo de produção do regulamento que 
 
 é o Plano.
 
             (...)
 
             Por visarem proteger interesses e regras urbanísticas dirigidos ao 
 mesmo fim mas diferentes quanto ao conteúdo e se aplicarem em momentos 
 diferentes do procedimento regulamentar, também pela diferente distância do 
 momento final da adopção das novas normas bem como pela compressão de direitos 
 temporalmente muito mais curta da suspensão do procedimento, estas medidas por 
 um lado, e as medidas preventivas por outro, não se sobrepõem antes se coordenam 
 de modo que se conformam com o princípio da proporcionalidade, podendo ver‑se 
 nelas uma ponderação dos interesses em presença que resulta equilibrada, isto é, 
 sacrifica o mínimo possível os interesses legítimos dos particulares na 
 prossecução do interesse público que é prosseguido através do planeamento 
 urbanístico.
 
             (...)
 
             Portanto, os artigos 13.º do RJUE e 117.º do RJIGT devem 
 interpretar‑se no sentido de a suspensão dos procedimentos ter um objecto e um 
 momento de aplicação diferentes das medidas preventivas, e, em consequência, 
 que se trata de regimes que não representam uma cumulação de restrições dos 
 direitos dos particulares, mas restrições diferentes para normas urbanísticas e 
 momentos procedimentais diferentes, que se procuram ajustar à melhor defesa do 
 interesse público com o mínimo de compressão dos interesses particulares.’
 
             Ora, voltando à situação dos autos, em que está em causa a revisão 
 do PDM do Porto, temos que foram adoptadas pela Câmara Municipal medidas 
 preventivas cuja vigência se iniciou a 6 de Setembro de 2002 e cessou a 6 de 
 Setembro de 2005 (2 anos + 1 de prorrogação).
 
             E que o início da discussão pública do Regulamento do PDM ocorreu a 
 
 28 de Outubro de 2003, em plena vigência das medidas preventivas, uma vez que 
 nada foi determinado quanto a estas.
 
             Nesta conformidade, teremos de concluir que à data do início da 
 discussão pública do Regulamento do PDM não poderia ter aplicação a medida de 
 suspensão do procedimento de concessão de licenças, previsto no artigo 117.º do 
 Decreto‑Lei n.º 380/99 (e artigo 13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99), por estarem 
 em vigor as medidas preventivas previstas no artigo 107.º do mesmo diploma.
 
             E, por essa razão, temos de interpretar o disposto naquele artigo 
 
 117.º no sentido de que a suspensão dos procedimentos ‘a partir da data fixada 
 para o início do período de discussão pública’ só pode iniciar‑se – por 
 impossibilidade de sobreposição das medidas cautelares –, após a cessação das 
 medidas preventivas então em vigor.
 
             O que determina que é a esse termo a quo que tem de reportar‑se a 
 contagem do prazo de 150 dias, previsto no n.º 3 do preceito para a cessação da 
 suspensão, caso as novas regras urbanísticas não entrem em vigor até final do 
 prazo.
 
             A referida expressão contida no preceito (‘a partir da data fixada 
 para o início do período de discussão pública’) reporta‑se à situação normal e 
 típica de vigência plena do plano em revisão ou de anterior instrumento de 
 gestão territorial, justificando‑se então o início do prazo de 150 dias com a 
 abertura da fase de discussão pública do plano.
 
             Não assim perante a situação, atípica, de no momento de abertura da 
 discussão pública se encontrarem em vigor medidas preventivas, pelo que só após 
 a cessação destas a medida cautelar de suspensão dos procedimentos colhe 
 justificação legal.
 
             Tendo as medidas preventivas, in casu, cessado a sua vigência a 6 de 
 Setembro de 2005, só então sendo possível, pelas razões apontadas, a entidade 
 licenciadora determinar (o que, aliás, decorre do preceito legal) a suspensão 
 dos procedimentos de concessão de licença, ao abrigo do disposto no artigo 117.º 
 do RJIGT, temos que o prazo da suspensão do procedimento aqui em causa, nessa 
 data iniciado, terminava a 6 de Fevereiro de 2006, pelo que o novo PDM revisto 
 entrou em vigor (4 de Fevereiro de 2006) dentro dos 150 dias a que se reporta o 
 n.º 3 do artigo 117.º.
 
             O pedido de licenciamento terá, assim, que ser decidido ‘de acordo 
 com as novas regras urbanísticas em vigor’, nos termos do n.º 2 do preceito.
 
             A decisão sob revista estaria correcta se, como ali implicitamente 
 se propugna, as medidas cautelares pudessem vigorar em sobreposição, caso em 
 que a suspensão do procedimento de licenciamento se teria realmente iniciado a 
 
 28 de Outubro de 2003 e perdurado por completo durante a vigência das medidas 
 preventivas.
 
             Mas este entendimento não é o correcto, como se deixou referido.
 
             Como vimos, a adopção de medidas preventivas antes da fase de 
 discussão pública do plano, como é o caso, torna desnecessária a suspensão dos 
 procedimentos de concessão de licenças, pois que as duas medidas cautelares 
 estão previstas numa lógica de coordenação e articulação, e não de 
 sobreposição.
 
             E é nessa perspectiva – que entendemos a mais correcta e adequada à 
 tutela dos interesses legalmente prosseguidos – que, após a cessação das 
 medidas preventivas, recobra razão de ser a suspensão dos procedimentos, para 
 salvaguarda das soluções contidas no plano em revisão.
 
             Aliás, aponta no mesmo sentido a solução contida na parte final do 
 n.º 3 do citado artigo 117.º do RJIGT, que cremos incorrectamente interpretado 
 pela decisão sob revista, e que se prende com a alegada violação do princípio 
 tempus regit actum.
 
             Dispõe o mencionado segmento normativo que, caso as novas regras 
 urbanísticas não entrem em vigor no prazo de 150 dias desde o início da 
 respectiva discussão pública, ‘cessa a suspensão do procedimento, devendo 
 nesse caso prosseguir a apreciação do pedido até à decisão final de acordo com 
 as regras urbanísticas em vigor à data da sua prática’.
 
             É inegável, até pelo alcance semântico do termo utilizado, que o 
 vocábulo ‘prática’ se reporta à decisão final do procedimento, pelo que as 
 
 ‘regras urbanísticas em vigor à data da sua prática’ são as que vigorarem 
 aquando da prolação da decisão final do procedimento: as do novo plano (revisto) 
 se o mesmo tiver já entrado em vigor; as do plano original (ou eventuais medidas 
 preventivas) no caso contrário.
 
             Não tem, pois, qualquer apoio legal a decisão do acórdão recorrido 
 de que a decisão final do procedimento a proferir pela entidade recorrente deve 
 ter por base as regras definidas pelo PDM na versão anterior à sua revisão 
 
 (sendo esse o pedido de intimação formulado pela requerente A.), o que 
 significaria uma completa subversão do referido princípio tempus regit actum, 
 tal como entendido pela jurisprudência uniforme deste STA: ‘A legalidade dos 
 actos administrativos afere‑se pela realidade fáctica e pelo quadro normativo 
 vigentes à data da prolação do acto’ (cf., por todos, acórdãos do STA, de 11 de 
 Março de 1999 – Rec. 42 323, e de 24 de Fevereiro de 1999 – Rec. 43 459), 
 princípio solenemente consagrado no artigo 67.º do RJUE (‘A validade das 
 licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade 
 com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua 
 prática’).
 
             O acórdão recorrido fez, pois, incorrecta aplicação dos preceitos 
 legais mencionados, designadamente dos artigos 117.º do Decreto‑Lei n.º 380/99, 
 de 22 de Setembro (RJUE), e 13.º do Decreto‑Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro 
 
 (RGIGT), pelo que procede, nesta parte, a alegação do recorrente.
 
             A revista tem, assim, que ser concedida, julgando‑se, em 
 consequência, improcedente o pedido de intimação formulado pela ora recorrida 
 A., dirigido à obtenção da licença de loteamento segundo as regras estabelecidas 
 na versão original do PDM do Porto, anterior àquela que resultou do processo de 
 revisão.»
 
  
 
             4. Resulta da precedente transcrição que o critério normativo 
 adoptado pelo acórdão recorrido foi o de que os dois tipos de medidas cautelares 
 de salvaguarda de novas soluções urbanísticas contidas em plano que se encontre 
 em processo de elaboração, alteração ou revisão, previstas no Decreto‑Lei n.º 
 
 380/99, de 22 de Setembro (regime jurídico dos instrumentos de gestão 
 territorial) – as «medidas preventivas» (artigo 107.º, n.ºs 1 e 2) e a 
 
 «suspensão dos procedimentos de concessão de licenças» (artigo 117.º) – não se 
 sobrepõem, havendo uma impossibilidade de coexistência temporal simultânea das 
 duas espécies de medidas cautelares, e, assim, só quando a Administração não 
 tenha adoptado medidas preventivas, ou quando a vigência destas tenha já 
 cessado, tem ou recobra sentido a aplicação do regime de suspensão dos 
 procedimentos. Por isso, entendeu‑se que quando tenham sido adoptadas medidas 
 preventivas, como ocorreu no caso, a suspensão dos procedimentos só opera a 
 partir do momento em que aquelas medidas venham a caducar, contando‑se desde 
 então (e não, como ocorre nas situações «normais», a partir do início da 
 discussão pública das novas regras urbanísticas) o prazo de 150 dias referido no 
 n.º 3 do citado artigo 117.º.
 
             Ora, não pode considerar‑se surpreendente ou inesperada a adopção 
 deste critério normativo, pois a aplicação do mesmo fora sustentada pelo 
 Município do Porto nas alegações do seu recurso de revista para o STA, como 
 resulta das suas conclusões T) a W):
 
  
 
             «T) A adopção de medidas preventivas antes da fase de discussão 
 pública do plano torna a suspensão de procedimentos desnecessária, pois através 
 da adopção daquelas fica já salvaguardado o efeito útil do futuro plano, devendo 
 afastar‑se a suspensão de procedimentos por configurar uma medida, na grande 
 maioria das hipóteses, mais gravosa do que a adopção de medidas preventivas – 
 princípio da necessidade na sua versão instrumental.
 
             U) A única leitura que se poderá fazer do texto da lei é, portanto, 
 a de que, ou a Administração adopta medidas preventivas, sendo estas que 
 funcionam, ou não as adopta (porque facultativas), ou cessa a sua vigência, 
 devendo, apenas nestes casos, funcionar a medida cautelar prevista no artigo 
 
 117.º, que reveste, assim, a natureza de medida cautelar supletiva.
 
             V) Ora, tendo em consideração que, no caso da revisão do PDM do 
 Porto, foram adoptadas medidas preventivas tendentes a garantir o efeito útil do 
 futuro plano, e que estas não caducaram (porque nada foi determinado a este 
 respeito) aquando da abertura da fase da discussão pública do mesmo, então terá 
 de se concluir que eram estas as medidas que se encontravam em vigor para 
 acautelar o futuro plano, não funcionando, então, o disposto no artigo 117.º do 
 Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
 
             W) Naquelas hipóteses em que, embora tendo sido adoptadas medidas 
 preventivas, estas venham a caducar (cessação da respectiva vigência), recobra 
 razão de ser a suspensão dos procedimentos, que se deverá manter, para a 
 salvaguarda do plano em revisão e nos termos do artigo 117.º, n.º 1, até à 
 entrada em vigor do PDM ou até ao limite máximo de 150 dias desde a caducidade 
 das medidas preventivas.»
 
  
 
             Teve, assim, a recorrente oportunidade processual de, nas 
 contra‑alegações que apresentou no recurso de revista, suscitar a 
 inconstitucionalidade do critério normativo em causa, oportunidade que não 
 aproveitou, pois nessa sua peça processual (fls. 474‑488) nenhuma 
 inconstitucionalidade vem arguida.
 
             Aliás, a recorrente ainda beneficiou de uma segunda oportunidade 
 para o fazer, pois, no parecer do Ministério Público no STA (fls. 503‑507), com 
 invocação da doutrina expressa no já referenciado acórdão do STA, de 6 de Julho 
 de 2004, Proc. n.º 619/04, também foi sustentado que a suspensão dos 
 procedimentos só se tornou operativa com a caducidade das medidas preventivas, 
 contando‑se a partir desta data o aludido prazo de 150 dias. Ora, na resposta 
 que apresentou a este parecer (fls. 526‑528), voltou a recorrente a não 
 suscitar – como podia e devia fazer para abrir via a recurso de 
 constitucionalidade – a questão da inconstitucionalidade desse critério 
 normativo.
 
             Conclui‑se, assim, não se revelar inesperado ou surpreendente o 
 critério normativo adoptado pelo acórdão recorrido, pelo que não estamos 
 perante aquelas situações anómalas ou excepcionais em se pode considerar a 
 recorrente dispensada do ónus da prévia suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade.
 
             Não tendo a recorrente satisfeito esse ónus, o presente recurso 
 surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação apresentada pela recorrente assenta 
 nos seguintes fundamentos:
 
  
 
             “1. Foi interposto, nos autos de recurso contencioso administrativo 
 e de recurso jurisdicional de revista, recurso em processo de fiscalização 
 concreta, com os pressupostos e bases que constam do respectivo requerimento e 
 que se dão aqui por reproduzidos.
 
             2. Em especial, foi aí considerado que, no caso, ocorria:
 
             2.1. tratar‑se de invocação pelo douto Tribunal, pela primeira vez, 
 de vários princípios constitucionais como estando na base da interpretação que, 
 a final, outorgou às ditas normas,
 
             2.2. Princípios esses que nem sequer tinham sido soerguidos pela 
 parte contrária em alegações de recurso para desfeitear a interpretação corrente 
 das mesmas normas,
 
             2.3. e com cuja invocação a recorrente não podia, por isso, contar,
 
             2.4. razão por que, quer pela falta de oportunidade para ter sido 
 suscitada a inconstitucionalidade das ditas normas, cuja interpretação 
 coordenada se apresentava, como apresenta, linear, quer por a interpretação dada 
 pelo Venerando STA, alicerçada que foi em princípios ditos constitucionais, 
 surge como «surpresa»,
 
             2.5. faz ocorrer o requisito ou pressuposto da norma do artigo 72.º, 
 n.º 2, da LTC – como são doutrina e jurisprudência correntes.
 
             3. A douta decisão sumária, na senda da (aliás logo invocada) 
 jurisprudência e doutrina correntes, considerou, e bem, que o requisito de a 
 questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo» «só 
 se considera dispensável nas situações especiais em que (…) naquelas situações, 
 de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade» (1.º § de sua pág. 6).
 
             Todavia:
 
             4. Obtemperou a mesma douta decisão que «não pode considerar‑se 
 surpreendente ou inesperada a adopção» do «critério normativo» do acórdão 
 recorrido:
 
             4.1. «pois a aplicação do mesmo fora sustentada pelo Município do 
 Porto nas alegações do seu recurso de revista para o STA, como resulta das suas 
 conclusões T) a W)»,
 
             4.2. pelo que teve, «assim, a recorrente oportunidade de, nas 
 contra‑alegações que apresentou no recurso de revista, suscitar a 
 inconstitucionalidade do critério normativo em causa, oportunidade que não 
 aproveitou»;
 
             4.3. e que «a recorrente ainda beneficiou de uma segunda 
 oportunidade para o fazer, pois [n]o parecer do Ministério Público do STA (...) 
 também foi sustentado que a suspensão dos procedimentos só se tornou operativa 
 com a caducidade das medidas preventivas, contando-se a partir desta data o 
 aludido prazo de 150 dias»
 
             4.4. e «na resposta que apresentou a este parecer (...) voltou a 
 recorrente a não suscitar – como podia e devia fazer para abrir via a recurso 
 de constitucionalidade – a questão da inconstitucionalidade desse critério 
 normativo».
 
             5. Concluiu, deste modo, a mesma decisão «não se revelar inesperado 
 ou surpreendente o critério normativo adoptado pelo acórdão recorrido, pelo que 
 não estamos perante aquelas situações anómalas ou excepcionais em que se pode 
 considerar a recorrente dispensada do ónus da prévia suscitação da questão da 
 inconstitucionalidade», falseando, assim, o dito pressuposto.
 
             Salvo o devido respeito, esta tese não pode ser.
 
             Com efeito:
 
             5. O conceito de «decisão surpresa» não pode, sob pena de verdadeira 
 subversão do mesmo, ter um conteúdo como aquele que a douta decisão sumária lhe 
 atribui, invertendo, aliás, a ordem natural da invocação de questões de natureza 
 constitucional.
 
             6. Ainda se os intervenientes salientados pela dita decisão – o 
 Município e o Ministério Público – tivessem, na sua posição «activa» de 
 recorrentes, suscitado que a «tese» que peregrinamente sustentavam era conforme 
 com as normas constitucionais X ou Y ... vá lá que não vá que a recorrida 
 devesse obtemperar pela efectiva desconformidade.
 
             7. Mas já querer que – «para abrir via a recurso de 
 constitucionalidade», como se diz – a recorrida se devesse «ter lembrado» de, 
 quanto antes e à cautela, atirar ao ar a violação de princípios constitucionais 
 pelos dislates (perdoe‑se‑nos a expressão que é a mais exacta perante a dita 
 
 «tese») que os recorrentes tenham atirado … já é exigir demais do «homem comum», 
 do homo prudens que é a baliza de qualquer actuação legal e/ou judicial.
 
             8. A leitura das contra‑alegações permite verificar do absurdo da 
 
 «tese» de quem recorria e tal «tese» era, como é, de tal maneira estranha que a 
 demonstração do absurdo e estranheza eram, como são, mais do que suficientes.
 
             9. Não pode ser exigível que uma parte – obviamente quando tenha 
 ficado vencedora na decisão recorrida – seja obrigada, nas suas 
 contra‑alegações, a argumentar a contrario sensu, ou, se se quiser, em regime 
 de contra‑pedido subsidiário,
 
             10. isto é, no estilo de que «caso se entenda que o absurdo ou o 
 dislate tem razão» … então esse absurdo ou dislate é inconstitucional … por isto 
 ou por aquilo!
 
             11. NÃO: quem recorre é que, quando muito, deve soerguer 
 argumentação na base da (in)constitucionalidade, competindo, então, a quem é 
 recorrido contrapor argumentação a esse nível.
 
             12. Admitir que um recorrido deva, logo, contra‑alegar e 
 contra‑argumentar nesse plano «para abrir via a recurso de constitucionalidade» 
 
 é recomendar verdadeiros «truques» processuais, de que, aliás, o Venerando 
 Tribunal Constitucional deve estar farto!
 
             13. Deste modo, «decisão surpresa» é aquela que, modificando 
 completamente a decisão recorrida, faz o recorrido defrontar‑se com (não já uma 
 
 «tese» qualquer, por mais insensata que seja) uma efectiva nova decisão em campo 
 que esmaga, por si mesma (e não propriamente porque quem recorreu … se lembrou 
 de «coisas»), princípios constitucionais, cuja violação era verdadeiramente 
 impensável.
 
             14. E assim a douta decisão sumária não distinguiu, salvo o devido 
 respeito, a posição processual de um recorrido e de um recorrente ao nível da 
 exigência do pressuposto do recurso constitucional que diz faltar, tratando 
 como igual aquilo que é manifestamente desigual,
 
             15. e tributou a um recorrido uma «diligência» que é inexigível do 
 homem comum, na defesa legítima dos seus direitos, mormente dos que estão 
 garantidos pela Constituição,
 
             16. assim o desamparando de uma autêntica «decisão surpresa», que a 
 boa doutrina e a boa jurisprudência quiseram desde há muito (mas não desde 
 sempre, que também aí evoluiu o Direito e a sua interpretação para fiança de 
 lídimos direitos) que «apanhasse» qualquer cidadão.”
 
              
 
                         1.3. O recorrido não apresentou resposta.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não 
 conhecimento do recurso na constatação de que a recorrente não suscitara perante 
 o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, a questão de 
 constitucionalidade que pretende ver apreciada no presente recurso, e que o 
 critério normativo adoptado pelo acórdão recorrido não se revela inesperado ou 
 surpreendente, pelo que não estamos perante aquelas situações anómalas ou 
 excepcionais em se pode considerar a recorrente dispensada do ónus da prévia 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade.
 
                         Os fundamentos dessa decisão em nada são abalados pela 
 reclamação apresentada pela recorrente, que, aliás, só questiona o não 
 reconhecimento da existência de uma situação de decisão‑surpresa.
 
                         Para efeito de se poder considerar dispensado o ónus do 
 recorrente de suscitar, antes de proferida a decisão recorrida, a questão de 
 inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa que pretende ver 
 apreciada, com fundamento no carácter inesperado da aplicação dessa norma ou 
 interpretação, o que tem de ser surpreendente é a própria decisão de a 
 considerar aplicável ao caso em apreço, não bastando, para lhe conferir a 
 natureza de decisão‑surpresa, a eventual invocação de alguns argumentos, em sua 
 defesa, até então não esgrimidos.
 
                         Como se demonstrou na decisão sumária reclamada, o 
 acórdão recorrido adoptou o critério normativo segundo o qual os dois tipos de 
 medidas cautelares de salvaguarda de novas soluções urbanísticas contidas em 
 plano que se encontre em processo de elaboração, alteração ou revisão, previstas 
 no Decreto‑Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (regime jurídico dos instrumentos 
 de gestão territorial) – as «medidas preventivas» (artigo 107.º, n.ºs 1 e 2) e 
 a «suspensão dos procedimentos de concessão de licenças» (artigo 117.º) – não 
 se sobrepõem, havendo uma impossibilidade de coexistência temporal simultânea 
 das duas espécies de medidas cautelares, e, assim, só quando a Administração não 
 tenha adoptado medidas preventivas, ou quando a vigência destas tenha já 
 cessado, tem ou recobra sentido a aplicação do regime de suspensão dos 
 procedimentos. Por isso, entendeu‑se que quando tenham sido adoptadas medidas 
 preventivas, como ocorreu no caso, a suspensão dos procedimentos só opera a 
 partir do momento em que aquelas medidas venham a caducar, contando‑se desde 
 então (e não, como ocorre nas situações «normais», a partir do início da 
 discussão pública das novas regras urbanísticas) o prazo de 150 dias referido no 
 n.º 3 do citado artigo 117.º.
 
                         Este entendimento fundou‑se exclusivamente na 
 interpretação tida por mais correcta das normas de direito ordinário vigentes, 
 tal como fora sustentado pelo Município recorrente e pelo Ministério Público, e 
 como, aliás, fora entendido em anterior acórdão do STA, cuja fundamentação se 
 acolheu. Em parte alguma do acórdão recorrido se sustenta inovatoriamente a 
 aplicação desse critério com base na invocação surpreendente de princípios 
 constitucionais até aí insuspeitados. Foi ao nível da interpretação do direito 
 ordinário que tal solução foi alcançada, nunca tendo o acórdão recorrido 
 admitido a possibilidade de ser correcto outro critério, que só afastaria por 
 razões de inconstitucionalidade.
 
                         Ora, tendo o critério normativo aplicado no acórdão 
 recorrido sido defendido pelo então recorrente Município do Porto e pelo parecer 
 do Ministério Público no STA, teve a ora recorrente oportunidade de arguir a sua 
 inconstitucionalidade nas suas contra‑alegações e na resposta a tal parecer, o 
 que não fez.
 
                         Por estas razões, para além de o critério seguido já ter 
 sido o adoptado em anterior decisão do STA (acórdão de 6 de Julho de 2004, rec. 
 n.º 619/04), a sua aplicação não constitui decisão‑surpresa, que dispensasse a 
 recorrente do ónus da prévia suscitação da sua inconstitucionalidade, para abrir 
 a via do recurso para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 12 de Maio de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos