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Processo n.º 1028/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 12 de Janeiro de 2009, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não 
 conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra os acórdãos do Tribunal 
 da Relação de Coimbra (TRC) proferidos neste processo, referindo no 
 requerimento de interposição de recurso:
 
  
 
             «Efectivamente, no seu requerimento de interposição de recurso e 
 motivação relativa à sentença proferida na 1.ª Instância de fls., o aqui 
 recorrente arguiu o seguinte:
 
             a) nulidade do aresto do Tribunal de 1.ª Instância com os 
 fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos e relativos à 
 questão da deficiência das gravações das testemunhas indicadas; e
 
             b) inconstitucionalidade do aresto do Tribunal de 1.ª Instância em 
 virtude da sua condenação pela prática de um crime do artigo 277.º do Código 
 Penal.
 
             Posteriormente e após o recorrente ter solicitado a nulidade do 
 Acórdão conforme resulta de fls. e face à interpretação que foi realizada, este 
 Venerando Tribunal no tocante às consequências da deficiência da gravação das 
 testemunhas identificadas, foi suscitada a inconstitucionalidade de tal 
 interpretação da lei, não tendo sequer tal questão sido apreciada no douto 
 Acórdão de fls.
 
             Assim sendo, considera‑se que tais decisões violaram designadamente 
 o disposto nos artigos 9.º, alínea b), 13.º, 18.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 205.º, 
 n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e, mais precisamente, os 
 princípios da igualdade e proporcionalidade das garantias de defesa do arguido, 
 ao interpretar como interpretou o que se prescreve no artigo 277.º do Código 
 Penal e artigos 120.º, n.º 2, alínea d), 123.º, n.º 2, e 363.º do Código do 
 Processo Penal, respectivamente, impregnando estas normas de um conteúdo 
 manifestamente inconstitucional, e, por isso, ou seja, pelo conteúdo que lhe 
 deu e também devido àquelas interpretações, recusando a sua aplicação.»
 
  
 
             O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRC, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
             2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 
             Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da 
 LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, 
 das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 
             Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade 
 constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o 
 uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.»
 
  
 
             3. No presente caso, o recorrente não suscitou durante o processo, 
 antes de proferidas as decisões recorridas – designadamente nas peças 
 processuais por ele identificadas (motivação do recurso endereçado ao TRC e 
 requerimento de arguição de nulidade do acórdão que julgou improcedente esse 
 recurso, apesar de a arguição de nulidade não ser já, em regra, momento 
 adequado à suscitação da questão de constitucionalidade) – qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, limitando‑se a questionar a correcção das 
 decisões judiciais das instâncias, quer em sede de fixação da matéria de facto 
 apurada, quer quanto à subsunção da conduta do recorrente às normas penais 
 consideradas aplicáveis, quer quanto à prescrição do procedimento criminal, quer 
 quanto a questões relativas à indemnização cível arbitrada, o que, 
 manifestamente, não constitui objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
 
             Na arguição de nulidade do acórdão de 15 de Outubro de 2008, o que o 
 recorrente aduziu foi o seguinte:
 
  
 
             «Crê‑se que no caso sub judice houve não só omissão de pronúncia 
 como também a decisão vertida no Acórdão e relacionada com a deficiência da 
 gravação é nula, sendo e atento ao teor a interpretação efectuada pelos Ex.mos 
 Senhores Juízes inconstitucional.
 
             Assim,
 
             Com efeito, o recorrente pugnou, tal conforme resulta de suas 
 conclusões, que na eventualidade de ser condenado por um crime previsto e 
 punido pelos artigos 277.º ou 152.º, ambos do Código Penal, tal decisão seria 
 inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da 
 proporcionalidade.
 
             Sucede que e tal conforme resulta do Acórdão em apreço, foi 
 ratificada a decisão do Ex.mo Juiz a quo que o condena na prática de um crime 
 nos termos do artigo 277.º do Código Penal. Contudo, o Acórdão em apreço, e 
 apesar de tal consideração, é omisso no tocante à questão da eventual 
 inconstitucionalidade de tal decisão.
 
             Ou seja, tal Tribunal não apreciou a questão deduzida pelo 
 recorrente, qual seja a da inconstitucionalidade da decisão por força da 
 violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade.
 
             Crê‑se, pois, que, houve, in casu, omissão de pronúncia, pelo que o 
 aludido aresto enferma da nulidade prevista nos artigos 379.º, n.º 1, alínea 
 c), e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, nulidade que aqui expressamente 
 se deixa arguida para os devidos e legais efeitos.
 
             Por outro lado, enferma ainda o Acórdão em apreço de um outro vício, 
 que determina igualmente a sua nulidade.
 
             Assim,
 
             Tal conforme resulta da motivação apresentada pelo recorrente, 
 considera‑se que o depoimento da testemunha A. no seu todo e da testemunha B. 
 em parte, estão inaudíveis, razão pela qual e atento à deficiência de tais 
 gravações, impedem a adequada fixação e apreciação da prova, razão pela qual 
 se considera tal deficiência uma nulidade para o efeito expressamente evocada.
 
             No Acórdão em apreço considera‑se que a falta da gravação ou a sua 
 deficiência não está expressamente consagrada na lei como nulidade e como tal 
 traduz‑se numa irregularidade, pelo que, ao não ser arguida pelo interessado no 
 prazo de 3 dias, considera‑se sanada, razão pela qual julgou‑se assim 
 improcedente a evocada nulidade.
 
             Ora e salvo melhor e douta opinião, considera‑se que tal 
 entendimento não tem suporte legal.
 
             E não tem suporte legal, já que não há qualquer disposição legal que 
 determine que a obrigatoriedade de o recorrente tomar conhecimento da falha da 
 gravação logo que receba as cassetes, sendo certo que não se pode colocar em 
 causa a boa fé do mandatário do recorrente, que desconhecia em absoluto das 
 falhas ou deficiências da gravação.
 
             Por outro lado e atento ao disposto no artigo 363.º do CPP, resulta 
 claro que a deficiência da gravação constitui uma nulidade, pois e ao estarem 
 inaudíveis as declarações das testemunhas, não pode considerar‑se que as 
 mesmas estejam documentadas.
 
             Pelo que o Acórdão em apreço, ao indeferir a evocada nulidade, é o 
 mesmo nulo, por violação do disposto nos artigos 120.º, n.º 2, alínea d), e 
 
 363.º do CPP.
 
             Diga‑se ainda e caso se considere que a deficiência da gravação não 
 constitui uma nulidade, mas sim uma irregularidade, diga‑se então que neste 
 caso e contrariamente ao entendido no Acórdão em apreço, tal irregularidade é de 
 conhecimento oficioso, devendo para o efeito ser aplicado o regime previsto no 
 n.º 2 do artigo 123.º do CPP, a qual só pode ser sanada com a realização de um 
 novo julgamento, procedendo‑se à inquirição das testemunhas em causa. (Neste 
 sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1 
 de Julho de 2008, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Outubro de 2007).
 
             Ora, a falta total ou parcial da gravação, ou a sua deficiente 
 gravação, são imputáveis ao Tribunal e não à parte, e, tal como refere Germano 
 Fernandes ‘afecta o próprio valor do julgamento, por não produzir os efeitos 
 que se destinava, devendo repercutir‑se na subsistência do mesmo, 
 desconformidade entre o que a acta do mesmo documenta e a realidade dos factos’.
 
             Tal irregularidade afecta a verdade do julgamento e do próprio 
 Acórdão, como acto dependente do julgamento, razão pela qual o Acórdão em 
 apreço e também por este motivo é nulo, por violação dos artigos 120.º, n.º 2, 
 alínea d), e n.º 2 do artigo 123.º, ambos do CPP, nulidade esta que aqui 
 expressamente se evoca.
 
             Caso assim não se entenda, e na hipótese de se manter a decisão do 
 Acórdão em apreço, é inconstitucional, já que estamos na presença de uma 
 violação de princípios penais consagrados na Constituição da República, 
 nomeadamente o direito de ver reapreciada a prova em recurso, princípios estes 
 consagrados no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, 
 inconstitucionalidade esta que aqui expressamente se evoca para os devidos e 
 legais efeitos.
 
             Assim e atento ao supra indicado e por tais motivos, o Acórdão em 
 apreço enferma assim de vícios que determinam a sua nulidade insanável.»
 
  
 
             Como é patente, em passagem alguma desta peça processual o 
 recorrente suscita adequadamente qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, pois não imputa a qualquer norma de direito ordinário devidamente 
 identificada (ou a qualquer interpretação normativa, dotada de generalidade e 
 abstracção e cujo sentido seja claramente definido) a violação de normas ou 
 princípios constitucionais. A violação de princípios constitucionais é imputada 
 pelo recorrente directamente às próprias decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas, quer ao condenarem‑no por um crime previsto pelo artigo 277.º do 
 Código Penal, quer ao qualificarem como irregularidade, e não como nulidade, a 
 alegada deficiência das gravações.
 
             Aliás, nem sequer no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional (apesar de tal ser já modo e momento impróprios para a 
 suscitação da questão de constitucionalidade), o recorrente logrou identificar, 
 com o mínimo de inteligibilidade, quais as interpretações normativas que teriam 
 sido aplicadas pelas decisões recorridas e cuja conformidade constitucional ele 
 pretendia ver apreciada.
 
             Por absoluta falta de suscitação de qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa por parte do recorrente, o presente recurso 
 surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto.”
 
             
 
                         1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente assenta 
 nos seguintes fundamentos:
 
  
 
             “1. Introdução
 
             «Todo o acto comunicativo e significativo requer um processo de 
 descodificação para que possa apreender‑se o respectivo conteúdo» (cf. Prof.ª 
 Paula Costa e Silva, Acto e Processo, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 342).
 
             Os actos processuais, que são actos de comunicação (cf. Prof.ª Paula 
 Costa e Silva, ibidem, p. 40) inseridos na dinâmica dialógica que é o processo, 
 não são excepção.
 
             As mais das vezes, a actividade hermenêutica exigida pelos actos 
 processuais é como que inconsciente – o que, aqui como no domínio da 
 interpretação da lei, não significa inexistente sendo logicamente viciado o in 
 claris non fit interpretatio – pois, vista no contexto do movimento dinâmico do 
 processo e, sobretudo, à luz dos actos que mais de perto constituem os seus 
 antecedentes, o respectivo sentido mostra‑se relativamente claro, logo a uma 
 primeira aproximação (interpretativa).
 
             Mas, por vezes, não é assim, tornando‑se indispensável um labor 
 interpretativo mais articulado e exigente.
 
             Labor esse a que se não pode escapar – pelo menos, através de 
 drásticas decisões imediatas de rejeição – sem com isso se incorrer em risco de 
 denegação do direito à tutela jurisdicional efectiva. 
 
             Aliás, não se pode perder de vista que, indo além disso, o Tribunal 
 Constitucional, a outros propósitos, tem insistido, e bem, em que decisões 
 imediatas de rejeição, sem convites ao necessário aperfeiçoamento que podiam 
 caber no caso, se mostram lesivos do direito à tutela jurisdicional efectiva 
 
 (cf., p. ex., os Acórdãos n.ºs 265/2001 e 320/2002).
 
  
 
             2. As inconstitucionalidades alegadas pelo ora recorrente
 
             Ora, no presente caso, crê o recorrente que da conjugação dos 
 sucessivos actos processuais que foram juntos – e, pelo menos em parte, de que 
 a própria decisão sumária se socorreu – se depreende com meridiana clareza 
 quais as questões de constitucionalidade que o recorrente pretende ver 
 apreciadas, assim como a sua natureza normativa.
 
             Assim, da conjugação entre o seu requerimento de interposição de 
 recurso e do seu requerimento de fls. transcrito (e tomado em conta pelo 
 Tribunal Constitucional, a pp. 4 e seguintes), resulta claramente que são duas 
 as questões de constitucionalidade suscitadas:
 
             – uma, a dos artigos 277.º ou 152.º do CP, sendo claro que, apesar 
 do disposto no artigo 79.º‑C da LTC, esclarece o recorrente que considera haver 
 
 «violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade», a isso se 
 referindo a indicação dos artigos 9.º, alínea b), 13.º, e 18.º, n.º 1, da 
 Constituição;
 
             – outra, a dos artigos 120.º, n.º 2, alínea d), 123.º, n.º 2, e 
 
 363.º do CPC, «por violação dos princípios penais, nomeadamente o direito de ver 
 reapreciada a prova em recurso, princípios estes consagrados no artigo 32.º da 
 Constituição», sendo que, não tendo visto esta questão versada no acórdão 
 recorrido, o recorrente invocou ainda o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição.
 
             Igualmente resultam da mesma conjugação as normas ou interpretações 
 normativas consideradas inconstitucionais e, bem assim, a sua natureza 
 normativa (ou de interpretação normativa) sindicável pelo Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
             3. A primeira inconstitucionalidade alegada pelo ora recorrente
 
             Assim, e quanto à primeira, do referido requerimento que a douta 
 Decisão Sumária transcreve consta expressamente que «o recorrente pugnou, tal 
 conforme resulta de suas conclusões, que, na eventualidade de ser condenado por 
 um crime previsto e punido pelos artigos 277.º ou 152.º, ambos do Código Penal, 
 tal decisão seria inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e 
 da proporcionalidade» (p. 4; sublinhado nosso).
 
             a) Ora, por sua vez, das referidas conclusões consta claramente a 
 interpretação normativa qualificada como inconstitucional, podendo nelas ler‑se 
 que «o recorrente não podia ser condenado nem pelo crime previsto e punido pelo 
 artigo 277.º, n.º 1, alínea a), nem pelo crime previsto e punido no artigo 
 
 152.º, ambos do Código Penal, sendo totalmente absurdo e abertamente 
 inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da 
 proporcionalidade, considerar que, não tendo o aqui recorrente obrigações 
 legais ou regulamentares em matéria de segurança e saúde no trabalho e não 
 podendo, por isso, ser punido por contra‑ordenações consubstanciadas na 
 respectiva violação, possa o aqui recorrente, a titulo individual, ter 
 respondido criminalmente por infracção constituída pela infracção de disposições 
 legais ou regulamentares nessa matéria, tal como sucedeu na douta sentença em 
 apreço, razão pela qual a interpretação que foi aí realizada aos preceitos 
 legais é assim manifestamente inconstitucional».
 
             Assim sendo, é identificável a questão de constitucionalidade 
 suscitada pelo ora recorrente, assim como a sua natureza normativa 
 
             
 
             4. A segunda inconstitucionalidade alegada pelo ora recorrente
 
             Quanto à segunda questão atrás identificada, a situação é ainda mais 
 patentemente clara.
 
             Do referido requerimento, que a douta Decisão Sumária transcreve, 
 consta expressamente que «no acórdão em apreço considera‑se que a falta de 
 gravação ou a sua deficiência não está expressamente consagrada na lei como 
 nulidade e como tal traduz‑se numa irregularidade, pelo que, ao não ser arguida 
 pelo interessado no prazo de 3 dias» (p. 5).
 
             E apesar de, a seguir, se salientar que tal interpretação não 
 corresponde, logo no plano ordinário, aos dados legislativos disponíveis, 
 acrescenta‑se que, não se entendendo assim (e, portanto, admitindo que estamos 
 perante uma interpretação válida no plano ordinário), estaríamos perante uma 
 violação da Constituição.
 
             Parece a todas as luzes evidente que estamos perante uma questão de 
 inconstitucionalidade de uma norma (ou interpretação normativa).
 
             Basta pensar que, no seu Acórdão n.º 42/2007, o Tribunal 
 Constitucional julgou «inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição, a norma do artigo 123.º do Código de Processo Penal, interpretada 
 no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades 
 contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e 
 grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva 
 inexigibilidade da respectiva arguição».
 
             Norma ou interpretação normativa que, na sua natureza, na sua 
 generalidade e mesmo na sua material problematicidade constitucional, em nada 
 se distingue da aplicada pela decisão recorrida e invocada pelo ora 
 recorrente.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal apresentou resposta, no sentido de que “a presente reclamação é 
 manifestamente improcedente”, dado que “a argumentação do reclamante em nada 
 abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação 
 dos pressupostos do recurso”.
 
                         O recorrido C. também respondeu, propugnando a 
 improcedência da reclamação.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não 
 conhecimento do recurso na constatação de o recorrente não ter suscitado 
 adequadamente, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, já que não imputou a qualquer norma 
 de direito ordinário (ou a qualquer interpretação normativa dele extraída, 
 dotada de generalidade e abstracção, e com o respectivo sentido devidamente 
 identificado) a violação de princípios ou normas constitucionais.
 
                         A presente reclamação em nada infirma essa constatação, 
 antes a reforça, pois o que continua a questionar é a correcção das decisões 
 judiciais das instâncias, quer quanto à subsunção da concreta conduta do 
 recorrente à norma penal considerada aplicável (o artigo 277.º, n.º 1, alínea 
 a), do Código Penal, que incrimina quem, no âmbito da sua actividade 
 profissional, infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser 
 observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou 
 instalação, ou na sua modificação ou conservação, e criar deste modo perigo 
 para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais 
 alheios de valor elevado – norma a propósito da qual nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade vem suscitada), quer quanto à qualificação como mera 
 irregularidade (e não como nulidade) de alegada deficiência de gravação de 
 determinados depoimentos, o que, manifestamente, não constitui objecto idóneo 
 do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                         3. Termos em que, sem necessidade de considerações 
 suplementares, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando a 
 decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 4 de Março de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos