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Processo n.º 250/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
        Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
   
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 14 de Abril de 2009, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito: (i) não 
 conhecer do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC; (ii) não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 14.º e 105.º, n.ºs 
 
 1 e 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado 
 pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, a última na redacção dada pelo artigo 95.º 
 da Lei n.º 53‑A/2006, de 19 de Dezembro; e, consequentemente, (iii) negar 
 provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas 
 b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto (TRP), de 21 de Janeiro de 2009, que negou provimento ao 
 recurso por ele interposto contra a sentença do 1.º Juízo Criminal do Tribunal 
 Judicial da Comarca de Santo Tirso, de 12 de Maio de 2008, que o condenara, pela 
 prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto 
 e punido pelo artigos 105.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e 30.º, n.º 2, 
 e 79.º do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão, com suspensão da sua 
 execução pelo período de 18 meses, sob condição de, no mesmo período, ser 
 efectuado o pagamento de € 451 889,32 e legais acréscimos, referindo no 
 requerimento de interposição de recurso:
 
  
 
             «1. Se tivermos em conta a constância da jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, é caso para se dizer que este recurso está condenado ao 
 fracasso e, por isso, não deverá ser intentado.
 
             2. Sendo certo que algum dos aspectos que o recorrente invoca como 
 causa da inconstitucionalidade dos artigos 24.º do RJIFNA e 105.º do RGIT já 
 foram objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, e que este Tribunal 
 neles não viu razões para declarar a sua inconstitucionalidade, não é menos 
 verdade que o recorrente lançou neste processo novos aspectos, uns respeitantes 
 
 àquelas normas – ao tipo em si –, outras respeitantes ao caso específico da 
 alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, e outras respeitantes ao artigo 14.º 
 deste diploma.
 
             3. Esses aspectos, mormente no que respeita ao tipo, 
 correlacionam‑se com o seguinte:
 
             – o tipo obnubila mas supõe a instituição, nas relações tributárias 
 por substituição, de uma relação de trabalho imposto, não escolhido e não 
 remunerado;
 
             – o tipo pressupõe, para que haja abuso de confiança, uma relação 
 fundada num consenso de confiança, manifestamente não firmado;
 
             – as relações tributárias por substituição, mormente as de IVA, têm 
 características de contrato administrativo imposto por lei (como outros mais 
 que existem);
 
             – essas relações por substituição constituem‑se por incrustação nas 
 demais relações de crédito do devedor substituto;
 
             – por esta última razão, os créditos do credor tributário passam a 
 comungar dos riscos das relações a que são incrustadas as relações por que se 
 constituem.
 
             4. No que respeita à alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, a 
 violação do princípio da separação de poderes não pode deixar de merecer uma 
 especial revisão.
 
             5. E no que tange ao disposto do artigo 14.º do RGIT, na 
 perspectiva da suspensão da pena condicionada imperativamente ao pagamento da 
 dívida, não poderá deixar de merecer uma especial análise a natureza dessa 
 norma que, mais que norma jurídica, configura um despacho normativo.
 
             6. Como a realidade nunca é perceptível pela análise (que seria 
 atomismo) parcelar dos seus elementos constituintes, as normas em causa são 
 inconstitucionais pelas razões invocadas nas conclusões 24.º a 28.º das 
 alegações de recurso, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, onde se 
 procura, ainda que em síntese, determinar as inconstitucionalidades do artigo 
 
 105.º, quanto à tipificação, da alínea b) do n.º 4 deste artigo e do artigo 14.º 
 do RGIT, e onde se indicam as normas constitucionais e legais (estas de direito 
 internacional) violadas.
 
             7. As inconstitucionalidades foram suscitadas na contestação da 
 acusação e, sobretudo, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do 
 Porto, nas conclusões referidas atrás (24.º a 28.º) e parágrafos 91 a 216.
 
             8. Este recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 
 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.»
 
  
 
             2. O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRP, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC).
 
  
 
             2.1. Ora, o presente recurso surge como inadmissível, na parte em 
 que vem interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por a 
 decisão recorrida não ter aplicado qualquer norma cuja ilegalidade houvesse 
 sido suscitada pelo recorrente com fundamento em violação de lei com valor 
 reforçado, de estatuto de região autónoma ou de lei geral da República. Não se 
 confunde com esse tipo de «ilegalidades agravadas» a «contrariedade de normas 
 constantes de acto legislativo com convenções internacionais», prevista na 
 alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que, aliás, só consente recurso de 
 decisões de recusa de aplicação de normas com esse fundamento e de decisões de 
 aplicação de normas em desconformidade com o anteriormente decidido sobre tal 
 questão pelo Tribunal Constitucional, mas não de decisões que apliquem normas 
 cuja contrariedade com convenções internacionais haja sido suscitada pelos 
 recorrentes durante o processo.
 
  
 
             2.2. Na parte em que o recurso se funda na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, como resulta do próprio requerimento de interposição de 
 recurso, as questões nele suscitadas já foram objecto de anteriores decisões do 
 Tribunal Constitucional, o que possibilita a prolação de decisão sumária, ao 
 abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC. Na verdade, como tem sido 
 repetidamente afirmado, a possibilidade de utilização deste tipo de julgamento 
 dos recursos, com fundamento em as questões a apreciar serem qualificáveis como 
 
 «simples» por já terem sido objecto de anteriores decisões do Tribunal 
 Constitucional, não pressupõe que nessas anteriores decisões tenham sido 
 considerados esgotantemente todos os argumentos esgrimidos pelos recorrentes.
 
             Como se explicou no Acórdão n.º 131/2004 (proferido em reclamação 
 de decisão sumária na qual a reclamante questionava a verificação dos 
 requisitos estabelecidos no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC para a emissão de uma 
 decisão sumária, sustentando serem dois os fundamentos possíveis de uma tal 
 decisão – a existência de uma decisão anterior do Tribunal sobre a mesma 
 questão ou ser a questão manifestamente infundada – e que, no caso, a decisão 
 anterior em que se baseou a decisão sumária não terá julgado a mesma questão por 
 os parâmetros de constitucionalidade agora indicados serem mais amplos):
 
  
 
             «Em primeiro lugar, não é exacto que o artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC 
 só permita a decisão sumária nas situações apontadas pela recorrente.
 
             Com efeito, o preceito da LTC, ao conferir ao relator os poderes 
 para emitir decisão sumária por a questão ser simples, não condiciona esta 
 qualificação ao facto de haver decisão anterior sobre a mesma questão; tal é, 
 desde logo, contrariado pela circunstância de aquele condicionamento ser 
 antecedido pela expressão ‘designadamente’, o que não pode deixar de significar 
 a possibilidade de qualificar a questão como simples por uma multiplicidade de 
 razões, mesmo que ela não tenha sido exactamente a mesma que foi objecto de 
 decisão anterior.
 
             Bastará para tal qualificação que na fundamentação da decisão 
 anterior, muito embora sobre questão não inteiramente coincidente com a dirimida 
 em posterior recurso, se tenham formulado juízos que imponham uma determinada 
 solução de direito neste recurso, merecendo a questão, por essa via, a 
 qualificação de simples.»
 
  
 
             Como se evidenciou no Acórdão n.º 564/2008, tem sido reiteradamente 
 afirmada essa orientação jurisprudencial, no sentido de a admissibilidade de 
 prolação de decisão sumária não se cingir a situações em que exista anterior 
 decisão do Tribunal Constitucional sobre norma reportada ao mesmo preceito legal 
 e com ponderação de todos os argumentos ou razões expendidos no novo processo, 
 antes «abrange outras situações em que a fundamentação desenvolvida em 
 anterior acórdão permita considerar a questão como já ‘tratada’ pelo Tribunal, 
 mesmo que não ocorra integral coincidência dos preceitos em causa e dos 
 argumentos esgrimidos num e noutro processo» (Acórdão n.º 650/2004; cf. ainda 
 os Acórdãos n.ºs 616/2005, 2/2006, 233/2007, 530/2007 e 5/2008).
 
  
 
             3.1. O recorrente sintetizou o expendido na motivação do recurso 
 interposto para o TRP nas seguintes conclusões:
 
  
 
             «A) Preliminares.
 
             1.ª – A douta sentença recorrida deverá ser revogada, por diversas 
 razões, nomeadamente no que respeita a:
 
             i) As questões prévias que importava conhecer – a descriminalização 
 do facto e a ilegalidade e inconstitucionalidade alegadas, bem como a 
 notificação feita pelo Ministério Público (MP), nos termos do artigo 105.º, n.º 
 
 4, alínea b), do RGIT;
 
             ii) O modo como os factos foram julgados provados;
 
             iii) O modo como o direito do caso foi interpretado;
 
             iv) O modo como a pena foi determinada e aplicada, e em que 
 condições.
 
             (A questão da constitucionalidade e ilegalidade das normas 
 aplicadas, maxime as dos artigos 14.º e 105.º, quanto ao tipo, em si, será 
 objecto da parte final destas conclusões.)
 
             
 
             B) Pressupostos fácticos e legais.
 
             2.ª – Porque condiciona toda e qualquer forma de entendimento da 
 problemática do crime de abuso de confiança fiscal, importa, primeiro, 
 determinar, aqui e agora, duas coisas, como postulados epistemológicos: a 
 relação jurídico‑material suposta pelo tipo (artigo 105.º do RGIT) e as 
 relações jurídico‑materiais provocadas ou induzidas pelo CIVA e pelo CIRS, bem 
 como as normas da LGT e do POC (Plano Oficial de Contabilidade) que lhe são 
 aplicáveis.
 
             3.ª – Qual ponto primevo e comum àqueles paradigmas – quer o penal 
 quer os das espécies de imposto em causa –, está uma relação de trabalho, não 
 escolhido e não remunerado, coercivamente imposta por lei ao sujeito passivo, em 
 que este, em concepção benévola, é colocado na posição de sujeitado ou, em 
 concepção real, é colocado em posição de servidão. Por ser uma relação imposta, 
 com sujeição a penas civis (juros usurários), contra‑ordenacionais e penais, o 
 sujeito activo – o Estado – fica assim investido no estatuto de dominus – de 
 dono, em vernáculo – da liberdade do sujeitado ou servo.
 
             (Esta é uma realidade incontornável que, por isso, se impetra, para 
 lograr efectiva resposta judicativa).
 
             4.ª – Para justificar a sanção penal contra aqueles que não cumprem 
 com perfeição aquela injunção, o artigo 105.º (e também o 107.º) do RGIT 
 considera como elementos centrais do tipo a não entrega ao credor tributário das 
 quantias que o devedor, constituído por substituição do devedor originário, 
 liquida num dado momento das relações económicas que estabelece com este, pelo 
 período compreendido entre a data limite para fazer aquela dita entrega e os 
 prazos estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT.
 
             O dever de entrega é típico das relações obrigacionais para entrega 
 de coisa certa; por isso, o tipo pressupõe a entrega de coisa certa, por parte 
 do devedor originário ao devedor substituto (dever que deverá ser cumprido 
 durante os períodos referidos), que, assim, a recebe por título não translativo 
 da propriedade sobre essa coisa (posse precária ou detenção), com a obrigação 
 de a entregar ao dominus, e que ele, invertendo essa posse precária ou detenção, 
 não só a não entrega ao dono, como a faz sua.
 
             A lei penal configura, assim, essa relação como uma relação real ou 
 dominial, assente numa confiança afirmada pelo possuidor precário, cuja 
 violação integraria o paradigma do abuso de confiança.
 
             Todavia:
 
             5.ª – As relações de IVA são reguladas, mormente quanto à 
 constituição, liquidação e pagamento desse imposto, pelos artigos 7.º e 8.º, 
 
 19.º e 22.º e 26.º, 28.º e 40.º do CIVA, respectivamente, e contas 21, 22 e 243 
 do Plano Oficial de Contabilidade.
 
             Nas operações económicas tributadas em IVA, o agente económico 
 sujeitado a esse regime tem que praticar actos de liquidação de IVA aos 
 agentes económicos a quem faz transmissões de bens e serviços, e fica 
 constituído na obrigação de pagar o IVA que lhe é liquidado aos agentes 
 económicos que lhe fornecem os factores que utiliza na produção dos bens ou 
 serviços que transmite aos seus clientes.
 
             No momento em que lhe são feitas liquidações, o agente sujeitado 
 fica constituído na obrigação de pagar àquele que lhe fez a transmissão de bens 
 ou serviços o IVA que, por ele, lhe foi liquidado – mas só exigível no termo do 
 prazo que ambos convencionaram … –, e, concomitantemente, constitui‑se credor 
 do Estado pela mesma quantia que lhe foi liquidada. No momento em que ele faz 
 liquidações, o fenómeno é o inverso daquele: pelo que liquida constitui‑se 
 credor daquele a quem transmite bens ou serviços, pelo valor do IVA que 
 liquidou, valor exigível no prazo que convencionaram, e, concomitantemente, 
 constitui‑se devedor dessa quantia ao Estado.
 
             Da análise destas normas resultam ainda as seguintes consequências: 
 o IVA que é liquidado ao agente económico, bem como o que ele liquida aos seus 
 clientes, tem a natureza de obrigação pecuniária, cumprível por coisa fungível 
 
 – dinheiro –, e não coisa específica ou individualizada; os prazos de pagamento 
 ao Estado não coincidem com os prazos em que o agente económico se constitui 
 devedor ou credor, como o demonstra o artigo 71.º do CIVA, maxime os seus n.ºs 8 
 e ; ao Estado não é devido o que o agente económico liquidou, mas a diferença 
 entre o que liquidou e o que lhe foi liquidado, podendo até dar‑se o caso, muito 
 frequente, de ele não ser devedor mas credor do Estado.
 
             As relações de IVA assim constituídas têm as seguintes 
 características: são contratos administrativos formados coercivamente em forma 
 de conta‑corrente (seguem o paradigma dos contratos comerciais de 
 conta‑corrente do artigo 334.º e seguintes do Código Comercial), cujas 
 prestações são realizáveis com dinheiro do devedor – agente económico ou Estado 
 
 –.
 
             Por isso, essas relações têm a natureza de relação 
 patrimonial‑obrigacional e pecuniária, e não de relação real ou 
 patrimonial‑dominial.
 
             6.ª – As relações de IRS são reguladas, mormente quanto à 
 liquidação e pagamento desse imposto, pelos artigos 2.º, 3.º e 8.º e 98.º, 
 
 99.º, 100.º e 101.º do CIRS e contas 241 e 242, 262 (pessoal), 621 (serviços) e 
 
 62219 (rendas) do POC.
 
             Nas operações económicas tributadas em IRS, nomeadamente 
 resultantes de trabalho independente ou dependente, prestado pelo devedor 
 originário ao agente económico, este tem que praticar os actos de liquidação do 
 imposto devido por aquele, e pagá‑lo ao Estado dentro do prazo previsto na lei. 
 A liquidação é feita no momento em que a remuneração da prestação de trabalho é 
 exigível. Nesse momento, por força de lei e em concomitância, o devedor 
 originário fica eximido da sua obrigação de pagar ao Estado a prestação 
 pecuniária de imposto, que, assim, se transmite para o adquirente da prestação 
 de trabalho (transmissão singular de dívida), o qual, correspectivamente, 
 adquire o crédito do Estado sobre o dador de trabalho (transmissão de crédito), 
 com o direito de compensar esse crédito no crédito do dador de trabalho.
 
             No caso do tomador do trabalho não compensar o crédito adquirido no 
 crédito do dador de trabalho, nem por isso ele fica eximido da obrigação de 
 pagar ao Estado a dívida de imposto que lhe foi transmitida, facto que 
 demonstra a impossibilidade do fenómeno da retenção, previsto como elemento do 
 tipo (cf. o inciso do artigo 98.º do CIRS que diz «ainda que presumido» o 
 pagamento).
 
             As relações de IRS assim constituídas têm as seguintes 
 características: são contratos administrativos formados coercivamente, de 
 execução ou cumprimento periódico, cujas prestações são realizáveis com 
 dinheiro do agente económico, na sua vinculação com o Estado, e em que a 
 prestação do devedor originário, perante o dador de trabalho, tanto pode ser 
 realizada com dinheiro daquele como pela compensação dos créditos constituídos 
 entre ambos.
 
             Por isso essas relações têm a natureza de relação 
 patrimonial‑obrigacional e pecuniária, e não de relação real ou de relação 
 patrimonial‑dominial, como resulta da estrutura e função das normas que as 
 criam e regulam (a palavra ‘retenção’ nelas aposta é um sofisma).
 
             7.ª – Como essas relações – de IVA e IRS – se formam coercivamente, 
 sendo relações de trabalho imposto, não escolhido e não remunerado, a sua 
 constituição não integra uma qualquer manifestação de confiança, quer por parte 
 do Estado quer por parte do devedor substituto, porque a confiança é 
 incompatível com as situações de sujeição ou servidão.
 
             8.ª – Por outro lado, as relações ajuizadas – de IVA e IRS – 
 incrustam‑se, por força de lei, em todas as relações comerciais do agente 
 económico, que, ao longo de cada exercício anual, podem traduzir‑se em dezenas 
 ou centenas de milhar de operações (ou até milhões). Essas operações, mesmo as 
 que provocam situações de natureza real ou dominial, têm sempre natureza 
 patrimonial‑obrigacional e pecuniária, e estão inscritas no domínio do mais 
 elevado risco de incumprimento, que se tem exponenciado com a crescente 
 volatilidade dos mercados. Por isso, o Estado, ao instituir esta forma de 
 cobrança dos créditos de imposto, não pode afirmar a frustração da sua 
 confiança (ubi comoda ibi incomoda) de que os seus créditos serão sempre 
 satisfeitos, porque o risco é constância das relações de crédito.
 
             9.ª – Esta alegada caracterização das relações tributárias em causa, 
 instituídas por força de lei, revela uma insanável contradição lógica e 
 ontológica do paradigma penal com o paradigma patrimonial, com repercussões 
 axiológicas – éticas – que os Tribunais não podem judicativamente ignorar.
 
  
 
             C) Questões prévias dirimidas na sentença.
 
             10.ª – A douta decisão recorrida tomou posição expressa sobre a 
 descriminalização do facto, decorrente do disposto no artigo 105.º, n.º 4, 
 alínea b), do RGIT, na redacção da Lei n.º 53‑A/2006, bem como da 
 inconstitucionalidade do tipo, sustentadas pelo recorrente, mas não tomou 
 posição sobre a notificação ordenada pelo MP, nos termos e para os efeitos do 
 disposto naquela norma.
 
             (Neste ‘grupo’ de conclusões o recorrente não toma posição sobre a 
 questão da constitucionalidade, que aduziu na contestação, que vai ser levada em 
 conta nas conclusões 24.ª e seguintes).
 
             11.ª – O Tribunal recorrido, na esteira do Acórdão Uniformizador de 
 Jurisprudência n.º 6/2008 do STJ, considerou a previsão da alínea b) do n.º 4 
 do artigo 105.º referido, promulgado depois da ocorrência do facto dos autos, 
 como mera condição objectiva de punibilidade, porque o crime de abuso de 
 confiança fiscal se consuma com o incumprimento da prestação tributária no 
 termo do prazo adrede estipulado na lei.
 
             Com ressalva do muito respeito devido, também o Tribunal recorrido 
 
 (como o STJ) cometeu um erro de análise da norma. Assim:
 
             i) O erro dogmático resulta da confusão entre condições objectivas 
 de punibilidade – que pressupõem a consumação do crime acompanhado da 
 existência ou inexistência de pressupostos legais que permitam o exercício do 
 ius puniendi – e pressupostos adicionais de punibilidade (para alguma doutrina) 
 e punibilidade (para outras concepções doutrinais), em que estes ainda são 
 elementos do tipo (como é o caso da declaração judicial de insolvência, que se 
 junta aos factos típicos, para que o crime de insolvência dolosa seja punível).
 
             ii) O erro de análise resulta do facto de, na redacção anterior do 
 n.º 4 do artigo 105.º, o prazo de 90 dias ser pressuposto adicional de 
 punibilidade ou elemento de punibilidade (ao contrário do que pressupunha o n.º 
 
 6 do artigo 24.º do RJIFNA, em que esse prazo era pressuposto de 
 procedibilidade).
 
             (As alterações que o artigo 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT introduziram 
 na normatividade anterior – artigo 24.º, n.ºs 1 e 6, do RJIFNA – revelam que a 
 lei passou a tratar e a entender a mesma realidade fáctica de modo 
 substancialmente diferente, trato e entendimento).
 
             O erro de análise exponencia‑se pela desconsideração que tem sido 
 feita da alteração sofrida pelo artigo 105.º, n.º 4, pela Lei n.º 53‑A/2006.
 
             Na verdade, até 31 de Dezembro de 2006, o tipo legal tinha como 
 elementos essenciais: o não pagamento da dívida pelo prazo de 90 dias a contar 
 do termo do prazo em que devia ter sido feita.
 
             Todavia, a partir de 1 de Janeiro de 2007, o crime pressupõe, inter 
 alia:
 
             1) O não pagamento da dívida até ao termo do prazo legal;
 
             2) o decurso de 90 dias após o termo daquele prazo;
 
             3) a aplicação de uma coima, em processo de contra-ordenação, com a 
 verificação de todos os elementos deste procedimento, ao devedor do imposto;
 
             4) a interpelação admonitória ao devedor para pagar, no prazo de 30 
 dias, a dívida, juros moratórios e coima.
 
             O tipo anterior era, pois, a omissão do pagamento da dívida – só da 
 dívida – pelo prazo de 90 dias; o tipo actual acrescenta – agravando – ao valor 
 da dívida o valor dos juros e da coima, mas só releva – atenuando –, só é 
 
 ‘verdadeira’ omissão, depois de verificada a persistência decorrente da 
 indiferença perante a admonição.
 
             Estes elementos alteram o tipo da conduta e a culpa do tipo, bem 
 como o tipo de culpa. Por isso, as condutas ocorridas até 31 de Dezembro de 
 
 2006 estão descriminalizadas, tendo a douta sentença recorrida violado o 
 disposto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição e artigo 2.º, n.º 2, do Código 
 Penal.
 
             13.ª – A douta sentença recorrida pressupõe a notificação ordenada 
 pelo MP, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do 
 RGIT, como notificação válida e operante. Ora, só a Administração Tributária 
 tem competência legal – e até técnico‑material – para fazer, em acto 
 administrativo, o apuramento correcto da dívida, juros e coima, e, assim, fazer 
 a comunicação admonitória prevista naquela norma. Esses actos estão sujeitos à 
 impugnação graciosa e/ou judicial prevista nas leis tributárias e no artigo 
 
 268.º da Constituição, e até nos artigos 2.º e 111.º da Lei Fundamental. A 
 reclamação graciosa é feita para os órgãos administrativos hierarquicamente 
 superiores e a impugnação judicial é feita para os Tribunais Administrativos e 
 Fiscais. A notificação em causa é um acto absolutamente nulo ou inexistente, que 
 do mesmo modo inquinou a sentença recorrida, porque contende com os princípios e 
 normas constitucionais aqui invocadas.
 
             
 
             D) Dos factos julgados provados.
 
             (…)
 
  
 
             E) Dos factos não relevados na sentença.
 
             (…)
 
  
 
             F) Dos fundamentos de direito. Da pena aplicada.
 
             20.ª – O tipo legal de crime por que o recorrente foi condenado 
 inscreve‑se no direito penal secundário, extravagante ou (e) acessório, por 
 contraposição ao direito penal primário, de justiça ou (e) essencial. Aquele ao 
 serviço de políticas económicas ou sociais, com a marca do transitório ou 
 efémero, da conveniência e oportunidade política; este ao serviço dos bens 
 essenciais e perenes, do homem e da comunidade. Aquele sancionador de actos 
 relativamente censuráveis; este sancionador de actos absolutamente 
 intoleráveis.
 
             Tendo‑se em conta o disposto nos artigos 5.º, 61.º, alínea d), 105.º 
 e 114.º do RGIT, com o seu ‘mundo de contradições lexicais e sistemáticas’, o 
 facto tipificado ou é simultaneamente contra‑ordenação e tipo legal de crime, 
 ou, no termo do prazo previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º, 
 transmuta‑se de contra‑ordenação tributária em crime de abuso de confiança 
 fiscal.
 
             Atento o teor das normas referidas nas conclusões 3.ª a 9.ª, o facto 
 pressupõe relações com a estrutura fáctica e jurídica aí assinalada, 
 nomeadamente, como ponto nodal (que se converte em elemento do tipo 
 contra‑ordenacional e criminal), o incumprimento da prestação tributária.
 
             Por isso, tanto o tipo contra‑ordenacional como o tipo criminal são 
 condutas omissivas – ou seja, o tipo criminal concretiza‑se em forma de 
 comissão por omissão.
 
             21.ª – Dada a natureza do ordenamento onde se insere o crime de 
 abuso de confiança fiscal (onde não há, como vimos, a instituição de uma relação 
 de confiança), todos os requisitos de concretização do tipo devem ser 
 escrutinados judicativamente de forma muito clara (sem questionarmos, neste 
 ponto, a legitimidade ou validade legal de tal ordenamento).
 
             Esse escrutínio exigente não foi feito na sentença recorrida (para 
 além de tudo o que já foi visto precedentemente).
 
             22.ª – Como também já se disse, não existe nos autos prova da 
 deliberação, livre e consciente do recorrente de se apropriar para a sociedade 
 das quantias referidas na sentença, e demonstrado foi que o direito a essas 
 quantias se mantém, como existe património para serem pagas. Demonstrado também 
 foi que a sociedade não possuía meios financeiros para pagar as dívidas no termo 
 do prazo em que deviam ter sido pagas, sendo certo que essa prova competia à 
 acusação.
 
             Ora, a conduta omissiva pressupõe a existência de forças para que a 
 conduta seja praticada. Como essas forças não existiam, não se verifica a 
 existência dos elementos do dolo e nem o poder de agir em conformidade com o 
 comando, na situação.
 
             Daqui decorre a violação do disposto nos artigos 14.º e 17.º, n.º 1, 
 do Código Penal.
 
             A conduta também não é censurável por negligência, porque a lei não 
 incrimina a conduta por esta forma de culpa.
 
             23.ª – Foi julgado provado que o recorrente tem mais de 70 anos, não 
 tem fortuna e vive de uma pensão de reforma de 1000€, da qual está penhorada 
 
 1/6.
 
             Por força desta realidade fáctica, ao recorrente não podia ser 
 imposta, como condição de suspensão da pena, o pagamento da dívida que, até, … 
 não deve (como atrás se demonstrou), se fosse aplicado o artigo 51.º, n.º 2, do 
 Código Penal.
 
             Aquela condição foi imposta com base no disposto no artigo 14.º, n.º 
 
 1, do RGIT, que tem a natureza de ‘lei‑medida’ ou ‘lei‑providência’, de todo 
 incompatível com o direito penal, porque não tem o carácter de princípio 
 
 ético‑jurídico, mais se assemelhando a uma ordem concreta, que atenta contra o 
 disposto nos artigos 202.º, n.ºs 1 e 2, 203.º e 205.º, n.º 1, da Constituição.
 
             
 
             VI – Inconstitucionalidades.
 
             24.ª – Como já foi afirmado, mais uma vez, o crime de abuso de 
 confiança fiscal tem na sua base uma relação jurídica de trabalho 
 coercivamente imposto ao agente, trabalho não escolhido nem remunerado, 
 sancionado contra‑ordenacional e penalmente, sanção esta que ou é simultânea ou 
 sucessiva. A partir daí, estabelecem‑se relações com inúmeras prestações de 
 natureza pecuniária (patrimoniais‑obrigacionais), que, em cada exercício 
 anual, podem ser de dezenas ou centenas de milhar, incrustadas em relações de 
 idêntica natureza, de muito mais elevado número, em que estas estão sujeitas a 
 elevados riscos de incumprimento, os quais se comunicam àquelas relações 
 tributárias.
 
             Estas relações tributárias, com tal estrutura induzida por lei, têm 
 a natureza de contrato administrativo, formado coercivamente, cujo objecto é, 
 do lado do devedor, o dever de pagar uma quantia certa em dinheiro, e, do lado 
 do credor, o poder de exigir tal quantia.
 
             25.ª – Face a esta realidade, fáctica e jurídica, a incriminação do 
 artigo 105.º é inconstitucional, porque, na sua origem, está uma relação de 
 trabalho imposto, não escolhido e não remunerado, instituída por razões de ordem 
 política (conveniência e oportunidade política), que podia ser substituída pelo 
 dever de o devedor originário pagar os impostos devidos. Nessa relação o sujeito 
 activo é colocado na posição de dominus ou ‘senhor’, enquanto o sujeito passivo 
 
 é colocado na veste de sujeitado ou servo e, ao mesmo tempo, na veste de agente 
 da Administração Pública.
 
             O artigo 105.º do RGIT viola assim o disposto nos artigos 266.º, n.º 
 
 2, 267.º, 271.º e 18.º, n.º 2, da Constituição, na medida em que faz do devedor 
 um agente da administração pública; os artigos 58.º, n.º 1, 59.º, n.º 1, alínea 
 a), 61.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição, artigo 23.º da Declaração 
 Universal dos Direitos do Homem, artigo 6.º, n.º 1, do Pacto Internacional Sobre 
 Direitos Económicos, Sociais e Culturais, artigo 8.º, n.º 3, alínea a), do Pacto 
 Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, aplicáveis por força dos 
 artigos 8.º, n.º 2, e 16.º, n.º 1, da Constituição, na perspectiva de trabalho 
 coercivamente imposto, não escolhido e não remunerado.
 
             26.ª – Atento o objecto – a prestação –, a relação tem por objecto o 
 pagamento de uma quantia pecuniária, que se cumpre com dinheiro do obrigado, 
 mesmo que ele não tenha recebido o correspectivo do devedor originário, e que 
 se constitui devedor através de um contrato administrativo que lhe foi 
 coercivamente imposto, sob a ameaça de pena de prisão. Nesta perspectiva, o 
 artigo 105.º do RGIT viola o disposto no artigo 3.º da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem; artigos 9.º e 11.º do Pacto Internacional Sobre Direitos 
 Civis e Políticos; artigo 1.º do Protocolo n.º 4 da Declaração Europeia dos 
 Direitos do Homem, ex vi artigos 8.º, n.º 2, e 16.º, n.º 1, da Constituição e 
 artigo 27.º, n.º 1, deste Diploma Fundamental.
 
             27.ª – O facto previsto no artigo 105.º do RGIT, aqui qualificado ou 
 tipificado como tipo legal de crime, também está previsto no artigo 114.º do 
 RGIT como tipo legal contra‑ordenacional. Malgrado as contradições 
 intra‑sistemáticas decorrentes do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, 61.º, 
 alínea d), 2.º, n.º 2, e 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, esse facto, que serve 
 de base ao tipo legal de crime e tipo legal de contra‑ordenação tributária ou 
 
 é, por isso, simultaneamente, contra‑ordenação e crime, ou é, sucessivamente, 
 primeiro contra‑ordenação e depois crime.
 
             Consequentemente, esse mesmo facto ou é simultaneamente, 
 
 ético‑socialmente uma conduta axiologicamente relevante e neutra, ou é, 
 primeiro, ético‑socialmente neutra e depois transmuta‑se em conduta relevante.
 
             Seja como for, os princípios lógicos do entendimento racional 
 mostram‑nos que, seja qual for o juízo que se sufrague (o da simultaneidade ou 
 sucessividade), o absurdo é inevitável: o mesmo ente não pode ser ele e o seu 
 contrário (princípio da não contradição), nem ser ele – a um mesmo tempo ou 
 posteriormente – e terceiro (princípio de terceiro ou meio excluído). A lógica 
 mostra‑nos assim que a lei não respeita o princípio da verdade, nomeando uma 
 impossibilidade ôntica, com reflexos axiológicos dramáticos, na medida em que, 
 utilizando um sofisma, quando ficciona apropriações, ‘legitima’ a penalização 
 penal proibida pelos superiores princípios do ordenamento jurídico 
 
 (nomeadamente, o princípio da eminente dignidade da pessoa humana, da verdade, 
 de justiça, de direito, da proporcionalidade, da boa fé e da unidade do sistema 
 jurídico).
 
             A norma viola, por esta perspectiva, os princípios ora invocados, 
 bem como as normas constitucionais (onde alguns daqueles estão presentes) 
 seguintes: 1.º, 2.º, 13.º, 27.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.
 
             28.ª – Por seu lado, o disposto no artigo 14.º do RGIT, mormente a 
 directiva do seu n.º 1, enquanto regra de reforço dos injustos objectivos 
 prosseguidos pelo artigo 105.º, é uma regra – quase em forma de ordem dirigida 
 pelo legislador aos Tribunais – sem dimensão jusnormativa; o seu conteúdo é 
 político‑normativo. A intenção dessa norma é de reforçar – e até de aliciar os 
 devedores – os mecanismos de cobranças de dívidas, colocando esse reforço até 
 acima de idênticas normas que permitem a suspensão de penas de prisão por certos 
 crimes de sangue, como o permitem as disposições dos n.ºs 2 e 3 do artigo 51.º 
 do Código Penal. Isto revela que, para o legislador, a espórtula vale mais que a 
 integridade física e moral da pessoa humana. Por isso, o disposto no n.º 1 do 
 artigo 14.º é instrumento de uma estratégia político‑administrativa. O seu 
 conteúdo outro não é que o do pragmatismo da conveniência e oportunidade 
 política, própria da ‘lei‑medida’ ou ‘lei‑providência’.
 
             Nesta perspectiva, o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT viola todas as 
 normas constitucionais já invocadas neste grupo de conclusões, e, em 
 específico, o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 9.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 
 
 27.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da Constituição.
 
             Esta disposição tem ainda outro alcance insuportável. Diz a sua 1.ª 
 parte: ‘a suspensão … é sempre condicionada ao pagamento …’. Ou seja, desde que 
 aos factos só possa ser aplicada pena de prisão, o juiz só tem uma de duas 
 alternativas: ou aplica pena efectiva ou suspende a pena. Se a suspender, a 
 condição da suspensão já tinha sido julgada – não pelo juiz mas pelo 
 legislador!
 
             Isto outra coisa não significa que o legislador (em tempos em que a 
 legislação se hipostasiou na de administração …) também julga o facto.
 
             Esta norma, a um mesmo tempo, arrasa tragicamente com a autonomia e 
 sentido específicos do direito; burocratiza os Tribunais, atacando a sua 
 independência e o seu dever de fundamentação das suas decisões. 
 Consequentemente, os Tribunais deixam de administrar justiça em nome do Povo, 
 ao qual devem prestar contas, para administrar a justiça em nome do Estado (isto 
 já foi visto, em 1950, por Hannah Arendt, O Sistema Totalitário, Pub. D. 
 Quixote, págs. 301 a 319, maxime págs. 304 e seguintes).
 
             Com o ‘é sempre condicionada ao pagamento’, o artigo 14.º, n.º 1, do 
 RGIT atinge fragorosamente o disposto nos artigos 202.º, n.ºs 1 e 2, 203.º, 
 
 204.º e 205.º, n.º 1, da Constituição.»
 
  
 
             3.2. O acórdão ora recorrido julgou improcedentes as questões, 
 designadamente de inconstitucionalidade, suscitadas na motivação do recurso do 
 ora recorrente, desenvolvendo, para o efeito, a seguinte fundamentação:
 
  
 
             «III – O Direito.
 
             Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito do recurso é 
 delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (artigos 403.º e 412.º do 
 CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, 
 do CPP e Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 
 
 1995, publicado no Diário da República, I Série‑A, de 28 de Dezembro de 1995).
 
             As questões suscitadas pelo recorrente nas suas conclusões podem 
 resumir‑se do seguinte modo:
 
             1) descriminalização do facto;
 
             2) ilegalidade e inconstitucionalidade da notificação feita pelo M.º 
 P.º nos termos do artigo 105.º, n.º 4, do RGIT;
 
             3) impugnação da matéria de facto;
 
             4) aplicação do direito aos factos;
 
             5) inconstitucionalidade da suspensão da pena condicionada ao 
 pagamento.
 
  
 
             1) Perante a redacção do artigo 105.º do RGIT, vigente na data em 
 que a acusação foi proferida, é inquestionável que os factos descritos em tal 
 peça processual integravam os ilícitos criminais cuja prática foi imputada (para 
 além do mais) ao arguido/recorrente.
 
             Contudo, considerando as alterações que o artigo 95.º da Lei n.º 
 
 53‑A/2006, de 29 de Dezembro, introduziu ao n.º 4 daquele preceito, impõe‑se 
 determinar se, entretanto, a conduta imputada aos arguidos foi descriminalizada 
 ou se houve alterações a nível do tipo legal de ilícito em causa. Enquanto que a 
 redacção anterior estabelecia que ‘Os factos descritos nos números anteriores 
 só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo 
 legal de entrega da prestação’, a nova redacção dispõe que ‘Os factos descritos 
 nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias 
 sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada 
 
 à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, 
 acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 
 dias após notificação para o efeito’.
 
             A relevância do acrescento contido nesta alínea b) e as 
 consequências que dele resultam para os processos que já anteriormente se 
 encontravam pendentes veio sendo debatida na jurisprudência e na doutrina, 
 merecendo diferentes respostas de acordo com a forma como era configurada, em 
 termos dogmáticos, a nova exigência de notificação dela constante (condição de 
 punibilidade, condição de procedibilidade, causa de exclusão da punição).
 
             Consensual era, apenas, que a questão só se coloca relativamente 
 aos casos em que foi feita a declaração do montante do imposto devido, embora 
 sem a entrega do respectivo montante (como sucede no caso de que nos ocupamos), 
 estando excluídos aqueles em que o contribuinte omite tal declaração.
 
             Mostravam‑se já consolidados vários entendimentos, de que nos dá 
 conta o acórdão desta Relação do Porto, de 5 de Dezembro de 2007 (Proc. n.º 
 
 0416130, relatado pelo Desembargador Joaquim Gomes), de que se transcreve o 
 pertinente excerto:
 
             ‘A propósito deste novo segmento normativo e como de certo modo 
 seria expectável, têm surgido as mais díspares interpretações (...), que 
 podemos cingir nas seguintes:
 
             a) Trata-se de uma condição objectiva de punibilidade, pelo que, não 
 tendo havido uma modificação dos respectivos elementos constitutivos do tipo, 
 não ocorre nenhuma hipótese de descriminalização.
 
             Mas por ser uma nova condição mais benéfica para o arguido, mediante 
 aplicação da lei mais favorável, dever‑se‑á conceder‑lhe essa nova possibilidade 
 de pagamento, notificando‑o para o efeito, mediante o reenvio dos autos à 
 primeira instância – neste sentido acórdãos do STJ, de 7 de Fevereiro de 2007 
 
 (recurso n.º 4086/06) e de 21 de Março de 2007 (recurso n.º 4079/06), acórdão da 
 Relação do Porto, de 14 de Fevereiro de 2007 (recurso n.º 0043/04);acórdãos da 
 Relação de Guimarães, de 25 de Junho de 2007 (recursos n.ºs 2498/06 e 2312/06) 
 
 – ou oficiar‑se à Administração Fiscal para que proceda a essa notificação – 
 acórdãos da Relação de Coimbra, de 21 de Março de 2007 (procs. n.º 232/04.2IDGRD 
 e n.º 825/98.5TALRA).
 
             b) Configura uma condição objectiva de punibilidade, que também 
 está sujeita ao princípio da legalidade, o que implica, entre outras coisas, a 
 proibição da retroactividade desfavorável ao agente.
 
             Não se verificando, nos processos pendentes, a notificação prevista 
 na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º, a aplicação da lei nova leva à 
 descriminalização dos correspondentes factos – neste sentido, acórdão da 
 Relação do Porto, de 6 de Junho de 2007 (recurso n.º 0384/04), e acórdãos da 
 Relação de Coimbra, de 28 de Março de 2007 (procs. n.º 59/05.4IDCTB e n.º 
 
 178/04.4IDACB).
 
             c) A nova exigência representa um alargamento do tipo de ilícito, 
 co‑fundamentadora da gravidade da ilicitude criminal da omissão e da 
 correspondente criminalização, sendo por isso uma lei 
 descriminalizadora/despenalizadora relativamente às situações anteriores à 
 entrada da sua vigência em que não ocorreu a notificação agora prevista – 
 veja‑se neste sentido Taipa de Carvalho, O Crime de abuso de confiança fiscal, 
 
 2007, pp. 41/3.
 
             d) A alteração legislativa modificou o ilícito do abuso de 
 confiança fiscal, introduzindo um regime específico e autónomo para os casos 
 em que as prestações deduzidas e declaradas não foram entregues, fazendo 
 depender o seu preenchimento da desobediência por parte do agente a uma 
 notificação da administração tributária para ‘pagar’ as prestações deduzidas e 
 declaradas. Havendo um estreitamento do ilícito criminal e um alargamento 
 daquelas que integram as condutas que integram a contra‑ordenação prevista no 
 artigo 114.º do RGIT, dá‑se uma descriminalização – neste sentido Costa Andrade 
 e Susana Aires de Sousa, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 17, n.º 
 
 1, p. 53 e seguintes, particularmente pp. 71/2.
 
             e) Trata-se de uma condição de procedibilidade, sem relevo quanto ao 
 vencimento da obrigação tributária, nem quanto ao início do prazo de mora – 
 neste sentido, acórdão da Relação do Porto, de 11 de Abril de 2007 (Colectânea 
 de Jurisprudência, tomo I, p. 216).
 
             f) Representa uma condição de exclusão da punibilidade, como 
 sustentamos, na medida em que a regularização da situação tributária leva à 
 desnecessidade da pena, estando essa faculdade na disponibilidade do agente, 
 muito embora exista uma vertente adjectiva, ou seja, a sua notificação para 
 pagar a prestação tributária que devia ter sido entregue. Nestes casos, e em 
 virtude da lei nova prever uma possibilidade de afastar a punição, deverá 
 proceder‑se a essa notificação – acórdãos da Relação do Porto, de 11 de Julho 
 de 2007 (recurso n.º 3147/07) e de 10 de Outubro de 2007 (recurso n.º 2154/07, 
 de que o signatário foi relator conjuntamente com os mesmos adjuntos) – 
 oficiando‑se, para o efeito, à Administração Fiscal – acórdão da Relação de 
 Coimbra, de 28 de Março de 2007 (proc. n.º 72/03.6IDAVR).’
 
             Esta querela mostra-se ultrapassada com o Acórdão do STJ n.º 6/2008, 
 de 9 de Abril de 2008 (Diário da República, I Série, de 15 de Maio de 2008), que 
 fixou a seguinte jurisprudência uniformizadora:
 
             ‘A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, 
 na redacção introduzida pela Lei n.º 53‑A/2006, configura uma nova condição 
 objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.º, n.º 4, do Código 
 Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em 
 consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve 
 o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo 
 
 [alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT].’
 
             Face à jurisprudência uniformizadora assim fixada, temos de 
 concluir que a conduta praticada pelo recorrente não se mostra 
 descriminalizada e que a mesma só não seria punível se, decorrido o prazo de 30 
 dias a que alude a notificação efectuada através do despacho recorrido, se 
 verificasse, dentro do prazo de 30 dias a contar da mesma, o pagamento das 
 quantias nela referidas.
 
  
 
             2) Sustenta ainda o arguido/recorrente que a notificação a que alude 
 o n.º 4 do artigo 105.º do RGIT cabe em exclusivo à Administração Tributária, 
 pois só esta tem competência legal e técnico‑material para, em acto 
 administrativo, fazer o apuramento correcto da dívida, juros e coima e fazer a 
 comunicação admonitória prevista na norma, pelo que a notificação em causa é um 
 acto nulo ou inexistente.
 
             A questão em apreço prende‑se com a determinação de qual a entidade 
 que tem competência para efectuar a notificação a que o normativo acima 
 referido alude e não é nova, tendo vindo a ser alvo de várias decisões dos 
 tribunais superiores.
 
             A corrente jurisprudencial que julgamos ser a maioritária e com a 
 qual concordamos entende que, pelo menos no caso em que os processos pendentes 
 já tenham transitado para os serviços do M.º P.º no momento em que entrou em 
 vigor a alteração legislativa que veio estabelecer aquela notificação (como 
 sucede no presente caso), é indiferente que seja o M.º P.º a efectuá‑la ou a 
 solicitar à Administração Fiscal ou à Segurança Social (conforme seja o caso) 
 que o faça. E isto porque, desde logo, a lei nada diz sobre quem deve efectuar 
 a notificação em causa. É possível que, neste caso como em outros, o legislador 
 não tenha previsto as perplexidades e divergências que a alteração ao n.º 4 
 daquele artigo 105.º iria causar, em particular no que concerne aos processos 
 que já se encontravam pendentes à data da sua entrada em vigor, não tendo 
 cuidado de regular estas situações, seja através de comandos explícitos, seja 
 através de normas transitórias. E, até, que tenha pressuposto como padrão para 
 a previsão que fez ao criar a norma que ela se iria aplicar a processos 
 iniciados a partir de então, em que, pelo normal fluir dos mesmos, a notificação 
 iria ser efectuada na fase inicial das investigações e, por isso, pela 
 Administração Tributária ou pela Segurança Social, conforme a natureza das 
 prestações devidas e declaradas, mas não entregues. Mas também se pode cogitar a 
 hipótese de a omissão de regulamentação neste particular ter sido intencional, 
 deixando em aberto a possibilidade de o tribunal decidir, nos casos em que o 
 processo já se encontrasse em fases mais avançadas, se a devia efectuar ele 
 próprio ou não. Sobretudo se tivermos em conta que, relativamente à notificação 
 para fins similares estabelecida no n.º 6 do mesmo preceito legal, vem 
 expressamente estabelecido que ela é efectuada pela Administração Tributária 
 
 (sê‑lo‑á pela Segurança Social quando em causa esteja o crime do artigo 107.º, 
 já que a este também é aplicável o disposto naquele n.º 6). E bem se compreende 
 que assim seja, pois são estas entidades que efectuam as averiguações 
 preliminares e é no decurso destas que se impõe determinar se os autos hão‑de ou 
 não prosseguir, sendo certo que o devedor pode provocar a extinção do 
 procedimento criminal pelo pagamento das prestações ou contribuições em dívida, 
 acrescidas de juros e coima dentro do prazo de 30 dias subsequente à 
 notificação para efectuar tal pagamento.
 
             Seja como for, o certo é o que legislador se limitou a fazer 
 depender a punibilidade dos crimes de abuso de confiança previstos no RGIT do 
 não pagamento das prestações devidas e legais acréscimos em prazo contado a 
 partir da notificação que para o efeito há‑de ser feita ao agente do ilícito, 
 sem definir quem a ela há‑de proceder. Assim, onde a lei não distingue, não 
 vemos como se possa defender que só a Administração Tributária ou a Segurança 
 Social – e não o Tribunal ou o M.º P.º, consoante os autos tenham ultrapassaram 
 ou não a fase de inquérito – tenham competência para a efectuar.
 
             Em contrário também não nos parece colher o argumento de que só 
 aquelas, e não este, estarão em condições de contabilizar devidamente os 
 montantes que o agente responsável pelo seu pagamento é chamado a pagar para 
 evitar ser criminalmente punido. Nada na lei nos permite concluir pela exigência 
 acrescida de que o concreto montante em que as prestações, os juros e a coima a 
 pagar se traduzem seja indicado na própria notificação. O que o legislador teve 
 em vista, na prossecução de objectivos de política criminal e fiscal que 
 visavam não só a diminuição de processos, mas sobretudo uma mais rápida e fácil 
 arrecadação de receitas, foi, tão‑só, dar aos agentes devedores uma segunda 
 oportunidade de efectuarem o pagamento das quantias devidas a cada um daqueles 
 títulos, interpelando‑os para o efeito, e oferecendo‑lhes como contrapartida 
 
 (caso correspondam positivamente a essa interpelação), a impunibilidade 
 criminal das respectivas condutas. Ora, os devedores tributários que estejam 
 interessados em fazê‑lo dispõem de tempo mais do que suficiente para 
 diligenciarem no sentido de, junto da entidade própria e que também é 
 naturalmente aquela junto da qual o pagamento há‑de ser efectuado, averiguarem 
 o montante concreto e total que devem pagar, sendo certo que, pelo menos o 
 montante das prestações ou contribuições já o saberão, além do mais porque já as 
 declararam. E é evidente que, no caso de sentirem dificuldades em obter as 
 informações necessárias junto daquelas entidades, sempre poderão transmiti‑las 
 ao tribunal, que não deixará de providenciar para que daí não resulte prejuízo 
 para aqueles que só não efectuem o pagamento atempado devido a falhas que não 
 sejam da sua responsabilidade.
 
             Em conclusão: nada na lei impõe que seja a Administração Tributária 
 ou a Segurança Social a efectuar a notificação, nem impede o M.º P.º ou o 
 Tribunal de a efectuar, assim como também nada impõe que a notificação 
 contenha a concretização dos montantes que hão‑de ser pagos a título de 
 prestações ou contribuições, de juros ou de coima.
 
             Aliás, a este propósito já se pronunciou o Tribunal Constitucional, 
 no Acórdão n.º 409/2008, de 31 de Julho de 2008, concluindo que ‘não é 
 inconstitucional a norma constante do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime 
 Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, 
 na redacção dada pelo artigo 95.º da Lei n.º 53‑A/2006, de 29 de Dezembro, 
 interpretado no sentido de que pode o tribunal de julgamento determinar a 
 notificação aí prevista’.
 
             [Omite‑se a transcrição de excertos da fundamentação do Acórdão n.º 
 
 409/2008, que será reproduzida infra, 5.]
 
             Aliás, quando o Ministério Público, na fase do inquérito, determina 
 essa notificação, ele visa, não a prossecução da tarefa de cobrança de receitas 
 típica da Administração Tributária, mas o apuramento, que lhe incumbe enquanto 
 titular da acção penal, da verificação dos requisitos que o habilitem a tomar 
 uma decisão de acusação ou de não acusação.
 
             Conclui‑se assim que o magistrado do M.º P.º que ordenou a 
 notificação em causa tinha e tem competência para ordenar a notificação a que 
 alude o artigo 105.º, n.º 4, do RGIT, atenta a fase processual em que os autos 
 se encontravam, não estando por isso o respectivo despacho recorrido ferido de 
 qualquer invalidade.
 
  
 
             3) Da impugnação da matéria de facto:
 
             (…) 
 
  
 
             4) Aplicação do direito aos factos:
 
             Sustenta o recorrente que a decisão recorrida violou o disposto nos 
 artigos 14.º e 17.º, n.º 1, do Código Penal, na medida em que não existe prova 
 da deliberação livre e consciente do recorrente de se apropriar para a 
 sociedade das quantias referidas na sentença, sendo certo que existe património 
 suficiente para esse efeito, embora a sociedade não possuísse meios financeiros 
 para pagar as dívidas no termo do prazo.
 
             De acordo com o artigo 24.º do RJIFNA, constituía elemento objectivo 
 do crime em apreço a apropriação, total ou parcial, das quantias que o agente 
 estava obrigado a entregar ao Estado, como credor tributário.
 
             Retomando os ensinamentos do Prof. Eduardo Correia, afirma o Prof. 
 Figueiredo Dias que ‘a apropriação não pode ser um fenómeno interior..., mas 
 exige que o animus que lhe corresponde se exteriorize, através de um 
 comportamento que o revele e execute. O agente que recebera a coisa uti alieno 
 passa em momento posterior a comportar‑se relativamente a ela – naturalmente, 
 através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais – uti 
 dominus; é exactamente nesta realidade objectiva que se traduz a inversão do 
 título de posse ou detenção e é nela que se traduz e se consuma a apropriação’.
 
             Ainda a respeito do crime de abuso de confiança previsto no Código 
 Penal, coloca‑se a questão de saber se a sua mera confusão no património do 
 tomador de dinheiro recebido por título não translativo de propriedade, ou mesmo 
 o seu uso por este, devem ser tidos por actos concludentes de apropriação. 
 Embora não falte na doutrina quem assim o julgue, parece mais correcto e mais 
 próximo da realidade da vida o entendimento, como é o do Prof. Figueiredo Dias, 
 segundo o qual ‘o tipo objectivo de ilícito do abuso de confiança não será 
 integrado pela mera confusão ou simples uso da coisa fungível, mas, mais tarde, 
 pela sua disposição de forma injustificada ou pela não restituição no tempo e 
 sob a forma juridicamente devidos, ao que terá de acrescer o dolo 
 correspondente’.
 
             Esta doutrina tem pleno cabimento na densificação do conceito de 
 apropriação contido no artigo 24.º do RJIFNA, sem embargo de autores como o 
 Cons. Alfredo José de Sousa considerar que ‘essa apropriação pode traduzir‑se 
 na simples fruição ou na disposição pelo devedor de cada uma das prestações 
 tributárias deduzidas ou retidas (IRS ou IRC) ou liquidadas com obrigação de as 
 entregar ao credor tributário (IVA)’. Mas, por seu turno, o Prof. Costa Andrade 
 sustenta que não poderia ser responsabilizado por abuso de confiança o 
 empresário que, por dificuldades de liquidez, não fizesse a entrega tempestiva 
 das importâncias, e, para além disso, as utilizasse para pagar salários ou 
 matérias primas se, ao mesmo tempo, reconhecesse a dívida e tivesse o propósito 
 de proceder posteriormente à entrega, acrescentando que ‘quando muito, ele 
 poderia ser sancionado a título de contra‑ordenação’.
 
             Atendo‑nos à matéria de facto, verifica‑se que ‘todos os factos 
 foram praticados sob a direcção e orientação do arguido/recorrente, actuando em 
 nome e no interesse da sociedade arguida’, que aquele arguido ‘quis agir da 
 forma descrita, bem sabendo que depois de ter entregue as declarações de IVA 
 relativas à actividade da sociedade arguida estava obrigado a proceder à entrega 
 do correspectivo imposto que havia liquidado e recebido dos seus clientes’ e 
 
 ‘que estava obrigado a entregar as quantias que reteve a título de pagamento de 
 imposto devido por trabalho dependente, colocando‑os, assim, nos termos e 
 prazos legais à disposição dos serviços de Administração Fiscal, o que não 
 sucedeu nesse prazo, nem nos noventa dias posteriores’. ‘O arguido e a sociedade 
 arguida sua representada apoderaram‑se das referidas quantias, fazendo‑as suas, 
 querendo obter uma vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, 
 utilizando‑as para fins empresariais, no interesse da empresa e do arguido, 
 financiando‑se à custa do Estado’.
 
             Estes factos preenchem indubitavelmente o conceito de apropriação.
 
             O recorrente afirma que a sociedade tinha património suficiente, 
 embora não possuísse meios financeiros para pagar as dívidas ao Estado.
 
             Ora, tal afirmação não é verdadeira. Com efeito, provou‑se que a 
 sociedade arguida sempre pagou os salários aos seus trabalhadores, bem como as 
 dívidas cuja entrada em mora pudesse paralisar de imediato a sua actividade, 
 como as relativas a combustíveis, energia eléctrica e rendas. Ou seja, o 
 arguido, enquanto sócio gerente da arguida sociedade, optou por manter a 
 empresa em funcionamento, em detrimento do cumprimento das suas obrigações 
 fiscais.
 
             Tem‑se, assim, por verificado o elemento apropriação, cuja 
 ocorrência o recorrente punha em causa, bem como estão preenchidos os demais 
 elementos do crime previsto no artigo 24.º, n.º 1, do RJIFNA.
 
             Entretanto, o RJIFNA foi revogado e substituído pelo RGIT, em cujo 
 artigo 105.º se prevê o crime de abuso de confiança. Pese a circunstância de o 
 novo tipo legal de crime não fazer referência ao elemento ‘apropriação’, 
 basta‑se com a circunstância de o novo tipo legal exigir apenas a ‘não entrega à 
 Administração Tributária das prestações deduzidas nos termos da lei’.
 
             Reconhecendo embora que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 
 
 54/2004, já se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 
 
 105.º do RGIT, o Prof. Costa Andrade teceu considerações acerca desta decisão, 
 sustentando a inconstitucionalidade de tal preceito, enunciando, para tanto, as 
 seguintes razões:
 
             – punindo‑se não a apropriação mas a falta de entrega, a lei nova 
 criou uma descontinuidade normativa em relação à lei anterior;
 
             – a criminalização de qualquer conduta passa necessariamente pela 
 dignidade penal da conduta e pela carência de tutela penal dos bens jurídicos 
 por ela ofendidos e consequente necessidade de pena;
 
             – no contexto do RGIT, o mesmo facto – não entrega dolosa – é 
 tratado simultaneamente como crime (artigo 105.º) e como contra‑ordenação 
 
 (artigo 114.º), tendo, portanto, sido convertido em ilícito criminal um facto 
 que até ali era tratado como mera contra-ordenação;
 
             – as disposições em causa criam um privilégio do Estado‑Fisco, que 
 vê os seus créditos garantidos pelo jus puniendi, através da mobilização do 
 arsenal de meios sancionatórios criminais em defesa da efectivação tempestiva 
 dos seus créditos tributários, denegando o mesmo tratamento aos credores 
 privados;
 
             – o Estado não dispensa idêntica tutela privilegiada aos seus 
 credores quando se constitui ele próprio em mora, mostrando‑se, portanto, 
 violados os princípios constitucionais contidos nos artigos 2.º e 13.º da CRP.
 
             As questões que o recorrente aventa não são novas, já sobre elas se 
 tendo pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 31 de Maio de 
 
 2006, proc. n.º 1294/06‑3, relatado pelo Conselheiro Santos Monteiro, bem como, 
 em recurso dele, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 61/2007, de 30 de 
 Janeiro de 2007, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, 
 que afirmou a conformidade com a Constituição da decisão tomada naquele primeiro 
 aresto.
 
             Pretende o recorrente que o facto previsto no artigo 105.º, n.º 1, 
 do RGIT é tipificado como crime mas também está previsto no artigo 114.º como 
 contra‑ordenação.
 
             Sem embargo de se dever reconhecer que, com a publicação do RGIT, o 
 legislador introduziu profundas alterações no crime de abuso de confiança 
 fiscal, não é menos certo que em ambas as versões se tutela o património 
 tributário do Estado, sancionando‑se criminalmente o incumprimento do dever de 
 entrega de prestação tributária que o agente detém por força dos deveres de 
 colaboração impostos pelas leis fiscais, com base numa relação de confiança. 
 Conforme se afirmou no mencionado acórdão do STJ de 31 de Maio de 2006, ‘o 
 legislador não criou, no RGIT, um tipo legal novo, vocacionado para protecção 
 de distintos interesses, mantendo, no plano dos elementos típicos, uma 
 persistente identidade. Relevou‑se, agora, a exigência da retenção da prestação 
 ficar a dever‑se, não a apropriação, para se cair na sua não entrega nos cofres 
 do Estado, num caso e noutro, sempre dolosa e em detrimento da Fazenda 
 Nacional’.
 
             ‘O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou – 
 escreve‑se no Acórdão n.º 61/2007 do referido Tribunal – que cabe no âmbito da 
 liberdade de conformação do legislador a determinação das condutas que devem ser 
 criminalizadas. Necessário é, naturalmente, que a opção se não faça em violação 
 das regras e princípios constitucionais relevantes na matéria’. E, citando o 
 Acórdão n.º 1146/96, do mesmo Tribunal: ‘a Constituição não contém qualquer 
 proibição de criminalização, e, observados que sejam certos princípios, como 
 sejam o princípio da justiça, o princípio da humanidade e o princípio da 
 proporcionalidade [...], o legislador goza de ampla liberdade na 
 individualização dos bens jurídicos carecidos de tutela’. Vindo a concluir que 
 
 ‘as condutas incriminadas (actualmente) pelos artigos 105.º (abuso de confiança 
 fiscal) e 107.º (abuso de confiança contra a segurança social) põem em causa 
 interesses de tal forma relevantes que legitimam a opção do legislador’.
 
             Na verdade, ‘é por demais conhecida – como acentuam os Profs. 
 Figueiredo Dias e Costa Andrade (‘O crime de fraude fiscal no novo direito penal 
 tributário português’, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6, 
 Janeiro-Março 1996, pág. 75) – a distância que nos separa dos tempos em que a 
 fuga aos deveres fiscais era pacificamente olhada como um facto ética e 
 moralmente neutro ..., do tempo em que a infracção fiscal era degradada para o 
 limbo marginal do ilícito de polícia ou de mera ilegalidade 
 antiadministrativa, uma categoria contraposta ao direito penal de justiça e, 
 por via disso, intrinsecamente alheia à própria ideia de justiça’. No RGIT, ‘o 
 legislador português parece ter optado por uma concepção de carácter 
 patrimonialista do bem jurídico tutelado, centrada na obtenção das receitas 
 tributárias’.
 
             Os trechos citados exprimem, assim, suficientemente a dignidade 
 penal da conduta que se encontra criminalizada, característica que corresponde à 
 
 ‘eminência dos bens jurídicos a tutelar e pela danosidade e intolerabilidade 
 sociais dos sacrifícios, dano ou perigo, que ameaçam aqueles bens’ (Costa 
 Andrade, ‘O abuso de confiança fiscal ...’, pág. 320). Na verdade, em face do 
 dano que é causado ao Estado, que se vê privado de uma componente activa do seu 
 património tributário, e tendo presentes os deveres de colaboração que recaem 
 sobre o agente, encarregado de reter e de liquidar determinados impostos e a 
 subjacente relação de confiança entre o Estado e o cidadão, justifica‑se que 
 se criminalize a conduta que se consubstancia na não entrega dolosa das 
 prestações tributárias deduzidas pelo agente.
 
             Tal criminalização não significa, por isso, diferentemente do que o 
 recorrente sustenta, que haja uma confusão entre o crime e contra‑ordenação. 
 Desde logo, porque, quanto à intenção do agente, o crime é necessariamente 
 doloso, enquanto que a contra‑ordenação pode ser também punível por 
 negligência. Acresce que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que para 
 que se verifique o crime de abuso de confiança é necessário que a prestação 
 tributária tenha de facto sido deduzida ou recebida pelo agente (cf. Jorge 
 Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, 
 em nota ao artigo 105.º, e António Tolda Pinto e Jorge Reis Bravo, Regime Geral 
 das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais, pág. 337), o que 
 leva para o domínio da contra‑ordenação, como refere Nuno Lumbrales (‘O abuso de 
 confiança fiscal no regime geral das infracções tributárias’, Fiscalidade, n.º 
 
 13/14 – Janeiro/Abril 2003, págs. 90/91), os casos em que o sujeito passivo 
 tenha facturado e declarado determinadas quantias que não veio depois a receber, 
 as situações em que o substituto deduz ou recebe apenas parte da quantia devida, 
 entregando atempadamente aquilo que recebeu, ou ainda os casos em que o montante 
 do imposto tenha sido apurado por métodos indiciários.
 
             Ora, no caso em apreço, como resulta do depoimento da testemunha 
 B., Inspector Tributário, na determinação do IVA em falta, apenas foram levadas 
 em conta as transacções em que havia comprovativo de pagamento à arguida 
 sociedade, e referindo que, no período considerado, a arguida sociedade fez 
 empréstimos a duas sociedades, conforme referiu no auto de notícia de fls. 2 e 
 seguintes do apenso.
 
             Não assiste, assim, razão ao recorrente quando sustenta que não 
 houve intenção de se apropriar das quantias devidas ao Estado e quanto à 
 invocada falta de meios financeiros para efectuar o pagamento devido.
 
  
 
             5. Inconstitucionalidade da suspensão da pena condicionada ao 
 pagamento:
 
             Finalmente, o recorrente sustenta que é inconstitucional o artigo 
 
 14.º do RGIT, ao condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento da 
 prestação tributária e acréscimos legais, por violação do disposto nos artigos 
 
 1.º a 4.º, 9.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, e 25.º da Constituição.
 
             Não apresenta, todavia, uma justificação autónoma para o efeito.
 
             Como o próprio recorrente observa na resposta apresentada ao abrigo 
 do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o Tribunal Constitucional já por 
 diversas vezes se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma 
 do artigo 14.º do RGIT – cf. Acórdãos n.º 256/2003, n.º 335/2003 e n.º 500/2005, 
 o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Julho de 2003, e 
 os outros disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
 
             Assim, no Acórdão n.º 335/2003 escreveu‑se o seguinte:
 
             ‘O artigo 14.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), 
 aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, dispõe como segue:
 
             “Artigo 14.º
 
             Suspensão da execução da pena de prisão
 
             1 – A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre 
 condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos 
 subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do 
 montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao 
 pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
 
             2 – Na falta do pagamento das quantias referidas no número 
 anterior, o tribunal pode:
 
             a) Exigir garantias de cumprimento;
 
             b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo 
 inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;
 
             c) Revogar a suspensão da pena de prisão.”
 
             O Tribunal Constitucional teve, muito recentemente, oportunidade de 
 se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade que agora, mais uma vez, 
 vem colocada à sua consideração. Fê‑lo, concretamente, no Acórdão n.º 256/2003 
 
 (ainda inédito), onde concluiu pela não inconstitucionalidade daquele artigo 
 
 14.º do RGIT (bem como do artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA, preceito que antecedeu 
 este artigo 14.º). Para decidir dessa forma, o Tribunal escudou-se na seguinte 
 fundamentação:
 
             “(…) Comparando o artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA com o (posterior) 
 artigo 14.º do RGIT, verifica‑se que ambos condicionam a suspensão da execução 
 da pena de prisão ao pagamento das quantias em dívida.
 
             Não sendo pagas tais quantias, o primeiro preceito remetia (em 
 parte) para o regime do Código Penal relativo ao não cumprimento culposo das 
 condições da suspensão; já o segundo preceito – que englobou tal regime do 
 Código Penal – é mais dúbio, porque não faz referência à necessidade de culpa do 
 condenado.
 
             De qualquer modo, deve entender‑se que a já referida aplicação 
 subsidiária do Código Penal, prevista no artigo 3.º, alínea a), do RGIT (cf. os 
 artigos 55.º e 56.º do referido Código), bem como a circunstância de só o 
 incumprimento culposo conduzir a um prognóstico desfavorável relativamente ao 
 comportamento do delinquente implicam a conclusão de que o artigo 14.º, n.º 2, 
 do RGIT, quando se refere à falta de pagamento das quantias, tem em vista a 
 falta de pagamento culposa (refira‑se, a propósito, na sequência de Jorge de 
 Figueiredo Dias, Direito Penal Português / Parte Geral, II – As Consequências 
 Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pp. 342-343, que pressuposto material de 
 aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é a existência de um 
 prognóstico favorável a esse respeito).
 
             (...) A questão que ora nos ocupa tem algumas afinidades com uma 
 outra que já foi discutida no Tribunal Constitucional.
 
             Assim, no Acórdão n.º 440/87, de 4 de Novembro (publicado em 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10.º volume, 1987, p. 521), o Tribunal 
 Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 49.º, n.º 1, 
 alínea a), do Código Penal de 1982 (versão originária), na parte em que ela 
 permite que a suspensão da execução da pena seja subordinada à obrigação de o 
 réu “pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado”. Nesse 
 acórdão, depois de se ter salientado que se deve considerar como princípio 
 consagrado na Constituição a proibição da chamada “prisão por dívidas”, 
 entendeu‑se, para o que aqui releva, o seguinte:
 
             “(...) nos termos do artigo 50.º, alínea d), do actual Código Penal, 
 o tribunal pode revogar a suspensão da pena, «se durante o período da 
 suspensão o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres 
 impostos na sentença», v. g., o de «pagar dentro de certo prazo a indemnização 
 devida ao lesado» (artigo 49.º, n.º 1, alínea a), primeira parte). Nunca, 
 porém, se poderá falar numa prisão em resultado do não pagamento de uma dívida: 
 
 – a causa primeira da prisão é a prática de um «facto punível» (artigo 48.º do 
 Código). Como se escreveu no acórdão recorrido, «o que é vedado é a privação da 
 liberdade pela única razão do não cumprimento de uma obrigação contratual, o 
 que é coisa diferente».
 
             Aliás, a revogação da suspensão da pena é apenas uma das faculdades 
 concedidas ao tribunal pelo citado artigo 50.º para o caso de, durante o período 
 da suspensão, o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres 
 impostos na sentença: na verdade, «conforme os casos», pode o tribunal, em vez 
 de revogar a suspensão, «fazer-lhe [ao réu] uma solene advertência» [alínea a)], 
 
 «exigir‑lhe garantias do cumprimento dos deveres impostos» [alínea b)] ou 
 
 «prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas 
 não por menos de um ano» [alínea c)].”
 
             Por outro lado, no Acórdão n.º 596/99, de 2 de Novembro (publicado 
 no Diário da República, II Série, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 2000, p. 3600), 
 o Tribunal Constitucional não considerou inconstitucional, designadamente por 
 violação do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 
 
 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz 
 condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos 
 danos causados ao ofendido. Foram os seguintes os fundamentos dessa decisão:
 
             “(…) A alegada inconstitucionalidade do artigo 51.º, n.º 1, alínea 
 a), do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
 
             Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal que «a 
 suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de 
 deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, 
 nomeadamente pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal 
 considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu 
 pagamento por meio de caução idónea».
 
             Trata‑se mais uma vez, no entender do recorrente, da previsão de uma 
 situação de «prisão por dívidas», proibida pela Constituição.
 
             Desde logo deve notar‑se que tem inteira razão o Ministério Público 
 quando refere que, a proceder, a argumentação do recorrente acabaria por 
 redundar em seu próprio prejuízo, «na medida em que a considerar‑se 
 inconstitucional a norma ora objecto de recurso, estaria afastada a 
 possibilidade de suspensão da execução da pena – que só se justifica pela 
 
 ‘condição’ estabelecida naquele preceito – restando‑lhe o inexorável 
 cumprimento da pena de prisão que a decisão recorrida, em primeira linha, lhe 
 impôs...».
 
             É, no entanto, manifestamente improcedente a alegação de que a norma 
 que se extrai do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal traduz uma 
 violação do princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela 
 
 única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo 
 direito à liberdade e à segurança (artigo 27.º, n.º 1, da Constituição).
 
             Na realidade, e mais uma vez, não se trata aqui da impossibilidade 
 de cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da 
 consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de 
 prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da 
 punição se a ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos 
 provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de 
 pagamento) da indemnização devida. (…)
 
             Apesar da afinidade com a questão de que ora cumpre apreciar, nos 
 arestos citados não estava em causa o problema da conformidade constitucional 
 
 (à luz dos princípios da adequação e da proporcionalidade) da imposição de uma 
 obrigação que, no próprio momento em que é imposta, pode ser de cumprimento 
 impossível pelo condenado, mas um outro (que Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., 
 p. 353, aliás, considerou absolutamente infundado), que era o de “saber se o 
 condicionamento da suspensão pelo pagamento da indemnização não configuraria, 
 quando aquele pagamento não viesse a ser feito, uma (inconstitucional) prisão 
 por dívidas”.
 
             De qualquer modo, dos arestos citados extrai‑se uma ideia 
 importante para a resolução da presente questão: é ela a de que não faz sentido 
 analisá‑la à luz da proibição da prisão por dívidas. Na verdade, mesmo que se 
 considere – e é isso que importa determinar – desproporcionada a imposição da 
 totalidade da quantia em dívida como condição de suspensão da execução da pena, 
 o certo é que o motivo primário do cumprimento da pena de prisão não radica na 
 falta de pagamento de tal quantia, mas na prática de um facto punível.’
 
             Conclui‑se assim que não se verifica a apontada 
 inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente.»
 
  
 
             4. Relativamente à norma do artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, que 
 criminaliza o abuso de confiança fiscal, já foi a mesma julgada não 
 inconstitucional, designadamente, pelos Acórdãos n.ºs 54/2004, 642/2006 e 
 
 61/2007 e pelas Decisões Sumárias n.ºs 564/2006, 276/2008 e 336/2008, na 
 sequência, aliás, de reiterada jurisprudência anterior reportada a normas 
 correspondentes do RJIFNA.
 
             Esse juízo de não inconstitucionalidade foi fundamentado no Acórdão 
 n.º 54/2004 nos seguintes termos:
 
  
 
             «4. Como salientam correctamente o recorrente e o Ministério Público 
 nas suas alegações, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de se pronunciar 
 por várias vezes sobre a conformidade constitucional da norma que previa o crime 
 de abuso de confiança fiscal com a ‘proibição da prisão por dívidas’ – embora 
 apenas a propósito do citado artigo 24.º, n.º 1, do RJIFNA.
 
             Assim, no Acórdão n.º 312/2000 (publicado no DR, II Série, de 17 de 
 Outubro de 2000), depois de se analisar os elementos constitutivos deste crime, 
 segundo o artigo 24.º do RJIFNA, e a proibição de privação da ‘liberdade pela 
 
 única razão de [se] não poder cumprir uma obrigação contratual’, nos termos do 
 artigo 1.º do Protocolo n.º 4 Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem e da Constituição da República – salientando‑se, como se havia feito no 
 Acórdão n.º 663/98 (in DR, II Série, de 15 de Janeiro de 1999), que ‘a privação 
 da liberdade não é proibida se outros factos se vêm juntar à incapacidade de 
 cumprir uma obrigação contratual’ –, concluiu‑se, depois da análise dos valores 
 e dos bens jurídicos em causa na criminalização das infracções fiscais: ‘(…) No 
 caso em apreço, a obrigação em causa não é meramente contratual, mas antes 
 deriva da lei – que estabelece a obrigação de pagamento dos impostos em questão. 
 Por outro lado, nestas situações, o devedor tributário encontra‑se instituído 
 em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário. Na verdade, no IVA e 
 no imposto sobre os rendimentos singulares (IRS), os respectivos valores são 
 deduzidos nos termos legais, devendo depois o respectivo montante ser entregue 
 ao credor tributário que é o Estado. Perante a norma em questão há assim que 
 levar em conta este aspecto peculiar da posição dos responsáveis tributários, 
 que não comporta uma pura obrigação contratual porque decorre da lei fiscal’.
 
             E concedeu‑se ainda relevo à circunstância de que ‘a 
 impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança 
 fiscal; a não entrega atempada da prestação torna possível a instauração do 
 procedimento criminal nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, mas o que importa para 
 a punibilidade do comportamento, como se referiu, é a apropriação dolosa da 
 referida prestação’.
 
             Concluiu‑se, assim, que a norma constante do artigo 24.º do RJIFNA 
 não violava o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela 
 
 única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual.
 
             Esta decisão de não inconstitucionalidade, e respectiva 
 fundamentação, foram retomadas pelo Acórdão n.º 389/2001 – que confirmou 
 decisão sumária do relator nesse sentido – e ainda, quanto ao caso paralelo do 
 artigo 27.º‑B do RJIFNA (sobre o crime de abuso de confiança em relação à 
 segurança social), pelo Acórdão n.º 516/2000 (publicado no DR, II Série, de 31 
 de Janeiro de 2001), onde se pode ler que ‘(…) Não estando expressamente 
 prevista a punição por negligência, os factos integradores do crime só podem 
 ser punidos se praticados com dolo (artigo 13.º do Código Penal); se não se 
 provar o dolo mas apenas a negligência, pode existir a contra‑ordenação prevista 
 no artigo 29.º, n.º 2, do RJIFNA. A obrigação em causa não é meramente 
 contratual, antes deriva da lei – que impõe a entrega pelas entidades 
 empregadoras às instituições de segurança social do montante das contribuições 
 que aquelas entidades tenham deduzido do valor das remunerações pagas aos 
 trabalhadores e que por estes sejam legalmente devidas. Nestas situações, as 
 entidades empregadoras encontram‑se instituídas “em posição que poderemos 
 aproximar da do fiel depositário”. A mera impossibilidade do cumprimento não é 
 elemento do crime de abuso de confiança em relação à segurança social. A não 
 entrega atempada da prestação torna possível a instauração do procedimento 
 criminal nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJIFNA, mas o que importa para a 
 punibilidade do comportamento, como se referiu, é a apropriação dolosa da 
 referida prestação. A situação pode aproximar‑se do crime de abuso de confiança 
 previsto e punido pelo Código Penal (artigos 205.º a 207.º), que é um crime 
 contra o património, cuja consumação ocorre com a apropriação ilegítima de coisa 
 móvel alheia entregue por título não translativo de propriedade.’
 
             Concluiu‑se, pois, também, no sentido da não inconstitucionalidade 
 
 (neste sentido, para o referido artigo 27.º‑B do RJIFNA, ver também o Acórdão 
 n.º 427/2002).
 
             5. As considerações que se contêm na fundamentação dos arestos 
 citados mantêm‑se aplicáveis mesmo em face da norma do artigo 105.º, n.º 1, do 
 RGIT, que prevê o abuso de confiança fiscal (e parafiscal, que não está agora 
 em causa – cf. o n.º 3 do citado artigo).
 
             Designadamente, continuam a ser elementos constitutivos deste crime 
 a existência de uma obrigação de entrega à Administração Tributária de uma 
 prestação tributária deduzida nos termos da lei e a falta dolosa dessa entrega – 
 embora tenha desaparecido da redacção do tipo legal a exigência de ‘intenção de 
 obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida’ –, não se prevendo 
 a punição por negligência.
 
             Por outro lado, é claro que, como resulta aliás logo da redacção do 
 preceito, a obrigação em causa não tem por fonte qualquer contrato, e antes 
 deriva da lei. Trata‑se, aliás, de um dever que, como salienta o Ministério 
 Público, é essencial para a realização dos fins do Estado, quer para prover à 
 satisfação das suas necessidades financeiras, quer também para prosseguir o 
 objectivo de uma repartição justa de rendimentos e riqueza, 
 constitucionalmente consagrado.
 
             Tem, pois, de tratar‑se da falta dolosa de entrega à administração 
 fiscal de uma prestação tributária deduzida nos termos da lei, podendo dizer‑se, 
 em casos como o presente (em que está em causa a falta de entrega de Imposto 
 sobre o Valor Acrescentado cobrado) – tal como, para as contribuições para a 
 segurança social, se disse no citado Acórdão n.º 516/2000 –, que o obrigado se 
 encontra instituído ‘em posição que poderemos aproximar da do fiel 
 depositário’.
 
             Assim, a mera impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime 
 de abuso de confiança em relação à Administração Tributária. O não cumprimento 
 da obrigação de entrega é elemento do tipo, mas o que importa para a 
 punibilidade do comportamento, como se referiu, é a falta dolosa de entrega da 
 prestação, podendo a situação continuar a ser aproximada da do crime de abuso de 
 confiança previsto e punido pelo Código Penal (artigos 205.º a 207.º) – um 
 
 ‘crime contra o património, cuja consumação ocorre com a apropriação ilegítima 
 de coisa móvel alheia entregue por título não translativo de propriedade’.
 
             6. Nestes termos, mesmo em face da nova redacção do tipo legal do 
 crime de abuso de confiança fiscal (e da eliminação do elemento subjectivo que 
 se traduzia na ‘intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial 
 indevida’), cumpre reiterar a fundamentação dos citados arestos – 
 designadamente, a dos citados Acórdãos n.ºs 312/2000 e 516/2000.
 
             E, uma vez que o recorrente não adianta argumentos novos, 
 susceptíveis de infirmar tal fundamentação – sendo claudicante, 
 designadamente, a tentativa de mostrar que a obrigação de entrega de quantias 
 cobradas a título de IVA tem também por fonte um contrato, e não apenas a lei 
 
 –, conclui‑se no sentido da inexistência de violação, por parte do artigo 105.º, 
 n.º 1, do RGIT, do princípio de que ninguém pode ser privado da liberdade pela 
 
 única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, devendo negar‑se 
 provimento ao presente recurso.»
 
  
 
             A questão da conformidade constitucional do aludido artigo 105.º do 
 RGIT, na perspectiva de eventual violação dos artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.º 2, 
 da CRP, foi apreciada pelo Acórdão n.º 61/2007, em termos que ora se reiteram (o 
 essencial da fundamentação desse Acórdão foi reproduzido no acórdão ora 
 recorrido, em passagens atrás transcritas, supra, 3.2).
 
             É essa orientação jurisprudencial que se reafirma, dela resultando o 
 desajustamento à realidade jurídica da tese sustentada pelo recorrente da 
 existência de uma relação de trabalho imposto, quando, como nos citados 
 Acórdãos se evidenciou, o fundamento do dever de entregar as quantias recebidas 
 
 é legal, e não contratual, e aproxima‑se de uma situação de fiel depositário.
 
                        
 
             5. A questão da constitucionalidade suscitada pelo recorrente a 
 propósito da norma do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, na redacção dada 
 pela Lei n.º 53‑A/2006, de 19 de Dezembro, já foi apreciada por este Tribunal 
 nos Acórdãos n.ºs 409/2008, 506/2008, 531/2008 e 23/2009 e na Decisão Sumária 
 n.º 453/2008, sempre no sentido da não inconstitucionalidade.
 
             No Acórdão n.º 409/2008 desenvolveu‑se a seguinte fundamentação:
 
  
 
             «2.1. Na definição (inalterada) do n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, 
 comete o crime de abuso de confiança fiscal quem não entrega à Administração 
 Tributária, total ou parcialmente, prestação tributária (com a extensão que a 
 este conceito é dada nos subsequentes n.ºs 2 e 3) deduzida nos termos da lei e 
 que estava legalmente obrigado a entregar. Na redacção originária do n.º 4 
 deste preceito, os factos descritos nos números anteriores só eram puníveis se 
 tivessem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da 
 prestação. O artigo 95.º da Lei n.º 53‑A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do 
 Estado para 2007), alterou a redacção desse n.º 4 do artigo 105.º da RGIT, 
 convertendo a condição que constava do corpo desse número em alínea a), e 
 inserindo uma nova alínea b), nos termos da qual os referidos factos também só 
 seriam puníveis se ‘a prestação comunicada à administração tributária através 
 da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do 
 valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito’.
 
             A introdução desta nova ‘condição’ suscitou divergências doutrinais 
 e jurisprudenciais, tendo, na sequência destas últimas, sido interposto recurso 
 extraordinário para uniformização de jurisprudência, que veio a ser decidido 
 pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2008, de 9 de Abril de 2008 
 
 (Diário da República, I Série, n.º 94, de 15 de Maio de 2008, p. 2672), que 
 fixou a jurisprudência nos seguintes termos:
 
  
 
             ‘A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, 
 na redacção introduzida pela Lei n.º 53‑A/2006, configura uma nova condição 
 objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.º, n.º 4, do Código 
 Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em 
 consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve 
 o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo 
 
 (alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT).’
 
  
 
             Esse acórdão de uniformização de jurisprudência começa por 
 assinalar que, na sequência da apontada alteração de redacção do n.º 4 do 
 artigo 105.º do RGIT, surgiram fundamentalmente duas linhas de orientação 
 relativamente à sua interpretação: para uns, a inovação consistiu na criação 
 de uma nova condição de punibilidade; para outros, ela acarretou uma 
 despenalização. A primeira orientação – uniformemente adoptada, desde o início, 
 pelo STJ – considera que à anterior condição de punibilidade, agora plasmada na 
 alínea a), foi aditada, na alínea b), uma nova condição, mas com a manutenção do 
 recorte do tipo legal de crime: não obstante a alteração do regime punitivo, o 
 crime de abuso de confiança fiscal consuma‑se com a omissão de entrega, no 
 vencimento do prazo legal, da prestação tributária, nada tendo sido alterado em 
 sede de tipicidade; porém, há que ressalvar a aplicabilidade do disposto no 
 artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, uma vez que o regime actualmente em vigor é 
 mais favorável para o agente, quer sob o prisma da extinção da punibilidade 
 pelo pagamento, quer na óptica da punibilidade da conduta (como categoria que 
 acresce à tipicidade, à ilicitude e à culpabilidade). Diversamente, a segunda 
 orientação – defendida por aqueles para quem, no regime anteriormente vigente, o 
 tipo de ilícito se reconduzia a uma mora qualificada no tempo (90 dias), sendo 
 a mora simples punida como contra‑ordenação, ilícito de menor gravidade – 
 entende que o legislador aditou agora, com a referida alteração legal, uma 
 circunstância que, por referir‑se ao agente e não constituindo assim um aliud 
 na punibilidade, se encontra no cerne da conduta proibida: existe algo de novo 
 no recorte operativo do comportamento proibido violador do bem jurídico 
 património fiscal e que se traduz precisamente no facto de a Administração 
 Fiscal entrar em directo confronto com o eventual agente do crime, pelo que, 
 enquanto anteriormente o legislador criminalizava uma mora qualificada 
 relativamente a um objecto material do crime, o imposto, atendendo aos fins 
 deste, agora pretendeu estabelecer como crime uma mora específica e num contexto 
 relacional qualificado – concluindo, consequentemente, pela despenalização.
 
             O citado acórdão uniformizador de jurisprudência consagrou aquela 
 primeira linha de orientação, que, aliás, já fora a adoptada no acórdão ora 
 recorrido. E em ambos se invoca o Relatório do Orçamento Geral de Estado para 
 
 2007, no qual o legislador justifica a introdução de distinção entre, por um 
 lado, os casos em que a falta de entrega da prestação tributária está associada 
 ao incumprimento da obrigação de apresentar a declaração de liquidação ou 
 pagamento do imposto e, por outro lado, os casos de não entrega do imposto que 
 foi tempestivamente declarado, entendendo o legislador que no primeiro grupo há 
 uma maior gravidade decorrente da ‘intenção de ocultação dos factos tributários 
 
 à Administração Fiscal’, postura esta que já não se verificaria nas situações 
 em que a ‘dívida’ é participada à Administração Fiscal, isto é, nas situações em 
 que há o reconhecimento da dívida tributária, ainda que não acompanhado do 
 necessário pagamento. Estando em causa condutas diferentes, portadoras de 
 distintos desvalores de acção e a projectar‑se sobre o património do Fisco com 
 assimétrica danosidade social, elas merecerão, de acordo com o citado Relatório, 
 
 ‘ser valoradas criminalmente de forma diferente’. E acrescenta‑se: ‘neste 
 sentido, não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que, tendo 
 cumprido as suas obrigações declarativas, regularizem a situação tributária em 
 prazo a conceder, evitando‑se a “proliferação” de inquéritos por crime de abuso 
 de confiança fiscal que, actualmente, acabam por ser arquivados por decisão do 
 Ministério Público na sequência do pagamento do imposto’.
 
             A consideração destes elementos teleológico e histórico conduziram 
 a que no citado acórdão uniformizador de jurisprudência se concluísse que – 
 perante uma vontade do legislador que, claramente, assume o propósito de 
 manutenção do recorte do ilícito típico, mas o conjuga com a possibilidade de o 
 agente, nos casos em que tenha havido declaração da prestação não acompanhada 
 do pagamento, se eximir da punição pela efectivação do pagamento no novo prazo 
 concedido – nem a letra nem o espírito da lei permitiam a afirmação de que a 
 conduta, que se traduz numa omissão pura, se encontrava descriminalizada. A 
 alteração legal produzida, repercutindo‑se na punibilidade da omissão, é, 
 todavia, algo que é exógeno ao tipo de ilícito, devendo ser qualificada como 
 condição objectiva de punibilidade, que deve ser equacionada na medida em que 
 configure um regime concretamente mais favorável para o agente. Constata, assim, 
 o referido acórdão uniformizador de jurisprudência, que, tendo sido ‘intenção 
 publicitada do legislador, expressa de forma inequívoca na letra da lei, o 
 objectivo de conceder uma última possibilidade de o agente evitar a punição da 
 sua conduta omissiva’, ‘a nova lei é mais favorável para o agente pois que lhe 
 proporciona a possibilidade de, por acto dependente exclusivamente da sua 
 vontade, preencher uma condição que provoca o afastamento da punição por 
 desnecessidade de aplicação de uma pena’, pelo que ‘a conclusão da aplicação da 
 lei nova é iniludível face ao artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal’.
 
  
 
             2.2. Delineado o quadro de fundo de que emerge a problemática 
 subjacente ao presente recurso, cumpre, antes de mais, precisar que resulta 
 inequivocamente do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional que a única questão de inconstitucionalidade aí identificada 
 como integrando o seu objecto se reporta à interpretação do artigo 105.º do 
 RGIT, na redacção dada pelo artigo 95.º da Lei n.º 53‑A/2006, que teria sido 
 aplicada no acórdão recorrido, ‘consubstanciada na substituição por parte do 
 tribunal de 1.ª instância em relação às atribuições da Administração Fiscal e do 
 Ministério Público’ e que, segundo o recorrente, desrespeitaria os ‘princípios 
 constitucionais da legalidade e da separação dos poderes, ofendendo, assim, os 
 ditames constitucionais consagrados nos artigos 202.º e 219.º da Constituição 
 da República Portuguesa’.
 
             Aliás, fora essa a única questão de inconstitucionalidade normativa 
 adequadamente suscitada pelo recorrente na motivação do recurso interposto 
 para o Tribunal da Relação (cf. conclusão 26.ª, atrás transcrita).
 
             Assim sendo, não podem integrar o objecto do presente recurso outras 
 questões de inconstitucionalidade não arguidas perante o tribunal recorrido e 
 nem sequer mencionadas no requerimento de interposição de recurso, que o 
 recorrente veio suscitar, pela primeira vez, nas alegações apresentadas neste 
 Tribunal, como, designadamente, a reportada à pretensa violação dos «princípios 
 da proibição da retroactividade da lei penal, da legalidade e da 
 independência», derivada da consideração, na sentença, de factos não 
 constantes da acusação. Questão esta que, aliás, nos termos em que é colocada, 
 carece de natureza normativa por se reportar directamente à referida decisão 
 judicial, em si mesma considerada.
 
             Constitui, assim, objecto do presente recurso, a questão da 
 inconstitucionalidade, por violação dos princípios da legalidade e da 
 separação de poderes, consagrados nos artigos 202.º e 219.º da CRP, da 
 interpretação do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção dada pelo artigo 
 
 95.º da Lei n.º 53‑A/2006, no sentido de que pode o tribunal de julgamento 
 determinar a notificação aí prevista.
 
             Os invocados artigos 202.º e 219.º da CRP respeitam, 
 respectivamente, à definição da função jurisdicional e das funções e estatuto 
 do Ministério Público. O primeiro preceito define os tribunais como os órgãos 
 de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, 
 incumbindo‑lhes, nessa função, assegurar a defesa dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade 
 democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. O segundo 
 comete ao Ministério Público a representação do Estado e a defesa dos interesses 
 que a lei determinar, bem como a participação na execução da política criminal 
 definida pelos órgãos de soberania, o exercício da acção penal orientada pelo 
 princípio da legalidade e a defesa da legalidade democrática.
 
             O critério adoptado no acórdão recorrido de que competente para 
 determinar a notificação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT 
 
 é a entidade titular do procedimento ou do processo (Administração, Ministério 
 Público, tribunal de instrução criminal ou tribunal do julgamento), consoante a 
 fase em que ele se encontre quando surge a necessidade de proceder a essa 
 notificação, em nada colide com os preceitos constitucionais citados, nem mesmo 
 com o princípio da separação de poderes, na perspectiva da constituição de uma 
 reserva da Administração.
 
             Quando o Ministério Público, na fase do inquérito, determina essa 
 notificação, ele visa, não a prossecução da tarefa de cobrança de receitas 
 típica da Administração Tributária, mas o apuramento, que lhe incumbe enquanto 
 titular da acção penal, da verificação dos requisitos que o habilitem a tomar 
 uma decisão de acusação ou de não acusação. Similarmente, quando o juiz de 
 instrução ou o juiz do julgamento determina idêntica notificação, ambos se 
 limitam a praticar um acto instrumental necessário à comprovação da existência, 
 ou não, de uma condição de punibilidade, que determinará a opção entre pronúncia 
 ou não pronúncia e entre condenação ou absolvição (ou arquivamento). Isto é: 
 em todas essas hipóteses, a determinação da notificação pelo Ministério Público 
 ou por magistrados judiciais insere‑se perfeitamente dentro das atribuições 
 constitucionais dessas magistraturas (exercício da acção penal e administração 
 da justiça, respectivamente), sem qualquer invasão da reserva da Administração, 
 nem, consequentemente, com violação do princípio da separação de poderes, 
 invocado pelo recorrente (quanto à alegada violação do ‘princípio da 
 legalidade’, torna‑se impossível proceder à sua apreciação, dada a absoluta 
 falta de substanciação das razões por que o recorrente entende ocorrer tal 
 violação, sendo, aliás, incerto o sentido que ele pretende atribuir a tal 
 princípio, neste contexto).
 
             Improcedem, assim, na totalidade, as alegações do recorrente.»
 
  
 
             Por seu turno, o Acórdão n.º 531/2008, após transcrever a 
 fundamentação do Acórdão n.º 409/2008, desenvolveu as seguintes considerações:
 
  
 
 «As considerações tecidas no acórdão acabado de citar a propósito da eventual 
 violação do princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2.º, 
 
 202.º e 219.º da Constituição – violação também invocada pelos ora recorrentes 
 
 –, são perfeitamente transponíveis para o presente caso, pois que, para a 
 aferição daquela violação, é indiferente que o tribunal competente para a 
 notificação seja um tribunal de 1.ª instância ou um tribunal de recurso: ora, 
 como se diz no Acórdão n.º 409/2008, ‘a determinação da notificação pelo 
 Ministério Público ou por magistrados judiciais insere‑se perfeitamente dentro 
 das atribuições constitucionais dessas magistraturas (exercício da acção penal e 
 administração da justiça, respectivamente), sem qualquer invasão da reserva da 
 Administração, nem, consequentemente, com violação do princípio da separação de 
 poderes’.
 Essas considerações – como logo se entrevê – permitem, do mesmo modo, afastar a 
 pretensa violação dos princípios do acusatório, da plenitude de garantias de 
 defesa dos arguidos e da independência dos tribunais, também chamados à colação 
 pelos recorrentes.
 Relativamente ao princípio do acusatório – que se extrai da referência à 
 estrutura acusatória do processo penal constante do artigo 32.º, n.º 5, da 
 Constituição e que postula a diferenciação entre a entidade que julga e a 
 entidade que acusa ou que intervém em fase do processo anterior à do julgamento 
 
 –, consideram os recorrentes, em síntese, que o mesmo resulta violado pelo 
 disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, atendendo à circunstância 
 de este preceito permitir que um pressuposto material da punição não esteja 
 preenchido aquando da dedução da acusação e não esteja descrito no libelo 
 acusatório.
 No entanto, como se deixou esclarecido, a exigência resultante da referida 
 disposição, na redacção dada pela Lei n.º 53‑A/2006, de 29 de Dezembro, foi 
 determinada por razões de operacionalidade judiciária, tendo sobretudo o 
 sentido de impedir que possa ser punido pelo crime de abuso de confiança quem 
 entretanto se tenha disposto a reparar o dano infringido à Administração, na 
 sequência da notificação que expressamente lhe tenha sido feita para esse 
 efeito. Não está aqui em causa, como bem se vê, um qualquer novo elemento 
 constitutivo do crime, nem sequer qualquer circunstância que seja susceptível de 
 afastar o carácter de censura ético‑jurídica da infracção: o que sucede é que, 
 por considerações de política legislativa, se entende ser de dispensar a 
 aplicação da pena quando, apesar de se verificarem todos os pressupostos do 
 tipo legal, o arguido procedeu ainda em tempo útil ao pagamento da prestação em 
 dívida.
 
             Estamos assim perante uma condição objectiva de punibilidade que é 
 externa ao recorte típico do ilícito penal – consubstanciado na não entrega à 
 Administração da prestação tributária – e que, tendo sido introduzida em lei 
 penal posterior ao momento da prática do facto ilícito e da própria dedução da 
 acusação, não poderia deixar de ser considerada pelo julgador segundo o 
 princípio da aplicação retroactiva da lei mais favorável, que emerge do artigo 
 
 2.º, n.º 4, do Código Penal.
 
             Não há, por outro lado, aqui uma qualquer violação do princípio do 
 acusatório, visto que não se trata de uma alteração substancial dos factos 
 constantes da acusação – que ao tribunal de julgamento sempre estaria vedado 
 conhecer (artigo 358.º do Código de Processo Penal) –, mas de uma mera 
 verificação da existência de um requisito de procedibilidade sem o qual o 
 tribunal não pode emitir uma pronúncia condenatória.
 
             Sendo de notar, aliás, que o tribunal de julgamento está sujeito a 
 um rigoroso ónus de averiguação oficiosa em vista à descoberta da verdade e à 
 boa decisão da causa (artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, também 
 aplicável nos tribunais de recurso por remissão do artigo 423.º, n.º 5), que 
 naturalmente abrange a verificação de quaisquer circunstâncias que possam 
 obstar à aplicação ao arguido de uma sanção penal.
 
             Por outro lado, não estando em causa – como se anotou – a 
 factualidade constante do libelo acusatório, que se mantém na sua 
 integralidade, não ocorreu qualquer violação do princípio das garantias de 
 defesa do arguido, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP. A notificação para 
 o arguido proceder ao pagamento da prestação tributária em falta, nos termos da 
 nova redacção dada à alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, não constitui 
 um novo facto punível ou um novo elemento do tipo legal de crime de abuso de 
 confiança fiscal, relativamente ao qual se tornasse exigível que o interessado 
 viesse a deduzir a sua defesa antes ainda de poder ser presente a julgamento. Do 
 que se trata é de uma nova oportunidade que é dada ao arguido para evitar a 
 punição (por factos pelos quais foi acusado em devido tempo e relativamente aos 
 quais teve possibilidade de se defender), que, traduzindo‑se num mero trâmite 
 procedimental, pode ser realizado em qualquer fase do processo (e, por 
 conseguinte, também na própria fase de julgamento), e que não envolve qualquer 
 agravamento da posição processual do arguido (competindo‑lhe apenas satisfazer 
 ou não, em função do objectivo previsto na lei, a cominação de pagamento da 
 prestação em dívida dentro de determinado prazo contado a partir da 
 notificação).
 
             Por tudo o que se expôs, é ainda patente que não se verifica a 
 alegada ofensa do princípio da independência dos tribunais, protegido pelo 
 artigo 203.º da Constituição, e que, segundo os recorrentes, resultaria de a 
 norma do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT vir permitir que o julgador 
 interfira na acusação e assim se substitua a outros órgãos do Estado.
 
             Como ficou suficientemente demonstrado, a norma em causa, ao 
 possibilitar que o juiz proceda à referida notificação, na fase de julgamento, 
 não compromete a imparcialidade e isenção do julgador nem põe em crise o 
 princípio da separação de poderes. O juiz, na circunstância, não pratica 
 qualquer acto próprio do acusador ou do juiz de instrução, nem acata quaisquer 
 ordens ou instruções que provenham de outros poderes do Estado, mas limita‑se a 
 exercer uma competência própria, em sede de julgamento, que é a de praticar uma 
 acto instrumental tendente a verificar a existência de condição de punibilidade 
 que tem relevo para efeito de emitir a decisão final de condenação ou 
 absolvição.»
 
  
 
             Finalmente, o Acórdão n.º 23/2009, após reproduzir a fundamentação 
 dos Acórdãos n.ºs 409/2008 e 531/2008, aditou o seguinte:
 
  
 
             «6. Estas razões são perfeitamente transponíveis para o presente 
 recurso, analisando todos os aspectos de constitucionalidade que conduziram o 
 tribunal a quo a desaplicar as normas em causa. Delas resulta que o julgado não 
 pode manter‑se, em qualquer das vertentes em que a decisão recorrida desdobrou 
 a inconstitucionalidade que julgou descortinar na iniciativa do juiz de 
 julgamento de mandar proceder à notificação a que se refere a alínea b) do n.º 
 
 4 do artigo 105.º do RGIT, em processos cuja acusação se encontrasse já 
 deduzida à data da entrada em vigor da Lei n.º 53‑A/2006, que introduziu tal 
 condição de procedibilidade.
 
             Com efeito, embora directamente dirigidas à dimensão 
 orgânico‑funcional da questão de constitucionalidade, tais razões são 
 igualmente pertinentes quanto à sua dimensão ou vertente procedimental. O acto 
 acusatório não faz nem podia fazer referência à notificação e à reacção do 
 agente da infracção pela elementar razão de que se trata de factos posteriores. 
 Porém, como o Tribunal tem decidido e agora confirma, dado por assente que o 
 juiz de julgamento pode (ou, até, deve), sem com isso infringir o princípio do 
 acusatório, diligenciar no sentido de assegurar a verificação da condição de 
 procedibilidade introduzida pela lei nova mais favorável ao arguido, a 
 circunstância de a sentença condenatória tomar em consideração o resultado de 
 tal diligência não pode infringir o mesmo princípio. Ao assim proceder o juiz 
 não condena o arguido por factos não constantes da acusação, uma vez que não se 
 trata de factos constitutivos do crime, segundo a interpretação do direito 
 ordinário que não foi posto em causa (Contra esse ponto do acórdão de 
 uniformização de jurisprudência não se insurge a sentença recorrida). O que 
 desse acto não consta nem podia constar são condições de punibilidade que à sua 
 data não eram exigidas e que só se tornou necessário averiguar em benefício do 
 arguido, para assegurar o princípio da aplicação da lei penal mais favorável. A 
 consideração de tais factos não quebra a substancial identidade de objecto do 
 processo entre o acto acusatório e a sentença condenatória.»
 
    
 
             É esta firme orientação no sentido da não inconstitucionalidade que 
 ora se reitera.
 
  
 
             6. Finalmente, quanto à questão da inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 14.º do RGIT, enquanto condiciona a suspensão da execução da pena de 
 prisão ao pagamento da prestação tributária em dívida e acréscimos legais, é 
 numerosa a uniforme jurisprudência deste Tribunal no sentido da não 
 inconstitucionalidade: cf. Acórdãos n.ºs 256/2003, 335/2003, 500/2005, 
 
 309/2006, 543/2006, 587/2006, 29/2007, 61/2007, 377/2007 e 563/2008 e Decisões 
 Sumárias n.ºs 4/2006, 167/2006, 193/2006, 306/2006, 56/2007, 155/2007, 635/2007 
 e 276/2008.
 
             Concordando-se inteiramente com este julgamento reiterado, remete-se 
 para a fundamentação constante dos mencionados Acórdãos e Decisões Sumários 
 
 [todos eles, tal como os citados nos pontos anteriores, com texto integral 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt.], tendo já sido reproduzida, na 
 transcrição feita do n.º 5 do acórdão ora recorrido (supra, n.º 3.2), o cerne da 
 fundamentação do Acórdão n.º 335/2003.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente desenvolve 
 a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “I – 1. No seu requerimento de recurso, o recorrente disse:
 
             «1. Se tivermos em conta a constância da jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, é caso para se dizer que este recurso está condenado ao 
 fracasso e, por isso, não deverá ser intentado.
 
             2. Sendo certo que algum dos aspectos que o recorrente invoca como 
 causa da inconstitucionalidade dos artigos 24.º do RJIFNA e 105.º do RGIT já 
 foram objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, e que este Tribunal 
 neles não viu razões para declarar a sua inconstitucionalidade, não é menos 
 verdade que o recorrente lançou neste processo, novos aspectos, uns 
 respeitantes àquelas normas – ao tipo em si –, outras respeitantes ao caso 
 especifico da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, e outras respeitantes 
 ao artigo 14.º deste diploma.
 
             3. Esses aspectos, mormente no que respeita ao tipo, 
 correlacionam‑se com o seguinte:
 
             – o tipo obnubila mas supõe a instituição, nas relações tributárias 
 por substituição, de uma relação de trabalho imposto, não escolhido e não 
 remunerado;
 
             – o tipo pressupõe, para que haja abuso de confiança, uma relação 
 fundada num consenso de confiança, manifestamente não firmado;
 
             – As relações tributárias por substituição, mormente as de IVA, têm 
 características de contrato administrativo imposto por lei (como outros mais que 
 existem);
 
             – Essas relações por substituição constituem‑se por incrustação nas 
 demais relações de crédito do devedor substituto;
 
             – Por esta última razão, os créditos do credor tributário passam a 
 comungar dos riscos das relações a que são incrustadas as relações por que se 
 constituem.
 
             4. No que respeita à alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, a 
 violação do princípio da separação de poderes não pode deixar de merecer uma 
 especial revisão.
 
             5. E no que tange ao disposto do artigo 14.º do RGIT, na perspectiva 
 da suspensão da pena condicionada imperativamente ao pagamento da divida, não 
 poderá deixar de merecer uma especial análise a natureza dessa norma que, mais 
 que norma jurídica, configura um despacho normativo.
 
             6. Como a realidade nunca é perceptível pela análise (que seria 
 atomismo) parcelar dos seus elementos constituintes, as normas em causa são 
 inconstitucionais pelas razões invocadas nas conclusões 24.º a 28.º das 
 alegações de recurso, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, onde se 
 procura, ainda que em síntese, determinar as inconstitucionalidades do artigo 
 
 105.º; quanto à tipificação, da alínea b) do n.º 4 deste artigo e do artigo 
 
 14.ºdo RGIT, e onde se indicam as normas constitucionais e legais (estas de 
 direito internacional) violadas.
 
             7. As inconstitucionalidades foram suscitadas na contestação da 
 acusação e, sobretudo, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do 
 Porto, nas conclusões referidas atrás (24.º a 28.º) e parágrafos 91 a 216.
 
             8. Este recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 
 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.»
 
             2. A douta decisão sob a reclamação afirma que:
 
             «(...) o presente recurso surge como inadmissível, na parte em que 
 vem interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por a 
 decisão recorrida não ter aplicado qualquer norma cuja ilegalidade houvesse sido 
 suscitada pelo recorrente com fundamento em violação da lei com valor reforçado 
 
 (...)»;
 
             «Na parte em que o recurso se funda na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC, como resulta do próprio requerimento de interposição de recurso, as 
 questões nele suscitadas já foram objecto de anteriores decisões do Tribunal 
 Constitucional, o que possibilita a prolação de decisão sumária (...).» 
 
 (sublinhado nosso).
 
             II – 3. O recorrente também fundou o recurso no disposto na alínea 
 f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por razões de cautela, visto que as normas 
 cuja invalidade sustenta, em termos literais, até contendem mais com as normas 
 de direito internacional invocadas que com as normas constitucionais. Essas 
 normas de direito internacional têm sido entendidas ora como direito 
 constitucional ora como normas de valor intermédio, entre as normas 
 constitucionais e as normas ordinárias. Se forem entendidas como normas 
 intermédias – supra‑ordinárias –, não poderão deixar de ter valor normativo 
 idêntico ao das normas de valor reforçado ...
 
             III – 4. Independentemente da questão referida no ponto anterior, o 
 problema, quanto ao fundo (validade versus invalidade), é sempre o mesmo, seja 
 qual for a perspectiva: ilegalidade ou inconstitucionalidade.
 
             E no modesto entendimento do recorrente, é um problema que merece 
 ser reconsiderado, apesar dos tempos serem pouco propícios, o que até se nota no 
 erro que este Tribunal cometeu na interpretação do requerimento de interposição 
 do recurso.
 
             5. Na verdade, não «resulta do próprio requerimento de interposição 
 de recurso» que o recorrente reconhece que «as questões nele suscitadas já foram 
 objecto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional»; aí reconhece-se, 
 sim, que «a constância da jurisprudência do Tribunal Constitucional» sobre a 
 constitucionalidade dos artigos 105.º e 14.º do RGIT, como que dissuade a 
 
 «tentação» do recurso, e «que algum dos aspectos que o recorrente invoca como 
 causa da inconstitucionalidade (...) já foram objecto de apreciação pelo 
 Tribunal Constitucional (...)» (sub., agora). 
 
             Mas aí também se diz que «não é menos verdade que o recorrente 
 lançou neste processo novos aspectos, uns respeitantes àquelas normas – ao tipo 
 em si –, outras respeitantes ao caso específico da alínea b) do n.º 4 do artigo 
 
 105.º do RGIT, e outras respeitantes ao artigo 14.º deste diploma» 
 
 (sublinhamos, agora).
 
             6. Ou seja: o recorrente disse que trazia «algo mais» à discussão – 
 embora não escondesse como que um «desconfiado‑desconforto», decorrente da 
 
 «constância da jurisprudência» que tem confirmado a constitucionalidade das 
 normas em causa, em que esta «constância», mais parecendo sedimentação 
 consolidada, tornaria o «volte‑face» como improvável. Por outras palavras: o 
 recorrente disse que algum – queria dizer, mas disse mal no requerimento, alguns 
 
 – dos aspectos que lançava para apreciação não eram novos, mas que lançava novos 
 aspectos que talvez justificassem reconsideração.
 
             IV – 7. No seu requerimento da interposição do recurso o recorrente 
 afirmou pois que, no processo, mormente nas alegações de recurso para o 
 Tribunal da Relação do Porto, trouxe à colação novos aspectos desta vexata 
 quaestio (que só tem sido, reconheça‑se, graças ao inconformismo daqueles que 
 têm assumido defesas). Esses novos aspectos respeitariam ao tipo, ao caso 
 específico do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), e ao disposto no artigo 14.º 
 
 (todos do RGIT).
 
             8. Aquilo que o recorrente entende serem novos aspectos não é 
 propriamente uma aparência ou aparências que ainda não tenham sido 
 consideradas, nas dimensões ou modos‑de‑ser do facto penalmente relevante que 
 não podem deixar de ter significado jurídico (pelo menos em termos de 
 plausibilidade).
 
             9. Se olharmos para a história do chamado crime de abuso de 
 confiança fiscal, quer nas suas metamorfoses legislativas quer no entendimento 
 dogmático que a jurisprudência lhe foi dando, encontramos uma «entrada em cena» 
 da criatura como uma evidência: apropriação de um objecto de terceiro, entregue 
 ao apropriador por título não translativo da propriedade, em que este, 
 defraudando a confiança em si depositada (pelo dominus? pelo entregador?), 
 inverteu o título de posse (precária) da coisa, fazendo‑a sua.
 
             Esta configuração legal, apesar de algumas atinências com o facto 
 real, não era congruente com este, em muitos aspectos, até por força de outras 
 normas de direito comercial, contabilístico, de imposto sobre o rendimento, de 
 imposto sobre o valor acrescentado, da segurança social, procedimental, etc.
 
             10. Apesar disso, foi impressionante o que foi dito em inúmeras 
 laudas acusatórias e decisórias, em «defesa» da apropriação.
 
             11. A lei foi mudando, em busca das âncoras que lhe escapavam, mas 
 os entendimentos, com mais menos paralogismos e petições de princípio, nunca 
 conseguiram escapar ao enredo criado.
 
             12. Nas aludidas alegações de recurso, o recorrente retomou os temas 
 persistentes, mas procurou demonstrar que outros aspectos existiam, aspectos 
 que não são mera aparência, mas facetas ou dimensões reais, que relevam 
 juridicamente e que, pensa, não terem sido objecto de reflexão em sede 
 constitucional (salvo erro involuntário).
 
             Por isso, entende que essas questões de sempre devem ser 
 consideradas em associação com essas novas facetas, que desenvolveu com alguma 
 exaustão, quer em alegações quer nas conclusões.
 
             Dessas novas facetas ou «novos aspectos» deu resumida notícia no 
 requerimento de recurso, a título de exemplo, onde assinalou que:
 
             – o tipo instituído obnubila, pela via da relação por substituição, 
 uma relação de trabalho imposto, não escolhido e não remunerado;
 
             – o tipo pressupõe uma relação de confiança, ou seja um consenso de 
 confiança manifestamente não firmado;
 
             – a relação por substituição tem as características de contrato 
 administrativo imposto por lei;
 
             – as relações por substituição constituem‑se por incrustação nas 
 demais relações de crédito do devedor;
 
             – por causa da incrustação, os créditos do credor tributário passam 
 a comungar dos riscos das relações a que são incrustadas;
 
             – por causa do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, 
 há situação de violação do princípio da separação de poderes, que importa 
 rever;
 
             – o disposto no artigo 14.º configura uma norma típica de despacho 
 normativo.
 
             13. Os aspectos sumariados – que o recorrente gostaria de 
 escalpelizar e desenvolver mais em pertinentes alegações – parecem evidenciar 
 algo que ainda não foi devidamente debatido.
 
             Atento o alegado, a douta decisão sob reclamação deverá ser revogada 
 e o recorrente notificado para oferecer alegações.”
 
  
 
                         1.3. Notificado da apresentação da precedente 
 reclamação, o representante do Ministério Público neste Tribunal apresentou a 
 seguinte resposta:
 
  
 
             “1.º – A presente reclamação carece de fundamento.
 
             2.º – Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os 
 fundamentos da decisão reclamada, quer no que toca ao não conhecimento do 
 recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, quer enquanto lhe negou provimento por não considerar 
 inconstitucionais as normas dos artigos 14.º e 105.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do 
 Regime Geral das Infracções Tributárias.
 
             3.º – Aliás, no que respeita à decisão de mérito, o que o 
 reclamante, no fundo, questiona é o facto de a questão ter sido considerada 
 simples, para efeitos de prolação de decisão sumária.
 
             4.º – Ora, tal questão foi expressa e autonomamente tratada na 
 decisão (fls. 511 e 512), em termos com os quais concordamos inteiramente, não 
 se vislumbrando na reclamação apresentada qualquer argumento que possa levar à 
 alteração do entendimento ali expresso.” 
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2.1. Quanto à decisão de não conhecimento do recurso 
 interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por na 
 respectiva previsão não caberem as questões de contrariedade de norma constante 
 de acto legislativo com convenção internacional, aduz o recorrente que as normas 
 de direito internacional “não poderão deixar de ter valor idêntico ao das normas 
 de valor reforçado”.
 
                         No entanto, como é sabido, a atribuição expressa, pela 
 alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, aditada pela Lei n.º 85/89, de 7 de 
 Setembro, da competência para o Tribunal Constitucional apreciar questões de 
 contrariedade de norma constante de acto legislativo com convenção 
 internacional “visou resolver a radical divergência que se havia instalado 
 entre as duas Secções daquele quanto a saber se, suposto um princípio 
 constitucional de primazia do direito internacional convencional recebido in 
 foro domestico sobre a lei (retirado pela doutrina dominante, mas decerto não 
 unânime, do artigo 8.º, n.º 2, da CRP), e verificando‑se a contrariedade de uma 
 lei interna posterior com um tratado, estaríamos aí, ou não, perante um vício de 
 
 «inconstitucionalidade», que ao Tribunal Constitucional coubesse conhecer” 
 
 (José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª 
 edição, Coimbra, 2007, p. 38, nota 40). E resulta da opção legislativa tomada a 
 autonomização da figura da contrariedade de norma legal interna com convenção 
 internacional quer face à figura da inconstitucionalidade (por violação directa 
 de normas ou princípios constitucionais), quer face às figuras das ilegalidades 
 cognoscíveis pelo Tribunal Constitucional (por violação de lei com valor 
 reforçado, de estatuto de região autónoma e de lei geral da República, tendo 
 esta última categoria sido eliminada na revisão constitucional de 2004). Para 
 este efeito, “leis com valor reforçado” são as que constam do elenco do n.º 3 do 
 artigo 112.º da CRP (cf. Acórdão n.º 374/2004) e são sempre normas de direito 
 interno, não tendo cabimento a inclusão das convenções internacionais nessa 
 categoria (o que, aliás, inutilizaria a previsão específica da alínea i) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC).
 
                         Não tendo a decisão recorrida aplicado norma cuja 
 ilegalidade, com fundamento em violação de lei com valor reforçado, tivesse 
 sido suscitada pelo recorrente, é de manter o entendimento da decisão sumária 
 reclamada no sentido da inadmissibilidade do recurso interposto ao abrigo da 
 alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
  
 
                         2.2. Quanto aos juízos sobre o mérito do recurso, 
 reitera‑se o entendimento no sentido da admissibilidade de prolação de decisão 
 sumária, com fundamento em tratar‑se de “questão simples”, por a 
 constitucionalidade das normas impugnadas já ter sido objecto de anteriores do 
 Tribunal Constitucional, não constituindo obstáculo a tal tipo de decisão a 
 eventualidade de não terem sido esgotantemente considerados, nos precedentes 
 acórdãos, todos os argumentos esgrimidos pelos recorrentes.
 
                         Aliás, quanto à incriminação do abuso de confiança 
 fiscal, a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, cuja fundamentação 
 largamente se reproduziu no n.º 4 da decisão sumária ora reclamada, já havia 
 tomado em consideração as observações relativas aos elementos do tipo, que se 
 entendeu pressuporem “a existência de uma obrigação de entrega à Administração 
 Tributária de uma prestação tributária deduzida nos termos da lei e a falta 
 dolosa dessa entrega”, não tendo aquela obrigação por fonte qualquer contrato, 
 entes derivando da lei, encontrando‑se o obrigado instituído em posição próxima 
 da do fiel depositário. Tratando‑se de um dever legal tido por essencial “para a 
 realização dos fins do Estado, quer para prover à satisfação das suas 
 necessidades financeiras, quer também para prosseguir o objectivo de uma 
 repartição justa de rendimentos e riqueza, constitucionalmente consagrado”, 
 deste entendimento resulta necessariamente a rejeição da tese, sustentada pelo 
 recorrente, de que estaríamos perante a imposição, por contrato administrativo, 
 de uma relação de trabalho forçado, não remunerado.
 
                         Quanto à norma do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do 
 RGIT, o argumento da violação do princípio da separação de poderes foi 
 expressamente tratado, para ser repelido, no Acórdão n.º 409/2008, cuja 
 fundamentação relevante foi reproduzida no n.º 5. da decisão sumária ora 
 reclamada.
 
                         Por último, a norma do artigo 14.º do RGIT, ao 
 estabelecer, de forma geral e abstracta, uma condição à faculdade de o tribunal 
 decretar a suspensão da execução da pena de prisão, em todas as situações em que 
 essa faculdade se lhe depare, assume claramente natureza de acto legislativo (e 
 não de acto regulamentar ou de acto individual), carecendo totalmente de 
 sentido a tese do recorrente que lhe atribui, sem fundamentação minimamente 
 consistente, a natureza de “despacho normativo”.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 12 de Maio de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos