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Processo n.º 16/09
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
            Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 No âmbito do processo n.º 1392/05.OTAVCD, pendente no Tribunal Judicial da 
 Comarca de Vila do Conde, a arguida A. foi acusada pela prática de um crime de 
 associação criminosa, p.p. pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal (C.P.), de 
 um crime de lenocínio, na forma continuada, p.p. pelo artigo 169.º, n.º 1, do 
 C.P., e de um crime de auxílio à emigração ilegal, p.p. pelo artigo 134.º- A, 
 n.º 2, e 183.º, n.º 1, da Lei 23/2007, de 4 de Julho, por referência a acção de 
 fiscalização realizada em 11-11-2005.
 
  
 A referida arguida requereu a abertura da instrução em que, além do mais, arguiu 
 a incompetência territorial do tribunal da comarca de Vila do Conde para 
 conhecer dos crimes de que vem acusada e a nulidade das escutas telefónicas 
 efectuadas, por violação dos requisitos formais e materiais exigidos por lei.
 
  
 Realizada a instrução, foi proferida decisão instrutória em 9-10-2008, 
 pronunciando a arguida pelos factos constantes da acusação e indeferindo, além 
 do mais, a excepção de incompetência territorial do tribunal e as nulidades 
 imputadas às escutas telefónicas.
 
  
 Inconformada com a decisão instrutória, na parte em que indeferiu a excepção de 
 incompetência territorial e as nulidades imputadas às escutas telefónicas, a 
 arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, em 23-10-2008.
 
  
 Este recurso não foi admitido por despacho proferido em 4-11-2008.
 
  
 Deste despacho reclamou a arguida para o Presidente do Tribunal da Relação do 
 Porto, tendo a Vice-Presidente deste Tribunal, por decisão proferida em 
 
 24-11-2008, indeferido a reclamação com os seguintes fundamentos:
 
 “A questão a decidir na presente reclamação é a de saber se é ou não aplicável a 
 lei nova. Na verdade, com a actual redacção do art. 310º, 1 do CPP, introduzida 
 pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, é indiscutível que a decisão instrutória que 
 pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública é irrecorrível, 
 mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou 
 incidentais. 
 A reclamante sustenta, no essencial, que tal alteração representa uma clara 
 diminuição das garantias de defesa do arguido (eliminação do direito ao 
 recurso), tomando inaplicável a lei nova quanto a este ponto concreto (direito 
 ao recurso da decisão instrutória, na parte em que aprecia nulidades e outras 
 questões prévias ou incidentais). 
 Vejamos a questão. 
 A regra sobre a aplicação da lei no tempo, em processo penal, é a da aplicação 
 imediata da lei nova e está consagrada no art. 5º, 1 do CPP: “A lei processual 
 penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos praticados na 
 vigência da lei anterior”. 
 Subjacente a esta ideia está o entendimento de que a nova lei corresponde a uma 
 melhor forma de efectivar os direitos em causa (ideia de progresso inerente a 
 qualquer alteração da lei) que a todos deve beneficiar. No entanto, admitem-se 
 excepções a esta regra, quando a nova lei, afinal (e em casos pontuais), vem 
 agravar a posição do arguido. Dai que, no termos do art. 5º, n.º 2, al. a), a 
 lei processual penal se não aplique aos processos iniciados anteriormente à sua 
 vigência, quando da sua aplicação imediata possa resultar: “agravamento sensível 
 e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação 
 do seu direito de defesa”. 
 Na presente reclamação, a arguida põe a tónica precisamente na limitação do seu 
 direito de defesa, resultante da aplicação da lei nova, pois deixa de poder 
 recorrer, quando na vigência da lei antiga podia fazê-lo. 
 A meu ver, a arguida não tem razão. 
 O que decorre do art. 310º, n.º 1 do CPP é, em rigor, uma dilação ou um 
 adiamento do direito ao recurso, o que não limita qualquer direito de defesa. As 
 questões decididas nos autos (incompetência territorial e nulidade das escutas) 
 não fazem caso julgado formal, precisamente porque da respectiva decisão não 
 cabe recurso e, por isso, as mesmas podem vir a ser invocadas no recurso da 
 decisão final, caso a arguida venha a ser condenada. 
 Assim, o que do aludido preceito (art. 310º, 1) decorre, para a posição 
 processual do arguido, é apenas a possibilidade de o mesmo ser sujeito a 
 julgamento, antes de reapreciada a decisão que julgou a arguida nulidade. Daí 
 que não seja rigoroso dizer-se que há, no caso, uma limitação do direito ao 
 recurso, mas sim a sujeição do arguido a julgamento, antes de ser reapreciada a 
 decisão sobre a nulidade. 
 Pode dizer-se que está em causa, apenas, uma certa regulação do processo penal 
 sobre a oportunidade ou sobre o momento em que deve ser admitido o recurso da 
 decisão instrutória que aprecia nulidades e outras questões prévias ou 
 incidentais: antes ou depois do julgamento. 
 A opção por uma ou outra fase do processo não se repercute sobre as garantias de 
 defesa do arguido, pelo que não está em causa um regime que traduza um 
 agravamento sensível da situação processual do arguido, nomeadamente uma 
 limitação do seu direito de defesa. 
 Deste modo, creio que deve aplicar-se a lei nova, por ser essa a regra geral e 
 não se verificar, no caso, qualquer situação que caiba na excepção a que alude o 
 art. 5º, n.º 2 al. a) do CPP. 
 Esta visão não afronta os arts. 20º, 29 e 32º, 2 da CRP, uma vez que a 
 interpretação acolhida pressupõe que o direito ao recurso da decisão sobre a 
 incompetência territorial e sobre as invocadas nulidades subsista na esfera 
 jurídica do arguido e, portanto, não haja a menor limitação no seu conteúdo. 
 Sobre um caso similar pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 
 
 460/08, de 25 de Setembro de 2008, confirmando decisão por mim proferida, no 
 sentido de não haver, na interpretação acima referida, qualquer 
 constitucionalidade. 
 
 “Da interpretação adoptada deriva, tão-somente (concluiu a decisão sumária do 
 relator no TC) a aplicação do novo regime em termos de adiar para um momento 
 posterior – em sede de recurso da decisão final – a apreciação das questões que 
 o Recorrente pretendia imediata. E isto contende apenas com a conformação do 
 regime legal dos meios impugnatórios de decisões judiciais que, não implicando 
 qualquer ofensa do núcleo fundamental das garantias de defesa do arguido, cai 
 inteiramente no espaço conformativo do legislador, consubstanciando opção de 
 política legislativa cuja sindicância não tem lugar em sede de fiscalização da 
 constitucionalidade. 
 Em recurso da decisão sumária do Relator, o Tribunal Constitucional manteve a 
 decisão do relator e concluiu: 
 
 “Não resultando, por conseguinte, da norma que determina a irrecorribilidade da 
 decisão instrutória, que, ao determinar a pronúncia pelos factos constantes da 
 acusação, decide questões prévias ou incidentais, a violação das garantias de 
 defesa, nomeadamente da presunção de inocência e do direito ao recurso, a 
 aplicabilidade imediata da lei nova que estabelece tal regime processual, 
 correspondendo a uma legítima opção político-legislativa, não merece censura do 
 ponto de vista constitucional.”.
 
  
 A arguida recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional nos seguintes 
 termos:
 
 “Constitui objecto do recurso a interpretação dos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, e 
 
 310.º n.º 1, do Código de Processo Penal dada pela Vice-Presidente da Relação do 
 Porto na referida reclamação – segundo a qual o regime de recursos da decisão 
 instrutória previsto pela Lei nova é imediatamente aplicável, na medida em que 
 esta norma não preclude o direito de defesa, limitando-se a introduzir uma 
 
 “dilação” do direito ao recurso para o momento posterior à sentença, não 
 ocorrendo, assim, um agravamento sensível e evitável da situação processual do 
 arguido, nomeadamente na limitação do seu direito de defesa. 
 Este foi, com efeito, o critério decisório que norteou o despacho da Exma. 
 Vice-Presidente da Relação do Porto que, em sede de reclamação, confirmou a não 
 admissão do recurso tentado interpor do despacho instrutório que pronunciou a 
 arguida pelos factos constantes da acusação do Ministério Público. 
 Importa, assim, que o Tribunal Constitucional analise e se debruce sobre a 
 interpretação efectuada das normas citadas de modo a aferir da sua 
 incompatibilidade ou não com a Lei fundamental. 
 E, na sua modesta opinião, (da recorrente) o entendimento seguido na reclamação 
 comporta um agravamento sensível da situação processual da arguida, nos termos 
 do artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, em termos de ferir a garantia 
 constitucional do direito de defesa, no seguimento que a aplicação da Lei nova 
 
 (art.º 310.º, n.º 1 do CPP) traduz uma limitação do seu direito de defesa, 
 violando frontalmente os artigos 20.º, 29.º e 32.º, n.º 2 da CRP.”
 
  
 Posteriormente, a recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
 
 “1. Com o presente recurso para o Tribunal Constitucional, suscita-se a 
 inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 5º, n.º 1 e 2 e 310º, n.º 1, 
 todos do Código de Processo Penal – dada pela Vice-Presidente da Relação do 
 Porto na referida reclamação – segundo a qual, o regime de recursos da decisão 
 instrutória previsto pela lei nova é imediatamente aplicável, na medida em que 
 esta norma não preclude o direito de defesa, limitando-se a introduzir uma 
 
 “dilação” do direito ao recurso para o momento posterior à sentença, não 
 ocorrendo, assim, um agravamento sensível e evitável da situação processual do 
 arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa. 
 
 2. É entendimento da requerente que a interpretação seguida na reclamação, 
 comporta um agravamento sensível da sua situação processual, nos termos do art. 
 
 5º nº 1 do C.P.P., em termos de ferir a garantia Constitucional do direito de 
 defesa, no seguimento que a aplicação da lei nova (art. 310º n.º 1 do C.P.P.) 
 traduz uma limitação do seu direito de defesa, violando frontalmente os artigos 
 
 20º, 29º e 32º n.º 2 da C.R.P.. 
 
 3. A lei nº 48/2007, de 29.08 consagrou a irrecorribilidade do despacho de 
 pronúncia que confirma os factos da acusação do M.P., inclui a apreciação sobre 
 as nulidades e outras questões prévias e incidentais.
 
 4. Esta não é, contudo, a boa doutrina Constitucional. 
 
 5. A nova regra legal (art. 310º n.º1) encurta de maneira inadmissível as 
 garantias de defesa e, em particular, o direito de recurso, quando o juiz de 
 instrução indefira nulidades ou questões prévias ou incidentais que obstem ao 
 conhecimento do mérito da causa, como, por exemplo, a excepção do caso julgado, 
 a amnistia do crime ou a prescrição do procedimento criminal, a incompetência 
 territorial (esta é uma nulidade sanável caso não seja declarada pelo juiz de 
 instrução até o início do debate instrutório ou pelo tribunal de julgamento até 
 ao início da audiência de julgamento. Assim, uma vez declarada aberta a 
 audiência de julgamento, não pode mais o Juiz declarar a incompetência 
 territorial - art. 32º n.º 2 al. b) do C.P.P.) – Neste sentido Ac. S.T.J. de 11. 
 
 12. 97 in C.J. Acs. do S.T.J. V, 3, p. 254. 
 
 6. Com efeito, a irrecorribilidade do despacho de pronúncia que indeferiu 
 questões desta natureza prejudica irremediavelmente a situação processual do 
 arguido, sem que ele possa recolocar a questão na fase de julgamento (devido ao 
 caso julgado formal sobre a mesma) ou submeter a questão a um tribunal superior 
 
 (devido à irrecorribilidade do despacho de pronúncia). 
 
 7. Aliás, o exemplo do caso submetido ao Acórdão do T.C., n.º 216/99 é 
 paradigmático: o arguido viu indeferido o seu requerimento de nulidade das 
 escutas telefónicas por despacho instrutório e, porque se tratava de uma 
 pronúncia, ficou sem qualquer meio de reacção contra o dito indeferimento, que 
 entretanto fez caso julgado. 
 
 8. É pois, nosso entendimento, que o art. 301.º, n.º 1 do C.P.P. é 
 inconstitucional, por violar o art. 32.º, n.º 1 da C.R.P. 
 
 9. É certo que o legislador introduziu uma novidade no direito processual penal 
 
 – art. 310.º, n.º 2 – que no entendimento do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, 
 p. 775, “é uma solução contrária a toda a teoria do caso julgado formal.” 
 
 10. Mas tal solução (art. 310º n.º2) não salva a constitucionalidade do art. 
 
 310º, n.º 1. E isto, por duas razões: Primeiro, porque há mais nulidades e 
 questões prévias ou incidentais para além das provas proibidas e cuja relevância 
 
 é tão ou mais importante do que a questão da admissibilidade das provas, podendo 
 dizer respeito, por exemplo, à própria subsistência da pretensão primitiva do 
 Estado. Não se concebe que sejam irrecorríveis as decisões do juiz de instrução 
 tomadas sobre, nomeadamente, a excepção do caso julgado, a amnistia do crime ou 
 a prescrição do procedimento criminal – só porque foram tomadas no despacho de 
 pronúncia. Segundo, porque também o arguido pode ser irremediavelmente 
 prejudicado pela decisão (irrecorrível) do juiz de instrução de exclusão de 
 provas proibidas tomadas no despacho instrutório de pronúncia. 
 
 11. A exclusão de uma prova apresentada pela defesa por ser proibida nos termos 
 do art. 126º, n.º 1 e 2 do C.P.P., ficaria sem qualquer controlo do tribunal 
 superior, no que se restringiria de modo inadmissível as garantias de defesa, 
 incluindo o direito ao recurso.” 
 
  
 O Ministério Público apresentou contra-alegações onde concluiu pela 
 improcedência do recurso.
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 
 1. Do objecto do recurso
 No requerimento de interposição de recurso a recorrente solicitou a fiscalização 
 de constitucionalidade dos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, e 310.º n.º 1, do Código de 
 Processo Penal (C.P.P.), na interpretação segundo a qual o regime de recursos da 
 decisão instrutória previsto pela Lei nova (redacção do artigo 310.º, n.º 1, do 
 C.P.P., dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) é imediatamente aplicável 
 aos processos pendentes.
 Efectivamente, na decisão recorrida entendeu-se que o regime da 
 inadmissibilidade do recurso da decisão instrutória, na parte em que aprecia 
 nulidades e outras questões prévias ou incidentais, consagrado na redacção do 
 artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto, é de aplicação imediata aos processos pendentes. 
 Tendo em consideração a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, 
 deve o critério normativo que se pretende sindicar restringir-se à aplicação da 
 lei no tempo do concreto regime de recursos que foi aplicado pela decisão 
 recorrida, ou seja, à aplicação retroactiva do novo regime de inadmissibilidade 
 do recurso da decisão instrutória, na parte em que aprecia nulidades e outras 
 questões prévias ou incidentais.
 Além disso, nas alegações apresentadas, a recorrente, além de invocar a 
 inconstitucionalidade do critério sobre a aplicação da lei processual penal no 
 tempo seguido pela decisão recorrida, também pretende discutir a 
 constitucionalidade do próprio sistema de recursos do despacho de pronúncia, 
 consagrado na nova redacção do artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P..
 Contudo tal pretensão traduz-se numa inadmissível ampliação do objecto do 
 recurso constitucional, o qual ficou inicialmente delimitado pelo conteúdo do 
 respectivo requerimento de interposição, pelo que apenas se apreciará a 
 constitucionalidade da norma contida nos artigos 5.º, n.º 1 e 2, e 310.º, n.º 1, 
 do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a qual a 
 inadmissibilidade do recurso da decisão instrutória na parte em que aprecia 
 nulidades e outras questões prévias ou incidentais, prevista na redacção dada 
 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto ao artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., é 
 imediatamente aplicável aos processos pendentes.
 
  
 
 2. Do mérito do recurso
 A questão sobre que versa o presente recurso respeita à aplicação da lei 
 processual penal no tempo.
 Questiona-se a constitucionalidade da aplicação imediata aos processos já 
 pendentes da alteração ocorrida no regime de recursos da decisão instrutória, 
 resultante da alteração do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, efectuada 
 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
 O artigo 310.º, n.º 1, do CPP, na redacção anterior e vigente no momento em que 
 se iniciou o processo, a qual lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 
 
 17 de Fevereiro, dispunha:
 
 “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da 
 acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos 
 autos ao tribunal competente para o julgamento.”                                 
 
                 
 Durante a sua vigência foram proferidas pelos Tribunais das Relações decisões 
 contraditórias sobre se essa irrecorribilidade se estendia ou não à parte do 
 despacho de pronúncia que decidia sobre nulidades, excepções ou questões prévias 
 ou incidentais, o que levou a que o Supremo Tribunal de Justiça tenha fixado 
 jurisprudência no sentido de que as decisões sobre essas matérias eram 
 recorríveis (Acórdão n.º 6/2000, de 19 de Janeiro de 2000, publicado no Diário 
 da República, I-A  Série, de 7 de Março de 2000).
 Posteriormente, perante nova querela jurisprudencial sobre o regime de subida 
 deste recurso, o Supremo Tribunal de Justiça teve necessidade de emitir novo 
 acórdão de uniformização de jurisprudência, fixando agora que aquele recurso 
 deveria subir imediatamente (Acórdão n.º 7/2004, de 21 de Outubro, publicado no 
 Diário da República, I-A  Série, de 2 de Dezembro de 2004).
 Entretanto, o Tribunal Constitucional proferiu várias decisões no sentido de não 
 serem inconstitucionais quer as interpretações normativas que consideravam 
 aquelas decisões não recorríveis (Acórdãos n.º 216/99, de 21-4-1999, em 
 
 “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 43.º, pág. 239, e 387/99, de 
 
 23-6-1999, acessível no site www.tribunalconstitucional.pt), quer as que, 
 admitindo o recurso, diferiam o momento da sua subida (Acórdão n.º 242/05, de 
 
 4-5-2005, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 62.º, pág. 365).
 Foi neste quadro que o legislador de 2007, visando impor maior celeridade ao 
 processo penal, entendeu consagrar expressamente a solução da irrecorribilidade 
 da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da 
 acusação deduzida pelo Ministério Público, incluindo as decisões que apreciam a 
 arguição de nulidades e outras questões prévias ou incidentais, passando o 
 referido artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., a dispor:
 
 “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da 
 acusação do Ministério Público formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4, 
 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e 
 outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos 
 ao tribunal competente para o julgamento.”
 Apesar deste processo se ter iniciado quando se encontrava em vigor a redacção 
 do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, a decisão recorrida entendeu que a 
 nova redacção dada ao artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., era de aplicação imediata, 
 nos termos do disposto no artigo 5.º, do C.P.P., pelo que considerou 
 inadmissível um recurso interposto de um despacho de pronúncia proferido já no 
 domínio da nova redacção do artigo 310.º, n.º 1, do C.P.P., na parte em que 
 havia indeferido a arguição da excepção de incompetência territorial do tribunal 
 para julgar o processo e das nulidades imputadas a escutas telefónicas. 
 Não cumpre a este tribunal apreciar da conformidade desta decisão com o direito 
 infra-constitucional, mas sim verificar se o critério que lhe presidiu fere 
 algum parâmetro constitucional.
 Entre os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal 
 encontram-se os princípios da não retroactividade da lei penal desfavorável, que 
 se traduz na impossibilidade de ser aplicada lei que qualifique como crimes ou 
 que agrave as penas relativamente a factos que lhe são anteriores, valendo 
 apenas para o futuro, e o da retroactividade da lei penal mais favorável que 
 impõe que a lei despenalizadora ou que puna menos severamente determinado crime 
 se aplique aos factos passados (artigo 29.º, n.º 1 a 4, da C.R.P.). 
 Na doutrina tem-se sustentado que, na medida imposta pelo conteúdo de sentido 
 destes princípios, eles também são aplicáveis a algumas normas do processo 
 penal, cuja natureza justifique tal extensão.
 Assim, ainda na vigência da Constituição de 1933, Figueiredo Dias já defendia 
 que “…o princípio jurídico-constitucional da legalidade se estende, em certo 
 sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito 
 processual penal…importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou 
 situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no 
 domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia 
 conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se 
 a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em 
 processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, 
 sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido 
 ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa” (In “Direito 
 Processual Penal”, 1º vol., pág, 112, da ed. de 1974, da Coimbra Editora). E 
 citava em abono desta extensão do âmbito de aplicação do princípio da legalidade 
 penal não só as opiniões de Caeiro da Mata (em “Apontamentos de processo 
 criminal, pág. 31, da 2ª ed.) e de Castanheira Neves (em “Sumários de processo 
 criminal”, 1968), mas também o próprio conteúdo de anteriores preceitos 
 constitucionais (o § 10.º, do artigo 145.º, da Carta Constitucional de 1826, e o 
 n.º 21, do artigo 3º, da Constituição de 1911).
 Apesar da actual Constituição também não enunciar especificamente qualquer 
 critério de aplicação da lei processual penal no tempo, na doutrina continua a 
 defender-se que aqueles princípios são extensíveis não só às normas processuais 
 que condicionam a aplicação das sanções penais (v.g. as relativas à prescrição, 
 ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa, e à reformatio in 
 pejus), mas também às normas que possam afectar o direito à liberdade do arguido 
 
 (v.g. as relativas à prisão preventiva) ou que asseguram os seus direitos 
 fundamentais de defesa, todas elas apelidadas de normas processuais penais 
 substantivas (vide, com cambiantes quanto às razões desta extensão e quanto à 
 fixação do momento-critério da determinação da lei processual aplicável,, MAIA 
 GONÇALVES, em “Código de Processo Penal anotado”, pág. 66-68, da 16.ª ed., da 
 Almedina, FIGUEIREDO DIAS, em “Direito processual penal”, pág. 92-94, ed. pol. 
 de 1988-1989, GOMES CANOTILHO, na R.L.J., Ano 123, pág. 94-96, ANTÓNIO 
 BARREIROS, em “Manual de processo penal”, pág. 237 e seg., da ed. de 1989, da 
 Universidade Lusíada, TAIPA DE CARVALHO, em “Sucessão de leis penais”, pág. 347 
 e seg., da 3ª ed., da Coimbra Editora, MARIA FERNANDA PALMA, em “Linhas 
 estruturais da reforma penal. Problemas de aplicação da lei processual penal no 
 tempo”, em “Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão”, 
 vol. II, pág. 1373-1377, e PEDRO CAEIRO, em “Aplicação da lei penal no tempo e 
 prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, em 
 
 “Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues”, pág. 231 e seg.).
 Foi também no sentido de estender as regras do artigo 29.º, da C.R.P., à 
 sucessão de algumas normas processuais penais que se pronunciaram os acórdãos 
 deste Tribunal n.º 250/92, de 1-7-1992 (em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, vol. 22.º, pág. 709) n.º 451/93, de 15-7-1993 (acessível no 
 site www.tribunalconstitucional.pt), e n.º 183/2001 (em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, vol. 49.º, pág. 667), afastando-se de anterior jurisprudência 
 
 (acórdãos n.º 155/88, de 29-6-1988, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 
 
 11.º vol., pág. 1049, e n.º 70/90, de 15-3-1990, em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, 15.º vol., pág. 267).
 A subordinação às regras do artigo 29.º, da C.R.P., das situações de sucessão no 
 tempo de normas de processo que condicionam a responsabilidade penal resulta 
 duma simples operação de subsunção, uma vez que elas se inserem claramente no 
 
 âmbito de previsão daquele preceito constitucional, atenta a sua influência 
 directa na punição criminal.
 Já relativamente às normas processuais que possam afectar o direito à liberdade 
 do arguido ou que asseguram os seus direitos fundamentais de defesa, a sua 
 aplicação imediata a processos em curso resulta sempre na atribuição duma 
 eficácia retroactiva imprópria (Pedro Caeiro, na ob. cit., pág. 241-242). Se é 
 verdade que na aplicação imediata a nova lei apenas atinge os actos processuais 
 ocorridos após a sua entrada em vigor, o que é certo é que ela acaba por se 
 aplicar a processos iniciados e em que se julgam factos que tiveram lugar no 
 domínio da lei antiga.
 Nestas situações, tal como ocorre com as normas de direito penal, a necessidade 
 de protecção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do 
 princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.), exige a 
 proibição da aplicação com efeitos retroactivos, mesmo que impróprios, de 
 normas que, dispondo em matéria de direitos, liberdades e garantias 
 constitucionais do arguido, agravem a sua situação processual, de modo a 
 evitar-se um possível arbítrio ou excesso do poder estatal. Com esta proibição 
 impede-se que o poder legislativo do Estado diminua de forma direccionada e 
 intencional o nível de protecção da liberdade e dos direitos fundamentais de 
 defesa dos arguidos, em processos concretos já iniciados.
 Nesta lógica se situa, aliás, a proibição expressa de atribuição de efeito 
 retroactivo às normas restritivas dos direitos, liberdades e garantias, imposta 
 no artigo 18.º, n.º 3, da C.R.P..
 No caso sub iudicio, estamos perante a aplicação a processo criminal já pendente 
 duma nova lei que determinou a irrecorribilidade das decisões instrutórias na 
 parte em que apreciam a existência de nulidades e outras questões prévias ou 
 incidentais, quando o arguido é pronunciado pelos factos constantes da acusação 
 deduzida pelo Ministério Público.
 A irrecorribilidade duma decisão desfavorável ao arguido resulta numa restrição 
 do direito ao recurso enquanto instrumento do direito à defesa em processo 
 penal, pelo que importa verificar se a introdução da referida solução da 
 irrecorribilidade das decisões proferidas em despacho de pronúncia que apreciem 
 a existência de nulidades e outras questões prévias ou incidentais, quando o 
 arguido é pronunciado pelos factos constantes da acusação deduzida pelo 
 Ministério Público, veio agravar a posição processual do arguido relativamente à 
 solução da lei vigente na altura em que o processo se iniciou.
 Na solução jurisprudencial que fez vencimento no domínio da redacção do artigo 
 
 310.º, n.º 1, do C.P.P., introduzida pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de 
 Fevereiro, aquelas decisões eram recorríveis, mas quando se tornavam definitivas 
 faziam caso julgado formal no processo, não podendo voltar a ser apreciadas.
 Na nova redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, aplicada 
 neste processo, tais decisões passaram a ser irrecorríveis, mas de acordo com a 
 leitura da decisão recorrida, no seguimento da opinião daqueles que no domínio 
 da redacção anterior já defendiam a tese da irrecorribilidade, e com apoio no 
 actual n.º 2, do mesmo artigo 310.º, tais decisões apenas valem para a pronúncia 
 do arguido, não tendo a força do caso julgado formal, pelo que pode o tribunal 
 do julgamento voltar a apreciar tais questões, com possibilidade de recurso 
 para o tribunal superior.
 A decisão instrutória que se considera irrecorrível à luz da lei nova não 
 apresenta os mesmos efeitos que a decisão instrutória reputada recorrível 
 segundo a lei antiga (vigente no início do processo): enquanto a primeira não é 
 dotada da força de caso julgado formal, a segunda tinha essa autoridade.
 Não é possível, pois, equiparar as duas decisões, para concluir que a solução da 
 irrecorribilidade agrava a posição do arguido no processo penal.
 De acordo com a lei nova, por um lado, o arguido perde a vantagem 
 consubstanciada pela possibilidade das questões relativas à existência de 
 nulidades e outras questões prévias ou incidentais serem apreciadas em sede de 
 instrução segundo o sistema de duplo grau de jurisdição; mas, por outro lado, 
 segundo a própria decisão recorrida, o arguido ganha a possibilidade de ver tais 
 questões novamente apreciadas, ainda em primeira instância, pelo juiz de 
 julgamento, sem prejuízo do direito de recurso desta segunda apreciação.
 Torna-se impossível, portanto, dizer que a nova redacção do artigo 310.º, n.º 1, 
 do C.P.P., na leitura que dela faz a decisão recorrida, agrave a posição 
 processual do arguido, pelo que a sua aplicação imediata a processos pendentes 
 não fere qualquer parâmetro constitucional, nomeadamente, a necessidade de 
 protecção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do 
 princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.), o direito do 
 acesso ao direito (artigo 20.º, da C.R.P.), as regras de aplicação da lei 
 criminal no tempo (artigo 29.º, da C.R.P.) ou os direitos de defesa do arguido 
 
 (artigo 32.º, da C.R.P.).
 Neste mesmo sentido já decidiu este Tribunal no Acórdão n.º 460/08, de 25-9-2008 
 
 (acessível no site www.tribunalconstitucional.pt).
 Por estas razões deve improceder o recurso interposto.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional por A., da decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação do 
 Porto proferida nestes autos em 24-11-2008.
 
  
 
                                                     *
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
 
  
 Lisboa, 12 de Maio de 2009
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres (Vencido,
 nos termos da declaração de voto junto)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
                                                 
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                         Votei vencido por considerar que a norma do artigo 
 
 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), na redacção dada pela Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, enquanto declara irrecorrível a decisão instrutória na 
 parte em que aprecia nulidades e outras questões prévias e incidentais, quando 
 do eventual provimento do recurso pudesse resultar a não sujeição do arguido a 
 julgamento, é sempre inconstitucional, por violação das garantias de defesa em 
 processo criminal (englobando necessariamente o direito de recurso) 
 consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP).
 
                         Na verdade, como sustentei no voto de vencido aposto ao 
 Acórdão n.º 242/2005, expressando posição que continuo convictamente a defender, 
 entendo que, pelo menos quando estejam em causa infracções criminais de certa 
 gravidade, que ultrapassem as meras “bagatelas penais”, do princípio da 
 presunção de inocência decorre o direito a não ser submetido a julgamento sem 
 que estejam regularmente comprovados indícios suficientes da prática de um 
 crime, embora não se exija, naturalmente, uma apreciação exaustiva das provas, 
 reservada à fase de julgamento: cf. declarações de voto da Conselheira Maria 
 Fernanda Palma, apostas aos Acórdãos n.ºs 964/96, 1205/96 e 459/2000 (esta 
 mantida no Acórdão n.º 78/2001), e da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, 
 aposta ao Acórdão n.º 68/2000 (mantida nos Acórdãos n.ºs 371/2000, 46/2001 e 
 
 350/2002). Não acompanho, assim, a concepção, reiteradamente afirmada desde o 
 Acórdão n.º 474/94, de que, porque a CRP determina, no n.º 2 do artigo 32.º, que 
 todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de 
 condenação, “o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode 
 constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome ou 
 reputação”.
 
                         Como se assinalou na declaração de voto da Conselheira 
 Maria dos Prazeres Beleza, aposta ao Acórdão n.º 387/99:
 
  
 
 “3. Na verdade, a pronúncia determina a continuação do processo, mediante a 
 sujeição do arguido a julgamento. 
 Da continuação do processo resulta necessariamente a imposição – ou manutenção 
 da imposição – ao arguido do termo de identidade e residência, previsto no 
 artigo 196.º do Código de Processo Penal.
 A submissão do arguido a julgamento acarreta, inegavelmente, a compressão da 
 sua liberdade pessoal, tendo em conta o tempo necessário à organização da sua 
 defesa e à comparência na audiência, compressão tanto mais significativa quanto 
 mais complexa for a matéria dos autos, e que pode, em certos casos, colocar em 
 causa a continuação da sua actividade profissional.
 A aceitação pelo Tribunal de Instrução de que existem indícios suficientes da 
 verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena 
 ou de uma medida de segurança implica entender que existe uma «possibilidade 
 razoável» de tal pena ou medida de segurança vir a ser aplicada (n.º 2 do artigo 
 
 283.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 308.º) em julgamento. O que leva, de facto, apesar 
 da força jurídica do princípio da presunção de inocência, à submissão do 
 arguido a uma forte censura social, que uma eventual decisão final absolutória 
 não consegue, as mais das vezes, apagar.
 Acresce que, após a recente revisão do Código de Processo Penal (cf. n.º 1 do 
 artigo 86.º, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), o 
 processo penal é público a partir da decisão instrutória, quando seja proferida, 
 cessando nesse momento o segredo de justiça.
 Recorde‑se ainda que o n.º 1 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar dos 
 Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro), não julgado inconstitucional pelo 
 Acórdão n.º 439/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.º, págs. 523 e 
 seguintes), estabelece como consequência do trânsito em julgado do despacho de 
 pronúncia em processo de querela – independentemente de saber se tal norma se 
 aplica aos processos regidos pelo Código de Processo Penal de 1987 – a suspensão 
 de funções e do vencimento até à decisão final.”
 
  
 
                         A este elenco pode mesmo acrescentar‑se a norma do 
 artigo 157.º, n.º 4, da CRP, que prevê a suspensão do mandato de Deputado quando 
 este for “acusado definitivamente” em processo criminal, suspensão que é 
 obrigatória quando se trate de crime doloso a que corresponda pena de prisão 
 cujo limite máximo seja superior a três anos.
 
                         Tudo isto (para não falar na constatação de que, na 
 prática judiciária, a pronúncia do arguido é geralmente vista como um elemento 
 que, tornando mais plausível a condenação, pode determinar o aumento do receio 
 de fuga e, assim, justificar mais facilmente o decretamento da prisão 
 preventiva) demonstra que, não apenas sociológica, mas também juridicamente, a 
 pronúncia de um arguido, com subsequente sujeição a julgamento, representa o 
 agravamento da sua situação, constituindo negação da realidade a afirmação de 
 que esse agravamento não se verifica só porque está constitucionalmente 
 consagrado o princípio da presunção de inocência.
 
                         Face a uma decisão inequivocamente gravosa para a 
 posição jurídica do arguido, é constitucionalmente fundada a exigência do 
 reconhecimento do direito de recurso dessa decisão e de um recurso que seja 
 eficaz, o que, no caso, reclama a sua subida imediata.
 
                         O STJ, tendo uniformizado a jurisprudência no sentido de 
 que “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da 
 acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria 
 relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às 
 demais questões prévias ou incidentais” (“Assento” n.º 6/2000), veio 
 posteriormente a fixar a seguinte jurisprudência: “Sobe imediatamente o recurso 
 da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do 
 inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que 
 o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério 
 Público” (Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/2004). Embora este último 
 acórdão se tenha fundamentado essencialmente numa interpretação da expressão 
 
 “decisão instrutória”, usada na alínea i) do n.º 1 do artigo 407.º do CPP, tida 
 por mais correcta, no sentido de abranger, não só a parte “substantiva” dessa 
 decisão (a decisão de pronúncia), mas também a parte “formal” (sobre nulidades e 
 questões prévias), não deixou de assinalar, em apoio da razoabilidade da 
 solução, que “não faria (...) muito sentido que o tribunal pudesse, ultrapassada 
 a fase da instrução, vir a conhecer em conjunto dos recursos interpostos da 
 decisão final e de outros interpostos de decisões intercalares, dada a vocação 
 de estanquicidade das fases de inquérito, instrução e processo”. Não deixando de 
 reconhecer que a lei, ao estabelecer a regra de que os recursos de decisões 
 intercalares sobem, em princípio, com o recurso da decisão final, privilegia a 
 celeridade processual em detrimento da economia processual, o referido acórdão 
 salienta que a essa regra foram estatuídas diversas excepções, nas várias 
 alíneas do n.º 1 do artigo 407.º do CPP, que admitem a subida imediata de 
 recursos interpostos de decisões interlocutórias, prevendo no n.º 2 da mesma 
 norma uma válvula de segurança que permite a subida imediata dos recursos cuja 
 retenção os torne absolutamente inúteis.
 
                         No presente caso, a irrecorribilidade da decisão 
 instrutória na parte em que desatendeu a arguição de nulidade de meios de prova 
 em que tal decisão se baseou, impedindo o arguido de, através do recurso, 
 conseguir obter a invalidação dessa prova e a possibilidade de se vir a dar por 
 insubsistente a acusação contra ele deduzida, assim evitando a sua sujeição a 
 julgamento, não respeita o direito de recurso dos arguidos contra decisões que 
 afectem direitos fundamentais.
 
                         Nem se diga que tal questão poderá vir a ser suscitada 
 em recurso da decisão final, pois, como se demonstrou no aludido voto de 
 vencido, essa possibilidade é meramente ilusória e nunca assume a efectividade 
 de um recurso imediato da decisão instrutória.
 
                         Na verdade, face a uma decisão final absolutória, o 
 conhecimento do recurso da decisão instrutória respeitante às nulidades e 
 questões prévias deixa de ter obviamente qualquer interesse. No caso de decisão 
 final condenatória, versando o recurso da decisão instrutória sobre alegada 
 insuficiência do inquérito e da instrução por utilização de prova proibida, de 
 duas uma: ou essa prova não foi admitida no julgamento e se, mesmo assim, o 
 arguido foi condenado, impõe‑se a mesma conclusão da perda de interesse do 
 recurso da decisão instrutória; ou a produção dessa prova foi admitida em 
 audiência de julgamento e então é perante esta nova decisão que o arguido tem de 
 reagir, conformando‑se com ela ou impugnando‑a, sendo certo que qualquer uma 
 destas atitudes retira relevância autónoma ao recurso “retido” da decisão 
 instrutória.
 
                         Depois – e decisivamente –, na perspectiva que perfilho, 
 visando a admissibilidade do recurso em causa a protecção do “direito a não ser 
 submetido a julgamento sem que estejam [regularmente (isto é, por meios de 
 provas lícitos)] comprovados indícios suficientes da prática de um crime”, a 
 norma ora em causa não salvaguarda esse direito, pelo que viola o n.º 1 do 
 artigo 32.º da CRP, sendo, para este efeito, irrelevante a determinação de qual 
 será o regime mais favorável (embora me pareça evidente que o regime mais 
 favorável era o anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, que 
 assegurava o recurso).
 
                         Mário José de Araújo Torres